Resumos
Avaliou-se a utilização de uma fórmula isenta de lactose, elaborada para suprir as necessidades de lactentes desnutridos com intolerâncias complexas e administrada por sonda nasogástrica de forma contínua. Receberam esta fórmula 13 lactentes, 10 do sexo masculino e 3 do sexo feminino, com idade mediana de 5,5 meses, que apresentaram quadro de desnutrição grave e diarréia prolongada. A dieta administrada mostrou-se eficaz, pois os lactentes apresentaram aumento dos valores antropométricos ao final do estudo, promovendo assim um crescimento adequado. Além disso, verificou-se boa oferta energético-protéica, não ocorrendo diarréia e/ou alterações metabólicas durante sua utilização.
terapia nutricional; nutrição enteral; diarréia; desnutrição infantil grave
The utilization of a formula free of lactose, elaborated to cover needs of malnourished infants with chronic diarrhea and complex intestinal intolerances was evaluated. The formula was administered through a nasogastric tube in continuous regimen. Thirteen children, ten males and three females, with median ages of 5.5 months, were studied. They had severe malnutrition and persistent diarrhea. The administered diet was very effective, since the infants showed a good increase in the anthropometric values at the end of the study. Furthermore, a good protein-energy intaken was observed and diarrhea or metabolic disorders did not occur during the use of the formula.
: nutritional therapy; enteral nutrition; diarrhea; child malnutrition
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação de uma fórmula administrada por sonda nasogástrica de forma contínua para recuperação nutricional de lactentes desnutridos gravez com diarréia crônica
Evaluation of a continuous nasogastric tube feeding formula for nutritional recovery of malnourished infants with chronic diarrhea
Conceição Maria Lauriano GodoyI ; Ciro João BertoliII; Francisco Roque CarrazzaIII
INutricionista, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIPós-graduando do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP
IIIProfessor da Unidade de Nutrição e Metabologia, Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 647, 05403-900, São Paulo, SP
RESUMO
Avaliou-se a utilização de uma fórmula isenta de lactose, elaborada para suprir as necessidades de lactentes desnutridos com intolerâncias complexas e administrada por sonda nasogástrica de forma contínua. Receberam esta fórmula 13 lactentes, 10 do sexo masculino e 3 do sexo feminino, com idade mediana de 5,5 meses, que apresentaram quadro de desnutrição grave e diarréia prolongada. A dieta administrada mostrou-se eficaz, pois os lactentes apresentaram aumento dos valores antropométricos ao final do estudo, promovendo assim um crescimento adequado. Além disso, verificou-se boa oferta energético-protéica, não ocorrendo diarréia e/ou alterações metabólicas durante sua utilização.
Termos de indexação: terapia nutricional, nutrição enteral, diarréia, desnutrição infantil grave.
ABSTRACT
The utilization of a formula free of lactose, elaborated to cover needs of malnourished infants with chronic diarrhea and complex intestinal intolerances was evaluated. The formula was administered through a nasogastric tube in continuous regimen. Thirteen children, ten males and three females, with median ages of 5.5 months, were studied. They had severe malnutrition and persistent diarrhea. The administered diet was very effective, since the infants showed a good increase in the anthropometric values at the end of the study. Furthermore, a good protein-energy intaken was observed and diarrhea or metabolic disorders did not occur during the use of the formula.
Index terms: nutritional therapy, enteral nutrition, diarrhea, child malnutrition.
INTRODUÇÃO
A desnutrição em lactentes, freqüente distúrbio nutricional observado em países em desenvolvimento, provoca alterações da mucosa intestinal, com conseqüentes intolerâncias alimentares complexas. Este distúrbio deve ser diagnosticado e corrigido rapidamente para evitar o agravamento da desnutrição e a potencial evolução para a morte destas crianças.
A intolerância intestinal mais comum, que pode causar diarréia persistente (diarréia crônica) é a intolerância à lactose. O levantamento de mais de uma centena de desnutridos internados em uma enfermaria de retaguarda de pediatria, do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), mostrou uma prevalência de intolerância ao leite de vaca de 52%, dos quais, um terço era devido a intolerância às proteínas do leite de vaca e à glicose e dois terços devido a intolerância à lactose1. Lactentes com diarréia grave mostraram 60% de intolerância à lactose, porém, somente 6% de intolerância a monossacarídeos (COELHO-RAMIREZ & LIFSHITZ, 1972).
Realimentação com fórmulas terapêuticas modificadas e completas, utilizadas de maneira sistemática, deve orientar a dietoterapia na diarréia de longa duração com intolerâncias complexas (CARRAZZA, 1991a). É importante adequar certas fórmulas para que supram as necessidades nutricionais dos lactentes, adaptando-as às intolerâncias intestinais e às suas peculiaridades metabólicas. Por outro lado, a anorexia, sintoma freqüente associado às infecções, dificulta a ingestão adequada, principalmente nas crianças maiores nas quais são utilizadas fórmulas com sabores diferentes das habituais.
Quando as necessidades não são supridas pela ingestão voluntária, via oral (V.O.), faz-se necessária a administração da dieta por meio de sondas, preferencialmente, de forma contínua (PARKER et al., 1981).
