Resumos
OBJETIVO: Este trabalho teve como objetivo avaliar a informação nutricional fornecida pelos fabricantes de fórmulas infantis, comparando-as quanto aos teores obtidos na análise, ao conteúdo de lipídeos, ácidos graxos saturados, ácidos graxos trans, ácido linoleico, ácido alfa-linolênico, ácido araquidônico e ácido docosahexaenoico. MÉTODOS: Foram analisadas 14 amostras de seis marcas diferentes de fórmulas infantis comercializadas no Estado de São Paulo. A extração e a quantificação dos lipídeos foram realizadas pelo método oficial (Roese Gottlieb), e a quantificação dos ácidos graxos, pela cromatografia em fase gasosa pelo método de adição de padrão interno. As análises foram realizadas em triplicata. RESULTADOS: De acordo com os resultados, todas as amostras estavam em conformidade com a rotulagem para gordura total, uma estava em desacordo para ácidos graxos saturados, seis para ácidos graxos trans, quatro para ácido linoleico, dez para ácido alfa-linolênico, dois para ácido araquidônico e três para o ácido docosahexaenoico. As fórmulas infantis para lactentes de zero a seis meses foram as que revelaram as maiores diferenças em relação à informação nutricional fornecida pelo fabricante. CONCLUSÃO: Os resultados obtidos apontam a necessidade de um contínuo monitoramento desses produtos por meio de programas de vigilância sanitária, uma vez que a inadequação dos nutrientes da fração lipídica e outros pode afetar de maneira significativa o desenvolvimento infantil.
Ácidos graxos; Fórmulas infantis; Informação nutricional; Lipídeos; Nutrição do lactente
OBJECTIVE: This study determined the contents of fats, saturated fatty acids, trans fatty acids, linoleic acid, alpha-linolenic acid, arachidonic acid and docosahexaenoic acid in infant formulas and compared them with the nutrition facts reported on the respective packaging. METHODS: Fourteen samples of six different infant formula brands sold in the state of São Paulo were analyzed. The extraction and quantification of fats were done by the official method (Roese Gottlieb) and the quantification of fatty acids by gas chromatography using an internal standard. All analyses were repeated three times. RESULTS: The results showed that the nutrition facts printed on the packaging regarding total fats were correct for all samples, one was incorrect for saturated fatty acids, six were incorrect for trans fatty acids, four were incorrect for linoleic acid, ten were incorrect for alpha-linolenic acid, two were incorrect for arachidonic acid and three were incorrect for docosahexaenoic acid. The formulas that presented the greatest differences between nutrition facts and actual contents were those for infants aged zero to six months. CONCLUSION: The results indicate that sanitary surveillance programs need to constantly monitor these products since the incorrect amount of nutrients may significantly affect the child's development.
Fatty acids; Infant formula; Nutritional facts; Lipids; Infant nutrition
ORIGINAL ORIGINAL
Informação nutricional de fórmulas infantis comercializadas no Estado de São Paulo: avaliação dos teores de lipídeos e ácidos graxos1
Nutrition facts of infant formulas sold in São Paulo state: assessment of fat and fatty acid contents
Mahyara Markievicz Mancio KusI; Simone Alves da SilvaII; Sabria Aued-PimentelII; Jorge Mancini-FilhoI
IUniversidade de São Paulo, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Laboratório de Lipídeos. Av. Prof. Lineu Prestes, 580, Bloco 14, Cidade Universitária, 05508-000, São Paulo, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: M.M.M. KUS. E-mail: <mahyarakus@yahoo.com.br>
IIInstituto Adolfo Lutz, Departamento de Bromatologia e Química, Laboratório de Cromatografia. São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: Este trabalho teve como objetivo avaliar a informação nutricional fornecida pelos fabricantes de fórmulas infantis, comparando-as quanto aos teores obtidos na análise, ao conteúdo de lipídeos, ácidos graxos saturados, ácidos graxos trans, ácido linoleico, ácido alfa-linolênico, ácido araquidônico e ácido docosahexaenoico.
MÉTODOS: Foram analisadas 14 amostras de seis marcas diferentes de fórmulas infantis comercializadas no Estado de São Paulo. A extração e a quantificação dos lipídeos foram realizadas pelo método oficial (Roese Gottlieb), e a quantificação dos ácidos graxos, pela cromatografia em fase gasosa pelo método de adição de padrão interno. As análises foram realizadas em triplicata.
