Open-access Luto e desejo na menopausa: contribuições psicanalíticas1

Grief and desire in menopause: psychoanalytic contributions

Deuil et désir à la ménopause: apports psychanalytiques

Duelo y melancolia en la menopausia: aportes psicoanalíticos

Menopausa é o termo indicado pela OMS para nomear o último ciclo biológico da mulher, em que há o encerramento da capacidade reprodutiva feminina. Notando que o tema da menopausa parece despertar pouco interesse nas esferas social e científica e foi conotado negativamente pela teoria psicanalítica por um período, o objetivo deste artigo é traçar algumas considerações da psicanálise, partindo de Freud e Lacan, acerca do fenômeno. Para tal, utiliza-se o conceito de luto como operador teórico para reflexão do tema e enlaçamento com a teoria, passando por falas de mulheres menopáusicas. Considera-se, neste artigo, que o real da menopausa pode encontrar um caminho de tratamento que passe pelo luto e pelo simbólico, chegando ao desejo — colocando, assim, outras contribuições psicanalíticas a respeito do tema.

Palavras-chave: Menopausa; climatério; psicanálise; luto


Resumos

Menopause is the term indicated by the WHO to name the last biological cycle of the woman, in which there is the end of the female reproductive capacity. Noting that the topic of menopause seems to arouse little interest in the social and scientific spheres and was negatively connoted by psychoanalytic theory for a period, the purpose of this article is to outline some considerations of psychoanalysis, starting from Freud and Lacan, about the phenomenon. To this end, the concept of mourning is used as a theoretical operator to reflect on the theme and link it with the theory, passing through the speeches of menopausal women. It is considered, in this article, that the real of menopause can find a way of treatment that passes through mourning and the symbolic, reaching desire - thus placing other psychoanalytic contributions on the subject.

Key words: Menopause; climacteric; psychoanalysis; mourning

La ménopause est le terme indiqué par l’OMS pour nommer le dernier cycle biologique des femmes, dans lequel il y a la fin de la capacité reproductive féminine. Constatant que le thème de la ménopause semble susciter peu d’intérêt dans les sphères sociales et scientifiques et qu’il a été connoté négativement par la théorie psychanalytique, cet article retrace quelques considérations psychanalytique, basées sur Freud et Lacan, sur le phénomène. Pour ce faire, on utilise le concept de deuil comme opérateur théorique pour réfléchir au thème et le relier à la théorie, à travers les discours des femmes ménopausées. Il considère que le réel de la ménopause peut trouver une voie de traitement qui passe par le deuil et le symbolique, pour atteindre le désir — plaçant ainsi d’autres apports psychanalytiques sur le sujet.

Mots clés: Ménopause; climatère; psychanalyse; deuil


La menopausia es el término que utiliza la Organización Mundial de la Salud (OMS) para denominar el último ciclo biológico de la mujer, en el que se produce el final de la capacidad reproductiva femenina. A partir de las observaciones de que el tema de la menopausia parece despertar poco interés en las esferas social y científica, y que fue connotado de manera negativa por la teoría psicoanalítica durante un período, el propósito de este artículo es esbozar algunas consideraciones del psicoanálisis, a partir de Freud y Lacan, sobre el fenómeno. Para ello, se utiliza el concepto de duelo como operador teórico para reflexionar sobre el tema y vincularlo con la teoría, pasando por los discursos de las mujeres menopáusicas. Se considera, en este artículo, que lo real de la menopausia puede encontrar una vía de tratamiento que pasa por el duelo y lo simbólico, y alcanza el deseo, logrando así otros aportes psicoanalíticos al tema.

Palabras clave: Menopausia; climatério; psicoanálisis; duelo


Introdução

O presente artigo partiu da constatação de que, tanto no campo científico quanto no campo social, o tema da menopausa parece ocupar um lugar de pouco interesse, mesmo que, paradoxalmente, a menopausa seja experienciada por muitas mulheres como um marco impossível de não ser notado, como pontuam Trench e Santos (2005). Assim, tomando como foco o recorte de uma pesquisa2 de Mestrado, o objetivo proposto aqui é traçar algumas concepções da psicanálise acerca do fenômeno da menopausa, operando, principalmente, a partir das concepções psicanalíticas de Freud, Lacan e outros psicanalistas dessa linha teórica.

