RESUMO
Objetivo Validar fotografias de um guia fotográfico de alimentos para estimativa do consumo alimentar.
Métodos As fotografias de 12 alimentos (bolo simples, macarrão ao sugo, mamão formosa, melancia, repolho roxo ralado, quiabo refogado, churrasco em tiras, filé de frango grelhado, pudim de leite condensado, pizza, amendoim cru e queijo tipo minas), retratadas em três tamanhos de porções (pequena, média e grande), foram avaliadas por 90 indivíduos adultos. Foram também investigados o peso, a estatura e o sexo dos participantes. Para análise de concordância entre o tamanho da porção do alimento retratado nas fotos e o tamanho real do alimento, utilizou-se o teste Kappa. Os dados foram analisados no software Stata, considerando-se p <0,05.
Resultados A maior prevalência de acerto foi para as preparações pizza (87,8%), churrasco (80,0%), filé de frango e pudim (75,5%). Já os alimentos com menor percentual de acertos foram a melancia (52,2%), o mamão formosa e o bolo (57,8%). A concordância geral entre a percepção do tamanho da porção do alimento e o tamanho real do alimento foi de 0,622 ( p <0,001). A percepção não foi influenciada pelo sexo e pelo estado nutricional dos participantes ( p >0,05).
Conclusão As 12 fotografias apresentaram uma boa concordância com as porções dos alimentos e podem ser um instrumento útil para aumentar a acurácia dos relatos do consumo alimentar.
Palavras-chave: Fotografia; Guias alimentares; Ingestão de alimentos; Percepção de tamanho; Tamanho da porção.
ABSTRACT
Objective Validate photographs of a photographic guide of foods to estimate food consumption.
Methods The photos of 12 foods (simple cake, pasta to suck, papaya, watermelon, grated purple cabbage, okra stew, barbecue into strips, grilled chicken, condensed milk pudding, pizza, raw peanuts and cheese type mines), pictured in three portion sizes (small, medium and large), were evaluated for 90 adult subjects. The weight, height and gender of the participants also were investigated. For analysis of agreement between the size of the food portion pictured in the photos and the actual size of the food used the Kappa test. Data were analyzed using Stata software, considering p<0.05.
Results The highest prevalence was hit for pizza preparations (87.8%), barbecue (80.0%) chicken fillet and pudding (75.5%), while foods with a lower percentage of correct answers were watermelon (52.2%), the papaya and cake (57.8%). The overall agreement between the perception of the size of the food portion and the actual size of the food was 0.622 (p<0.001). The perception was not influenced by sex and nutritional status of participants (p>0,05).
Conclusion We conclude that the 12 photographs showed a good agreement with the portions of food and can be a useful instrument to increase the accuracy of dietary intake reports.
Keywords: Photography; Food guide; Food intake; Size perception; Portion size.
INTRODUÇÃO
Associações entre as escolhas alimentares e a ocorrência de doenças têm sido feitas desde a antiguidade, o que evidencia uma estreita rela-ção entre a dieta e o estado de saúde do indivíduo. Por essa razão, a verificação do padrão de consu-mo de alimentos é oportuna tanto para o diagnós-tico quanto para as recomendações nutricionais1,2.
Avaliações quantitativas da dieta requerem determinação precisa do volume de alimentos consumidos, no entanto, conhecer a ingestão ali-mentar exata de grupos ou mesmo de indivíduos é sempre uma tarefa complexa. A diversidade de alimentos, a variedade de utensílios, a padroni-zação inadequada de medidas caseiras, o viés de memória do entrevistado, a falta de treinamento do entrevistador e o próprio instrumento de in-quérito dietético utilizado são algumas das pos-síveis limitações encontradas na quantificação do consumo alimentar3,4.
O uso de recursos visuais para avaliação da ingestão alimentar é uma estratégia utilizada em pesquisas e na prática clínica, com utilização de álbuns de fotografias, modelos tridimensionais de alimentos ou de medidas caseira5. As foto-grafias têm merecido destaque graças ao baixo custo, à longa vida útil, facilidade de transporte e à possibilidade de representar uma ou mais por-ções de um mesmo alimento6.
