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Open-access Impacto da suplementação de vitamina C sobre níveis de peroxidação lipídica e glutationa reduzida em tecido hepático de camundongos com imunossupressão induzida por ciclofosfamida

Impact of vitamin C supplementation on lipid peroxidation and reduced glutathione levels in the liver tissue of mice with cyclophosphamide-induced immunosuppression

RESUMO

Objetivo:   Investigar os efeitos da vitamina C sobre níveis de peroxidação lipídica e glutationa reduzida em tecido hepático de camundongos imunossuprimidos por ciclofosfamida.

Métodos:   O estudo foi realizado em camundongos Swiss, fêmeas, com 45 dias de idade, separados em quatro grupos com oito animais cada. Grupos: controle (água destilada), vitamina C (50 mg/kg), ciclofosfamida (100 + 150 mg/kg) e tratamento (vitamina C 50 mg/kg + ciclofosfamida 100 +150 mg/kg). Todas as aplicações foram via intraperitoneal. O ensaio biológico teve duração de seis dias, sendo o sétimo a eutanásia dos animais. As análises bioquímicas de peroxidação lipídica (quantificação de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico) e glutationa reduzida (estimativa de tiois não proteicos) foram realizadas em tecido hepático.

Resultados:   A ciclofosfamida causou aumento significativo (p<0,0001) nos níveis de peroxidação lipídica. Não foram observadas alterações significativas nos grupos tratados com vitamina C. A ciclofosfamida por si só, não alterou níveis de glutationa reduzida. A vitamina C causou a redução do nível de glutationa reduzida em relação ao controle tanto nos animais que receberam ciclofosfamida quanto nos que não receberam. No entanto, nos grupos tratados com o quimioterápico houve uma interação entre a droga e a vitamina, ou seja, o quimioterápico intensificou a diminuição da glutationa reduzida provocada pela vitamina C.

Conclusão:   A ciclofosfamida, na dose e período utilizados, foi capaz de induzir o dano oxidativo verificado pelo aumento da peroxidação lipídica. A vitamina C, na dose de 50 mg/kg de peso, não apresentou potencial para proteger contra o dano oxidativo provocado pelo quimioterápico.

Palavras-chave: Ácido ascórbico; Ciclofosfamida; Estresse oxidativo; Glutationa; Peroxidação de lipídeos.

ABSTRACT

Objective:   To investigate the effects of vitamin C supplementation on the levels of lipid peroxidation and reduced glutathione in the liver tissue of mice immunosuppressed with cyclophosphamide.

Methods:   Thirty-two 45-day-old female Swiss mice were divided into four groups of eight animals each as follows: control (distilled water); vitamin C (50 mg/kg); cyclophosphamide (100 + 150 mg/kg); and treatment (vitamin C 50 mg/kg + cyclophosphamide 100 +150 mg/kg). The substances were provided intraperitoneally for six days, and on the seventh day, the mice were euthanized. The biochemical analyses of lipid peroxidation (quantification of thiobarbituric acid-reactive substances) and reduced glutathione (estimate of non-protein thiols) were performed on liver tissue.

Results:   Cyclophosphamide increased the levels of lipid peroxidation (p<0.0001). Significant changes were not found in the groups treated with vitamin C. Cyclophosphamide alone did not affect the levels of reduced glutathione. Compared with the control group, vitamin C reduced the levels of reduced glutathione in animals that received or not cyclophosphamide. Vitamin C interacted with cyclophosphamide, that is, the chemotherapeutic agent further decreased the lower levels of reduced glutathione secondary to vitamin C intake.

Conclusion:   Cyclophosphamide, in the study dosage and duration, was capable of inducing oxidative damage, verified by increased lipid peroxidation. A vitamin C dosage of 50mg/kg of body weight did not protect against the oxidative damage caused by the chemotherapeutic agent.

Keywords: Ascorbic acid; Cyclophosphamide; Oxidative stress; Glutathione; Lipidperoxidation.