Comecemos pelas definições. Menopausa é o termo indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 1996) para nomear o último ciclo biológico da mulher e ocorre, aproximadamente, entre as idades de 45 e 55 anos de forma natural. Nesse momento, há o encerramento da capacidade reprodutiva, ocasionado pela cessação do funcionamento dos ovários e diminuição da produção de hormônios. Esses fatores, aliados ao envelhecimento, produzem mudanças fisiológicas no corpo da mulher e favorecem o aparecimento de sintomas diversos, de leves e passageiros a graves e incapacitantes. O climatério refere-se ao período em que surgem as irregularidades menstruais, podendo se estender de antes da menopausa até um ano seguinte a ela (OMS, 1996).

Como mencionado, no fazer de nossa pesquisa foi possível notar que há uma conotação negativa que marca o olhar e o discurso sobre a menopausa em nossa sociedade e os estudos na área da saúde afunilam suas pesquisas sobre o tema a patologias associadas e possibilidades de tratamento via medicação (Crema, Tilio & Campos, 2017). Cabral (2001) tece uma crítica sobre um outro campo, que, de acordo com a autora, corroborou com essa ideia negativa em relação ao tema: o da Psicanálise. A autora cita psicanalistas pós-freudianos que definiram a menopausa como perda da feminilidade ou por meio de outras perdas: da capacidade reprodutiva, da libido, dos filhos já nascidos. Mucida (2004) também frisa que a menopausa foi tratada pela psicanalista Helene Deutsch como uma grande perda simbólica sofrida pelo sujeito, sem possibilidades de elaboração e compensação.

Para tocarmos nessas questões, começaremos o artigo retomando o texto “Análise terminável e interminável” de Freud (1937/1996), em que o fundador da psicanálise tece algumas considerações diretas acerca do tema da menopausa. Em seguida, trabalharemos com as ideias de Deutsch (1924/1984), que trata dos caminhos possíveis à mulher menopáusica, passando também pelo artigo de Bemesderfer (1996), autora que analisa o direcionamento da teoria psicanalítica no que diz respeito à menopausa até o final dos anos 1990. Seguimos com essa interlocução entre psicanálise e menopausa trazendo algumas pontuações de psicanalistas contemporâneas de orientação lacaniana que abordam o tema em seus livros: Laznik (2003) em O complexo de Jocasta: a feminilidade e a sexualidade sob o prisma da menopausa e, principalmente, Mucida (2004) em O sujeito não envelhece.

Em seguida, abordaremos o conceito de luto — tratado por Freud (1917/2020) em “Luto e melancolia” e retomado por Lacan (1962-63/2005) em seu seminário denominado A Angústia — como operador teórico para articularmos o fenômeno da menopausa à teoria psicanalítica na qual os autores do presente artigo se sustentam. Por fim, visando a complexificação da discussão e o alcance do objetivo definido desse artigo, elencamos trechos de algumas falas de mulheres que já experienciaram o marco da menopausa de forma natural, enlaçando-os com a teoria proposta.

Psicanálise e Menopausa

Freud (1937/1996), em suas considerações a respeito do acontecimento da menopausa, traça uma espécie de comparação do momento da puberdade com o advento da menopausa para a mulher. Esses dois períodos, para o autor, teriam em comum um aumento da força pulsional até então empregada, e atuariam como “reforços fisiológicos da pulsão” (p. 242), podendo, portanto, encadear um adoecimento neurótico via aparecimento de angústia. Sendo assim, se a exigência pulsional reforçada quantitativamente, nesses momentos, não encontrar uma via de satisfação suficiente para amansá-la, ela seguirá cursos independentes de obtenção de satisfações substitutivas, nem sempre desejáveis ao sujeito. É importante mencionar que Freud (1937/1996), naquele momento, parece frisar a importância do fator econômico na abordagem dos conceitos psicanalíticos que, de acordo com ele, foram negligenciados em favor dos fatores dinâmico e topográfico. Dessa forma, convoca a importância do fator quantitativo na causação das doenças neuróticas e fala da força pulsional envolvida, na vida da mulher, na fase da menopausa.

Deutsch (1924/1984) propõe um seguimento das ideias fecundadas por Freud sobre esse período da vida da mulher, inserindo, também, suas próprias contribuições ao tema. A psicanalista define o momento da menopausa como o último grande trauma do desenvolvimento sexual feminino, caracterizando-o como uma incurável ferida narcísica na vida da mulher que envelhece. Para ela, as mudanças fisiológicas em curso nessa fase representam, assim como na puberdade, um aumento libidinal; entretanto, se, na puberdade, essa fase pode representar uma construção de outras vias de satisfação, na menopausa, só o caminho da regressão libidinal para posições de satisfação infantis seria viável. Dessa forma, a libido, na menopausa, não possuiria mais possibilidades de catexização como em outros períodos, além de apresentar uma capacidade reduzida de sublimação.

