Open-access Avaliação no campo de um TDR segmentado para estimativa da umidade do solo

Field evaluation of a TDR multilevel probe for soil moisture measurements

Resumos

O uso da técnica da reflectometria no domínio do tempo (TDR), para determinação da umidade do solo, vem ganhando cada vez mais espaço e a medição da umidade por camadas do solo através de hastes segmentadas é um recurso que amplia a utilidade desta técnica. Estudos do desempenho do TDR com hastes segmentadas são poucos e sugerem problemas na sua utilização. Um experimento com 48 hastes TDR de cinco segmentos, instaladas em uma transeção num Latossolo Vermelho-amarelo, de textura média, foi conduzido em dois períodos nos anos de 2000 e 2001, com a coleta de dados de umidade através de tensiometria e da leitura do TDR. Efetuou-se uma determinação intensiva de curvas de retenção da água no solo, de modo a se utilizar, como padrão, a umidade determinada por tensiometria. A análise dos dados revelou que o padrão de variação das leituras do TDR divergiu entre os dois períodos, ao contrário da umidade. Não foi possível encontrar uma curva de calibração que pudesse ser utilizada em todas as hastes. Ajustes por profundidade ou por haste exibiram coeficientes de determinação muito baixos. As curvas de calibração ajustadas aos dados de cada segmento mostraram grande variedade de respostas, com coeficientes de determinação desde próximo de zero até acima de 0,98, não sendo possível identificar tendências nessas variações; além do que, elas não se manifestaram correlacionadas entre um período e outro mas, de modo geral, indicaram menor variabilidade e maior coeficiente de determinação para o primeiro período que para o segundo. A análise de semelhanças do coeficiente angular das retas de calibração sugere dependência espacial para algumas camadas, embora não tenha sido possível modelá-la; também, não se encontrou relação da calibração com alguns atributos do solo determinados. Referidas análises foram comprometidas pela grande variabilidade encontrada para a taxa de resposta do TDR em função da umidade do solo, o que, na prática, pode inviabilizar o uso deste tipo de TDR segmentado no campo.

teor de umidade no solo; calibração no campo; tensiometria


The time domain reflectometry (TDR) technique has become a popular way of measuring soil water content and the use of multilevel probes increases its applicability. The few existent studies about multilevel probes in the field suggest their use could be problematic. An experiment with 48 five-segment probes was conducted in a transect in a Red-yellow Oxisol during two periods in 2000 and 2001, collecting data of soil water content by tensiometry simultaneously with the respective TDR measurement. Detailed soil water retention curves were obtained to allow use of tensiometer observations as a standard. Analysis showed that TDR response pattern was different between periods contrary to soil water content. It was not possible to obtain a calibration curve that could be used for all probes. Adjustments per probe or layer showed very small determination indexes. Calibration curves fitted to the data per segment showed high variability, with coefficient of determination between close to zero and above 0.98, and no trends were found in these variations. Calibration curves from the first period were not correlated to those from the second. Generally variations were smaller and determination cofficientes higher for the first period. Spatial dependence appeared to exist between calibration curves at some depths, but it could not be modeled. No correlation was found between calibration and some soil attributes. These analyses were difficult due to the large variability found for the relation between TDR response and soil water content, suggesting this kind of TDR probe is unsuitable for field applications.

soil water content; field calibration; tensiometry


MANEJO DE ÁGUA E SOLO

Avaliação no campo de um TDR segmentado para estimativa da umidade do solo1

Field evaluation of a TDR multilevel probe for soil moisture measurements

Rogerio Cichota; Quirijn de Jong van Lier

ESALQ/USP, Departamento de Ciências Exatas,CP 9, CEP 13418-900, Piracicaba, SP. Fone: (19) 3429-4283.

