Open-access Relevância do estado de hidratação na interpretação de parâmetros nutricionais em diálise peritoneal

Relevance of hydration status on the interpretation of nutritional parameters in peritoneal dialysis

Resumos

OBJETIVO: Identificar determinantes do estado de hidratação de pacientes em diálise peritoneal crônica, bem como investigar os efeitos da sobrecarga líquida sobre o estado nutricional. MÉTODOS: Foi feito estudo transversal, realizado em 2006, avaliando 27 pacientes em diálise peritoneal crônica, acompanhados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (SP), quanto a parâmetros clínicos, dialíticos, laboratoriais, antropométricos e de bioimpedância elétrica. Para avaliar a influência de parâmetros sobre o estado de hidratação empregou-se modelo de regressão linear múltipla. A amostra foi estratificada quanto ao estado de hidratação pela relação entre água extracelular e água corporal total (0,47 para homens e 0,52 para mulheres), parâmetros obtidos por meio de bioimpedância elétrica. Comparações foram realizadas por análise de covariância, Mann-Whitney, Qui-quadrado ou teste exato de Fisher. Considerou-se significância estatística quando p≤0,05. RESULTADOS: Pacientes com maior volume urinário e em modalidade dialítica automatizada apresentaram melhor estado de hidratação. Pacientes com maior sobrecarga líquida, comparados àqueles com menor sobrecarga, apresentaram menor ângulo de fase (M=4,2, DP=0,9 vs M=5,7, DP=0,7º; p=0,006), menor albumina (M=3,06, DP=0,46 vs M=3,55, DP=0,52g/dL; p=0,05) e maior % prega cutânea tricipital (M=75,3, DP=36,9 vs M=92,1, DP=56,9%; p=0,058), sem outras evidências antropométricas. CONCLUSÃO: Pode-se sugerir que os níveis reduzidos de albumina e ângulo de fase nos pacientes com maior sobrecarga líquida não estiveram relacionados a pior estado nutricional. Para o diagnóstico nutricional em vigência de sobrecarga líquida, deve-se considerar o conjunto de variáveis obtidas por diversos métodos, buscando relacioná-las e interpretá-las de maneira abrangente, possibilitando um diagnóstico nutricional fidedigno.

Bioimpedância; Diálise peritoneal; Estado de hidratação; Nutrição


OBJECTIVE: This study identified determinants of the hydration status of chronic peritoneal dialysis patients and investigated the effects of fluid overload on their nutritional status. METHODS: A cross-sectional study was conducted in 2006 to evaluate 27 chronic peritoneal dialysis patients from the Dialysis Center of the Medical School Hospital of Botucatu (SP), considering clinical, dialytic, laboratory, anthropometric and bioimpedance parameters. A linear multiple regression model was used to evaluate the influence of these parameters on hydration status. The sample was stratified according to hydration status, given by the ratio between extracellular water and total body water (0.47 for males and 0.52 for females), obtained by bioelectrical impedance. Analysis of covariance, Mann-Whitney test, chi-square test, and Fisher's exact test were used for making comparisons. The significance level was set at 5% (p≤0.05). RESULTS: Patients with greater urine volume and receiving automatic dialysis presented better hydration status. Patients with higher fluid overload, compared with those with lower overload, presented lower phase angle (M=4.2, SD=0.9 vs. M=5.7, SD=0.7º; p=0.006), lower albumin levels (M=3.06, SD=0.46 vs. M=3.55, SD=0.52g/dL; p=0.05), and higher percentage of triceps skinfold thickness (M=75.3, SD=36.9 vs. M= 92.1, SD=56.9; p=0.058). No other anthropometric differences were observed. CONCLUSION: Low levels of albumin and phase angle in patients with higher fluid overload were not related to worse nutritional status. This result suggests that one must consider the set of variables obtained by many methods and relate and interpret them comprehensively in order to obtain a reliable nutritional diagnosis of patients with fluid overload.

