Nosso objetivo é perquirir a experiência de ser criança a partir do diagnóstico de TDAH. Estruturamos nossa pesquisa em quatro encontros com pais e crianças. Participaram deste estudo duas crianças diagnosticadas com TDAH. Esta é uma pesquisa fenomenológico-hermenêutica, que utilizou como recursos a hora do jogo lúdica e a caixa de areia. A interpretação dos encontros com as crianças fundou-se no círculo hermenêutico-heideggeriano, adaptado por Azevedo (2013). Suas existências desvelaram-se a partir de um ser-criança-com-TDAH-em-tratamento. Pensamos que, enquanto o sentido de ser for meramente dado, seus sofrimentos psíquicos serão representações biologizantes, esquecendo-se do fenômeno originário do sentido do ser-aí do Dasein nessas crianças.
Palavras-chave: TDAH; infância; atenção; fenomenologia
Resumos
This study aims to investigate the experience of being a child diagnosed with ADHD. We structured our research in four meetings with parents and children. Two children diagnosed with ADHD participated in this study. This is a phenomenological-hermeneutic research that used playtime and the sandbox as resources. The interpretation of the encounters with the children was based on the Heideggerian hermeneutic circle, adapted by Azevedo (2013). The children’s existences were revealed from the perspective of being a child-with-ADHD-in-treatment. We believe that as long as the meaning of being is merely given, the children’s psychic suffering will be a biologizing representation, forgetting the original phenomenon of “Dasein” proposed by Heidegger — that is, the sense of “being there.”
Key words: ADHD; childhood; attention; phenomenology
Notre objectif est d’étudier l’expérience d’être un enfant atteint de TDAH. Nous avons structure notre recherche autour de quatre rencontres avec des parents et des enfants. Deux enfants diagnostiques avec le TDAH ont participe à cette étude. Il s’agit d’une recherche phénoménologique-herméneutique qui utilize le temps de jeu et le bac à sable comme ressources. L’interprétation des rencontres avec les enfants s’est basée sur le cercle herméneutique heideggerien, adapté par Azevedo (2013). Leurs existences ont été dévoilées à partir d’un être-enfant-avec-TDAH-en-traitement. Nous pensons que tant que le sens de l’être n’est que donné, leurs souffrances psychiques seront des représentations biologisantes, oubliant le phénomène originel du sens d’être-là du Dasein chez ces enfants.
Mots clés: TDAH; enfance; attention; phénoménologie
Este estudio tiene como objetivo analizar la experiencia de ser un niño a partir del diagnóstico de trastorno por déficit de atención con hiperactividad (TDAH). Para ello, se organizaron cuatro encuentros con padres e hijos. Dos niños diagnosticados con TDAH participaron en este estudio. Se trata de una investigación fenomenológico-hermenéutica, que utilizó como recursos un juego lúdico y una caja de arena. Para analizar los encuentros con los niños se utilizó la hermenéutica heideggeriana, adaptada por Azevedo (2013). Sus existencias revelaron un ser-niño-con-TDAH-en-tratamiento. Se plantea que, mientras el sentido del ser sea meramente dado, sus sufrimientos psíquicos serán representaciones biologizantes que olvidan el fenómeno original del sentido del ser-ahí del Dasein.
Palabras clave: TDAH; infancia; atención; fenomenologia
Introdução
Tem mais presença em mim o que me falta.
Manuel de Barros
As crianças agitadas e desatentas desafiam saberes médicos e pedagógicos nada recentes. Prova disso é que a nomenclatura de defeito do controle moral surgiu acerca delas em 1902. Dentre tantas variações que surgiram na literatura médica, a denominação “Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade”, ou TDAH, surgiu em meados do século XX e é utilizada até hoje (Caliman, 2010).
Segundo o DSM-5 (2014), ainda não existe um marco biológico ou um exame na identificação do transtorno. Mesmo em cenário de indefinição, a maioria das pessoas usam o termo hodiernamente. Observar o comportamento de alguma criança e assinalar que a mesma tem TDAH e deverá ser medicada é um cenário que vem se naturalizando na contemporaneidade. Não à toa, segundo a Anvisa (2022), a venda de cloridrato de metilfenidato1, aumentou cerca de 700% em menos de 10 anos.
Enquanto pesquisadoras do campo da infância, acompanhamos crianças que, por apresentarem agitação ou dispersão em sala de aula, receberam encaminhamento escolar cujos tratamentos de primeira linha configuraram-se pela medicalização da sintomatologia apresentada clinicamente no supracitado transtorno.
Tais dados nos questionam sobre quais caminhos levaram desde a percepção dessa demanda entre os adultos tutores até os motivos pelos quais os médicos prescreveram uma anfetamina a uma criança.
No referido percurso, pais, professores, médicos referem-se às sintomatologias de desatenção e agitação a partir de uma narrativa sobre uma pessoa: a criança. Assim, nosso objetivo foi saber: o que nos diz ela acerca de seu próprio diagnóstico? Nossa proposta foi trazer as interpretações dos sentidos de serem crianças para além do TDAH, contemplando a manifestação da atenção enquanto fenômeno da existência. Não nos cabe refletir a existência ou não do transtorno, mas sim estudarmos as crianças a partir de seu lugar nessa experiência de vida.