Os pensamentos de Deutsch (1924/1984) seguem indicando o climatério e a menopausa como um período de crise e consequente perda de feminilidade para a mulher. Esse movimento seria ocasionado por uma desvalorização da vagina, tanto pela perda de seu valor por uma incapacidade reprodutiva quanto pela dificuldade que a mulher mais velha teria em encontrar objetos de satisfação substitutivos, justamente num momento em que o aumento libidinal exige, de forma narcísica, uma necessidade maior, por ela, de ser amada e desejada. Haveria, portanto, uma regressão à fase fálica, caracterizada pelo retorno da masturbação clitoridiana e por uma posição mais infantilizada da sexualidade da mulher, que recusa a realidade e se volta a fantasias de satisfação narcísica.

Ao final de suas contribuições, Deutsch (1924/1984) apresenta dois caminhos possíveis ao desenvolvimento psíquico da mulher na menopausa:

Dois caminhos restam abertos à mulher que podem protegê-la contra a desconsolação da velhice: a continuação da maternidade psíquica em relação ao mundo exterior ou a constituição bissexual, agora biologicamente revivida, que frequentemente também emerge na aparência física da mulher idosa; por meio disso, as relações masculinas com a vida podem ser mantidas após o desaparecimento final da feminilidade. (p. 61; traduzido pela autora)

Assim, para a citada autora, às mulheres menopáusicas, restaria ocupar uma posição dita masculinizada ou manter uma função de maternidade psíquica nas suas relações. Além disso, como pontuou Bemesderfer (1996), para toda a base do pensamento psicanalítico sobre a menopausa naquele momento, a perda da capacidade de poder gerar um filho ocasionaria, de forma inevitável, um quadro depressivo. A depressão seria resultado de um retorno irrevogável a um narcisismo feminino, induzido pela recolocação, como na puberdade, do complexo de castração para a mulher (Bemesderfer, 1996).

Percebe-se que, por um tempo, a psicanálise apresentava uma visão não muito generosa sobre o destino das mulheres que passam pelo climatério. Como demonstrado na produção psicanalítica daquele momento, tanto a menopausa quanto a puberdade desencadeariam processos psíquicos semelhantes — a partir de sinais biológicos — que se encaminhariam, entretanto, para lados opostos: enquanto a puberdade anunciaria um caminho de construção, a menopausa só poderia apontar para um esfacelamento (Deutsch, 1924/1984; Bemesderfer, 1996).

Partindo para psicanalistas contemporâneas, podemos ampliar a discussão do fenômeno. Laznik (2003) baseia suas ideias psicanalíticas a respeito dessa fase da mulher em alguns pontos defendidos por Deutsch, reformulando, entretanto, a perda da feminilidade como única saída da mulher menopáusica. Para ela, a crise da meia-idade, engatilhada pela menopausa, é um momento de modificação da economia libidinal da mulher, o que a leva a criar o termo Complexo de Jocasta. A autora aponta ainda o tabu que gira em torno do tema da sexualidade dessas mulheres e um tipo de horror dos psicanalistas em realizarem discussões sobre a mulher nesse período do ciclo reprodutivo.

Mucida (2004), também partindo do campo da psicanálise, mas se questionando sobre o tema do envelhecimento, retoma a questão e pontua que o processo do climatério e entrada na menopausa são, sim, momentos propícios ao surgimento de angústia na mulher e devem ser olhados com cautela. A psicanalista defende que tomar a menopausa como um fato natural pode tamponar sua entrada como significante e, consequentemente, sua incidência particular no sujeito que a vivencia, sendo que essa primeira via de entendimento da questão pode estimular associações errôneas da menopausa como momento inevitável de declínio, perda e patologia para a mulher.

