Open-access Os executivos das transnacionais e o espírito do capitalismo: capital humano e empreendedorismo como valores sociais

RESENHAS BIBLIOGRÁFICAS

Simone Meucci

(PMDA/UnicenP)

OS EXECUTIVOS DAS TRANSNACIONAIS E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO: CAPITAL HUMANO E EMPREENDEDORISMO COMO VALORES SOCIAIS. Osvaldo J. López-Ruiz. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007. 320 p. ISBN 9788588338661.

Este livro interessará a todos os que desejam compreender o sentido sociológico das noções de empreendedorismo e capital humano. O autor demonstra que o surgimento e a rotinização destes termos estão relacionados à emergência de uma nova concepção de indivíduo, cuja conduta se orienta para o planejamento, financiamento, gestão e avaliação de si como um negócio. Esta noção de indivíduo revela-se paradigmaticamente na retórica dos executivos das transnacionais, dos coaches e headhunters e na literatura pop management.

Com efeito, nas páginas deste livro, o leitor percorre, passo a passo, a lenta elaboração intelectual que permitiu a constituição desta nova noção de indivíduo. Resultado da pesquisa de doutorado em sociologia desenvolvida na Unicamp, este trabalho é interessante viagem na história do pensamento social no período compreendido entre o fim do século XIX e os dias atuais. O autor nos oferece uma visão privilegiada de um dos principais enigmas impostos aos pensadores no processo histórico de consolidação da modernidade: a concepção do sujeito capitalista.

Tal enigma foi enfrentado por Weber, preocupado em nos fazer compreender que, na fase incipiente do capitalismo, a constituição da idéia do indivíduo dedicado à geração de valor exigiu uma sofisticada artesania moral, operada com auxílio da religião. Nas reflexões de Sombart e Schumpeter, o empresário é representado como força vital, propulsora dos mecanismos internos de produção e reprodução do regime capitalista.

López-Ruiz chama atenção para o fato de que esta representação do sujeito capitalista como herói inovador e moralmente disciplinado, capaz de conferir sentido sobrenatural à sua ação mundana, está relacionada ao período do capitalismo liberal, quando pequenas e médias firmas de tipo individual protagonizavam o processo de acumulação.

Não obstante, no momento em que grandes complexos industriais e burocráticos adquiriram centralidade na vida econômica, o empreendedor heróico foi substituído pelo colarinho branco e pelo homem organização, tipos caracterizados nas obras principais de Wrigths Mills e Willian White, respectivamente. López-Ruiz demonstra que pensadores americanos dos anos 50 e 60 do último século observaram com apreensão o surgimento desta nova classe de homens dedicados à supervisão e coordenação de atividades, subsumidos nas grandes estruturas burocráticas. Havia o temor de que a falta de iniciativa e estímulo individuais colocasse em risco a reprodução do capitalismo.

López-Ruiz nos lembra, pois, que o surgimento destes novos sujeitos sociais e destas novas estruturas burocratizadas esteve relacionado a um processo de concentração fundiária e financeira, ocorrido na economia americana a partir segunda metade do século XX. Destituídos de suas propriedades rurais ou de suas pequenas firmas, muitos americanos tiveram como única alternativa investir na formação escolar prolongada de seus filhos.

Neste contexto é que surgiu a noção de capital humano. O termo foi apresentado ao público pela primeira vez em 1959 por Theodore Schultz (Prêmio Nobel em 1979), numa conferência ministrada na Universidade de Chicago. O princípio fundamental da noção de capital humano consiste na percepção de que o homem é um ativo produtivo que exige investimento. Rigorosamente, pode-se afirmar que, neste contexto, a propriedade dos meios de produção foi substituída pela propriedade de si.

A noção de capital humano - cuja elaboração ganhou também a contribuição Gary Backer (prêmio Nobel 1982) - compreendeu uma transformação na estrutura de valores da sociedade e na condução das políticas públicas e das decisões individuais. Especialmente a partir dos anos 70, ações públicas e particulares destinadas a promover a instrução escolar, o treinamento para o trabalho e a atenção à saúde passaram a ganhar sentido exclusivamente econômico.

Importa lembrar que, neste período, o capitalismo sofreu nova transformação, cuja face mais visível foi o enxugamento das estruturas administrativas das grandes empresas. A organização empresarial assumiu então a forma de arranjos complexos entre grandes corporações e pequenas e médias empresas subcontratadas. Tal arranjo permitiu a flexibilidade necessária às empresas numa época de grande competição, mas tornou mais instável o vínculo dos trabalhadores com as empresas.

López-Ruiz demonstra que, em condições em que o vínculo com o emprego se fragilizou, tornou-se necessário vulgarizar e radicalizar a idéia de capital humano. Simultaneamente, como parte deste processo, a noção de empreendedorismo se apresentou como atitude exigida de todos os indivíduos, e não como atributo de poucos inspirados. O empreendedorismo é considerado agora um fenômeno de massa, uma atitude necessária para que todos, indistintamente, experimentem e reinventem de contínuo a sua vida como empresa econômica.

O livro de López-Ruiz, com efeito, ajuda-nos a compreender que os termos capital humano e empreendedorismo são manifestação da direção do processo histórico-social de constituição da sociedade capitalista. Weber nos diria que este indivíduo capitalizado que temos hoje expressa o fenômeno paulatino de racionalização da sociedade. É um indivíduo desencantado, na medida em que cultiva conhecimento técnico e repertório cultural, cuida da rede de amigos e da aparência pessoal motivado pelo cálculo econômico-instrumental: ele mesmo se vê representado como unidade de valor e investimento. López-Ruiz, aliás, analisa as repercussões desta nova noção de indivíduo na relação capital e trabalho e na própria representação do ato do consumo no mundo contemporâneo. Seu livro é, pois, uma reflexão fecunda, indispensável àqueles que estudam o meio corporativo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2008
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