INTRODUÇÃO

A ciclofosfamida é um quimioterápico utilizado no tratamento do câncer e como agente imunossupressor em transplantes1. Possui amplo espectro de efeitos adversos, incluindo hepatotoxicidade em seres humanos e animais experimentais2,3. O mecanismo pelo qual a ciclofosfamida causa lesão hepática não está totalmente elucidado. Sabe-se que sua ativação e metabolização ocorrem através de microssomas hepáticos formando dois metabolitos ativos, a fosforamida mostarda e a acroleína. O primeiro estaria envolvido na sua atividade antineoplásica, enquanto a acroleína, um metabólito altamente reativo, seria o responsável pela indução de lesão hepática, uma vez que induz a formação de espécies reativas de oxigênio. Sendo assim, o fígado, por estar diretamente envolvido na metabolização da ciclofosfamida, torna-se particularmente suscetível ao estresse oxidativo4,5. Estudos sugerem que, durante a metabolização da ciclofosfamida no fígado, além de gerar espécies reativas de oxigênio ocorreria, também, a diminuição das defesas antioxidantes6,7.

Uma das consequências do estresse oxidativo é a peroxidação lipídica, que constitui uma reação em cadeia nos ácidos graxos poli-insaturados das membranas celulares, alterando sua permeabilidade, fluidez e integridade. Consequentemente, há perda da seletividade na troca iônica e liberação do conteúdo de organelas, como as enzimas hidrolíticas dos lisossomas, e formação de produtos citotóxicos, como o malon-dialdeído, culminando na morte celular8. O organismo possui defesas para combater as espécies reativas de oxigênio, como a glutationa, principal antioxidante endógeno não enzimático. Trata-se de um tripeptídio contendo cisteína, o tiol não-proteíco mais abundante nas células. Esse antioxidante é sintetizado no fígado e transportado posteriormente para os tecidos9.

El-Sheikh& Rifaai10, em estudo realizado em ratos albinos machos sobre a hepatotoxi-cidade induzida pela ciclofosfamida (150mg/kgintraperitoneal) e seus mecanismos fisiológicos, verificaram aumento das Thiobarbituric Acid Reactive Substances (TBARS, Substâncias Reativas ao Ácido Tiobarbitúrico) com diminuição da glutationa reduzida e aumento do nível de citocinas pró-inflamatórias após quatro semanas, indicando, de maneira geral, um estado pró-oxidante após o tratamento com ciclofosfamida. Como o tecido hepático é responsável por metabolizar a ciclofosfamida e também é alvo da sua toxicidade, a busca por substâncias que minimizem esse efeito colateral torna-se importante2.

O tratamento quimioterápico com ciclofosfamida induz a imunossupressão deixando o paciente exposto às mais diversas formas de contaminação, entre elas as de origem alimentar. Por causa disso, são orientados a não consumirem alimentos in natura, por serem considerados possíveis veículos de patógenos quando não realizados procedimentos de higienização os quais garantam a segurança alimentar11. Esse tipo de dieta compromete a ingestão de vitaminas hidrossolúveis, como, por exemplo, a vitamina C. Essa vitamina é de fundamental importância para o organismo, pois participa de uma variedade de reações enzimáticas e atua como potente antioxidante no fluido extracelular, protegendo o organismo de espécies reativas de oxigênio e também os lipídeos plasmáticos dos danos causados pelos radicais peróxidos na peroxidação lipídica12,13. A maioria dos animais é capaz de sintetizar a vitamina C, no entanto, os seres humanos não possuem essa capacidade, precisando ingeri-la através da dieta14.

A suplementação de vitamina C pode propiciar um estado redox favorável, minimizando os efeitos danosos causados pelo excesso de espécies reativas de oxigênio induzidos pela ciclofosfamida em tecidos saudáveis15. Estudos em animais têm demonstrado que o tratamento com vitamina C na dose de 50 mg/kg de peso tem sido capaz de suprimir o estresse oxidativo16,17. Dessa maneira, na presente pesquisa, foram investigados os efeitos da administração intraperitoneal de vitamina C sobre a peroxidação lipídica e nível de glutationa reduzida em tecido hepático de camundongos imunossuprimidos por ciclofosfamida.