RESULTADOS: De acordo com os resultados, todas as amostras estavam em conformidade com a rotulagem para gordura total, uma estava em desacordo para ácidos graxos saturados, seis para ácidos graxos trans, quatro para ácido linoleico, dez para ácido alfa-linolênico, dois para ácido araquidônico e três para o ácido docosahexaenoico. As fórmulas infantis para lactentes de zero a seis meses foram as que revelaram as maiores diferenças em relação à informação nutricional fornecida pelo fabricante.
CONCLUSÃO: Os resultados obtidos apontam a necessidade de um contínuo monitoramento desses produtos por meio de programas de vigilância sanitária, uma vez que a inadequação dos nutrientes da fração lipídica e outros pode afetar de maneira significativa o desenvolvimento infantil.
Termos indexação: Ácidos graxos. Fórmulas infantis. Informação nutricional. Lipídeos. Nutrição do lactente.
ABSTRACT
OBJECTIVE: This study determined the contents of fats, saturated fatty acids, trans fatty acids, linoleic acid, alpha-linolenic acid, arachidonic acid and docosahexaenoic acid in infant formulas and compared them with the nutrition facts reported on the respective packaging.
METHODS: Fourteen samples of six different infant formula brands sold in the state of São Paulo were analyzed. The extraction and quantification of fats were done by the official method (Roese Gottlieb) and the quantification of fatty acids by gas chromatography using an internal standard. All analyses were repeated three times.
RESULTS: The results showed that the nutrition facts printed on the packaging regarding total fats were correct for all samples, one was incorrect for saturated fatty acids, six were incorrect for trans fatty acids, four were incorrect for linoleic acid, ten were incorrect for alpha-linolenic acid, two were incorrect for arachidonic acid and three were incorrect for docosahexaenoic acid. The formulas that presented the greatest differences between nutrition facts and actual contents were those for infants aged zero to six months.
CONCLUSION: The results indicate that sanitary surveillance programs need to constantly monitor these products since the incorrect amount of nutrients may significantly affect the child's development.
Indexing terms: Fatty acids. Infant formula. Nutritional facts. Lipids. Infant nutrition.
INTRODUÇÃO
Os Ácidos Graxos Essenciais (AGE) compõem uma classe de moléculas que não podem ser geradas pelo organismo, devido à carência de enzimas dessaturases e hidrogenases. A ausência de tais nutrientes na dieta está associada a síndromes que podem levar à morte. Os ácidos essenciais linoleico (LA, 18:2 ω-6) e alfa-linolênico (ALA, ω-3) são sintetizados, exclusivamente, pelo reino vegetal1,2. Esses AGE podem ser modificados pelos mamíferos, com elongamento da cadeia, inserção de insaturações e descarboxilação de pares da cadeia, originando os ácidos graxos de cadeia longa (AGPI-CL), sendo os ácidos eicosa-pentanoico (EPA - 20:5, ω-3) e docosahexaenoico (DHA - 22:6, ω-3) produtos do metabolismo do ALA e o ácido araquidônico (ARA - 20:4, ω-6) do metabolismo do LA3.
O ARA, EPA e DHA são precursores da síntese de eicosanoides. Os produzidos pelos ácidos graxos (AG, ω-6) são mediadores bioquímicos potentes envolvidos na inflamação, infecção, lesão tecidual, modulação do sistema imune e agregação plaquetária. Os ácidos da série ω-3 atuam no processo anti-inflamatório e não inibem o sistema imune3,4.
O lactente não tem a capacidade de sintetizar os AGPI-CL a partir de seus precursores, devido à imaturidade hepática, tendo sua necessidade suprida pelo leite materno5,6.
ARA e DHA são os principais componentes da membrana fosfolipídica das células do sistema nervoso central. Os AGPI-CL são rapidamente absorvidos no cérebro durante o seu período de desenvolvimento, que compreende o último trimestre de gravidez até aproximadamente dois anos de idade. Embora o maior acúmulo de AGPI-CL ocorra no período pré-natal, durante o pós-natal o acúmulo também é acentuado e se dá principalmente pela amamentação. Esses ácidos graxos atuam sobre crescimento, funcionalidade e integridade do cérebro. Portanto, uma suplementação inadequada de micronutrientes essenciais nesse período pode comprometer a função cerebral durante toda vida3,7,8.