O objetivo deste trabalho foi avaliar a eficácia de uma fórmula isenta de lactose, elaborada para atender as necessidades de lactentes desnutridos com diarréia crônica administrada por sonda nasogástrica de forma contínua.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram selecionados 13 lactentes, 10 do sexo masculino e 3 do sexo feminino, com idade mediana de 5,5 meses, admitidos na enfermaria do Pronto-Socorro e internados na enfermaria de especialidades do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP, com diagnóstico de desnutrição grave, diarréia prolongada e desidratação. A perda ponderal média estimada pela relação de peso/idade (P/I) era de 44,5% e o tempo de diarréia era em média superior a 15 dias. A classificação nutricional foi realizada por meio do escore-Z do padrão National Center for Health Statistics (NCHS) (WHO..., 1986) e os indicadores utilizados foram peso/idade (P/I), estatura/idade (E/I) e peso/estatura (P/E) que são apresentados na Tabela 1.
Após a internação, efetuaram-se as correções dos distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos e procedeu-se a realimentação inicialmente com leite de vaca, que era a dieta habitual. Como houve piora da diarréia em todos os pacientes com o leite de vaca, levantou-se a suspeita clínica de intolerância à lactose que foi confirmada com as medidas de pH e substâncias redutoras (CLINITEST), (pH inferior a 6,0 e a substância redutora (SR) maior que 0,5%R). Após o diagnóstico de intolerância à lactose, a dieta láctea foi substituída pela fórmula em estudo, isenta de lactose.
A fórmula avaliada foi uma fórmula terapêutica completa composta por proteína 3%, representada por 2% de caseínato e 1% de proteína isolada de soja, além de 0,5% de albumina. Gordura 4%, representada por 3% de gordura de coco e 1% de triglicérideos de cadeia média (TCM). Os hidratos de carbono 9,5% eram constituídos por 7,5% de dextrino-maltose e 2,0% de sacarose. Completava a fórmula quantidades balanceadas de vitaminas, minerais e oligoelementos (Tabela 2).
A alimentação foi efetuada por sonda nasogástrica (poliuretano, calibre 0,8mm), posicionada no estômago e sua localização confirmada por meios clínicos.
Iniciou-se a administração da fórmula, com volume reduzido e concentração ao meio (8,5%), aumentando-se progressivamente de maneira a atingir a concentração final de 17,0%, de acordo com a tolerância individual, levando-se em consideração vômitos, diarréia, distensão abdominal, resíduo gástrico, pH e substâncias redutoras (SR). Os pacientes foram acompanhados clínica e laboratorialmente durante quatro semanas, efetuando-se:
a) Medidas diárias - peso corpóreo: cálculo do volume e energia da dieta ingerida.
b) Medidas semanais-avaliação antropomé-trica: estatura (EST), perímetro cefálico (PC), circunferência braquial (CB), prega cutânea (PCT), circunferência muscular do braço (CMB). Foi efetuada a relação circunferência braquial e perímetro cefálico (CB/PC).
Os exames laboratoriais foram realizados no início e ao final do estudo para avaliar a ocorrência de alterações metabólicas: hemoglobina e hematócrito; proteínas totais e frações pelo método de colorimetria; sódio e potássio por fotometria de chama; glicemia por glicose oxidase; cálcio e magnésio por absorção atômica; uréia e creatinina por colorimetria.
Para a análise estatística foi utilizado o teste "t" de Student para dois grupos pareados. O valor de significância adotado foi de 5%.
RESULTADOS
O volume médio administrado da fórmula foi de 155ml/kg/dia alcançando-se ao final do estudo 200 + 28,8ml/kg/dia. Os lactentes receberam a fórmula por período médio de 26,8 + 4,7 dias.
A Tabela 3 apresenta o aporte energético médio e a quantidade média dos macronutrientes no início e no final do estudo, demonstrando melhor oferta destes nutrientes para a recuperação nutricional do desnutrido.
Em todos os casos houve boa tolerância da dieta, não sendo constatadas complicações digestivas ou metabólicas. O ganho médio de peso dos lactentes estudados foi de 23,6 + 10,4g/dia. Comparando-se os pesos e comprimentos dos lactentes estudados nas tabelas do NCHS (peso e estatura para a idade) verificou-se que para os intervalos considerados, o aumento antropométrico foi significativamente maior que os lactentes normais. A Tabela 4 apresenta a evolução dos dados antropométricos no início e final do estudo, apresentando diferenças estatísticas significantes em relação ao perímetro craniano, circunferências do braço e prega cutânea tricipital.
A incorporação protéico-energética, calculada através do ganho ponderal diário em relação à ingestão protéico-energética, foi de 0,17 + 0,08g/cal/kg/dia para energia e de 4,23 + 2,13g/cal/kg/dia para proteína. Houve aumento na concentração de hemoglobina (Hb) de 8,6 + 1,19g% para 9,96 + 0,48g% após quatro semanas. Não foram observadas outras alterações laboratoriais durante todo o período de monitorização da dieta.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Administração de fórmulas por sonda enteral contínua como complementação da oferta V.O., ou como via exclusiva para fornecimento energético protéico adequado ao lactente, é uma opção na prática clínica diária.