MÉTODOS

Foi realizado estudo experimental com 32 camundongos fêmea Swiss albino, com 45 dias de idade, peso médio inicial de 28,65g±2,99, obtidas no Biotério Central da Universidade Federal de Pelotas. Os animais foram alocados em caixas de polipropileno com grades específicas para criação, medindo 27x19x20 cm, comedouro tipo túnel e bebedouro de polipropileno com capacidade para 300 mL. As caixas foram transferidas para gabinete ventilado com controle de temperatura e umidade relativa de 22-24ºC e 65-75%, respectivamente, e luz artificial ciclo claro/escuro de 12 horas.

Os animais permaneceram em aclimatação por cinco dias, mais sete de ensaio biológico, totalizando um período experimental de 12 dias. Foi fornecida ração específica para roedores da marca Nuvilab(r) (Curitiba, Paraná) e água ad libitum. As caixas foram higienizadas diariamente com troca da cama para evitar uma possível contaminação, tendo em vista que alguns animais encontravam--se imunossuprimidos pelo tratamento quimioterápico.

Os animais foram separados em quatro grupos constituídos por oitos camundongos cada, sendo os grupos: controle, ciclofosfamida, vitamina C e tratamento. O primeiro recebeu, diariamente, injeção intraperitoneal de água destilada como veículo; o segundo, injeção intraperitoneal de ciclofosfamida (150 mg/kg no primeiro dia e 100 mg/kg no quarto) e água destilada intraperitoneal, também diariamente; já o grupo vitamina C recebeu, todos os dias do experimento, injeção intraperitoneal de vitamina C (50 mg/kg) e água destilada intraperitoneal; e, finalmente, o grupo tratamento recebeu, diariamente, injeção intraperitoneal de ciclofosfamida (150 mg/kg no primeiro dia e 100 mg/kg no quarto) e injeção intraperitoneal de vitamina C (50 mg/kg). Esse modelo de imunossupressão induzida por ciclofosfamida foi realizado conforme descrito na literatura18.

A ciclofosfamida (Sigma-Aldrich(r), St. Louis, Missouri, Estados Unidos da América) foi diluída em água destilada, conforme orientação do produto (20mg/mL), em local apropriado e no dia de sua administração. A ciclofosfamida foi aplicada por injeção intraperitoneal no primeiro e no quarto dia do tratamento. Cada animal recebeu volume de ciclofosfamida proporcional ao seu peso.

O tratamento foi realizado com a administração de 50 mg/kg/dia de vitamina C intraperitoneal do primeiro ao sexto dia. O cálculo do volume a ser administrado foi realizado após o peso diário obtido de cada animal.

Os camundongos foram eutanasiados no sétimo dia do ensaio biológico. Previamente, os camundongos foram anestesiados com queta-mina 10% e xilazina 2% e, após verificação de completa sedação, submetidos ao procedimento de exsanguinação por punção cardíaca, conforme Resolução do Conselho Federal de Medicina Veterinária nº 714 de junho de 2002, seguindo os Princípios Éticos da Experimentação Animal adotados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal. Depois disso, os animais foram laparatomizados para a retirada do fígado, que foi congelado a -80ºC.

A formação de malonaldeído, um índice de peroxidação lipídica, foi medida no tecido hepático por meio da quantificação das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico, conforme Ohkawa et al.19. As amostras foram incubadas a 95°C durante 60 minutos em meio ácido contendo dodecil sulfato de sódio a 8,1%, ácido acético 20,0%, pH3,5 e ácido tiobarbitúrico 0,67%. Em seguida, as amostras foram centrifugadas a 3500 rpm durante 10 minutos. O produto da reação foi determinado a 535nm por espectrofotometria. Os resultados foram expressos em nmols de TBARS/mg de proteína.