Na elaboração de um guia fotográfico, detalhes como o tamanho da imagem, a varieda-de de tamanhos de porções, o intervalo das gra-maturas entre elas, os tipos de alimentos, o ângulo da fotografia, a iluminação e outros itens da técni-ca fotográfica podem exercer influência positiva ou negativa sobre os resultados obtidos7,8. A es-colha do método utilizado para a validação pode influenciar os resultados, sendo dois tipos usados: a validação por memória -, que é a capacidade de um indivíduo em relembrar a quantidade de alimento consumida e relacioná-la com a foto de uma determinada porção -, e a validação por per-cepção, método escolhido neste trabalho, que é a capacidade do indivíduo em associar o alimen-to real a uma foto9.
Por essa razão, os guias fotográficos de porções de alimentos constituem ajuda bidimen-sional amplamente utilizada, uma vez que apresentam diferentes modelos e tamanhos de utensílios e de alimentos que facilitam no seu reconhecimento quanto às porções habituais da dieta do entrevistado6. Percebe-se, no Brasil, a escassez de instrumentos que permitam a vi-sualização de porções de alimentos, e pouco se sabe sobre a percepção dos usuários quanto às fotografias que compõem esses instrumentos. A utilização de um recurso visual atualizado e uma boa percepção dos usuários das imagens apre-sentadas podem auxiliar na determinação mais precisa do consumo alimentar10-12. Diante dessa necessidade, este estudo teve como objetivo vali-dar as fotografias de um guia fotográfico de ali-mentos para estimativa do consumo alimentar.
MÉTODOS
O estudo foi realizado no ano de 2013. Para a seleção dos alimentos, listaram-se aqueles incluídos em estudos de abrangência nacional, como o Guia Alimentar para a População Bra-sileira13 e o Estudo Multicêntrico sobre Consumo Alimentar14. A partir dessa lista de alimentos, foram definidos como critérios de inclusão ali-mentos de difícil estimativa do consumo alimen-tar; e como critério de exclusão alimentos cujas medidas caseiras fossem facilmente reconhecidas por meio de utensílios, como os alimentos líqui-dos, assim como os industrializados e fáceis de quantificar, como balas, snacks, barras de cereais, biscoitos, embutidos. Do total de 157 alimentos, 49 foram apresentados em porções individuais nos tamanhos pequeno, médio e grande, totalizando 147 porções de alimentos. Para a avaliação da percepção das fotografias, foram selecionados 12 alimentos: bolo simples, ma-carrão ao sugo, mamão formosa, melancia, repolho roxo ralado, quiabo refogado, churrasco em tiras, filé de frango grelhado, pudim de leite condensado, pizza, amendoim cru e queijo tipo minas, totalizando 48 porções de alimentos avaliados (24,5% de representatividade).
Para cada alimento ou preparação, foram definidos três tamanhos de porções, sendo a porção média aquela referida por Philppi15 e pelo Ministério da Saúde16. A partir da porção média foram calculados os tamanhos das porções pe-quena e grande, sendo a primeira obtida pela subtração de 50% do total da gramatura da por-ção média e a segunda por meio da soma de 50%, representando a meia porção e a porção e meia respectivamente. Para fins deste estudo, as porções foram denominadas de tamanho peque-no, médio e grande.
Todas as porções de alimentos foram pre-paradas no Laboratório de Dietética da Faculdade de Nutrição (FANUT) da Universidade Federal de Goiás (UFG), sendo submetidas à aferição de peso em balança marca Filizola(r), com capacidade máxi-ma de 3 kg e precisão de 0,5 g. Para alimentos como pizza, pastel, torta de frango e coxinha, não porcionados no Guia Alimentar, foi feita a ordenação crescente de 30 resultados de pesa-gem do mesmo tipo de alimento oferecido em dez pontos de venda, incluindo feiras, super-mercados, bares, lanchonetes, confeitarias e esta-belecimentos comerciais, escolhidos por conve-niência em bairros distintos da cidade de Goiânia (GO) na tentativa de identificar as variações exis-tentes nesses alimentos. A porção média foi definida pela medida de localização central da distribuição dos dados (mediana), determinada pela média aritmética dos dois elementos centrais.