Para isso, participaram desta pesquisa duas crianças diagnosticadas com TDAH. Utilizamos a hora lúdica, com o recurso expressivo da caixa de areia. Registramos e interpretamos o conteúdo através dos diários de afetações, e inspiramo-nos na compreensão hermenêutica-heideggeriana ao longo desta pesquisa.
Para tematizarmos o fenómeno aqui estudado, convidamos o leitor a pensar na contextualização teórica que entorna o ser criança com TDAH nos momentos que se seguem.
Ser-criança: a que se destina?
Para a perspectiva fenomenológica, as crianças vêm ao mundo que está em progresso. Elas compartilham valores, crenças e organizações culturais de uma época preexistente ao seu nascimento. Nesse sentido, a pergunta ao que é ser criança, no nosso estudo, nos convoca a pensar os lugares sociais da infância no que se refere a um horizonte de contexto que perpassam o existir.
O conceito de infância, tão amplamente estudado desde tempos platónicos, segue historicamente, construindo-se por conceituações socioculturais relacionadas a ideais de campos: institucionais, de vida público e privado e discursos médicos fisiológicos (Ariès & Dulby, 2000; Del Castilho Troncoso, 2001; Carvalho, 2006). Estes, dentre outros autores, refletem acerca dos conceitos de infância e, adicionalmente, quais lugares sociais as crianças ocuparam na história, tanto no campo das religiões, da política e das sociedades a partir de um pensamento eurocêntrico e norte-americano que se reflete na cultura brasileira desde o século XX (Carvalho, 2006; Gondra, 2000).
Ainda não há uma denominação de infância, e Postman (2012), nos adverte do fim da ideia do que seja este conceito na atualidade. No entanto, tematizamos que é exigida da criança, nos dias de hoje, uma pronta resposta a um ambiente de estímulos dispersos e cambiantes, que, segundo Han (2017) favorece um tipo de atenção ampla, dispersa e cambiante. Tanto é que os espaços onde se deveriam cultivar a infância estão cada vez menos favorecendo as brincadeiras livres e tampouco um pensar contemplativo. Crianças precisam produzir para serem adultos produtivos.
Visto isso, somos provocados a refletir o que é uma criança a partir da fenomenologia, uma vez que, a partir desta conjetura, trata-se de um ser com características singulares à sua forma de existir.
Fenomenologia hermenêutica-heideggeriana e o ser-aí da criança
O filósofo Martin Heidegger (1889-1976) concebe o homem a partir de seu potencial de abertura. Enquanto imerso no mundo, o ser é um projeto inacabado de existência, voltado para a finitude, ou, usando suas palavras, um Dasein.
Heidegger, em seus trabalhos, não escreveu de forma específica sobre as crianças, mas encontramos aqui nosso alicerce teórico, pois há, em suas reflexões, a compreensão da existência a partir de uma determinação essencial de abertura que não admite objetivações e definições limitantes do ente humano. Com a intenção de ser uma “fenomenologia fundamental”, o referido filósofo considera a questão do ser primordial da filosofia, que ilumina toda a sua teoria.
Esta perspectiva tem sido advogada por Cytrynowicz (2018), Frota (2007), Feijoo (2015), entre tantas outras autoras. Inspiradas nessa leitura, pensamos que ser criança transcende marcos biológicos de desenvolvimento. O pequeno-dasein2 é um projeto de existir em aberto, lançado factualmente ao indefinido; tal como adultos, pode experienciar suas possibilidades a partir do que está ao seu alcance. Entretanto, em decorrência de sua existência depender dos que estão em seu entorno, a criança requer cuidados e tempos diferenciados para aprendizado e compreensão dos fenômenos histórico-culturais, os quais, para ela, são novos.
Enquanto vivente no mundo, a criança é uma unidade correlacionai, não encerrada em si mesma e permitindo o seu desvelamento a partir da aproximação dos outros entes. Dessarte, enquanto pensamos em ser-aí, remetemos a uma compreensão do que é compreendido a partir de um horizonte de familiaridade, observando-se assim as possibilidades do espaço de vida.
São nesses espaços que pensamos as tonalidades afetivas. Elas tornam possíveis a experiência de contato com as crises existenciais (Feijoo, 2011). Abordar as tonalidades afetivas é adentrar o mundo vivido verdadeiramente pelas crianças, quiçá, subverter a massificação dos pensamentos enveredados para a objetificação do humano, onde não se permite ficar triste, cansado, ou distraído.
Tal perspectiva nos abre espaço acerca dos tratamentos destinados às crianças. Na relação com os outros, abrem-se as solicitudes acerca dos cuidados antepositivos e substitutivos.3 Enquanto buscamos adaptação de crianças com TDAH, será que estamos respeitando o lugar das mesmas em seus direitos de escolhas? Ou estaríamos em busca de soluções imediatistas para problemas adultos? A desatenção às tarefas escolares é um problema para as crianças ou é um problema para as escolas?
O existir humano transcende modelos comportamentais — de forma contrária, a expressão humana é compelida por tramas de sentidos imprevisíveis e nada lineares. Nos dizeres de Heidegger (2009), “o jogo da vida surge do fato de a convivência histórica dos homens oferecerem uma multiplicidade colorida, assim como uma mutabilidade e uma acidentalidade” (p. 329).