E-mail: rcichota@hortresearch.co.nz, qdjvlier@esalq.usp.br

RESUMO

O uso da técnica da reflectometria no domínio do tempo (TDR), para determinação da umidade do solo, vem ganhando cada vez mais espaço e a medição da umidade por camadas do solo através de hastes segmentadas é um recurso que amplia a utilidade desta técnica. Estudos do desempenho do TDR com hastes segmentadas são poucos e sugerem problemas na sua utilização. Um experimento com 48 hastes TDR de cinco segmentos, instaladas em uma transeção num Latossolo Vermelho-amarelo, de textura média, foi conduzido em dois períodos nos anos de 2000 e 2001, com a coleta de dados de umidade através de tensiometria e da leitura do TDR. Efetuou-se uma determinação intensiva de curvas de retenção da água no solo, de modo a se utilizar, como padrão, a umidade determinada por tensiometria. A análise dos dados revelou que o padrão de variação das leituras do TDR divergiu entre os dois períodos, ao contrário da umidade. Não foi possível encontrar uma curva de calibração que pudesse ser utilizada em todas as hastes. Ajustes por profundidade ou por haste exibiram coeficientes de determinação muito baixos. As curvas de calibração ajustadas aos dados de cada segmento mostraram grande variedade de respostas, com coeficientes de determinação desde próximo de zero até acima de 0,98, não sendo possível identificar tendências nessas variações; além do que, elas não se manifestaram correlacionadas entre um período e outro mas, de modo geral, indicaram menor variabilidade e maior coeficiente de determinação para o primeiro período que para o segundo. A análise de semelhanças do coeficiente angular das retas de calibração sugere dependência espacial para algumas camadas, embora não tenha sido possível modelá-la; também, não se encontrou relação da calibração com alguns atributos do solo determinados. Referidas análises foram comprometidas pela grande variabilidade encontrada para a taxa de resposta do TDR em função da umidade do solo, o que, na prática, pode inviabilizar o uso deste tipo de TDR segmentado no campo.

Palavras-chave: teor de umidade no solo, calibração no campo, tensiometria

ABSTRACT

The time domain reflectometry (TDR) technique has become a popular way of measuring soil water content and the use of multilevel probes increases its applicability. The few existent studies about multilevel probes in the field suggest their use could be problematic. An experiment with 48 five-segment probes was conducted in a transect in a Red-yellow Oxisol during two periods in 2000 and 2001, collecting data of soil water content by tensiometry simultaneously with the respective TDR measurement. Detailed soil water retention curves were obtained to allow use of tensiometer observations as a standard. Analysis showed that TDR response pattern was different between periods contrary to soil water content. It was not possible to obtain a calibration curve that could be used for all probes. Adjustments per probe or layer showed very small determination indexes. Calibration curves fitted to the data per segment showed high variability, with coefficient of determination between close to zero and above 0.98, and no trends were found in these variations. Calibration curves from the first period were not correlated to those from the second. Generally variations were smaller and determination cofficientes higher for the first period. Spatial dependence appeared to exist between calibration curves at some depths, but it could not be modeled. No correlation was found between calibration and some soil attributes. These analyses were difficult due to the large variability found for the relation between TDR response and soil water content, suggesting this kind of TDR probe is unsuitable for field applications.

Key words: soil water content, field calibration, tensiometry

INTRODUÇÃO

Devido à importância da água no desenvolvimento das plantas e suas implicações em várias propriedades do solo, a determinação do teor de água no solo sempre foi de grande interesse, tanto no aspecto científico como no econômico. Vários são os métodos e equipamentos para a determinação da umidade do solo; nenhum, porém, consegue fornecer uma estimativa rápida, confiável e de baixo custo, em particular. A reflectometria no domínio do tempo (TDR) vem despertando interesse sobretudo pela possibilidade de leituras em tempo real e automatizadas, com equipamento de fácil manuseio, porém seu custo é alto e há necessidade de calibração para cada caso.