A série fotográfica foi realizada em estúdio junto ao Laboratório de Dietética para garantir que não houvesse perda das características sen-soriais do alimento após seu preparo. Optou-se por um fundo de cor neutra (cinza) e pela pre-sença de talheres (faca e garfo), a fim de que os indivíduos pudessem reconhecer o tamanho das porções representadas nas imagens da série foto-gráfica por meio da comparação com algo que lhes remetesse ao seu cotidiano. Todas as porções foram acondicionadas em prato de porcelana branco raso, deixando apenas a porção do ali-mento em evidência. Para cada tamanho de porção foi realizada uma foto, obtendo-se, assim, três fotos de cada alimento ou preparação. As fotografias foram produzidas por profissional habilitado, por meio de câmera fotográfica Canon(r) 40 D com lente Canon 70-200 mm, utilizando-se o mesmo ângulo da lente fotográfica em relação ao alimento (45º) e reveladas no ta-manho 10/15 (cm), na forma colorida (Figura 1).
Para a obtenção dos alimentos in natura, como frutas, vegetais e castanhas, e dos alimentos minimamente processados, como o queijo e os doces, procedeu-se a uma seleção a fim de se garantirem os melhores alimentos em relação à cor, à textura e ao tamanho médio da porção. Com relação às preparações de alimentos, foram utilizadas fichas técnicas de preparação testadas e padronizadas pela equipe.
Percepção das fotografias
Foi realizado um estudo piloto com 30 voluntários e utilizados como critérios de inclusão: ser servidor, acadêmico ou prestador de serviços gerais da Faculdade de Enfermagem da UFG, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade de ler e escrever, para melhor compreensão do método de percepção das fotografias, e como critérios de exclusão: ser estudante de nutrição ou nutricionista. Os participantes eram convidados a sentar-se em uma mesa, na qual havia uma preparação de determinado alimento e três fotografias do mesmo alimento, sendo cada uma representativa de um dos tamanhos de porções do referido alimento. O voluntário deveria avaliar o alimento e marcar no questionário a opção de qual fotografia era representativa daquela porção de alimento. No estudo piloto, foram avaliados 12 diferentes tipos de alimentos. Durante o estudo piloto, observou-se a importância de se separar cada participante com divisórias nas mesas, a fim de garantir a concentração dos participantes e também delimitar o tempo de avaliação. Após as adequações relatadas, foi realizado o estudo da avaliação da percepção, o qual teve a parti-cipação de 90 voluntários, selecionados seguindo os mesmos critérios de inclusão e exclusão do estudo piloto. Todos os avaliadores tiveram seu peso e estatura coletados a fim de se calcular o Índice de Massa Corporal (IMC), que foi analisado conforme proposto por World Health Organization17. Para a coleta do peso, utilizou-se uma balança digital com capacidade de até 150 kg e precisão de 100 g da marca Plenna (r) , e para a medida da altura, foi utilizado um estadiômetro vertical fixo à parede com variação de 0,1 cm da marca Sanny (r) . Os dados antropométricos coletados foram necessários para verificar se o estado nutricional avaliado pelo IMC teria influência na escolha do tamanho da porção e na percepção da fotografia.
Para a etapa da avaliação da percepção, foram utilizadas as mesmas preparações do es-tudo piloto: dois cereais (bolo simples e macarrão ao sugo), duas frutas (mamão formosa e me-lancia), dois vegetais (repolho roxo ralado e quiabo refogado), duas carnes (churrasco em tiras e filé de frango grelhado), uma preparação doce (pu-dim de leite condensado), uma preparação sal-gada (pizza), uma oleaginosa (amendoim cru) e um alimento derivado do leite (queijo tipo minas), portanto foram avaliados 36 fotografias pelos 90 voluntários do estudo. Esse número foi definido considerando que uma amostra entre 50 e 100 pessoas é suficiente para validação de instru-mentos para avaliação do consumo alimentar e de outras escalas empregadas na área da saúde.