Retomamos Lacan (1955-56/1988) quando diz que o significante é um sinal que não remete a objeto algum, sendo, portanto, o sinal de uma ausência. Assim, um significante sempre se remete a outro significante (em sua ausência), da mesma forma que se estrutura a linguagem. E completa:

A linguagem começa na oposição — o dia e a noite. E a partir do momento em que há o dia como significante, esse dia é entregue a todas as vicissitudes de um jogo por meio do qual ele acabará por significar coisas bem diversas. Esse caráter do significante marca de maneira essencial tudo o que é da ordem do inconsciente. (p. 197)

Ao tratarmos a menopausa como significante, trabalhamos, portanto, com a hipótese do inconsciente. Para Mucida (2004), a menopausa (assim como as mudanças corporais advindas do envelhecimento ou as transformações no desempenho sexual) exige, do sujeito que a experiencia, um trabalho de luto por tocar na realidade do inconsciente. Entretanto, a autora nos lembra que cada sujeito é particular e está imerso em sua própria fantasia, sendo que esse trabalho será diferente para cada um. Partindo da referida ideia do aporte da menopausa como um significante e da questão levantada a respeito do luto, trabalharemos, em seguida, o conceito de luto e suas articulações com o desejo e a menopausa.

Menopausa: entre a angústia, o luto e o desejo

Na menção de Freud (1937/1996) à experiência do climatério e da menopausa, há uma referência à questão da angústia, assim como em outros artigos em que o autor trata diretamente do tema. Lacan (1962-63/2005) reposiciona a angústia tal como tratada na obra freudiana, colocando-a como a falta da falta e relaciona seu surgimento com o aparecimento de um estranho familiar (unheimlich). Mucida (2004) traduz a experiência do estranho como o encontro do sujeito com o real, em que os registros do imaginário e do simbólico estão, momentaneamente, incapacitados de dar um suporte apropriado, e pontua que a menopausa se configuraria como um dos nomes do real que surge na velhice, motivo pelo qual Freud a relaciona com a angústia em seus artigos técnicos.

Mucida (2004), ao tratar do tema da velhice, cita esta experiência da estranheza que o sujeito pode vir a sentir no decorrer de seu envelhecimento:

Tudo isso, tocando o narcisismo, a imagem, o real e o familiar, toca, impreterivelmente também a velhice no que ela nos é familiar — envelhecemos desde sempre — e naquilo que ela é estranha, estrangeira. Traços marcados retornam, muitas vezes apartados de um saber que horroriza. (p. 105)

Esse susto do envelhecimento, proposto pela psicanalista, parece se aplicar também à experiência da menopausa: esta pode remeter àquela no que diz respeito a essa aproximação com o real, diante do qual o sujeito pode se ver desamparado. A autora nos lembra que o desenvolvimento tecnológico não pode aplacar a distância entre o envelhecimento corporal e o psíquico, sendo que na meia-idade (a partir dos 40 anos, início do climatério), essas mudanças corporais se tornam aparentes. Na menopausa, portanto, a mulher pode experienciar a queda de seu ideal — este, nomeado por Lacan (1962-63/2005) de i(a) —, queda que deixará surgir o objeto a, podendo culminar no afeto da angústia. Caso ocorra, a queda se dará, de acordo com Mucida (2005), tanto pelas rápidas mudanças corporais quanto pelas perdas objetais e sociais que podem vir a termo nesse momento.

Nesse ponto, vale retomar brevemente o conceito de objeto a. De acordo com Lacan (1962-63/2005), o objeto a se refere a “objetos” outros que não do que é comunicável ou passível de socialização, sendo anterior ao que se constitui como objeto no seu status comum. Este objeto comum — sobre o qual podemos desenvolver uma ideia de posse, “meu ou seu” — serve como mediação entre o eu e o pequeno outro, no que diz respeito a uma diferenciação de identidade. Entre o sujeito e o grande Outro, portanto, temos este a, que marca uma alteridade, mas que, quando entra na realidade, provoca angústia.

Para Darriba (2005), o objeto a lacaniano remete à Coisa, o real que é inacessível por estar fora da linguagem ou do significado, ou seja, que é uma fenda aberta pela articulação significante. Portanto, o objeto a trata-se deste “exterior inassimilável que é ‘experimentado’ pelo sujeito” (Darriba, 2005, p. 73), objeto em jogo quando Lacan (1962-63/2005) fala da angústia. Voltando a Mucida (2004) e a questão da queda do ideal na menopausa, a psicanalista defende que, frente ao quadro de perdas inevitáveis, reviver o passado pode ser uma forma de investimento na vida, mas viver a vida num passado idealizado pode, também, paralisar os investimentos libidinais no presente. Dessa forma, propomos aqui que, para fugir de um quadro depressivo ou de um processo libidinal regressivo como previsto por psicanalistas pós-freudianos, a mulher menopáusica deverá encontrar meios pelos quais — via encontro com o objeto a — sua libido poderá seguir em engrenagem.