Este método se baseia na mensuração da permissividade dielétrica aparente do solo, que é fortemente influenciada pelo teor de água. A medição da permissividade pela técnica desenvolvida por Fellner-Feldegg (1969) consiste em avaliar o tempo entre a emissão de um pulso eletromagnético num condutor e a recepção de seu reflexo. A relação da permissividade relativa (k) com o tempo mensurado (t) é dada pela Eq. (1), em que c é a velocidade da luz no vácuo e L o comprimento do condutor (haste). A técnica adaptada ao uso na Agronomia por Davis & Chudobiak (1975), começou a tornar-se popular a partir dos estudos sobre calibração desenvolvidos por Topp et al. (1980). Esses autores mostraram que, para vários tipos de solo, a relação da umidade com a permissividade dielétrica é muito pouco influenciada pela textura, salinidade e temperatura do solo, propondo ainda uma equação geral de calibração. Vários estudos posteriores corroboram a aplicabilidade do método nos estudos da umidade no solo (por exemplo, Topp et al., 1982; Topp & Davis, 1985; Drungil et al., 1989; Grantz et al., 1990); no entanto, diversos autores citam problemas na calibração em alguns tipos de solo ou na viabilidade do uso das hastes tradicionais em experimentos específicos, como a determinação do perfil de umidade do solo (Dobson et al., 1985; Hook et al., 1992; Jacobsen & Schjonning, 1993; Roth et al., 1992; Dirksen & Dasberg, 1993).

(1)

Equipamentos com hastes diferenciadas para medição da umidade do solo por camadas, vêm sendo apresentados (Topp et al., 1982; Zegelin, et al., 1989; Hook et al., 1992; Feng et al. 1999; Miyamoto et al., 2001). Hook et al. (1992) propõem o uso de diodos interligando duas hastes, que podem abrir ou fechar o circuito o qual, por sua vez, é percorrido pelo pulso eletromagnético; a subtração das leituras com diodo aberto e fechado possibilita identificar-se mais claramente o ponto em que o diodo está instalado, pois reduz a influência de ruídos eletrônicos, melhorando a interpretação do sinal. Os diodos podem ser instalados em qualquer ponto das hastes e, assim, servem para segmentá-las eletronicamente. Este expediente permite que, com uma única haste modificada, seja determinada a umidade do solo em várias camadas, simultaneamente.

A relação da leitura do TDR com a umidade do solo, expressa por sua curva de calibração, pode ser descrita por modelos estatísticos totalmente empíricos, ou baseados em princípios físicos ou, ainda, mistos. Esta curva pode ser da umidade em função da permissividade ou do tempo medido pelo equipamento; este último deve resultar em uma relação linear (Hook et al., 1992). A calibração tem-se mostrado como ponto crítico no uso do TDR, pois várias são as proposições e, deste modo, nenhuma é passível de uso sem uma verificação específica para cada solo ou situação de uso. As razões para isto são diversas, desde variações do tipo de solo (densidade, granulometria, mineralogia, etc.) das hastes e do modo como são instaladas, entre outros fatores ou, ainda, da sua combinação.

São comuns as calibrações de TDR realizadas em laboratório, utilizando-se amostras de solo deformadas; no campo; entretanto, a resposta do aparelho e sua relação com a umidade do terreno podem ser influenciadas pela instalação inadequada das hastes. A compressão do solo ou a formação de fendas pode alterar sensivelmente a representatividade da constante dielétrica do entorno da haste em relação ao solo. Há, ainda, a possível influência do clima e os efeitos da permanência do equipamento no campo. Experimentos no campo, porém, são dificultados pela impossibilidade do controle da umidade do solo e pela definição da umidade de referência. O método gravimétrico não permite muitas repetições, enquanto os demais métodos requerem uma calibração adicional, o que aumenta as fontes de possíveis erros; além disso, ainda tem-se o problema da variabilidade espacial. De qualquer modo e reconhecidas as suas limitações, a avaliação no campo parece ser indispensável. Em alguns experimentos de campo, que exigem medições continuadas, são utilizadas como referência na medição da umidade do solo, a sonda de nêutrons e a tensiometria, esta última com metodologia de uso e qualidade de resultados largamente conhecidos. Com uma curva de retenção bem descrita, a qualidade da determinação da umidade por esse método é amplamente aceita e seria suficiente para fornecer valores de referência para estudos de calibração. Estudos de avaliação de equipamentos de hastes segmentadas no campo são poucos (Dasberg et al., 1995; Serrarens et al., 2000) e dão indicativos de aumento da dispersão dos valores em torno da curva de calibração, comparados aos resultados em laboratório, e variações importantes entre hastes diferentes. O objetivo deste trabalho foi avaliar o desempenho de várias hastes segmentadas, em condições de campo, buscando-se verificar a existência de variabilidade do padrão de resposta entre hastes distribuídas no terreno em dois anos consecutivos.