A melhor forma de assegurar a oferta dos AGPI-CL para o lactente é por meio do leite materno, porém, quando a prática da amamentação é impossibilitada, o uso de Fórmula Infantil (FI) aparece como uma alternativa para a alimentação do bebê. Apesar do avanço no processo tecnológico, essas fórmulas ainda apresentam grandes diferenças na composição quando comparadas ao leite materno. Com o intuito de diminuir essa diferença, a partir de 2002, nos Estados Unidos, essas fórmulas passaram a ser suplementadas com AGPI-CL. No Brasil, as fórmulas infantis começaram a ser comercializadas com AGPI-CL no início de 20086,7,9.
Outro grupo de ácidos graxos que tem sido amplamente estudado devido à evidência de propriedades benéficas em modelos com animais é o Ácido Linoléico Conjugado (CLA). O CLA é o termo geral empregado para designar a mistura de isômeros posicionais e geométricos do ácido linoleico com duplas ligações conjugadas. Esses ácidos graxos são encontrados, predominantemente, na gordura do leite e da carne de animais ruminantes, como bovinos, ovinos e caprinos. Cerca de 90% do CLA em gorduras de ruminantes são representados pelo isômero cis-9, trans-11. Pesquisas sugerem que o CLA possua propriedades anticarcinogênicas e capacidade de reduzir a gordura corporal e aumentar, concomitantemente, a massa muscular. Ainda são atribuídos a ele outros efeitos benéficos: proteção contra aterosclerose, caquexia e desenvolvimento de diabetes10,11.
As fórmulas infantis são substitutivas do leite materno; em países europeus e nos Estados Unidos, são comercializadas em três formas: pó, líquida ou pronta para consumo. No Brasil, somente as duas primeiras opções são regulamentadas. De acordo com a legislação vigente no País, existem duas classificações para as fórmulas infantis12:
Considera-se fórmula infantil para lactentes o produto em forma líquida ou em pó, destinado à alimentação de lactentes, sob prescrição, em substituição total ou parcial do leite humano, para satisfação das necessidades nutricionais desse grupo etário. Excetuam-se as fórmulas destinadas a satisfazer necessidades dietoterápicas específicas.
Considera-se fórmula infantil de seguimento o produto em forma líquida ou em pó, utilizado como substituto do leite materno a partir do sexto mês, quando indicado, e para crianças de primeira infância.
A Portaria nº 977, de 5 de dezembro de 199812, publicada pela Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde é a legislação brasileira que regulamenta a identidade e a qualidade das fórmulas infantis, dispondo sobre as quantidades de cada nutriente. Por ser um alimento embalado na ausência do cliente, deve-se obedecer à RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)13: na rotulagem das fórmulas infantis, deve haver a declaração de gordura total, gordura saturada e trans, entre outros nutrientes. No caso das fórmulas infantis, de acordo com o Informe Técnico nº 36, de 27 de junho de 200814, da ANVISA, a informação nutricional deve ser declarada por 100g/100mL do alimento quando exposto à venda. Adicionalmente, pode-se declarar a informação nutricional por 100mL e/ou por 100kcal do alimento pronto para o consumo. Não há, portanto, a necessidade de indicação da porção e do Valor Diário recomendado (% VD).
A Norma Codex Alimentarius Stan 72 (2007)15exige que sejam declarados na informação nutricional das fórmulas infantis, além da gordura total, os teores Ácidos Graxos Saturados (AGS) e Ácidos Graxos Trans (AGT), ácido linoleico e ácido alfa-linolênico, entre outros nutrientes. Quando houver a adição de AGPI-CL, seu valor também deve ser declarado. Essa declaração, de acordo com o Codex Alimentarius15, deve ser feita por 100g/100mL do alimento quando vendido ou preparado, e seguir as recomendações do fabricante. Na legislação brasileira13, não há a obrigatoriedade da declaração desses ácidos graxos na informação nutricional, exceto quando, no rótulo, houver a alegação de propriedade nutricional de algum nutriente.