Considera-se que a perda tem um papel estruturante para o sujeito sob uma perspectiva psicanalítica e, como pontuado por Castilho e Bastos (2013), novas perdas no decorrer da vida podem apontar para o inconsciente em sua dimensão infantil. Sendo assim, o luto possui uma função elementar para que, frente à queda de objetos intensamente investidos, o sujeito possa trilhar caminhos outros que não os da inibição, depressão melancólica ou inércia psíquica. Ainda para as autoras, sempre que uma perda nova se impõe na vida de um sujeito, o luto é convocado para que os caminhos de acesso ao desejo possam ser desobstruídos. Portanto, o luto teria também um lugar fundamental na estrutura do desejo, sendo uma ferramenta de articulação entre as perdas e o acesso aos trilhamentos do desejo do ser falante (Castilho & Bastos, 2013).

Freud (1917/2020) diferencia os processos que considera normais de luto dos adoecimentos melancólicos, estes, para ele, da ordem da patologia. O luto, para o autor, é “a reação à perda de uma pessoa querida ou de uma abstração que esteja no lugar dela, como a pátria, a liberdade, um ideal etc.” (p. 100), o que sugere ser um período que não se inicia somente devido à morte de um ente, mas também via queda de algo em que o sujeito investia.

Nesse sentido, quando há uma perda de certa relação de investimento do Eu em algum objeto de amor, a prova de realidade demanda que a libido investida nesse objeto seja totalmente retirada, trabalho que exige tempo e energia. O luto é esse trabalho, que, primeiramente, provoca um superinvestimento do Eu nas lembranças e expectativas relacionadas a essa relação de objeto, para que, num segundo momento, a dissolução da libido investida possa ocorrer. Após a conclusão do trabalho do luto, o Eu se torna livre para investir em outros objetos (Freud, 1917/2020).

O autor nos lembra, entretanto, que “o homem não abandona de bom grado uma posição libidinal” (p. 101) e pode encontrar alguns obstáculos para realizar o trabalho satisfatoriamente. Em alguns casos, também frente à perda de um objeto de amor, em vez de o mundo se tornar esvaziado ou empobrecido como no luto, é o próprio Eu do sujeito que se esvazia, provocando um quadro melancólico.

Na afecção da melancolia, o investimento no objeto foi suspenso, mas a libido livre não se deslocou para outro objeto, voltando-se para o Eu. Logo, ocorre uma contraposição de uma parte do Eu à outra parte do próprio Eu e esta é tomada pela primeira como um objeto, transformando-a em alvo de críticas e rebaixamento: há, aqui, um processo de identificação de uma parte do Eu com o objeto abandonado. Dessa forma, a melancolia segue, a priori, caminhos parecidos ao do luto, mas toma outros direcionamentos — como o de regressão da escolha de objeto ao narcisismo (Freud, 1917/2020).

Nesse ponto, vale lembrar que, para Deutsch (1924/1984) e outros psicanalistas daquele período (Bemesderfer, 1996), para a mulher menopáusica restava apenas algumas saídas: processo regressivo da libido, imersão em fantasias de satisfação narcísicas e desenvolvimento de um quadro depressivo, saídas essas sem grandes possibilidades de outros direcionamentos de investimento libidinal. Relacionando essas colocações à teoria do luto, parece que, então, à mulher que entra na menopausa subsiste apenas o caminho de uma depressão melancólica. Por que o luto não poderia ser uma opção?

Lacan (1962-63/2005) vai além da teoria freudiana e, nos seus termos, especula que o luto é um esforço de reestabelecimento da ligação existente em toda relação objetal, ou seja, da relação com o objeto a, momento representado pelo primeiro superinvestimento no objeto perdido, como proposto por Freud (1917/2020). Realizado esse trabalho, posteriormente será possível colocar um objeto substituto no lugar de a, não mais o mesmo que ocupou seu lugar outrora. Entretanto, o psicanalista nos lembra que:

O problema do luto é o da manutenção, no nível escópico, das ligações pelas quais o desejo se prende não ao objeto a, mas a i(a), pela qual todo amor é narcisicamente estruturado, na medida em que este termo implica a dimensão idealizada a que me referi. É isso que faz a diferença entre o que acontece no luto e o que acontece na mania e na melancolia. (Lacan, 1962-63/2005, p. 364)

Dessa forma, na melancolia, o objeto impera sobre outras possíveis direções objetais da libido, ou seja, o objeto a impera. Por haver essa relação de mascaramento do objeto a por i(a), o melancólico atravessa sua própria imagem, porém atacando-a para alcançar o objeto a e levando essa relação com a para uma radicalização. Se o luto diz respeito à relação de a com i(a), na melancolia, o que triunfa é a relação arraigada ao objeto a, na qual o sujeito se aliena sob uma relação narcísica (Lacan, 1962-63/2005).