MATERIAL E MÉTODOS

Um experimento, originalmente delineado para estudos de condutividade hidráulica do solo, foi realizado no Campus da ESALQ/USP, em um terreno aparentemente homogêneo, com solo Latossolo Vermelho-amarelo, álico, de textura média e relevo plano a suavemente ondulado. Utilizou-se um equipamento de TDR da ESI2 , modelo Moisture Point, MP-917, com hastes segmentadas eletronicamente, cada uma com cinco segmentos de 0,15 m. Ao redor de cada haste, a aproxima-damente 0,10 m, foram instalados cinco tensiômetros com manômetro de mercúrio, cada um na profundidade média do segmento do TDR. Instalaram-se 48 desses conjuntos, ou baterias, ao longo de uma transeção aproximadamente perpendicular à declividade do terreno, espaçados 1 m. Antes da coleta de dados, o terreno, livre de plantas, foi irrigado e coberto com lona plástica, num entorno de 10 m da transeção.

Foram coletados dois conjuntos de dados correspondendo aos períodos de 19/07 a 15/08 de 2000 e 03/10 a 22/11 de 2001. Os equipamentos foram instalados cerca de 60 dias antes do primeiro período de coletas e as leituras do TDR e tensiômetro foram tomadas simultaneamente em cada ponto de preferência no início da manhã, utilizando-se cerca de duas horas para o total das 48 baterias. Como o experimento permaneceu coberto com lona plástica nos dois períodos, não foi possível se resolver alguns problemas com os tensiômetros ou hastes; assim, alguns pontos não puderam ser utilizados e as baterias 27 e 30 foram eliminadas da análise.

Para converter as leituras do tensiômetro em umidade, confeccionaram-se 24 curvas de retenção da água no solo para cada profundidade e se coletaram as amostras para sua confecção no meio de duas baterias, às quais estava relacionada; assim, a distância média entre o ponto de coleta das amostras e a repetição em que se utilizou a curva, correspondente ao ponto, foi de 0,50 m (Figura 1); a curva de retenção de cada ponto foi obtida utilizando-se dados experimentais de três amostras por profundidade, nas quais foi efetuada uma análise de variabilidade para verificar a consistência dos resultados das amostras e, assim, das curvas (Cichota, 2003). Paralelamente, foram coletadas amostras para determinação da densidade do solo, densidade das partículas e da granulometria. O resumo dessas análises encontra-se na Tabela 1.


Para se chegar às equações de calibração, utilizaram-se o teor de água no solo (q, m3 m-3), provido pela tensiometria, e as leituras de tempo em nanossegundos (ns) do equipamento de TDR (TTTDR, ns). Esta relação foi escolhida, pois deve ser aproximadamente linear (Hook et al., 1992). As equações se basearam no modelo de regressão linear simples:

(2)

Os parâmetros empíricos do modelo a e b (ns-1) foram estimados pelo método dos quadrados mínimos (Sen & Srivastava, 1990), atribuindo-se pesos iguais a todos os valores observados.

Efetuaram-se ajustes de calibração para cada haste, com todos os segmentos; para cada profundidade, com todas as hastes, bem como de cada segmento de haste separadamente. Esses ajustes foram realizados para cada um dos conjuntos, correspondendo a cada período de observação e para o conjunto total de dados.