Diante da dificuldade de se avaliarem to-dos os alimentos e preparações (147 porções), foram selecionados os alimentos que, na visão dos pesquisadores, poderiam causar dúvidas sobre a percepção da avaliação das fotografias. Também se teve o cuidado de colocar pelo menos um ali-mento de cada grupo alimentar. Todos os alimen-tos foram submetidos ao pré-preparo e/ou pre-paro com a utilização de fichas técnicas padro-nizadas e porcionadas de acordo com a grama-tura e medida caseira previamente estabelecidas para cada tamanho de porção.
Todos os voluntários avaliaram as 12 pre-parações definidas de forma que, a cada avaliador, foi apresentado apenas um dos três tamanhos da porção do alimento real a ser avaliado, e foi solicitado que ele identificasse o tamanho cor-respondente a partir de um conjunto contendo três fotografias de tamanho 10x15 cm (porção pequena, média e grande). Os participantes dis-punham de um tempo mínimo de 30 segundos para avaliar o alimento apresentado e sua cor-respondência, em termos quantitativos, de uma das três fotografias apresentadas. O tamanho real da porção testada era conhecido apenas pelos pesquisadores, os quais utilizaram três tipos de sequências pré-estabelecidas e codificadas em um gabarito. Dessa forma, cada fotografia foi identi-ficada com uma das seguintes letras (T, U, C), escolhida ao acaso e que não apresentava nenhum significado relativo no estudo. Cada res-pondente foi instruído a assinalar no formulário a letra que, em sua opinião, mais se assemelhasse quantitativamente à porção apresentada18.
Os dados coletados foram digitados no software Epi Info versão 3.3.2 e as análises es-tatísticas foram realizadas utilizando o software Stata versão 12.0. Os acertos e erros na estimativa das porções foram apresentados em frequências absolutas e relativas. Foi feito o teste do Qui--quadrado para amostras únicas para avaliar a associação entre estado nutricional e sexo e a esti-mativa do tamanho da porção, considerando-se significante um p<0,05. Para análise de con-cordância entre o tamanho real do alimento e a percepção do tamanho da porção, foi utilizado o teste Kappa e sua interpretação ocorreu consi-derando valores de Kappa <0,20 (concordância fraca), ³0,20 a <0,40 (concordância regular), ³0,40 a <0,60 (concordância moderada), ³0,60 a <0,80 (concordância boa) e ³0,80 (concor-dância quase perfeita)19. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFG (Pro-tocolo nº 47/2008). Todos os participantes as-sinaram o Termo de Consentimento Livre e Es-clarecido.
RESULTADOS
O guia fotográfico resultou em 157 ali-mentos e preparações, dos quais 108 foram foto-grafados de forma a apresentar as variedades, como os tipos de bananas (nanica, prata, maçã, ourinho, terra), e 49 alimentos foram apresen-tados em porções individuais nos tamanhos pe-queno, médio e grande, totalizando 147 porções de alimentos. Os alimentos selecionados para validação da percepção, bem como sua grama-tura, encontram-se descritos na Tabela 1.
Os voluntários, em sua maioria (n=77; 85,56%), eram do sexo feminino, com a média de 25±10,3 anos. Em relação ao estado nutri-cional dos participantes, a maior parte (n=66; 73,3%) foi classificada como eutróficos e 26,7% com excesso de peso. Não foi encontrada as-sociação entre a estimativa do tamanho das por-ções dos alimentos com o sexo e o estado nutri-cional dos participantes (p³0,05 para todas as fotografias avaliadas).