Importante pontuar que o desejo só pode existir pela fantasia, em que não há uma relação direta entre o sujeito e o pequeno a. Se sustenta, portanto, na imagem virtual, onde o a aparece como i(a), como imagem ideal (Lacan, 1962-63/2005). Nas palavras de Lacan: “o desejo falta porque o Ideal desmoronou” (p. 363), o que significa que o luto, por viabilizar a restituição dessa ligação, pode ser uma via possível à retomada das trilhas desejantes após a perda.

Castilho e Bastos (2013) reiteram a importância da manutenção de um lugar vazio, que dê espaço ao trabalho de luto, que não seja preenchido pela presença incessante do objeto a: “No luto, é preciso trabalhar — sob o comando da prova de realidade — para perder, para delimitar o buraco no simbólico, trabalho que toca a dimensão primordial da perda” (p. 101). Propõe-se, portanto, que o real da menopausa pode encontrar um caminho de “tratamento” que passe pelo luto, que reposicione a perda ao lado do complexo de castração (como propõem as autoras), possibilitando o acesso ao desejo.

Vislumbrando saídas: luto e desejo na menopausa

Se a experiência do estranho (unheimlich) se dá via encontro do sujeito com o real, nesse momento, os registros imaginário e simbólico não puderam dar o suporte apropriado, mantendo as bordas do buraco (Mucida, 2004). Vemos que, na menopausa, o mencionado encontro pode se dar pelas perdas sociais e objetais que esse momento traz para a mulher, sendo que o luto, sempre convocado frente a novas perdas impostas, pode ajudar a mulher menopáusica a vislumbrar outros caminhos possíveis.

Em nossa pesquisa de mestrado, a pesquisadora principal do estudo realizou entrevistas com sete mulheres que já haviam atravessado a menopausa de forma natural. Foi efetuada uma entrevista com cada mulher, e o material foi gravado, transcrito e trabalhado no decorrer da análise dos resultados. Para o presente artigo, utilizaremos apenas pequenos trechos desse material, buscando alcançar o enlaçamento com a teoria e o objetivo proposto.

Algo interessante que percebemos ao retomar as falas coletadas na pesquisa é que mudanças no quadro de relações sociais e objetais realmente aconteceram com boa parte das mulheres entrevistadas e pareceram coincidir, justamente, com o processo do climatério. Uma das entrevistadas, que nomeamos de Tarsila (todos os nomes das entrevistadas são fictícios), nos contou que não “só a menopausa” tem relação com os sofrimentos e perdas que vivenciou naquela época, mas que, no climatério, passou por um processo de separação, mudança de trabalho e doença. Outra, que chamamos de Haydéa, relatou perdas substanciais também no campo do trabalho, afetivo e relacional. Retomando a fala de Tarsila, podemos pensar que, então, a menopausa não vem só: ela pode trazer várias outras mudanças na vida da mulher.

Anita, também entrevistada na pesquisa, nos falou não só das mudanças, mas de uma nova “vontade” que sentiu naquele momento:

Eu relaciono isto já com a perimenopausa, porque acontece isso né? Vontade de mudar a vida! Olha, só sei que nessa época, com 49 anos, eu me separei, voltei para cidade, com 51... eu comecei todo o processo. E, ao mesmo tempo, eu já estava sentindo este desconforto, estes episódios de tontura.

Dessa forma, modificações no quadro de relações sociais e de objeto podem vir à pauta. Considerando que o luto, como proposto por Freud (1917/2020), aparece como uma reação à perda não só por falecimento de uma pessoa amada, mas também por quedas de abstrações que podem representar objetos de amor, propõe-se que sua vivência pode ser de fundamental importância para a mulher menopáusica, cujas experiências passam pelo envelhecer, quedas de ideais, além de mudanças e perdas diversas.