As curvas de calibração foram estudadas com base nas análises de tendência, correlação e semelhança. Na análise de tendência, procurou-se identificar padrões sistemáticos de variação dos parâmetros da reta e das medidas de qualidade (coeficiente de determinação) do ajuste ao longo da transeção. A análise de semelhança baseou-se no valor dos parâmetros da reta e em seus respectivos intervalos de confiança; já a correspondência dos padrões de variação entre pontos e períodos distintos e a verificação de relação entre as curvas, foi efetuada pelo exame da correlação entre conjuntos, além de estudadas as correlações entre os parâmetros da curva de calibração e de suas semelhanças entre os vários pontos, ao longo da transeção, entre profundidades e entre os dois períodos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A faixa ou amplitude observada para as leituras do TDR e para a umidade, variou bastante de ponto para ponto, tanto ao longo da transeção como em profundidade e entre um período e outro. A Figura 2 mostra, como exemplo, os gráficos com as amplitudes e médias da umidade medida pelo tensiômetro e as leituras do TDR, para a camada superficial (0-0,15 m) nos dois períodos de observação. Não foi possível se identificar tendências de variação para as amplitudes nem para as médias, exceto a diminuição da amplitude com a profundidade. A análise de semelhanças identificou que a maioria dos pontos foi estatisticamente igual, seja para a umidade ou para as leituras do TDR, porém as semelhanças foram um pouco maiores no primeiro período. Para a umidade, a análise de correlação mostrou grande correspondência entre os dois períodos, quer para as médias ou para as amplitudes. Mais de 90% dos pontos foram semelhantes na comparação pelo intervalo de confiança entre os dois períodos, cujo resultado era esperado, visto que as condições experimentais foram semelhantes e o solo permaneceu inalterado entre os dois períodos, porém as leituras do TDR exibiram mudança do padrão de variação entre os períodos, a variabilidade aumentou e se verificou fraca correlação entre um período e outro, e menos de 30% dos pontos foram iguais estatisticamente nos dois períodos. O coeficiente de correlação entre as amplitudes da umidade e da leitura do TDR para cada período também se mostrou muito baixo, chegando a ser negativo em algumas camadas.


Compararam-se, ainda, os valores de cada ponto com os demais, para cada camada. A análise de semelhanças em função da distância entre pontos sugeriu um padrão de dependência espacial para a umidade, a percentagem de pontos semelhantes diminuiu com o aumento da distância, tanto no primeiro como no segundo período. Para as leituras do TDR este padrão foi muito pouco perceptível, ou até inexistente, em algumas camadas.

A correlação entre as leituras do TDR e a umidade mostrou-se, em geral, bastante reduzida. O coeficiente de correlação ficou em 0,28 ao se considerar todos os dados possíveis, 0,33 para os dados do primeiro período e 0,25 para o segundo. Para análises por profundidade, a correlação média permaneceu em torno de 0,25 para o segundo período, indo a pouco mais de 0,50, em média, para os dados do primeiro período, já para o coeficiente calculado para cada segmento de cada haste obtiveram-se resultados muito variados, desde próximo de zero até acima de 0,98. Em geral, as correlações foram bem maiores no primeiro período que no segundo, concordando com as diferenças no padrão de resposta do TDR entre os períodos, podendo servir como evidência de uma possível variação do desempenho do equipamento de TDR no campo, com o passar do tempo.

A grande variedade de respostas apresentadas pelos conjuntos de dados refletiu-se no ajuste das curvas, não sendo possível encontrar-se uma equação que pudesse ser satisfatoriamente utilizada em todas as hastes. O ajuste da reta de calibração a todos os dados (Figura 3) apresentou coeficiente de determinação de apenas 0,0803; mesmo assim, a regressão foi estatisticamente significativa, com desvio padrão de 0,03 m3 m-3. Regressões efetuadas com os dados divididos por profundidade, como no exemplo da Figura 4, mostraram melhoria muito pequena e, além disso, apresentaram diferenças entre algumas profundidades e especial entre um período e outro. A tentativa de se encontrar uma equação para cada haste também se mostrou intangível; na média, os desvios se reduziram para menos de 0,025 m3 m-3, porém em algumas hastes ultrapassaram 0,040 m3 m-3. Esses resultados provêm do padrão particular apresentado pela maioria dos segmentos de cada haste, como se pode ver nos exemplos da Figura 5. Para os ajustes por segmento e apesar da grande variabilidade entre hastes, o erro padrão reduziu-se pela metade, em média; resultado semelhante ao encontrado por Serrarens et al. (2000).