Bioimpedance; Peritoneal dialysis; Hydration status; Nutrition


ORIGINAL

Relevância do estado de hidratação na interpretação de parâmetros nutricionais em diálise peritoneal1

Relevance of hydration status on the interpretation of nutritional parameters in peritoneal dialysis

Aline de Araujo Antunes; Francieli Cristina Delatim Vannini; Luis Cuadrado Martin; Silméia Garcia Zanati; Pasqual Barretti; Jacqueline Costa Teixeira Caramori

Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Medicina de Botucatu, Departamento de Clínica Médica. Distrito de Rubião Júnior, s/n, 18618-000, Botucatu, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: J.C.T. CARAMORI. E-mail: <jteixeir@fmb.unesp.br>

RESUMO

OBJETIVO: Identificar determinantes do estado de hidratação de pacientes em diálise peritoneal crônica, bem como investigar os efeitos da sobrecarga líquida sobre o estado nutricional.

MÉTODOS: Foi feito estudo transversal, realizado em 2006, avaliando 27 pacientes em diálise peritoneal crônica, acompanhados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (SP), quanto a parâmetros clínicos, dialíticos, laboratoriais, antropométricos e de bioimpedância elétrica. Para avaliar a influência de parâmetros sobre o estado de hidratação empregou-se modelo de regressão linear múltipla. A amostra foi estratificada quanto ao estado de hidratação pela relação entre água extracelular e água corporal total (0,47 para homens e 0,52 para mulheres), parâmetros obtidos por meio de bioimpedância elétrica. Comparações foram realizadas por análise de covariância, Mann-Whitney, Qui-quadrado ou teste exato de Fisher. Considerou-se significância estatística quando p≤0,05.

RESULTADOS: Pacientes com maior volume urinário e em modalidade dialítica automatizada apresentaram melhor estado de hidratação. Pacientes com maior sobrecarga líquida, comparados àqueles com menor sobrecarga, apresentaram menor ângulo de fase (M=4,2, DP=0,9 vs M=5,7, DP=0,7º; p=0,006), menor albumina (M=3,06, DP=0,46 vs M=3,55, DP=0,52g/dL; p=0,05) e maior % prega cutânea tricipital (M=75,3, DP=36,9 vs M=92,1, DP=56,9%; p=0,058), sem outras evidências antropométricas.

CONCLUSÃO: Pode-se sugerir que os níveis reduzidos de albumina e ângulo de fase nos pacientes com maior sobrecarga líquida não estiveram relacionados a pior estado nutricional. Para o diagnóstico nutricional em vigência de sobrecarga líquida, deve-se considerar o conjunto de variáveis obtidas por diversos métodos, buscando relacioná-las e interpretá-las de maneira abrangente, possibilitando um diagnóstico nutricional fidedigno.

Termos de indexação: Bioimpedância. Diálise peritoneal. Estado de hidratação. Nutrição.

ABSTRACT

OBJECTIVE: This study identified determinants of the hydration status of chronic peritoneal dialysis patients and investigated the effects of fluid overload on their nutritional status.

METHODS: A cross-sectional study was conducted in 2006 to evaluate 27 chronic peritoneal dialysis patients from the Dialysis Center of the Medical School Hospital of Botucatu (SP), considering clinical, dialytic, laboratory, anthropometric and bioimpedance parameters. A linear multiple regression model was used to evaluate the influence of these parameters on hydration status. The sample was stratified according to hydration status, given by the ratio between extracellular water and total body water (0.47 for males and 0.52 for females), obtained by bioelectrical impedance. Analysis of covariance, Mann-Whitney test, chi-square test, and Fisher's exact test were used for making comparisons. The significance level was set at 5% (p≤0.05).

RESULTS: Patients with greater urine volume and receiving automatic dialysis presented better hydration status. Patients with higher fluid overload, compared with those with lower overload, presented lower phase angle (M=4.2, SD=0.9 vs. M=5.7, SD=0.7º; p=0.006), lower albumin levels (M=3.06, SD=0.46 vs. M=3.55, SD=0.52g/dL; p=0.05), and higher percentage of triceps skinfold thickness (M=75.3, SD=36.9 vs. M= 92.1, SD=56.9; p=0.058). No other anthropometric differences were observed.