O conteúdo de glutationa reduzida foi determinado em tecido hepático indiretamente através da estimativa de tiois não proteicos, conforme o método descrito por Ellman20. Foi adicionado às amostras ácido tricloroacético 10%, o qual foi centrifugado a 15.000 rpm por 10 minutos a 4ºC. Os grupamentos tiois não proteicos foram quantificados pela adição de tampão fosfato de potássio 1M, ph 7,0 e 5,5-ditiobis 2-nitrobenzoato 10mM. A leitura do espectro do produto da reação foi realizada a 405nm. Os resultados foram expressos em nmol/mg de proteína. A dosagem de proteína nos tecidos foi realizada pelo método de Lowry et al.21. Todas as amostras foram analisadas em duplicata.

Após anestesia e verificação de completa sedação, as amostras de sangue foram coletadas e acondicionadas em tubos com EDTA, homogeneizados e mantidos sob refrigeração. Para análise da concentração de células brancas, foi utilizado o contador de células semiautomático Celm CC-530 (Celm, São Caetano do Sul, São Paulo). Para o diferencial de leucócitos foram feitos esfregaços e as lâminas coradas com Panótipo (Laborclin, Pinhais, Paraná). A leitura foi realizada em microscópio Nikon Eclipse E200 (Nikon, Tóquio, Japão) com um aumento de 100x.

Os resultados foram expressos em média ± desvio-padrão e a normalidade de todas variáveis foi testada para selecionar o teste estatístico mais apropriado. A Análise de Variância (Anova) de duas vias foi usada para verificar diferença estatística e interações entre os grupos, tendo sido estabelecido um nível de significância de 5%. O teste t de amostras independentes foi utilizado quando houve interação entre os grupos. Foi usado software GraphPad Prism 5(r) (GraphPad software, Inc., La Jolla, Califórnia, Estados Unidos da América) para as análises. Além disso, o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da Universidade Federal de Pelotas (nº 2415/2015).

RESULTADOS

Ao final do período experimental, os animais tratados com ciclofosfamida apresentaram imunossupressão verificada pela diminuição de 60% nos níveis de leucócitos e 97% nos de neutrófilos, quando comparados ao grupo controle. A Figura 1 apresenta os efeitos da vitamina C e da ciclofosfamida nos níveis de peroxidação lipídica no tecido hepático nos animais estudados. A ciclofosfamida causou aumento significativo (p<0,0001; fator ciclofosfamida) nos níveis de TBARS, sendo que, no grupo controle, a média de lipoperoxidação foi 0,047±0,007 nmol/mg de proteína e, no grupo ciclofosfamida, a média foi de 0,065±0,009 nmol/mg de proteína. Não foram observadas alterações significativas nos grupos tratados com vitamina C em relação aos que não a receberam (p=0,5548). Não houve interação entre a vitamina C e a ciclofosfamida (p=0,3909), ou seja, a vitamina C não ofereceu proteção em relação aperoxidação lipídica promovida pelo quimioterápico.

Figura 1
Lipoperoxidação hepática em camundongos Swiss. Resultados expressos em média e desvio-padrão (n=8). Pelotas (RS), 2015.

Como pode ser verificado na Figura 2, a ciclofosfamida não alterou os níveis de glutationa reduzida (p=0,2276) e o grupo vitamina C apresentou níveis significativamente menores de glutationa reduzida em relação ao grupo controle (p=0,003). Observou-se, ainda, interação entre a vitamina C e a ciclofosfamida (p=0,0366), isto é, a ciclofosfamida intensificou a diminuição da glutationa reduzida provocada pela vitamina C, como observado no grupo tratamento.

Figura 2
Níveis de Glutationa reduzida em tecido hepático de camundongos Swiss. Resultados expressos em média e desvio-padrão (n=8). Pelotas (RS), 2015.