Estudos relacionados à quantificação dos componentes da informação nutricional de gorduras totais e ácidos graxos em fórmulas infantis são raros. A maioria das pesquisas com fórmulas infantis apenas aborda os dizeres de rotulagem ou a quantidade de nutrientes exigida pelas legislações vigentes, sem compará-los com os teores obtidos na análise. Em um dos poucos estudos que abordaram tal comparação, Straarup et al.16, na Dinamarca, demonstraram que apenas quatro das 28 fórmulas infantis analisadas apresentavam níveis de ALA superiores ao mínimo preconizado pela legislação daquele país, e em duas amostras as razões para LA/ALA foram de 17:1 e 55:1, diferentemente do preconizado (entre 5:1 a 15:1). Riva et al.17verificaram que, em 16 amostras, os teores de LA estavam de acordo com o recomendado pela União Europeia, com valores iguais ao do Codex Alimentarius, e, para a razão LA/ALA, não foram obtidos valores fora do recomendado, uma vez que apenas realizou-se a análise da informação nutricional.
Este trabalho teve como objetivo avaliar, por análises laboratoriais, os teores de gordura total e de ácidos graxos de fórmulas infantis comercializadas no Estado de São Paulo, e compará-los com os valores da informação nutricional fornecida pelos fabricantes.
MÉTODOS
Foram analisadas 14 amostras de fórmulas infantis obtidas no comércio do Estado de São Paulo, sendo sete de fórmulas infantis recomendadas para lactentes de zero a seis meses (FI L1, FI L2, FI L3, FI L4, FI L5, FI L6 e FI L7), cinco de fórmulas infantis de seguimento recomendadas para lactentes de seis a doze meses (FI S1, FI S2, FI S3, FI S4 e FI S5) e duas de fórmulas infantis para lactentes prematuros (FI P1 e FI P2). As análises foram realizadas em março de 2008 (Tabela 1).
Os solventes e os reagentes utilizados para as etapas de extração de gordura e preparação dos Ésteres Metílicos de Ácidos Graxos (EMAG) foram de grau analítico: éter de petróleo, éter etílico, etanol a 95%, hidróxido de amônio, hidróxido de potássio, sulfato de sódio e hidróxido de sódio. Foram também utilizados os seguintes solventes de grau cromatográfico: n-hexano e metanol.
Para quantificação dos ácidos graxos, foram utilizados dois padrões cromatográficos de EMAG, 13:0 e 23:0, marca Sigma, com elevado grau de pureza. Para identificar os componentes, foram utilizados os seguintes padrões: mistura com quantidades certificadas de 37 EMAG, variando de 4:0 a 24:0, marca Supelco; mistura de EMAG dos isômeros cistrans do ácido linoleico (18:2) e ácido alfalinolênico (18:3), marca Sigma; padrões de EMAG, marca Sigma, incluindo: elaídico (18:1 9t); vacênico (18:1 11c); trans vacênico (18:1 11t); (18:1 7c); (18:1 12c); CLA (18:2 9c,11t e 18:2 10t,12c); palmitoelaídico (16:1 9t); palmítico (16:0); linolelaídico (18:2 9t,12t); EPA (20:5 5c,8c,11c,14c,17c ); araquidônico (20:4 5c,8c, 11c,14c); docosahexaenoico (22:6 4c,7c,10c, 13c,16c,19c).
Este estudo não teve necessidade de ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas na Universidade de São Paulo.
Determinação dos lipídeos e ácidos graxos
A extração e a quantificação dos lipídeos das amostras de fórmula infantil foram realizadas de acordo com Roese Gottlieb, método oficial para esse tipo de alimento, segundo o compêndio de métodos da Association of Official Analytical Chemistry (AOAC)18. A derivatização dos ácidos graxos em EMAG foi realizada segundo Hartman & Lago19, e modificada por Maia & Rodrigues-Amaya20. Os ésteres metílicos foram separados em coluna de sílica fundida (SP 2560) de 100m, instalada em cromatógrafo gasoso com detector de ionização em chama da marca Shimadzu, modelo 17ª. As condições de temperatura e pressão foram as descritas por Kramer et al.21, ou seja, temperatura do injetor e detector: 250ºC; fluxo: 1,90mL/min; rampa de temperatura: 45ºC (1 min); 13ºC/min até 175ºC; 4ºC/min até 215ºC por 35min; gás de arraste: hidrogênio; pressão na coluna: 175 kPa.
Os componentes separados foram identificados pela co-injeção de padrões e comparações com os tempos de retenção absolutos e relativos ao padrão interno. A quantificação dos ácidos graxos foi feita com a adição de padrões internos de EMAG do 23:0 e 13:0 e fatores de correção de resposta teóricos do detector de ionização em chama em relação ao próprio padrão interno, de acordo com metodologia proposta por Kus et al.22.