CONCLUSION: Low levels of albumin and phase angle in patients with higher fluid overload were not related to worse nutritional status. This result suggests that one must consider the set of variables obtained by many methods and relate and interpret them comprehensively in order to obtain a reliable nutritional diagnosis of patients with fluid overload.

Indexing terms: Bioimpedance. Peritoneal dialysis. Hydration status. Nutrition.

INTRODUÇÃO

A diálise peritoneal é opção de terapia renal substitutiva empregada na falência renal aguda ou crônica, visando à depuração de substâncias tóxicas do sangue e à remoção do excesso de líquido corporal. Esse método consiste na infusão e drenagem de solução de diálise na cavidade peritoneal, com trocas entre o sangue e o líquido infundido, utilizando a membrana peritoneal como filtro. Existem duas modalidades principais de diálise peritoneal: a Diálise Peritoneal Automatizada (DPA), realizada com uma máquina (cicladora) que realiza vários ciclos de infusão e drenagem, com curtos períodos de permanência da solução de diálise na cavidade, e a Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua (DPAC), cujas trocas são realizadas manualmente e cujo tempo de permanência é mais prolongado.

O estado de hidratação é um importante preditor da evolução dos pacientes em diálise, influenciando o controle pressórico1-3 e a função cardíaca4. Recentemente, sugere-se que esteja envolvido na patogênese da desnutrição5-7 e da inflamação8 na doença renal crônica.

Aspectos desse complexo sistema têm satisfatória avaliação quando interpretados com parâmetros clínicos, laboratoriais e ecocardiográficos. Entretanto, a sobrecarga líquida com sinais clínicos discretos ou imperceptíveis pode levar ao subdiagnóstico dessa condição. A Bioimpedância Elétrica (BIA) é um método de avaliação rápido, seguro e não invasivo para avaliação do estado de nutrição e hidratação9, sendo importante no estudo das interações entre nutrição e sobrecarga de líquidos.

Este estudo pretende identificar determinantes do estado de hidratação de pacientes em diálise peritoneal crônica, bem como investigar os efeitos da sobrecarga líquida sobre o estado nutricional.

MÉTODOS

Estudo transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Júlio de Mesquita (Unesp) (OF 131/2006), realizado entre abril e dezembro de 2006, avaliando 27 dos 45 pacientes prevalentes portadores de Insuficiência Renal Crônica (IRC) em diálise peritoneal ambulatorial, acompanhados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp) (SP, Brasil). Foram incluídos pacientes com idade superior a 18 anos, tratados por diálise peritoneal há no mínimo quatro meses, sem diagnóstico de infecção aguda ou crônica há no mínimo três meses, sem neoplasias e sem sorologia positiva para HIV e Hepatite B e C. Antes da inclusão no estudo, os pacientes que preenchiam esses critérios foram esclarecidos sobre a pesquisa e, quando concordantes com os termos da mesma, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram observados idade, sexo, raça, doença renal de base, tempo e modalidade de diálise peritoneal (DPA e DPAC), transporte peritoneal (baixo, médio-baixo, médio-alto e alto), volume urinário coletado em 24 horas, presença de diabetes Mellitus (DM), diagnóstico de disfunção sistólica por ecocardiograma e de hipertensão arterial, tabagismo, pressão arterial sistólica e diastólica. Considerou-se como descontrole pressórico pressão sistólica >140mmHg ou pressão diastólica >90mmHg, como proposto pelo Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure, 7th Report10.

A avaliação nutricional foi feita em jejum, com a cavidade abdominal sem solução de diálise. Para efetuação das medidas utilizou-se adipômetro Lange®, fita métrica inextensível TBW® e balança digital Filizola Personal® com estadiômetro. Foram aferidos peso, altura e, no lado não dominante do paciente, as pregas cutâneas tricipital, bicipital, sub-escapular e suprailíaca e circunferências do punho e do braço. Com o auxílio do software Nutwin® - Unifesp/EPM foram calculados: Índice de Massa Corporal (IMC), porcentagem de gordura (%G), porcentagem de adequação do peso atual em relação ao ideal (%PA/PI), porcentagem de adequação ao percentil 50 da Circunferência do Braço (%CB), circunferência (%CMB) e área musculares do braço (%AMB) e prega cutânea tricipital (%PCT).