Lembramos que, para Freud (1917/2020), o luto pode se enveredar por caminhos patológicos, mas, em si, não é um quadro de patologia, diferenciando-se dos adoecimentos melancólicos. Nesse sentido, podemos pensar que algumas reações sentidas e descritas por mulheres em nossa pesquisa (no momento do climatério e na pós-menopausa) podem fazer parte de um trabalho de luto, que, de acordo com o autor, inclui desânimo, perda momentânea da capacidade de amar e de investimento em outros objetos, além de desinteresse pelo mundo externo. Foi possível identificar, na fala de Remedios, que a entrevistada descreveu sensações muito semelhantes às mencionadas por Freud (1917/2020) como comuns de um processo de luto: “o convívio com as pessoas, essa mudança de humor. Foi muito forte para mim, sabe? E sem contar os desânimos, nossa... pra mim, foi terrível”. Anita nos disse de um interesse que não mais se satisfaz pela mesma via, como antes da mulher entrar na menopausa, e sua suposição de que, por essa mudança que parece repentina, a mulher é tomada como “louca” no climatério. As duas descrições podem remeter, entretanto, a um processo comum de luto. Remedios referiu “estar buscando” meios de lidar com todas essas sensações; talvez, o que ela ainda busca pode ser, justamente, encontrar alguma outra relação de investimento libidinal que substitua a que foi perdida.

Notamos também que Freud (1917/2020) traça dois tempos da vivência do luto: o primeiro retoma um superinvestimento do Eu na relação de objeto perdida e, no segundo, pode haver a dissolução definitiva da libido investida nessa relação. As mulheres da pesquisa narraram o momento do climatério como o tempo mais agudo da vivência da menopausa, pelos sintomas fisiológicos, mas, também, pela intensidade do sofrimento sentido — momento em que, talvez, o enlutar-se esteja tomando forma nesse primeiro tempo. Interessante notar que todas elas buscaram ajuda nessa fase. Remedios, por exemplo, nos contou do suporte médico e psicológico que foi buscar no momento do climatério, pontuando com as seguintes palavras: “era muita coisa para eu fazer”. Ao considerarmos essa frase, podemos pensar no (muito) trabalho que o luto exige, visto que o sujeito não abre mão facilmente de uma posição libidinal. Tarsila narrou como o trabalho a ajudou a sustentar essa vivência, esquecendo da “parte mulher”, que precisou ser desinvestida de certa forma.

Lacan (1962-63/2005) também define o luto como um trabalho de retomada de uma relação objetal perdida ou, em seus próprios termos, como um esforço de reestabelecimento da relação do sujeito com o objeto a. Então, para o psicanalista, como no segundo tempo do luto freudiano, um novo objeto será colocado no lugar ocupado por a no processo de perda. O novo objeto, entretanto, será diferente do ocupante desse lugar num outro momento. O que acontece na melancolia, encaminhamento diferente do luto, é um aferramento do sujeito ao objeto a, levando-o a uma posição alienada a uma relação narcísica (Lacan 1962-63/2005). Esse seria o destino inevitável da mulher menopáusica para alguns psicanalistas, como verificado por Bemesderfer (1996). Mucida (2004) descreve a melancolia como um processo crescente de domínio do real, marcado pelo esvaziamento do eu; o luto, por outra via, é um trabalho que se dá via registro simbólico, ou, como pontua Lacan (1962-63/2005), se refere à relação de a com i(a).

Ao propormos que a mulher menopáusica pode, então, traçar outros destinos via uma vivência de luto, essa experiência deve passar, portanto, pelo simbólico para que possa se realizar. Na fala de algumas mulheres, foi possível notar o uso de ferramentas simbólicas para lidar com esse momento de forma a seguir num caminho de satisfação libidinal. Anita realizou um processo de pesquisa e escrita sobre a menopausa e o envelhecer bem no momento do cessar de seu ciclo menstrual: “E comecei a escrever, né? Este livro foi publicado em 2006, que foi o ano que eu entrei na menopausa. Mas eu só fui saber em 2007, né? Um ano depois”. No trecho, nota-se que, para ela, a escrita parece ter sido um caminho possível de simbolização dessa experiência. Mucida (2004) postula que o luto mobiliza o conjunto de significantes da cadeia do sujeito, buscando tratar o aparecimento do real pelo simbólico, como o fez Anita, e completa:

O luto, exigindo significantes [...], exige também rituais que possam auxiliar na elaboração da perda. Quer dizer, diante do buraco, da perda, seja ela qual for, o sujeito necessita do conjunto de significantes inscrito pela cultura, inscritos em sua história. (p. 154)

Nesse sentido, nota-se que nossa cultura oferece poucos significantes para tratamento simbólico da questão. Assim, o luto pode ser mais difícil para a mulher menopáusica, justamente pela resistência que o fenômeno sofre em ser tratado socialmente. Haydéa falou da dificuldade que a mulher que está sozinha nessa fase pode enfrentar, pois é principalmente por seus laços de amizade que a entrevistada vem tratando simbolicamente essa vivência. Tarsila citou a reposição hormonal e a terapia, ferramentas oferecidas pelo campo científico, como meios que a ajudaram a voltar a desejar sexualmente na pós-menopausa.