Todas as análises foram realizadas em triplicata e são apresentadas como Média (M) Desvio-Padrão (DP).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Avaliação dos nutrientes obrigatórios da informação nutricional (RDC 360/03)
A declaração na informação nutricional de lipídeos (ou gordura total), ácidos graxos saturados e ácidos graxos trans é obrigatória e segue a Resolução RDC nº 36013. Dentre as 14 fórmulas infantis analisadas (Tabelas 2 e 3), todas declaravam, na informação nutricional, valores para os citados componentes. Entretanto, esses nutrientes deveriam ser declarados por 100g/100mL do produto, e as FI L1, FI L6, FI S2, FI S4 e FI P1 apresentaram os valores por 100mL do produto preparado, sendo essa forma de declaração opcional e não obrigatória. A porção para as fórmulas infantis, de acordo com a norma Codex Alimentarius Stan 72-1981 (revisado em 2007)15e o Informe Técnico nº 36 (2008)14, deve ser por 100g/100mL do produto ou, opcionalmente, de acordo com o preparo de cada produto por 100mL, seguindo-se informações do fabricante.
Quanto à quantidade estipulada da porção, não há, segundo a legislação em vigor, padronização. As porções apresentadas variaram, portanto, a depender do tipo de fórmula infantil e do fabricante, o que dificulta a comparação dos nutrientes para o produto preparado.
Em relação aos teores de lipídeos, todas as fórmulas infantis estavam de acordo com a informação nutricional fornecida pelo fabricante e dentro da faixa de tolerância de DP de 20% da legislação13. Para os AGS, apenas uma fórmula infantil para lactentes (FI L1) apresentou valor 38% maior que o informado no rótulo.
Segundo a Resolução RDC nº 36013, os AGT podem ser declarados como zero quando as quantidades presentes desses ácidos graxos forem inferiores ou iguais a 0,2g na porção do alimento; no caso das fórmulas infantis, a porção seria de 100g/100mL. Todas as amostras apresentavam o valor de AGT como zero na informação nutricional. Os resultados encontrados variaram de 0,21 a 0,41g/100g para AGT nas fórmulas infantis para lactentes FI L1, FI L3, FI L4 e as fórmulas infantis de seguimento FI S1, FI S2 e FI S4, devendo, portanto, constar na informação nutricional. Entre os analisados, os isômeros trans do 18:2 e 18:3 foram predominantemente encontrados nas amostras FI L1, FI S1 e FI P1. Uma justificativa é a presença de óleos vegetais refinados, que, durante o processo de desodorização, pode ocasionar a formação desses isômeros trans, conforme observado por Aued-Pimentel et al.23. De 49 óleos vegetais refinados poli-insaturados analisados, 22 amostras apresentaram teores de AGT maiores que 0,2g na porção, sendo os principais isômeros trans dos ácidos graxos 18:2 e 18:3. No caso das amostras de fórmulas infantis, observou-se, para as amostras FI L3, FI S2e FI S5, que os maiores teores de AGT encontrados foram para os isômeros do ácido graxo 18:1, principalmente o isômero 18:1 t11 (ácido trans vacênico), que é de ocorrência natural e característico de produto lácteo, assim como as fórmulas infantis analisadas24.
Outro ácido graxo trans característico de produto lácteo é o Ácido Linoleico Conjugado (CLA)25; dentre os isômeros, foi identificado o CLA cis-9, trans-11 (ácido rumênico) apenas nas amostras FI L2, FI L3, FI L5, FI L7, FI S2 e FI S3, com teores variando de 1,9 a 6,5mg/100g, ou cerca de 1% na gordura, com predominância do isômero cis-9, trans-11, estando de acordo com os valores da literatura10. Cabe ressaltar que, para as amostras FI L3, FI S2 e FI S4, o fabricante declara, na lista de ingredientes, leite integral, mas não foi observada a presença dos ácidos graxos característicos.
Alguns nutrientes como os ácidos graxos saturados e trans, quando consumidos em excesso, estão relacionados ao aumento do risco de desenvolvimento de doenças cardíacas. Dessa forma, um monitoramento mais intenso dos componentes estudados e dos declarados na informação nutricional torna-se necessário para garantir o bem-estar infantil.