Praticamente, todas as regressões para o primeiro período mostraram-se estatisticamente significativas, com cerca de 98% dos pontos significativos, com probabilidade de até 5% para o teste F; no segundo período, as regressões apresentaram-se significativas em número bem menor, cerca de 61%, e para todos os dados em conjunto o percentual de pontos significativos ficou em aproximadamente 93%. Não foi possível se identificar nenhuma tendência e apenas a camada de 0,60-0,75 m mostrou-se com menor percentagem de ajustes significativos em relação às demais, nos três conjuntos de regressão, o que pode ser resultado da menor faixa de umidades observada nesta profundidade.

A análise dos coeficientes de determinação revelou resulta-dos menos expressivos, visto que em torno de 18% dos ajustes exibiram R2 superior a 0,80 e, praticamente, todos oriundos dos ajustes utilizando os dados do primeiro período de leitura apenas; onde 47% dos pontos apresentaram R2 igual ou superior a 0,80, não chegando a 2% quando o ajuste foi feito com todos os dados. A Figura 6 mostra a distribuição dos coeficientes de determinação divididos em quatro categorias, em que é possível visualizar as variações da qualidade dos ajustes da regressão linear em função da profundidade e para cada período de leitura. O segundo período, apesar de apresentar pontos com ajustes satisfatórios, mostrou-se com o maior número de curvas de calibração com coeficiente de determinação abaixo de 0,50, superando 78% dos ajustes. A qualidade dos ajustes, estimada pelo coeficiente de determinação, também indicou variações em função da profundidade; de modo geral, os ajustes se mostraram piores com o aumento da profundidade (Figura 6).


Os ajustes e a estimativa de sua qualidade foram prejudicados pela limitada faixa de umidade observada no campo, que diminuiu ao aumentar a profundidade, o que pode ser a principal causa da menor qualidade e maior variabilidade dos ajustes nas camadas mais profundas, tornando-se um dos maiores problemas para a calibração no campo; no entanto, mesmo quando foi larga a faixa de umidade observada, ainda assim a variabilidade das curvas foi grande.

Encontrou-se elevada correlação entre os coeficientes angular e linear das retas de calibração, sugerindo que poderia ser utilizado um modelo com apenas um parâmetro de ajuste. Levando-se em conta este resultado, a análise das equações baseou-se, preferencialmente, na análise do coeficiente angular das retas.

A comparação dos coeficientes angulares das retas de calibração usando-se o intervalo de confiança de 95%, mostrou um número elevado de retas semelhantes, especialmente nas camadas mais profundas. Entre os períodos, cerca de 82% das retas mostraram-se estatisticamente semelhantes, tendo apenas uma diferente na camada mais profunda (0,60-0,75 m), cujo resultado deve ser tomado com cuidado, pois a qualidade dos modelos não apresentou desempenho coerente entre os períodos. A correlação entre os coeficientes angulares encontrados nas regressões para os dois períodos, mostrou-se bastante reduzida (Tabela 2), sendo praticamente nula para a última camada. A mesma tabela exibe também os coeficientes de correlação entre os dois períodos para os coeficientes de determinação, nos quais se verificam valores mais baixos ainda. Resultados semelhantes foram encontrados ao se comparar profundidades diferentes, por exemplo; portanto, os resultados da análise de semelhança devem ser reavaliados, a dispersão elevada dos valores pode mascarar as diferenças entre as várias equações de calibração e a falta de correlação entre elas é um forte indicativo dessas desigualdades.

A percentagem de pontos com equações de calibração (coeficiente angular) idênticas em função da distância de comparação, testados por camada, sugere comportamentos distintos entre as várias camadas (Figura 7). Nas camadas superficiais constatou-se tendência de diminuição das semelhanças em função da distância, podendo indicar dependência espacial da calibração, o que poderia ser indício de relação com algum atributo do solo. Nas camadas mais profundas, porém, o padrão foi de independência, ou seja, número de semelhanças elevadas e sem variação relacionada com o aumento da distância. Essas variações são mais evidentes para as regressões com os dados do primeiro período, ou com todos os dados juntos, sendo mais sutis para os dados da segunda fase de observações; no entanto, nenhuma das variações, tanto em função da profundidade quanto ao longo da transeção, pôde ser explicada pela correlação com a granulometria ou a densidade, que não mostraram variações na transeção e variaram sistematicamente em profundidade. Pode-se especular, ainda, que o componente aleatório das leituras do TDR mascarou qualquer relação que existisse. Pela mesma razão, a relação de dependência espacial não pode ser confirmada nem refutada.