Falando no desejo (não só sexual), levanta-se o ponto: é possível que a mulher na pós-menopausa possa voltar a desejar? Lacan (1962-63/2005) nos diz que o desejo aparece na relação com i(a), termo que representa a dimensão da imagem idealizada — o desejo só existe pela fantasia e seu acesso só pode se dar por um processo de luto, que restaura a relação de a com i(a). Dessa forma, acreditamos que sim, a mulher que vivencia a menopausa e acessa ferramentas simbólicas de luto pode contemplar um retorno às suas trilhas desejantes. Entretanto, cada uma o faz à sua maneira.

Tarsila descreveu como se sente sendo uma mulher na menopausa: “Poxa, 60 anos, dá pra fazer mais alguma coisa? Não, dá sim, muita coisa. Ser mulher, hoje, pra mim, é uma liberdade. Coisa que não era em outros tempos. Não tenho mais que representar nada, eu sou isso”. A percepção de Anita parece seguir a mesma direção que a de Tarsila, ao nos dizer que “na menopausa... você não é mais fértil. Quer dizer, você sai da sua vida reprodutiva, porém você entra numa vida mais produtiva e mais ativa”. Se o sujeito não envelhece, como propõe Mucida (2004), o sujeito do inconsciente não necessariamente cessa de desejar pela incidência de um corte, como a menopausa pode representar. Tarsila experimentou, pelo contrário, a liberdade de poder seguir desejando, apesar da idade e da menopausa; Anita descreveu como fértil o momento de cessação do ciclo reprodutivo feminino, apostando na não aposentadoria do desejo.

Considerações finais

No presente artigo, foi possível retomar algumas considerações psicanalíticas a respeito da menopausa, partindo de Freud até psicanalistas contemporâneos. Propusemos, assim, que a menopausa deve ser tomada como um significante que, como tal, terá um efeito singular em cada sujeito, e que o estranho da menopausa pode se dar como efeito de diversas perdas, quedas de ideais e consequente encontro com o real.

Seguimos considerando que, para fugir de um quadro depressivo ou de um processo libidinal regressivo como previsto por psicanalistas pós-freudianos, a mulher menopáusica poderá encontrar meios pelos quais sua libido poderá seguir em engrenagem. Elencamos, aqui, o luto como operador teórico para pensarmos essa experiência.

Trabalhamos, por fim, a hipótese de que o real da menopausa pode encontrar um caminho de tratamento que passe pelo luto e pelo simbólico para que possa se realizar. Seguindo essa proposta, é possível dizer que, então, a mulher menopáusica pode traçar outros destinos via vivência de luto, talvez retomando, assim, o acesso às trilhas do desejo.

Agradecimentos:

Agradecemos ao Programa de Pós-Graduação de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina por acolher e proporcionar o desenvolvimento do projeto de pesquisa e do presente artigo.

  • 1
    Artigo produzido com base no trabalho de pesquisa de Mestrado da autora principal, Natália Delatim Ortiz, orientado pela profa. dra. Silvia N. Cordeiro e co-orientado pelo prof. dr. Vinicius A. Darriba. A pesquisa foi realizada no Programa de Pós-Graduação de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), estando vinculada ao Laboratório de Estudos e Pesquisa em Psicanálise (LEPPSI) da UEL.
  • 2
    Pesquisa intitulada Da menopausa como o estranho ao estranho da menopausa: Contribuições psicanalíticas, realizada no Programa de Pós-graduação de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Referências

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  • Crema, I. L., Tilio, R. de, & Campos, M. T. de A. (2017). Repercussões da menopausa para a sexualidade de idosas: revisão integrativa da literatura. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(3), 753-769.
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  • Lacan, J. (2005). O seminário. Livro 10. A angústia Zahar. (Trabalho original publicado em 1962-63).
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    » https://apps.who.int/iris/handle/10665/41984
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2022
  • Aceito
    31 Jan 2023
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