Open-access Cobertura de exame Papanicolaou em mulheres de 25 a 64 anos, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde e o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, 2013

RESUMO:

Objetivos:  Estimar e descrever a cobertura do exame Papanicolaou, relatado por mulheres brasileiras entre 25 e 64 anos, na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), e comparar as estimativas do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Sistema Vigitel) para o mesmo indicador nas capitais brasileiras e no Distrito Federal em 2013.

Métodos:  A partir dos dados da PNS e do Vigitel, foram estimadas as prevalências e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) de mulheres que referiram ter realizado o exame de Papanicolaou nos últimos 3 anos.

Resultados:  Segundo a PNS, 79,4% (IC95% 78,5 - 80,2) das mulheres realizaram exame Papanicolaou nos últimos 3 anos no Brasil. Mulheres de 55 a 64 anos (71,0%; IC95% 68,7 - 73,3) e sem instrução ou com ensino fundamental incompleto (72,1%; IC95% 70,6 - 73,7) apresentaram as menores prevalências; 88,4% (IC95% 87,5 - 89,2) receberam resultado do exame em até 3 meses. Não houve diferença ao comparar as estimativas do Sistema Vigitel com a PNS para o total das capitais e Distrito Federal. Na PNS, a prevalência foi de 83,8% (IC95% 82,8 - 84,7) e no Vigitel, de 82,9% (IC95% 81,9 - 83,8); além disso, não houve diferenças por capitais, exceto para Recife, Boa Vista e João Pessoa.

Conclusão:  A cobertura do exame Papanicolaou para a população-alvo encontra-se abaixo da meta de 85%. Ao comparar os dados para o total de capitais e o Distrito Federal, verificou-se que o Sistema Vigitel tem sido efetivo no monitoramento desse indicador, assemelhando-se às estimativas da PNS.

Palavras-chave: Neoplasias do colo do útero; Teste de Papanicolau; Fatores de risco; Vigilância epidemiológica; Inquéritos epidemiológicos; Epidemiologia descritiva

ABSTRACT:

Objectives:  To estimate and describe the coverage of the Pap Smear test reported by women aged 25 to 64 years old from data collected by the National Health Survey (Pesquisa Nacional de Saúde - PNS) and to compare the estimates made by the Surveillance System for Risk and Protective Factors for Chronic Diseases using a Telephone Survey (Vigitel) for the same indicator in the Brazilian capital cities and the Federal District in 2013.

Methods:  Based on the data from the PNS and Vigitel, we estimated prevalence and 95% confidence intervals (95%CI) of women who reported having had a Pap test screening in the past 3 years.

Results:  According to the PNS, 79.4% (95%CI 78.5 - 80.2) of the women had had a cervical cancer screening in the past 3 years in Brazil. Women aged 55 to 64 years old (71.0%, 95%CI 68.7 - 73.3) and without an education or incomplete elementary school (72.1%, 95%CI 70.6 - 73.7) had the lowest prevalence, and 88.4% (95%CI 87.5 - 89.2) received test results within 3 months. There was no difference when comparing the estimates of the Vigitel with the PNS for the capital city and Federal District totals. In the PNS, the prevalence was 83.8% (95%CI 82.8 - 84.7) and in the Vigitel, it was 82.9% (95%CI 81.9 - 83.8). In addition, there were no differences by capital, except for Recife, Boa Vista, and João Pessoa.

Conclusion:  Cervical cancer screening coverage for the target population is below the target of 85%. When comparing the data for the capital city and Federal District totals, we verified that the Vigitel System has been effective in monitoring this indicator, which is similar to PNS estimates.

Keywords: Uterine cervical neoplasms; Pap smear; Risk factors; Epidemiological surveillance; Health surveys; Descriptive epidemiology

INTRODUÇÃO

O câncer de colo do útero foi o quarto tipo de câncer mais comum em mulheres no mundo, com aproximadamente 528 mil novos casos, de acordo com as estimativas do Globocan 2012. As maiores taxas de incidência padronizada foram observadas em países menos desenvolvidos, chegando a 42,7 casos novos por 100 mil mulheres, na África Oriental, e as menores na Austrália/Nova Zelândia (5,5 por 100 mil mulheres) e Ásia Ocidental (4,4 por 100 mil mulheres)1. No Brasil, em 2014, estimou-se que o câncer de colo de útero foi o terceiro mais incidente entre as mulheres (15.590 casos novos), representando 5,7% dos cânceres nesse grupo (exceto pele não melanoma), com uma taxa de incidência de 15,3 casos novos por 100 mil mulheres2.