A quantificação do aporte energético-proteico considerou (i) o registro alimentar de três dias, (ii) o aparecimento do Nitrogênio Proteico (PNA)11, estimador laboratorial da ingestão proteica, e (iii) a contribuição energética da glicose absorvida da solução de diálise, obtida pela diferença entre glicose infundida (dados fornecidos pelo fabricante) e glicose drenada (dosada laboratorialmente) da cavidade peritoneal em 24 horas. Realizou-se Avaliação Global Subjetiva (AGS)12 com escala de sete pontos, sendo diagnosticado como desnutrido o paciente com pontuação menor ou igual a 5. Consideraram-se inapetentes os pacientes que referiram apetite regular, ruim ou muito ruim nos últimos sete dias, semelhante ao proposto por Kalantar-Zadeh et al.13.

Quanto à avaliação laboratorial, dosou-se albumina, colesterol, creatinina, ureia, linfócitos totais, transferrina e bicarbonato venoso. Como indicadores inflamatórios avaliaram-se PCR (imunoquímico), ferritina (imunoenzimático) e alfa 1 glicoproteína ácida (imunoturbidimetria), fator de Necrose Tumoral Alfa (TNFa), Interleucina 6 (IL-6) e adiponectina (analisados por ELISA). Para avaliação da dose total de diálise (Kt/V) considerou-se a depuração de ureia peritoneal e renal, enquanto para avaliação do ultrafiltrado peritoneal considerou-se o líquido infundido e drenado da cavidade peritoneal nas 24 horas.

A casuística foi analisada quanto ao estado de hidratação, utilizando-se a mediana da relação entre Água Extracelular (AEC) e Água Corporal Total (ACT), obtidas por BIA (Biodynamics, modelo 450, 800mA e 50 Khz) e considerando-se o sexo dos pacientes estudados, tal como proposto por Ashgar et al.6. Para diagnóstico de maior sobrecarga líquida consideraram-se valores superiores a 0,47 para homens e 0,52 para mulheres. Na análise por BIA também foram observados os valores de resistência, reactância, ângulo de fase e %G.

Os dados foram expressos em razão, porcentagem, média e desvio-padrão ou mediana e quartis. Para identificar os parâmetros que influenciam AEC/ACT, utilizou-se modelo de regressão linear múltipla com seleção semiautomática por backward. Compararam-se os pacientes com maior ou menor sobrecarga líquida por Análise de Covariância (ANCOVA), realizando ajuste para presença de DM, disfunção sistólica e para as variáveis numéricas que previamente se correlacionaram por Spearman ou Pearson. Considerando-se as pressuposições de normalidade e homocedasticidade, também se empregou o teste Mann-Whitney. As proporções foram comparadas por Qui-quadrado ou teste exato de Fisher. O nível de significância foi pré-fixado em α= 0,05.

RESULTADOS

Na Tabela 1 são mostradas as características gerais da amostra, que apresentava mediana de tempo em diálise peritoneal de 16 (8,3; 35,8) meses, com 55% dos pacientes submetidos a DPA. Quanto ao tipo de transporte peritoneal, houve predomínio de médios transportadores (85,2%), dos quais 51,9% eram médio-baixo transportadores, com Kt/V de 2,2 (1,9; 2,5).

Investigou-se a influência dos seguintes parâmetros sobre o estado de hidratação (AEC/ACT): volume urinário, presença de DM, diagnóstico ecocardiográfico de disfunção sistólica, modalidade dialítica, tipo de transporte peritoneal, Kt/V e ultrafiltração peritoneal. A regressão linear múltipla mostrou que pacientes tratados por DPA e com maior volume urinário apresentavam menor sobrecarga líquida (Tabela 2).