DISCUSSÃO

Neste estudo, a imunossupressão foi induzida conforme Zuluaga et al.18, que utilizaram camundongos Swiss fêmeas com 180 dias de idade e o tratamento com ciclofosfamida (na dose de 150 mg/kg no primeiro dia de tratamento e 100 mg/kg no quarto). Esse modelo de imunossupressão também induziu o dano oxidativo verificado pelo aumento dos níveis de TBARS em, aproximadamente, 40%da amostra. El-Sheikh & Rifaai10, em estudo realizado com ratos albinos, machos e adultos, utilizaram a ciclofosfamida em dose única de 150 mg/kg de peso, cinco dias antes do término do experimento. O grupo que recebeu somente a ciclofosfamida apresentou níveis significativamente superiores de lipoperoxidação em tecido hepático (aproximadamente 230%). Wei et al.22, em estudo com camundongos fêmeas com 35 dias de idade, utilizaram a ciclofosfamida como indutor de imunossupressão na dose única de 100 mg/kg de peso administrados via intraperitoneal. Após análises em tecidos de timo e baço, foi verificado aumento significativo dos níveis de TBARS.

Contudo, o tratamento com vitamina C na quantidade de 50 mg/kg durante seis dias não foi capaz de atenuar a peroxidação lipídica induzida pelo tratamento com o quimioterápico. Ergul et al.23, em estudo sobre o efeito de diferentes doses de vitamina C frente ao estresse oxidativo provocado pelo antimicrobiano isoniazida (50 mg/kg) em ratos, verificaram que essa vitamina, na dose de 100 mg/kg durante 21 dias, reduziu o estresse oxidativo provocado pela droga; entretanto, a dose de 1000 mg/kg não evidenciou esse efeito. Assim, o efeito da vitamina C per se não foi apresentado. O fato da dose e do tempo de tratamento terem sido maiores que os testados neste trabalho pode justificar os diferentes achados.

A glutationa reduzida é o mais abundante tiol intracelular e existe no organismo em suas formas reduzida e oxidada, atuando direta ou indiretamente em muitos processos biológicos importantes, como a síntese de proteínas, o metabolismo e a proteção celular24. Os níveis intracelulares de tiol são importantes na determinação da extensão da lesão celular induzida por agentes quimioterápicos e possui, ainda, papel central na defesa das células contra o estresse oxidativo25.

Em particular, problemas na síntese e metabolismo da glutationa reduzida estão associados a algumas doenças, nas quais os níveis de glutationa reduzida e das enzimas que atuam em seu metabolismo podem ser bastante significativos no diagnóstico de alguns tipos de câncer, bem como em outras doenças relacionadas ao estresse oxida-tivo9. Alterações na concentração desse tripeptídio podem ser um indicador útil em certas desordens fisiológicas, como anemias causadas por infecções ou seguidas pela administração de algumas drogas oxidantes9,25.

Foi verificado, através dos presentes resultados, que a glutationa reduzida teve sua atividade diminuída pela vitamina C. Diferentemente dos humanos, os camundongos são capazes de sintetizar essa vitamina, sendo que o seu metabolismo está ligado diretamente com a produção de glutationa reduzida. Ambas, vitamina C e glutamina reduzida, atuam como defesa antioxidante. Assim, pode ter ocorrido um feedback negativo, ou seja, com o maior aporte de vitamina C, a produção endógena de glutationa reduzida foi parcialmente suprimida26. Houve, também, a interação da ciclofosfamida com a vitamina C, o que corrobora o estudo anterior de Prasad et al.27, indicando que quando coadministradas, podem causar uma maior depleção de glutationa reduzida, como observado no grupo tratamento. Esse mecanismo não foi elucidado até o momento, necessitando, assim, de maiores investigações. O fato da ciclofosfamida não ter alterado o nível de glutationa reduzida pode ser explicado por sua última dose ter sido administrada três dias antes da análise. Esse tempo pode ter sido suficiente para o reestabelecimento dos níveis de glutationa reduzida26.