A disparidade de comportamento entre diferentes hastes ou mesmo em diferentes segmentos de uma mesma haste deste modelo de TDR, fica evidente pelos resultados apresentados. Na literatura também são reportados resultados negativos (Dasberg et al., 1995; Serrarens et al., 2000), sendo atribuídos, especialmente, a problemas com a alteração da densidade do solo por ocasião da instalação das hastes no solo. Dasberg et al. (1995) estimaram o raio do cilindro de influência das hastes deste modelo de TDR que seria inferior a um centímetro; sendo assim, a compactação do solo (diminuição da porosidade) ou a abertura de fendas (aumento do espaço poroso) pode alterar sensivelmente o teor volumétrico da água no solo nas proximidades das hastes em relação ao restante do terreno comprometendo, então, a representatividade da leitura do TDR. Para o primeiro período este fato poderia explicar o elevado grau de variabilidade encontrado entre curvas, apesar das hastes terem sido instaladas cerca de 60 dias antes das leituras e efetuada uma irrigação considerável na véspera do início dos experimentos. Esta explicação se torna mais fraca ao se considerar o segundo período de observações, pois após mais de um ano e meio no campo o contato das hastes com o solo deveria ter melhorado. A melhora, que foi verificada pelo maior número de pontos semelhantes, é questionável devido ao aumento da dispersão dos dados, o que prejudica qualquer conclusão a este respeito.

O fato de as leituras do TDR terem apresentado aumento da dispersão em relação à umidade do solo, gera outro impasse; há indicativos da senescência das hastes, dos cabos ou conectores que ficaram um ano e meio no campo, o que é particularmente significativo; neste sentido, estudos posteriores mais dirigidos devem ser feitos. Garantir a estabilidade das medições é fundamental, pois uma das principais vantagens do TDR seria estimar a umidade no campo, ao longo do tempo, sem grande necessidade de manutenção. A busca de soluções para contornar o problema do contato das hastes com o solo, também pode ser tema para futuras pesquisas.

A avaliação no campo é um procedimento determinante para definir a aplicabilidade em escala de novos dispositivos e variações da técnica do TDR, pois somente assim se tem condições de avaliar aspectos do desempenho do TDR, em função da variabilidade natural do solo, da instalação do equipamento e de seu comportamento no tempo exposto ao clima. Mesmo não sendo especificamente delineado para estudos de calibração e se considerando suas limitações, o experimento produziu resultados que vêm se somar aos esforços para melhor compreender esta técnica, exibindo indicativos de deficiências e possíveis dificuldades no seu uso no campo. Este trabalho evidencia, ainda, a necessidade de testes detalhados antes de se validar o uso de novos dispositivos de medição, e não apenas da umidade do solo. É corriqueira a impressão de que equipamentos lançados mais recentemente, em geral com vários componentes eletrônicos, sejam mais modernos e, portanto, melhores, mais confiáveis. O pesquisador deve estar atento para não cair nesta simplificação e, muitas vezes, gastar mais dinheiro das instituições financiadoras para obter resultados piores.

CONCLUSÕES

1. Apesar de vantagens interessantes, este modelo de TDR tem sua aplicabilidade, no campo, inviabilizada, pois a variação das curvas de calibração é muito grande entre os vários conjuntos de dados analisados; entretanto, estudos mais elaborados são sugeridos.

2. O padrão das respostas do equipamento exibiu variações ao longo do tempo de permanência no campo das hastes.

3. Os indícios de variabilidade espacial e relação de dependência com atributos do solo não puderam ser confirma-dos devido à grande dispersão do conjunto de dados obtidos.

LITERATURA CITADA

Protocolo 60 - 10/4/2003 – Aprovado em 14/1/2004

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  • 1
    Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada à Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" - ESALQ/USP, no PPG em Física do Ambiente Agrícola
  • 2
    Environmental Sensors Inc., Victoria, BC, Canadá - a referência não implica em endosso pelos autores
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004

    Histórico

    • Aceito
      14 Jan 2004
    • Recebido
      10 Abr 2003
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