Nesse jogo da vida, brincamos com nossos corpos. São pelos corpos que transitamos no mundo, e, para as crianças, o jogo tem uma expressão que se complementa pelo gestual, com músicas, danças, canções, corridas, cirandas. O corpo transporta o ente e se envolve no ouvir, no ver e no sentir. Ele envolve o corporar enquanto linguagem, e mesmo em silêncio é pelo corpo que o Dasein se mostra enquanto abertura do ser (Azevedo, Oliveira & Brito, 2015).
Por isso, é necessário considerar a natureza desse pequeno-Jasein enquanto todo de uma constituição ontológica, segundo sua própria essência e origem. E, como diria o próprio Heidegger (2009), brincar é prerrogativa das crianças; e a brincadeira é um fenômeno amplo, que dispensa interpretação minuciosa das regras, e que tais regras podem ser feitas e refeitas por quem joga.
Um ponto importante para nossas reflexões é o tempo da criança, pois para a fenomenologia tal conceito não está relacionado a etapas de desenvolvimento. Trata-se de uma compreensão desenvolvida a partir da perspectiva do acontecer, do mostrar-se e desvelar-se no mundo. Para Cytrynowicz (2018), o tempo cobrado pela criança, metrificado, fabril, não é um tempo natural. Essa autora ainda nos coloca que a questão do tempo para a criança perpassa a compreensão do tempo cronos. Para as crianças, as sequências das descobertas do tempo vivenciado é vivido das duas formas: Airón, com maior intensidade e força, como se fosse eterno; e kairós, das oportunidades de realização por algo que se aguarda.
A experiência do tempo cronometrado é uma urgência de um mundo adulto. Através desta ótica, as crianças estão privadas de adentrar em seus aspectos contemplativos. Existe falta de liberdade para experienciarem um lugar de autenticidade por uma demanda de produtividade infinita.
Enquanto reflexão entre o tempo da criança e da infância, poderemos contextualizar que, para a fenomenologia, à medida que a criança cresce, presentifica o cair dos véus do mundo, permitindo-se conhecê-lo a partir de sua condição ontológica de abertura para o novo, ou, nas palavras de Cytrynowicz (2018): “crescer está voltado para a possibilidade do que ainda não é” (p. 72).
Conquanto vivemos em um tempo de ansiedade e correria, em que desde cedo é oferecido ao bebê subterfúgios para aquisição de experiências que acelerem seu amadurecimento e um favorecimento à precocidade (Carvalho et al., 2021). Trata-se de uma época em que o campo do ser é atravessado por metas a cumprir e expectativas a atingir.
Produzir, na perspectiva heideggeriana, é um conceito muito distinto de construir um saber pensante. Construir requer respeitar um tempo na colheita, um demorar-se enquanto cuidar do crescimento, que precisa de tempo para dar seus frutos, uma vez que envolve proteger e cultivar.
Que tempo o tempo tem para a criança? São aqueles tempos destinados de acordo com o horizonte histórico-social vigente, de regulação dos cotidianos, normatização do existir, medicalização da vida e, consequentemente, não há tempo no tempo para ouvirmos as crianças. A quem favorece essa objetificação e inabilitação da voz das crianças na configuração dos seus mundos e modos de existência — para que elas se mantenham quietas, caladas e focando sua atenção — em conteúdos e assuntos que não são de seu interesse, mas impostos por adultos que organizam seu cotidiano? Como poderemos articular reflexões acerca do sofrimento de crianças que são cobradas de um modelo normativo do existir e sua consequente medicalização da forma de ser no mundo?
Sofrimento infantil e suas formas de patologização, medicalização e silenciamento
A questão da medicalização da infância e os processos de psicopatologização é, assim como a questão da infância, um enredo de fatores socio-histórico-culturais. Para Foucault (2002), esse processo não é um fenómeno recente, e iniciou-se paralelamente às definições de insanidade na Idade Média. O enclausuramento dos não socialmente ajustados era uma forma de delimitar os preceitos morais vigentes. Séculos depois, no classicismo, o Direito, em acordo com as recém-criadas psiquiatria, psicologia justificavam a exclusão de pessoas a partir de um conceito de verdade, verdades essas que estariam postas nas ciências e não nas pessoas em sofrimento.
Essa cartografia foucaultiana nos anuncia uma linha estatística para definição do patológico. Aqui, estariam fora dessa padronagem as crianças “idiotas”, que apresentavam comportamento de agitação e desinteresse. Esse, consideravam as diferenças individuais um “erro” limitante à aplicabilidade de generalizações. A partir de respostas tidas como inadequadas, os comportamentos observáveis eram postos em destaque tal como sintomatologia.
Faz-se necessário olhar essa linha do tempo e considerar que, a partir desse referencial, crianças assim foram consideradas doentes e delinquentes. Toda uma rede de assistência social foi organizada pelo Estado, e, subsequentemente, as famílias menos favorecidas começaram a ser vistas como fator de vulnerabilidade e risco social. A família começou a ser colonizada por tutores técnicos e sociais especializados na infância (Donzelot, 1977/1986).
Não seria destoante imaginarmos uma busca frenética por informações desses especialistas. O esforço em criar filhos produtivos e saudáveis começaram a dar mais fólego aos especialistas em pedagogia, psicologia e, obviamente, médicos da hygiene4. Esse contexto chamou atenção para as crianças que fugiam da normatização.