A glutationa reduzida tem sido foco de interesse no tratamento quimioterápico do câncer. Uma elevação intracelular em seus níveis tem sido atribuída à resistência das células cancerosas ao estresse oxidativo, radioterapia e quimioterapia, enquanto que uma depleção dos mesmos poderia aumentar a citotoxicidade de uma variedade de agentes antitumorais28,29.

A diminuição da glutationa reduzida pode ter efeito positivo no caso de células tumorais. Como pode ser verificado no estudo realizado por Prasad et al.27, no qual foi induzido tumor em camundongos Swiss machos e albinos, observou--se que, após o tratamento com ciclofosfamida e vitamina C, a interação destas promoveu diminuição nos níveis de glutationa reduzida em células tumorais, aumentando, assim, a suscetibilidade à apoptose. Verificaram, ainda, que a diminuição da defesa antioxidante glutationa reduzida da célula tumoral foi benéfica para o hospedeiro.

No estudo de Gürgen et al.30 sobre o efeito protetor de diferentes antioxidantes, entre eles o ácido ascórbico, realizado em ratos fêmeas da linhagem Wistar tratados com ciclofosfamida (75 mg/kg de peso uma vez por semana, durante três semanas), foi verificado que, após tratamento com vitamina C (200 mg/kg de peso e doses diárias por gavagem durante três semanas), o valor de glutationa reduzida no plasma no grupo contendo a ciclofosfamida e a vitamina C foi maior do que naquele tratado apenas com ciclofosfamida, sendo o resultado semelhante ao do grupo controle. Isso sugere que a interação entre os dois foi capaz de reestabelecer ou manter os níveis de glutationa reduzida. Foi observado, também, que tanto a dose de vitamina C quanto a droga ciclofosfamida, aliadas ao maior tempo de tratamento, possibilitaram um aumento de glutationa reduzida mediado pela vitamina C, diferentemente do encontrado no presente estudo.

Como se pode verificar, dependendo do tipo celular a diminuição da defesa antioxidante glutationa reduzida pode ser benéfica ou não. Neste caso, a interação entre a vitamina e o quimioterápico promoveu a depleção desse sistema de defesa, expondo o hospedeiro ao dano oxidativo. Caso esse efeito fosse encontrado em células tumorais, essa susceptibilidade poderia auxiliar na apoptose e, com isso, intensificar o efeito do quimioterápico. Antioxidantes podem se tornar mais efetivos e menos prejudiciais quando administrados em concentrações e por períodos apropriados31-33.

Algumas limitações do estudo podem estar relacionadas ao fato da dose de 50 mg/kg de vitamina C ser considerada pequena para que um possível efeito protetor contra o dano oxidativo possa ser observado. Além disso, o tempo de tratamento de sete dias, associado ao fato da suplementação ter iniciado junto com o tratamento quimioterápico e não antes, pode ter sido outro fator limitante para da incapacidade da vitamina C exercer efeito sobre o dano oxidativo.

CONCLUSÃO

A ciclofosfamida, na dose e período utilizados, foi capaz de induzir o dano oxidativo verificado pelo aumento da peroxidação lipídica. A vitamina C, na dose de 50 mg/kg de peso, não apresentou potencial de proteção contra o dano oxidativo provocado pelo quimioterápico nessas condições, o que foi evidenciado pela supressão dos níveis de glutationa reduzida e pelo efeito nulo sobre a lipoperoxidação. Entretanto, mais estudos com diferentes concentrações e tempos de administração dessa vitamina são necessários.

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  • 2
    Artigo elaborado a partir da dissertação de ES ARAÚJO, intitulada: "Impacto da suplementação de vitamina C sobre níveis de peroxidação lipídica e glutationa reduzida em tecido hepático de camundongos com imunossupressão induzida por ciclofosfamida". Universidade Federal de Pelotas; 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2016
  • Revisado
    02 Mar 2016
  • Aceito
    18 Abr 2016
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