Considerando todos os tamanhos de por-ções, observou-se que os alimentos/preparações cujas porções tiveram maior percentual de acertos foram a pizza (n=79; 87,7%), seguida do chur-rasco (n=72; 80,0%), filé de frango e pudim (n=68; 75,5%). Enquanto o alimento com menor percentual de acerto foi a melancia (n=47; 52,2%), seguida pelo amendoim cru, bolo sim-ples e mamão formosa, estes com 57,8% (n=52) de acerto. A concordância entre a percepção do tamanho da porção do alimento e o tamanho real do alimento, medida pelo teste Kappa, foi quase perfeita para a pizza (p<0,001), concor-dância boa para o churrasco, filé de frango, pudim e quiabo (p<0,001), moderada para repolho, macarrão, bolo, mamão, amendoim e melancia (p<0,001), e regular para a melancia (p<0,001). O Kappa combinado considerando todos os ali-mentos foi de 0,622 (p<0,001) (Tabela 1).
Quando avaliada a percepção da porção pequena dos alimentos (Tabela 2), constatou-se que a maioria dos alimentos apresentou mais de 70% de acerto, sendo que amendoim cru, chur-rasco, mamão formosa e pizza apresentaram 90% ou mais de acerto. O pior desempenho foi para a melancia, com 20% de acerto e 80% de superes-timava no tamanho da porção.
Frequências de acertos e erros na avaliação da percepção das fotografias de porções pequenas e desvios dos erros.
Na avaliação da porção média (Tabela 3), bolo simples, churrasco, filé de frango, macarrão ao sugo, pizza e quiabo refogado apresentaram mais de 70,0% de acerto. O erro no reconheci-mento da fotografia da porção média do amen-doim desviou-se igualmente para a fotografia da porção pequena e grande (50,0%). Melancia e repolho roxo apresentaram o pior desempenho (43,3% de acerto). Para a melancia, dos 56,6% dos indivíduos que erraram, todos superesti-maram para a porção grande. E para o repolho roxo, dos 56,6% que erraram, a maioria (94,1%) também superestimou para uma porção maior.
Frequências observadas para acertos e erros na avaliação da percepção das fotografias de porções médias e desvios dos erros.
Para a porção grande dos alimentos, observou-se que a maioria obteve mais de 70,0% de acertos, sendo que melancia, pizza e repolho roxo tiveram 90,0% ou mais de acerto. Já o amen-doim cru (86,6%), bolo simples (73,3%) e mamão formosa (76,6%) tiveram o maior percentual de erro e, consequentemente, de subestimativa do seu tamanho. O percentual de acerto da porção grande do bolo simples foi baixa (26,6%), e 100,0% (n=22) dos participantes que erraram a classificaram como sendo a porção média. De for-ma semelhante, a fotografia representativa da porção grande do macarrão ao sugo apresentou um percentual de acertos inferior a 60,0% (Tabela 4).
Frequências observadas para acertos e erros na avaliação da percepção das fotografias de porções grandes e desvios dos erros.
A pizza foi um dos alimentos com maior percentual de acertos em todos os tamanhos de porções. Em relação ao amendoim, verificou-se que a maior porcentagem de acertos ocorreu com as fotos das porções pequenas (93,3%), re-duzindo-se a quantidade de acertos progressiva-mente para as fotografias das porções média (66,6%) e grande (13,3%) (Tabelas 2, 3 e 4).
DISCUSSÃO
A validação da percepção dos indivíduos em relação às fotografias do guia elaborado para a avaliação do consumo alimentar demonstra que tal instrumento possui boa concordância entre a percepção do tamanho da porção do alimento e o tamanho real do alimento19. A alta porcentagem de acertos encontrada neste estudo, para a maioria das 12 preparações selecionadas, pode ser produto da meticulosidade com que os ali-mentos foram tratados durante cada etapa de produção das fotografias, incluindo os cálculos para obtenção das gramaturas das porções, a seleção dos alimentos no momento da compra, o intervalo entre o preparo dos alimentos e o momento da realização das fotos, a montagem do cenário com equipamentos profissionais ade-quados, o controle e a combinação de luz e som-bra e a padronização do ângulo e da lente durante a série fotográfica.