Mesmo aqui posto resumidamente, nas entrelinhas da história, vemos a crescente inserção dos problemas de aprendizagem enquanto psicopatologização da infância. A década de 1990, com a ampliação dos critérios diagnósticos do DSM-IV (1994) e a distribuição das anfetaminas, os sinais dados de dificuldades escolares são interpretados a partir da nomenclatura da psicopatologia. A partir daí, inclusão escolar e psicofarmacologia são áreas afins no ambiente escolar.
Atualmente, o TDAH é descrito como transtorno psiquiátrico de início na infância, mas pode perdurar toda a vida. É imprescindível, para o tecnicismo, efetivar o domínio sobre a atenção dessas pessoas para que possam corresponder à demanda de produtividade.
Entretanto, diante do exposto e das problematizações que desvelam o modo histórico de compreender as crianças e suas patologias, incluindo o caminho percorrido para o diagnóstico e medicalização do TDAH, convocamos o modo de compreender fenomenológico, olhar adotado neste trabalho para pensar em outra possibilidade de compreender o sofrimento na infância. A seguir, discorreremos sobre como a fenomenologia compreende os atravessamentos da psicopatologia.
De que forma podemos pensar uma psicopatologia na fenomenologia?
A proposta da psicopatologia sob a ótica hermenêutica-heideggeriana envereda-se em outros campos, uma vez que, nesta proposta, o ente humano está lançado nas possibilidades de um mundo já dado em um horizonte histórico.
Para isso, nos valeremos dos referenciais teóricos que se alinham ao pensamento heideggeriano, dentre eles Karl Jarpers (1883-1969), Ludwig Binswanger (1881-1996), Medard Boss (1903-1990), Arthur Tatossian (1929-1995), Thomas Fuchs (1958-) Moreira (2002). Inspirados nesses autores, compreendemos que:
A proposta da psicopatologia a partir da fenomenologia envereda compreensões para os sofrimentos humanos que desprende-se de pensamentos puramente intelectualizados. Esta deverá estender seu entendimento ao fenômeno psíquico sem reduzir o humano a conceitos patológicos. Trata-se de um campo de possibilidades para olhar as questões do ser e suas relações de sofrimento humano em busca de sentido. Assim, as perturbações da saúde psíquica são perturbações da liberdade, em seu sentido mais amplo. O campo do adoecer psíquico é relacional à consciência de finitude, pois deixa-nos sensíveis os conflitos e contradições do mundo.
Moreira (2002) coloca-nos que observar a pessoa em sofrimento é preocupação prioritária da psicologia contemporânea. Trata-se de um conceito envolto de historicidade, que existe tanto em um mundo concreto, interrelacional, correlativo ao mundo natural, quanto na experiência da existência humana vivida.
Nesta linha de pensamento, fazemos eco à elucidação de Araújo (2015), que ao abrir clareira acerca da compreensão do TDAH na fenomenologia, justifica que historicamente existe um conjunto de fatos que contextualizam a existência do transtorno, e para irmos além de olhar para a sintomatologia apresentada faz-se mister envolver um plano de um olhar para o todo das experiências fenomenológicas, em que as experiências individuais sejam consideradas na teoria da prática do transtorno.
Essa abordagem favorece não só compreender esses dois lados da psicopatologia, como também a coexperiência, objetiva e também subjetiva. Para os autores Block e Moreira (2013), faz-se necessária uma comunicação compreensiva, com cuidado, tolerância e paciência em relação aos outros. Consequentemente, o tempo vivido ganhou destaque com a noção do devir, imanente e transparente. Indo ao encontro com as questões relacionadas ao TDAH e o tempo, Block e Moreira (2013) nos colocam: “o tempo é a escola da experiência, experiência do fenômeno (...) Se esse equilíbrio não é atingido, ou se subitamente é posto em dúvida, a vida cotidiana não pode ser vivida senão como uma impostura evidente” (p. 183).
Nesta direção, como bem aponta Dutra (2019), o evocamento da fragmentação do ser é traduzido pela corrida por pesquisas e descobertas de novos instrumentos de recursos diagnósticos no tratamento de doenças, entre elas o TDAH.
Compreender a experiência de ser criança com TDAH nos desafia a desconstruir conceitos de infância e psicopatologia porque perquirimos um plano em que as experiências individuais possam ser vistas como totalidades fenomenológicas. É apostar na resistência contra subterfúgios que pulverizam os cuidados de uma criança. Mas a partir de que enveredamentos é tangível compreender a desatenção enquanto manifestação de um existencial?
Possibilidades de compreender o TDAH partindo da manifestação da atenção enquanto fenômeno
O termo atenção, em sua etimologia, no dicionário Aurélio (2010), é attendere, é “prestar atenção a, observar”, e literalmente significa “esticar-se para”. Trivialmente, pode estar associado a um sentido de concentração mental, cuidados, dedicação, ordem, zelo, escuta.
Ilumina-nos Heidegger (2018) que o conceito de construir está ligado ao de habitar. Em suas palavras, tal processo ocorre por atenção ao vigor da linguagem, pois: “Enquanto esta atenção não se dá, desenfreiam-se palavras, escritos, programas, numa avalanche sem fim” (p. 140). Com essa afirmação, o autor nos convoca a atenção como estado de alerta dos sentidos.
Para Heidegger (2020) o Dasein, em sua existência, direciona suas ações e escolhas de acordo com suas possibilidades de sentidos. Considerando isso, o autor compreende como determinante a situação de cada momento da história de vida do ente humano com o mundo.