Na comparação dos pacientes quanto AEC/ACT, observou-se diferença (Média - M=0,5, Desvio-Padrão - DP=0,04 vs M=0,47, DP=0,03; p<0,001). Pacientes com maior sobrecarga líquida apresentavam idade mais avançada (M=67,8, DP=12,7 vs M=46,5, DP=18,8 anos; p=0,002), menor pressão arterial diastólica (M=79,2, DP=13,2 vs M=90,0, DP=12,8mmHg; p=0,05) e predomínio da nefropatia diabética (42,9%), como doença renal de base. Quanto a sexo, raça, presença de DM, hipertensão arterial, pressão arterial sistólica, tabagismo, tempo em diálise, método e dose de diálise peritoneal, não houve diferença.

Quanto aos parâmetros nutricionais, observou-se que, nos pacientes com maior sobrecarga líquida, o ângulo de fase (M=4,2, DP=0,9º vs M=5,7, DP=0,7º; p=0,006) e reactância (M=40,7, DP=10,8 vs M=53,9, DP=11,4) foram menores, enquanto a %PCT foi superior (M=92,1, DP=56,9 vs M=75,3, DP=36,9; p=0,058). Não se observou diferença entre os demais parâmetros apresentados detalhadamente na Tabela 3.

Na Tabela 4 mostra-se a comparação dos pacientes quanto a variáveis laboratoriais nutricionais e inflamatórias, observando-se que aqueles com maior sobrecarga apresentaram valores inferiores de albumina plasmática (M=3,06, DP=0,4 vs M=3,55, DP=0,52g/dL; p=0,051), não havendo diferença quanto aos demais parâmetros laboratoriais avaliados.

DISCUSSÃO

A expansão do volume extracelular em diálise peritoneal decorre da combinação de diversas condições clínicas e dialíticas, influenciadas pelo balanço entre ingestão e remoção de líquidos. Neste estudo encontrou-se influência da função renal residual, avaliada pelo volume urinário de 24 horas, bem como da modalidade de diálise peritoneal. Pacientes que realizavam DPA apresentaram menor nível de sobrecarga líquida, o que se sugere resultar da maleabilidade da prescrição dialítica, com ajustes sutis no volume, concentração de glicose e tempo de permanência da solução de diálise, possibilitados preferencialmente pelo método automatizado. Já Rodriguez-Carmona et al.14 verificaram que a DPA, quando comparada a DPAC, favorece o acúmulo de sódio, proporcionado pela menor ultrafiltração peritoneal, e com isso a retenção hídrica.

O maior volume urinário também esteve relacionado à menor sobrecarga de líquidos neste estudo, reforçando o importante papel desempenhado pela função renal residual na manutenção do balanço hidroeletrolítico, contribuindo para a adequação dialítica e influenciando a sobrevida de pacientes em diálise15-17.

Ashgar et al.6, realizando avaliação por BIA unifrequencial, propuseram para pacientes em diálise peritoneal que o valor mediano da relação AEC/ACT fosse considerado individualmente para cada sexo na avaliação do estado de hidratação. Nesta análise, procedeu-se de maneira similar, sendo estabelecido o valor de AEC/ACT de 0,47 para homens e 0,52 para mulheres, coerentemente com os valores apontados em outros estudos com pacientes em diálise crônica, que variam de 0,43 a 0,535,6,18-20.

Pacientes com maior sobrecarga líquida apresentaram valor de albumina inferior, o que já foi mostrado em outros estudos5,21-23. Isso pode ser decorrente da sobrecarga líquida, em que o aumento do volume intravascular ocasionaria hipoalbuminemia dilucional, devendo-se levar em consideração que o estado nutricional e a atividade inflamatória também influenciam os níveis dessa proteína21,24. A inflamação diminui a síntese de albumina e aumenta o seu catabolismo24. Por outro lado, Dumler5 mostrou que pacientes com albumina inferior a 3,5g/dL, apresentavam maior relação AEC/ACT e menores valores de IMC, creatinina sérica e ingestão proteica, sugerindo que a hipoalbuminemia está relacionada à sobrecarga líquida e a pior estado nutricional.