Estudos anteriores observaram que o mé-todo de avaliação do consumo por fotografias é válido para estimar o tamanho das porções quan-do comparado a outros métodos (pesagem real dos alimentos e estimativa visual direta)20,21. Williamson et al.20,21 demonstraram que a estima-tiva dos tamanhos das porções pelas fotos teve correlação positiva com as medidas obtidas pela pesagem do alimento, o que sugere que o método de fotografia digital é uma alternativa validada para medir o tamanho das porções.
O alto percentual de acertos nas porções de pizza pode ser justificado pelo formato geométrico definido (triangular) sem alteração de espessura entre os três tamanhos, o que, provavel-mente, favoreceu a estimativa correta da equiva-lência entre o alimento exposto e a respectiva fo-tografia. Os resultados apresentados para as por-ções da melancia e mamão formosa sugerem que os indivíduos consideraram a espessura mais do que a dimensão do alimento como um todo. Assim, foi observado maior percentual de erro no tamanho da porção grande do mamão, que foi subestimado, e da porção pequena de melan-cia, que foi superestimada. Uma hipótese para isso é a de que as frutas consumidas fatiadas, co-mo mamão, melancia, abacaxi e melão, podem aumentar a dificuldade da percepção do tamanho das porções, uma vez que a gramatura será influenciada tanto pela espessura quanto pela profundidade. Novos estudos devem ser desenvol-vidos para avaliar como essas variáveis podem influenciar a percepção do tamanho das porções de alimentos porcionados em fatias.
Um dos fatores que podem ter interferido no resultado da percepção da estimativa das porções do bolo e do macarrão foi a pequena diferença visual entre as porções médias e gran-des. Observa-se que alimentos que alcançaram o maior percentual de acertos (churrasco, pizza e pudim, respectivamente) fazem parte dos grupos de carnes, gorduras e açúcares, alimentos mais consumidos pela população brasileira22, o que indica possibilidade de haver relação entre a estimativa e o consumo de alimentos, ou seja, seria mais fácil estimar as porções dos alimentos que fazem parte do hábito alimentar.
A forma mais comum de apresentação das fotografias em registros fotográficos é da menor porção para a maior em todas as séries fotográ-ficas. Nesses casos em que as três fotografias de três tamanhos de porções são apresentadas, os sujeitos tendem a escolher a imagem central7. Em nosso estudo, apesar de as fotografias terem sido apresentadas de forma aleatória, observou-se uma tendência de os indivíduos escolherem as fotografias das porções de tamanho médio. O guia com imagens de alimentos pode contribuir para minimizar o viés de memória e melhorar a qualidade da informação sobre o tamanho das porções referidas, sendo um instrumento de grande valia na prática do profissional nutri-cionista10,23.
É importante ressaltar que são escassos estudos atuais nesse mesmo perfil metodológico. Assim, é fundamental a publicação de mais tra-balhos para fundamentar ainda mais os métodos de validação de guias fotográficos bem como seu uso efetivo para estimativa do consumo alimentar. Sugere-se também que os próximos guias elabo-rados apresentem a validação de um maior núme-ro de fotografias, sendo esse um fator limitante no estudo.
CONCLUSÃO
O percentual de acertos confirma a per-cepção correta das porções avaliadas por meio das imagens e sugere esse instrumento como fer-ramenta de representação dos alimentos ingeridos no cotidiano. A estimativa do tamanho das por-ções não foi influenciada pelo sexo e pelo índice de massa corporal dos indivíduos.
O guia de alimentos é um instrumento útil tanto para inquéritos dietéticos e avaliação de consumo alimentar dos indivíduos quanto para a promoção de hábitos alimentares saudáveis por meio da educação alimentar e nutricional e da demonstração dos respectivos tamanhos de porções dos grupos alimentares.
AGRADECIMENTOS
A Itamar Sandoval pela produção foto-gráfica e à Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
May-Jun 2016
Histórico
-
Recebido
02 Out 2014 -
Revisado
05 Fev 2016 -
Aceito
17 Fev 2016