As crianças, como dito outrora, estão em um campo de compartilhamento de seu viver com outras crianças e adultos. Esse partilhar pode ser visto, conforme Heidegger (2017), como um processo de experimentações e de observações de limites a partir dessa vivência. Isso acontece escutando a si mesmo, escutando os outros, e, assim, no permitir construir-se em sua essência, ocupando espaços de possíveis habitações psíquicas. Destarte, para aqueles que recebem um diagnóstico, esse campo é dado de acordo com outros padrões que não necessariamente perpassam o campo das possibilidades, mas, contrariamente, de limitações dadas no horizonte histórico vivente. A própria denominação do “transtorno de déficit de atenção e hiperatividade” nos remete, minimamente, a quatro fragmentações conceituais: 1) pessoa com transtorno; 2) pessoa com déficit; 3) pessoa com déficit de atenção; 4) pessoa com hiperatividade.
Enquanto fomenta-se tamanha divisão, o ser-criança em sofrimento transita fazendo pedidos de socorro. Expectamos a criança desatenta buscando causas fisiológicas para sua “falta de atenção”, e consequentemente medicando manifestações comportamentais através de critérios objetivos de manuais diagnósticos e estatísticos. É necessário olhar para o fenômeno originariamente, a partir de uma reflexão acerca do que nos desvela o ser-criança que não corresponde aos chamados de produtividade.
Para Teixeira (2013), a atenção é uma temporalidade existencial do ser-aí, uma atenciosidade, que nos capacita clarificar modos de manifestação ôntica e relacionar os fenômenos que nos ocorrem. O autor propõe observar a atenção como um todo, elencando a realidade e o desdobramento da linguagem de escuta.
Inspiradas nesse pensamento, podemos refletir a atenciosidade enquanto habitação do existir, em que as crianças relacionariam as percepções de seu mundo ao despertar de seus sentidos, intimamente ligada ao pensamento meditante na perspectiva heideggeriana.
A atenciosidade nos convoca ao campo dos sentidos. É permitir-se estar atento a uma verdade a partir de si, onde o ser encontra sua essência, e aqui resguarda e abriga o que deve ser velado, antes mesmo de desvelado. Isso ocorre num campo de plenitude consistente, que tem uma demora própria.
Através da leitura heideggeriana, as temáticas do ser-aí, indeterminação, liberdade e responsabilidade interpelam-se no trabalho da clínica infantil fenomenológico-hermenêutica. Enquanto profissionais da clínica, para nossa pesquisa, acreditamos na relação terapêutica focando na alteridade da criança, na sua forma de se comunicar, na permissividade, num ambiente de aceitação, compreensão e não julgamento na expressão dos sentimentos da criança. Considerando os aspectos supracitados, passaremos ao leitor a metodologia que propomos na nossa pesquisa.
Caminhos metodológicos
Iniciar um trabalho investigativo a partir da fenomenologia heideggeriana requer demarcar uma radicalidade necessária. Ao perquirir a experiência do vivido pelas crianças em seu ser criança com TDAH, a pesquisa configura-se como fenomenológica, e, portanto, já se pressupõe exclusivamente qualitativa e com pequenas quantidades de sujeitos (Amatuzzi, 2006; Forghieri, 1993; Holanda, 1997).
Para publicarmos a pesquisa, a pesquisadora fez a divulgação nas redes sociais. A partir disso, selecionamos duas crianças,5 Hambúrguer (9 anos) e Sofia (6 anos) que foram diagnosticadas com TDAH. Para viabilização da pesquisa, não foram aceitas crianças que não tivessem recebido o diagnóstico.
Estruturamos, para cada partipante, quatro encontros: desses, dois com os pais6 e os outros dois com as crianças participantes7. Ao abordá-las utilizamos a hora do jogo lúdica, ou ludoterapia8, com o convite da brincadeira na caixa de areia9 (Oaklander, 2000). Os relatos das sessões, a brincadeira da caixa de areia, dentre outros materiais produzidos na pesquisa, foram registrados no diário de afetações (Azevedo & Dutra, 2021)10.
Ao primeiro encontro com a criança, a pesquisadora perguntou-lhe sobre o que seria TDAH para elas, e pediu-lhe para que usasse a caixa de areia como bem quisesse. Ao fim, registrou-se a atividade em foto. No segundo dia, a pesquisadora deixou o cenário montado previamente pela criança no encontro anterior, caso a criança desejasse retomar a história da brincadeira. Ao fim de cada encontro, a pesquisadora fazia suas anotações imediatamente no caderno de afetações (Azevedo & Dutra, 2021).
Quanto à interpretação do trazido pelos participantes: esta forma de pesquisar requer um ato de compreensão que é sempre circular, seguindo compreensão heideggeriana. Para Dutra (2002), a pesquisa fenomenológica enfatiza a dimensão existencial do viver, desvelando significados pelo ente humano no estar no mundo, e é, ainda, segundo a autora, uma ação simultânea de compreender e interpretar. Assim, caminhamos nosso estudo pela posição prévia, visão prévia, concepção prévia. Longe de ser um conjunto de passos metodológicos, demonstramos na figura 1 como compreendemos a circularidade hermenêutica a qual nos referimos anteriormente (Azevedo, 2013), como vem sendo desenvolvidos estudos nessas pesquisas.11
Desde o instante em que fomos ao encontro das crianças, percorrendo o registro do diário de afetações e o debruçamento ao aporte teórico, estivemos em uma compreensão e interpretação circular. Cada pesquisador encontrar-se-á ao seu modo nesse círculo hermenêutico. As reflexões dos fenômenos foram inspiradas nas pesquisas de Azevedo (2013) e adaptadas para as crianças dos seguintes modos de ver o fenómeno:
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Registro da sessão no diário de afetações: ali estão contidos os aspectos ocorridos na sessão e as afetações, compreensões da pesquisadora a respeito da hora lúdica e a foto da caixa de areia.