Além disso, pacientes deste estudo com maior sobrecarga líquida apresentaram menor ângulo de fase, o qual é tido como marcador de integridade celular9. Considerando que esse parâmetro é influenciado pela idade e pelo sexo25, este estudo realizou ajuste para idade, comparando valores de ângulo de fase nos diferentes estados de hidratação, de modo a reforçar a credibilidade do achado. Menores valores de ângulo de fase estão relacionados a pior estado nutricional, diagnosticado por avaliação subjetiva global, creatinina, albumina e pré-albumina26-28. Entretanto, o conjunto dos parâmetros nutricionais analisados neste estudo concorda com os resultados encontrados por Iorio et al.29, que sugeriram a influência do acúmulo de líquidos sobre a variação do ângulo de fase, ao observar que o parâmetro aumentava após a sessão de hemodiálise, diminuindo progressivamente no período interdialítico.

Neste trabalho também foi observado que pacientes com maior sobrecarga líquida apresentavam maior %PCT. Entretanto, a ausência de evidências nos demais parâmetros antropométricos (%G, IMC, %PA/PI) dificultou a interpretação isolada desse parâmetro como marcador de massa adiposa, o que permite especular que esse achado tenha ocorrido por edema.

O diagnóstico de hipertensão esteve presente em 74% da amostra, com 26% preenchendo critérios de descontrole pressórico, contrastando com os 73% observados no multicêntrico de Cocchi et al.30. Sendo o descontrole pressórico uma condição que sugere sobrecarga líquida, a baixa ocorrência nesta amostra pode falsear a interpretação, favorecendo o subdiagnóstico dessa sobrecarga. Quando a amostra foi estratificada, observou-se que pacientes com maior sobrecarga líquida apresentavam menor pressão arterial diastólica, o que pode estar relacionado à idade mais avançada30.

O estudo possui limitações, como o delineamento transversal, que não responde a questões sobre o efeito longitudinal do estado de hidratação sobre a evolução nutricional; o pequeno número de pacientes, que pode ter reduzido as evidências; e a ausência de um padrão ouro na avaliação do estado de hidratação. Apesar disso, pode-se inferir que os níveis reduzidos de albumina e ângulo de fase nos pacientes com maior sobrecarga líquida não apontaram um pior estado nutricional, uma vez que não houve evidências de prejuízo nutricional nos demais parâmetros.

A categorização do estado de hidratação foi permitida pela BIA, instrumento validado, objetivo e com aplicação clínica bastante viável31. Nesse sentido, este estudo procura valorizar os resultados obtidos, propondo que o método possa ser trazido rotineiramente para prática clínica.

Conclui-se que, para o diagnóstico nutricional em vigência de sobrecarga líquida, deve-se considerar o conjunto de variáveis obtidas por diversos métodos, buscando relacioná-las e interpretá-las de maneira abrangente, possibilitando um diagnóstico nutricional fidedigno.

AGRADECIMENTOS

A Hélio Rubens Nunes, estatístico responsável pela análise dos dados; à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela concessão da bolsa de mestrado; à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pelo financiamento do projeto.

COLABORADORES

A.A. ANTUNES e J.C.T. CARAMORI participaram de todos os estágios de confecção deste artigo, concepção, coleta de dados, montagem do banco de dados, análise, estatística, redação e revisão final do original. F.C.D. VANNINI, L.C. MARTIM, S.G. ZANATI e P. BARRETTI colaboraram com a coleta de dados, redação do artigo e revisão final.

Recebido em: 4/5/2009

Versão final reapresentada em: 9/8/2010

Aprovado em: 31/8/2010

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    Artigo elaborado a partir da dissertação de A.A. ANTUNES, intitulada "Associações entre estado de hidratação, inflamatório e marcadores nutricionais em pacientes em diálise peritoneal crônica". Universidade Estadual Paulista; 2008. Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp, processo nº 2006/052384-3).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Aceito
      31 Ago 2010
    • Revisado
      09 Ago 2010
    • Recebido
      04 Maio 2009
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