Avaliação dos AGPI da informação nutricional
Considerando os ácidos graxos poli-insaturados (Tabelas 4 e 5), a Norma Codex Alimentarius15 preconiza a declaração na informação nutricional de LA e ALA, e de ARA e DHA quando forem suplementados. Na legislação brasileira não há nenhuma citação quanto à declaração desses ácidos graxos. Das 14 amostras analisadas, apenas uma (FI S2) não declarou os valores de ácido linoleico e ácido alfa-linolênico na informação nutricional. As amostras FI 9, FI L7, FI S5 e FI PI apresentavam alegações de propriedade nutricional nos rótulos quanto à suplementação com ARA e/ou DHA, mas não foi constatada a declaração dos teores na informação nutricional, o que configura os produtos em desacordo com as legislações de rotulagem nutricional (RDC nº 360, 200313) e de informação nutricional complementar (Portaria nº 27, 1998)26.
Apenas quatro das 14 amostras analisadas (FI L2, FI L5, FI S4 e FI P2) apresentaram valores para ácido linoleico fora do limite da tolerância de DP de 20%, com uma variação de 27% a 50% inferior aos teores declarados na informação nutricional. No caso do ácido alfa-linolênico, 71% das fórmulas infantis analisadas estavam em desacordo com a rotulagem nutricional, e as concentrações encontradas eram de 26% a 82% inferiores às declaradas nos rótulos das fórmulas infantis (FI L2, FI L3, FI L4, FI L5,FI L6, FI L7, FI S3, FI S4, FI P1 e FI P2). Quanto ao ácido araquidônico e ao ácido docosahexaenoico, os valores encontrados também foram menores que os declarados no rótulo: em duas amostras (FI S1 e FI P2), os resultados encontrados foram 21% e 513% inferiores para ARA, e, em três amostras (FI L1, FI S1 e FI P2), os teores variaram entre 21% e 36% para DHA.
Dentre as fórmulas infantis de lactentes estudadas, 14,3% estavam em desacordo para AGS, 42,8% para AGT, 28,5% para LA, 85,7% para ALA e 100,0% para ARA. Para as FI de seguimento, esses valores foram de 60,0% para AGT, 20,0% para LA, 40,0% para ALA e 100,0% para ARA e DHA; no caso das fórmulas infantis para prematuros, 50,0% em desacordo para LA e 100,0% para ALA, ARA e DHA. Portanto, as fórmulas infantis de seguimentos foram as que apresentaram os teores dos ácidos graxos mais próximos dos declarados pelo fabricante, pois revelaram o menor percentual de desacordo com a informação nutricional.
CONCLUSÃO
Tendo em vista as discrepâncias dos resultados obtidos neste trabalho, evidencia-se a necessidade de um contínuo monitoramento dos nutrientes das fórmulas infantis comerciais por meio de programas de vigilância sanitária, principalmente das recomendadas para lactentes, pois a maioria das amostras estava em desacordo com as informações nutricionais fornecidas pelos fabricantes. Algumas implementações e atualizações devem ser feitas nos regulamentos técnicos para fórmulas infantis - como a uniformização da porção de preparo e a obrigatoriedade da declaração de ácido alfalinolênico e demais ácidos graxos que eventualmente sejam adicionados - a fim de facilitar ao consumidor a comparação entre as tabelas nutricionais desses produtos.
Diante das observações realizadas neste estudo quanto aos nutrientes declarados nas fórmulas infantis, a alimentação dos infantes por meio do aleitamento materno continua sendo a opção mais segura e a que garante o aporte adequado de nutrientes, devendo ser sempre incentivada.
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela concessão de bolsa de mestrado (processo 135023/2007-6) e ao Instituto Adolfo Lutz pela parceria técnica.
COLABORADORES
M.M.M. KUS realizou as análises, a compilação dos dados, a interpretação, a discussão dos dados e a redação final do artigo. S.A. SILVA realizou as análises e a revisão do artigo final. S. AUED-PIMENTEL realizou as discussões, interpretação dos dados e a revisão do artigo. J. MANCINI-FILHO participou da discussão dos dados e da redação final do artigo.
Recebido em: 28/8/2009
Versão final reapresentada em: 22/2/2010
Aprovado em: 12/5/2010
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
18 Jul 2011 -
Data do Fascículo
Abr 2011
Histórico
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Aceito
12 Maio 2010 -
Revisado
22 Fev 2010 -
Recebido
28 Ago 2009