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Identificação de temas12: a partir dos registros e das afetações registradas no diário, colocamos em relevo o que foi provocado pelo momento hermenêutico de visão prévia e de revisão de literatura específica. Destacamos que, ao produzirmos o recorte interpretativo do que foi compreendido na posição prévia e o recorte temático da visão prévia, esse momento já adquiriu o conceito pela interpretação, sendo assim o momento da concepção prévia.
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Diálogo com as reflexões feitas anteriormente: a partir da literatura, ontologia heideggeriana e de demais referenciais, fomos nos permitindo o desvelamento das compreensões do fenómeno tematizado, numa hermenêutica acerca do modo de ser criança para além do diagnóstico de TDAH.
Dessa forma, a partir de agora, envergar-nos-emos aos momentos com as crianças protagonistas, no sentido de abrirmos a clareira para a compreensão e interpretação seguindo a metodologia proposta.
Encontrando crianças: o que elas nos revelaram sobre o seu ser criança com TDAH?
Hambúrguer, o boa praça
Hambúrguer foi descrito pelos seus pais como um garoto dócil, simpático, alegre. Segundo seus responsáveis, ele recebeu o diagnóstico de TDAH por observação de uma tia dele que é psicóloga, e percebeu que a criança estava muito agitada em casa. Na escola, os pais recebiam as reclamações referentes à agitação e à dispersão, mas foi através de conversas da tia que resolveram dar início aos cuidados da criança. O diagnóstico foi dado por um neurologista infantil. O garoto já fez terapia ocupacional e, atualmente, faz tratamento com duas psicólogas (uma para terapia e outra para neurofeedback13), e tem acompanhamento médico, com uso de Risperidona14. Segundo relato dos familiares, ele se autodenomina “burro”, vive a “mil por hora”, “exagera em tudo”, inclusive ameaçando se matar nas cobranças. A mãe deixou de trabalhar para acompanhar o menino nos tratamentos.
No contato com a criança, Hambúrguer demonstrou empenho, e escolheu personagens que representavam a mãe, o neurologista e ele próprio:
Então o médico falou assim: “Então, seu filho foi diagnosticado com TDAH”. Minha mãe diz: “ok”. Aí a gente tá saindo do consultório, aí eu pergunto a minha mãe o que é TDAH, e o que que é isso? [silêncio] num sei... [silêncio]... TDAH é o que? [pergunta para a pesquisadora].
Aqui, Hambúrguer nos denuncia um cenário criado por adultos e para adultos. Apesar de se falar sobre ele, nem o médico nem a mãe falam com ele. Ninguém permitiu ao garoto que ele falasse o que pensava ou o que sentia acerca de seu diagnóstico. Na leitura heideggeriana, podemos fazer uma analogia àquilo que o autor fala a respeito do poder da técnica. As respostas do médico foram suficientes.
Ao retomar o que a criança achava, em sua percepção o que é o transtorno, ela nos responde que é “uma coisa que a gente não tem paciência para fazer as atividades, e quando não faz, fica aperreado”15. A criança é, aqui, cobrada para a correspondência das atividades, não é permitido ficar em seu momento, e em sua angústia, vivencia na impessoalidade um tempo que não pode ter para suas possibilidades de existência. O tempo, para Hambúrguer, está a serviço da produtividade.
Em um outro momento, representando seus amigos na caixa de areia, perguntamos sobre como é seu aperreio, Hambúrguer desenha uma linha reta na areia da caixa, e nos fala que “é triste e chato ser assim”. Emblematicamente, Hambúrguer dividiu as pessoas que tinham TDAH e as que não tinham. Ele nos representou dois mundos diferentes, entre as crianças com e as crianças sem TDAH. Para ele, “as crianças com TDAH não têm brincadeira” e as “sem TDAH se divertem mais (...) e podem falar sobre a vida (...) por que não precisam de tratamento”.
Hambúrguer elucida-nos um ser criança com TDAH de um mundo que não é compartilhado com outras crianças sem transtornos, pois as últimas podem ter uma vida legal, com curiosidade e muitas possibilidades. A criança nesse momento chora, e ainda complementa: “Eu vivo em médico. Tem algo de errado comigo, é muito ruim ter TDAH”.
Esse choro nos anuncia sua tristeza, seu cansaço por uma rotina repleta de atividades. Para além disso, esse choro associado a esta lembrança desvela um ser criança fragmentado e tomado por cuidados substitutivos, de alguém que vive à sombra de um fardo psicopatologizante, restringindo o seu modo de existir.
Algumas observações nos parecem pertinentes ao leitor. Durante os encontros da pesquisa, Hambúrguer passava pela janela do consultório, sitiado em um pavimento de vista para uma rua arborizada e com movimentação de pedestres. Certa vez, a pesquisadora forneceu um pequeno banco ao garoto, e ele pôde olhar a paisagem da janela: as pessoas que transitavam, os carros passando, a igreja, o hospital, a tapiocaria da frente. O corpo e a mente de Hambúrguer se aquietavam na contemplação da vida. Ele permitia demorar-se e apreciar o tempo à sua maneira, sem ser atravessado por modelos imperativos de tempos alheios.