Fisiologicamente, a técnica de infusão contínua é superior à intermitente, segundo PARKER et al. (1981). Neste estudo foi verificada maior retenção e absorção dos principais nutrientes, administrados pelas duas técnicas (contínua e intermitente) em crianças com diarréia e atrofia da mucosa jejunal, denotando a possibilidade do uso de alimentação via enteral para suplementação dietética.
Pequenas complicações da alimentação enteral foram observadas e contornadas com os seguintes procedimentos:
- A complicação física mais comum é o aumento da diarréia por fórmulas hipertônicas. Neste estudo a dieta administrada diretamente no estômago foi inicialmente diluída para se obter isosmolaridade, aumentando-se de forma gradual e progressiva a concentração, antes de aumentar o volume.
- As complicações metabólicas não foram observadas. Sabe-se que a alimentação por sonda pode acompanhar-se de uma grande variedade de complicações metabólicas, devendo portanto haver monitorização de alguns parâmetros. A glicemia foi o parâmetro mais controlado durante a realimentação de um paciente desnutrido, a hipofosfatemia constitui uma preocupação e o fosfato plasmático nesse estudo foi dosado regularmente durante os primeiros dias de administração.
- Das complicações mecânicas, a mais comum é a oclusão do tubo. A sua prevenção dependeu da irrigação da tubagem toda vez que a alimentação foi suspensa, ou pelo menos, a cada 8 horas. Não foram observadas complicações infecciosas.
DELGADO (1994) demonstra a facilidade da proliferação bacteriana gástrica nos pacientes que possuem pH gástrico mais elevado (pH > 3,65, em média) que ocorre no tipo de infusão de forma contínua, facilitando assim a proliferação bacteriana retrógrada promovendo a chegada de germes à traquéia e árvore pulmonar causando, portanto, pneumonia aspirativa.
Neste estudo não foram observadas as citadas complicações descritas na literatura, pois houve a preocupação na seleção do material de sondagem (sonda de poliuretano), material este mais maleável e inerte, permitindo assim melhor manipulação e prevenindo-se complicações.
CARRAZZA (1991) demonstrou que lactentes com diarréia e má absorção alimentados por sonda de forma contínua apresentam menor volume fecal e melhor ganho de peso.
Na fórmula do estudo foram utilizadas três fontes de proteína (caseínato, proteína isolada de soja e em menor quantidade albumina). Constatada a intolerância à lactose, utilizou-se duas fontes de hidratos de carbono (sacarose e dextrinomaltose). Como fonte de gordura foram utilizados triglicérides de cadeia média (TCM) e gordura de coco.
É sabido que, lactentes desnutridos portadores de diarréia prolongada ou crônica, apresentam alterações importantes no trato digestivo, levando ao aparecimento de intolerâncias alimentares, especialmente a intolerância à lactose. A antibióticoterapia sistêmica e/ou oral agrava ainda mais a mucosa intestinal já comprometida, perpetuando de maneira importante a diarréia.
Fórmulas balanceadas são fatores importantes na recuperação desses pacientes, salientando que dietas administradas diretamente no estômago são mais fisiológicas, prevenindo-se distúrbios gastrintestinais, bioquímicos e metabólicos.
Nesta pesquisa a fórmula estudada promoveu um crescimento adequado, apresentou adequada e eficiente oferta protéico-energética e curou a diarréia, não ocorrendo alterações metabólicas durante a sua utilização.
Recebido para publicação em 29 de janeiro e aceito em 5 de dezembro de 1997.
Referências bibliográficas
- CARRAZZA, F.R. Desnutrição energético-protéica. In: CARRAZZA, F.R., MARCONDES, E. Nutrição clínica em pediatria São Paulo : Sarvier, 1991a. p.265-270.
- CARRAZZA, FR. Nutrição enteral. In: CARRAZZA F.R., MARCONDES, E. Nutriçãoclínica em pediatria São Paulo: Sarvier, 1991b. p.279-87.
- COELHO-RAMIREZ, P., LIFSHITZ, F. Enteric microflora and carbohydrate intolerance in infants with diarrhea. Pediatrics, Evanston, v.49, p.233-242. 1972.
- DELGADO, A.F., FREDDI, A.N. Infecção e suporte nutricional. In: JUNIOR, M.T.; TANNURI, U. Suporte nutricional em pediatria São Paulo : Atheneu.1994. p.69-75.
- PARKER, P., STROOP, S., GREENE, H.C. A controlled comparison of continuous vs intermitent feeding in the treatment of infants with intestinal disease. Journal of Pediatrics, St Louis, v.99, n.3, p.360-364. 1981.
- WHO Working Group. Use and interpretation of anthropometric indicators of nutritional status. Bulletin of the World Health Organization, Geneva, v.64, p.929-41, 1986.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Nov 2010 -
Data do Fascículo
Dez 1998
Histórico
-
Recebido
29 Jan 1997 -
Aceito
05 Dez 1997