Nesse e em momentos com atividades não estruturadas, vimos um garoto que, ao contrário do relatado, não era desatento. Enquanto em sua totalidade, Hambúrguer contemplou seu estado de atenciosidade. Viveu um tempo que era seu, sem dar-se conta de metrificações produtivistas. Ele pôde presentificar sua abertura ao campo de liberdade para demorar-se em suas possibilidades de poder-ser.
Sofia, a contadora de histórias
Sofia, nossa segunda participante é uma garota de 7 anos, que, segundo a mãe, tem autoestima baixa, não lida bem com a rotina e com a agitação. O diagnóstico foi dado por um neurologista infantil, o mesmo que faz a prescrição do ácido Gammar16. Atualmente está sem acompanhamento terapêutico, por que a psicóloga não atende mais pelo plano de saúde, e está com dificuldade em achar outra profissional.
Sofia gosta de contar histórias. Sua fala tem muitos elementos criativos e imaginativos, com detalhes lamuriosos. E a sua contação de histórias é irresistível, pois é acompanhada pelo seu corpinho com elementos de dança, teatro, música. Aqui, ela está imersa num estado de atenciosidade todo articulado para as suas narrações e seus contextos.
Remete-se à escola e às professoras com carinho. Disse que gosta de fazer tarefas, e que chora se a professora falar que ela “só rabisca”. Ela tem desejo em realizar o que pedem, para poder corresponder ao afeto da professora. Novamente, passamos a olhar para a desatenção, pois a forma de lidar com a criança mostrando que ela não corresponde, a coloca em débito com o mundo. É cuidar da atenção apenas na perspectiva de medida a cumprir, sem questionar todo o sentido do aprendizado da criança.
Essa fala nos chegou enquanto apelo de um olhar. Nos afetou profundamente um pedido de cura, para algo que nem é doença. Sofia, na verdade, quer ser interessante, e atribui a dificuldade escolar a uma questão de moralidade. O produzir está sobreposto ao ser. Então, o ser criança com TDAH para Sofia é assustador, ameaçador, triste.
Sofia conversa sobre sua distração pelo brincar. A personagem gosta de ficar nela mesma. Enquanto “ele [a personagem] está distraído, fica pensando, brinca com o cãozinho”. Nessa conjetura, aqui ela nos mostra a distração como forma de distanciamento à hiperconvocação do modo de ser impessoal. Ela estaria desatenta ou absorta em um pensamento meditativo?
A criança ainda nos representa que a personagem com TDAH brinca diferente, porque cai demais, e os amigos a deixam para trás. Na maratona da vida, não há espaço para os amigos a ajudarem, ela revela um sentimento de indiferença. É ser-com na estranheza, e não na copresença.
No fim da pesquisa, Sofia alinhavou em sua última frase da história sua gana: “tirar” o TDAH, para poder conversar sobre coisas interessantes, ou seja, fala-nos de como gostaria de ser e estar no mundo, e que isso, como vimos, não está perto de realização. Tanto que ela nos representa um sonho “em que a oncinha pode ser livre para brincar e as pessoas cuidam dela”.
Considerações finais
Neste nosso estudo, nos aproximamos da experiência de ser-criança com TDAH. Quando ouvimos as participantes, pudemos entender que os psicodiagnósticos se converteram em uma compreensão delas como um todo a partir do que era ouvido sobre si, e daí entenda-se: desatentas, agitadas, agressivas, e tantos outros adjetivos. Testemunhamos seus sofrimentos e as sedimentações de sentidos que convocam olhares patologizantes da sociedade.
As crianças deste estudo são objetificadas pelo seu diagnóstico e é esperado delas que fiquem caladas e quietas enquanto precisam dar conta de assuntos de um cotidiano imposto institucionalmente. Isso as inabilitam de desvelarem os seus modos de existência mais próprios, e essa reflexão só foi possível porque buscamos a contextualização sobre o lugar social da criança.
Pensar a atenção neste estudo nos convoca a refletir sobre as representações de valores que são dadas àquelas crianças que estão envoltas pelo diagnóstico recebido. Há ainda muito a ser revisto, uma vez que crianças e famílias do estudo articulam pedidos de ajuda e se deparam com julgamentos acerca de cuidados domésticos e alguns preconceitos dados por uma sociedade que centra-se em um diagnóstico e não fornece um lastro de amparo às mesmas. De forma aproximativa, tal ânsia advinda de crianças e familiares remeteu-nos a uma necessidade de busca por acolhimento e cuidado. Isso adentra a um sofrimento tematizado socialmente.
Entre as crianças estudadas, percebemos um sentimento diferente sobre o que é viver a infância. Há um mundo dicotomizado entre os que têm o transtorno e os que não têm. Isso apareceu através da caixa de areia, em que as cenas e os diálogos desvelaram o mundo em que o sentimento de indiferença coabita em seu ser-com-os-outros. Hambúrguer e Sofia relataram abandonos, exclusões, em suas brincadeiras.
O estado de atenciosidade, enquanto construir uma habitação nos modos de ser no mundo, nos convoca a refletir: sobre o que e para quem estes participantes estariam desatentos? Da forma como pensamos a atenção enquanto atenciosidade, neste estudo, as crianças desvelaram que, porventura, a desatenção seria um desligamento à hiper-convocação deste mundo. O estar-em-si-mesmo correspondente a uma vivência interna. Seria, talvez, uma forma de resistir ao aprisionamento do mundo. Num horizonte que tanto interpela as crianças não seria a desatenção um modo de correspondência ao mesmo?
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Relato de pesquisa baseado em dissertação acadêmica intitulada: Experiência de se criança com TDAH: compreensão hermenêutica-heideggeriana, defendida em agosto de 2022 na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Grupo de Estudos Desenvolvimento Humano e Subjetividade – GESDH.
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Cloridrato de metilfenidato é um estimulante leve do Sistema Nervoso Central, relacionado à classe das anfetaminas, mais conhecido comercialmente por Ritalina ou Concerta. O fármaco atua nos mecanismos excitatórios do cérebro, aumentando a concentração. Seus efeitos adversos, segundo a bula do medicamento, são: perda de apetite, insónia, irritabilidade, cefaleia, taquicardia, interferência no crescimento de crianças e adolescentes, dependência física e/ou psíquica.
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Azevedo, A. K. Comunicação pessoal, março de 2020.
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Trata-se de uma ocupação de solicitude que pode ser: antepositiva, no sentido de resgatarmos as responsabilidades do indivíduo, levando-o adiante em sua tarefa de ter de existir, potencializando-o em sua liberdade de ser em diferentes formas; ou substitutiva, na proposta de cuidado adaptativo, que expulsa o ser de seu lugar, oferecendo uma solução imediata e disponível para o seu problema, colocando-o na posição de sujeito de dependência (Sá, 2000).
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O movimento hygienista, segundo Silveira (2015), não se presta somente a melhorar os hábitos de saúde, era uma via de prescrição de condutas e normatização de comportamentos.
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Nomes fictícios escolhidos pelas próprias crianças. A faixa etária escolhida é porque, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, entre os ciclos 1 e 2, é onde começam as exigências de uma “boa postura” (Secretaria de Educação Fundamental, 1998, p. 76).
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No início e no fim da pesquisa para explicarmos seus processos e procedimentos éticos.
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Todos os passos da pesquisa estão em concordância com a Resolução (510/2016-CNS) e Portaria 452/2020-R OMS/UFRN de 20 de março de 2020. Ela foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (CAAE: 49784021.3.0000.5537).
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Para os autores da fenomenologia infantil como Cytrynowicz (2018), Moreira (2010) e Feijoo (2015), a ludoterapia é um momento dado no ambiente terapêutico lúdico, oportunizando, através da liberdade experiencial, as expressões dos sentimentos das crianças em suas mais diversas formas.
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A caixa de areia, segundo Oaklander (2000) é compatível com uma prancha de 45×70 cm, com borda de 5 cm de espessura, feita em madeira e a prova d’água. Nela, as crianças podem representar cenários e expressar seus sentimentos das formas verbais ou não verbais pela brincadeira imaginativa.
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Para as autoras Azevedo e Dutra (2021), trata-se de um momento de recolhimento do pesquisador, numa retomada daquilo que foi compreendido na trama de significados e que contribuirá para o entendimento da clareira do revelado pelos fenômenos. Reforçamos a importância deste recurso na pesquisa com crianças, tal qual aconteceu neste estudo. Como os encontros não foram gravados, o diário de afetações pode ser o momento em que pudemos transcrever o afetos sentidos nas compreensões registradas pelo processo interpretativo e hermêutico que se desvelava ali. O diário de afetações, segundo a experiência destas autoras, são “lembretes de sentidos expressos nesta relação, produzidos pela linguagem, que chamou pelo sentido de ser e pelo ouvir que clareia o desvelamento desse sentido de ser” (p. 35).
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O Grupo de Estudo Subjetividade e Desenvolvimento Humano, GESDH-UFRN, vem desenvolvendo pesquisas nesta inspiração circular a partir da leitura de Heidegger (2020) ao longo de seus 17 anos.
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Tais temas não se compõem em categorias. Eles norteiam e emergem do encontro com o narrado no diário de afetações. Fazem parte da construção do texto hermenêutico que marcam o momento interpretativo da pesquisa. Nesse sentido Heidegger (2017) nos remete à analítica como um desvelar a articulação ontológica do Dasein, enquanto possibilidades compreensivas a partir de existenciais que surgem como temas na compreensão das experiências.
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A família nos relatou um tratamento com eletrodos no couro cabeludo de Hambúrguer, em que ele observa uma televisão e tem que reagir como num videogame, aos estímulos visuais.
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Trata-se de um antipsicótico atípico.
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Aperreado, na região Nordeste, tem o sentido de agoniado, angustiado.
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Segundo pesquisado no Google, o Gammar está indicado para as dificuldades de atenção e concentração, déficit de memória, dificuldade de aprendizagem, agitação psicomotora e outras alterações secundárias aos distúrbios da atividade cerebral e às disfunções da neurotransmissão relacionadas ao ácido gamaaminobutírico.
Agradecimento
À Sofia e Hambúrguer (nomes fictícios), crianças participantes da pesquisa
Refer5
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Set 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
29 Jul 2022 -
Revisado
11 Jul 2023 -
Aceito
23 Mar 2024