Ainda que o Brasil apresente taxa de incidência intermediária, quando comparado às taxas de outras regiões do mundo1, as estimativas de incidência do Instituto Nacional de Câncer (INCA) demonstraram diferenças de acordo com as regiões de residência dessas mulheres. Excluindo os cânceres de pele não melanoma, o câncer de colo do útero foi o mais incidente na região norte (23,6 por 100 mil mulheres), o segundo mais frequente no Centro-Oeste (22,2 por 100 mil mulheres) e no Nordeste (18,8 por 100 mil mulheres), o quarto na região sudeste (10,2 por 100 mil mulheres) e o quinto na região sul (15,9 por 100 mil)2, evidenciando desigualdades regionais na epidemiologia desse câncer.

Ao diagnosticar e tratar, em estádios iniciais ou em fases precursoras, o câncer de colo do útero apresenta alto potencial de cura, chegando a 100%, justificando o rastreamento populacional em mulheres3. No Brasil, recomenda-se o rastreamento pelo exame Papanicolaou (exame citopatológico ou citologia oncótica) na população-alvo de mulheres entre 25 a 64 anos, que já tiveram relação sexual. O intervalo entre os exames deve ser de três anos, após dois exames anuais negativos4. Essa faixa etária encontra-se em consonância com as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS)3. O exame de Papanicolaou é de baixo custo, seguro, de fácil execução e, em geral, bem aceito pela população feminina5, além de ser ofertado em todas as Unidades Básicas de Saúde. O Brasil tem como meta alcançar uma cobertura de 85% de realização do exame Papanicolaou entre mulheres, na faixa etária preconizada, até 20226,7.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2008, apontou uma proporção de 84,6% de mulheres, entre 25 e 59 anos de idade, que relataram ter feito pelo menos 1 exame Papanicolaou nos 3 anos anteriores à pesquisa, com menores coberturas entre as mulheres de menor renda e entre as residentes nas regiões Norte e Nordeste8.

Estudo que utilizou dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis por Inquérito Telefônico (Sistema Vigitel), nas capitais brasileiras, estimou, para mulheres de 25 a 64 anos, proporções de 82% em 2007 e 82,3% em 2012, tendência estável no período (2007 a 2012) e diferenças entre escolaridades, sendo 78% (2007) e 78,3% (2012) entre as de 0 a 8 anos de estudo e 87,9% (2007) e 88,6% (2012) entre as com 12 anos ou mais de estudo. Apresentou, também, diferenças quanto às regiões em todos os anos estudados, e, em 2012, com as menores proporções verificadas no Norte (78,0%) e no Nordeste (75,5%)9.

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo IBGE em parceira com o Ministério da Saúde, coletou informações relacionadas à saúde da mulher, incluindo realização do exame Papanicolaou. Os objetivos do presente estudo foram estimar e descrever a cobertura do exame Papanicolaou, nos últimos 3 anos, referida pelas mulheres brasileiras entre 25 e 64 anos na PNS, e comparar esse mesmo indicador, presente no Sistema Vigitel, em mulheres residentes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, em 2013.

MÉTODOS

Para a descrição da cobertura estimada de exames de Papanicolaou no Brasil, foram utilizados os dados da PNS realizada em 2013. A PNS é um inquérito domiciliar, com dados representativos de moradores adultos (≥ 18 anos) de domicílios permanentes, localizados em área urbana ou rural, nas 5 grandes regiões geográficas, 27 unidades da federação (UF), capitais e municípios de cada UF10.

A amostragem foi definida por conglomerados, em três estágios: no primeiro estágio foram selecionados os setores censitários; no segundo, os domicílios; e no terceiro, selecionou-se 1 morador com 18 anos ou mais, entre todos os moradores adultos do domicílio, para a entrevista10.

A amostra final foi composta de 64.348 domicílios, nos quais foram realizadas 60.202 entrevistas com indivíduos com 18 ou mais anos de idade. A presente análise utilizou dados de 25.222 mulheres, entre 25 e 64 anos, que responderam o módulo sobre saúde da mulher e relataram ter tido relação sexual na vida5,10.

Para que a amostra fosse representativa do país e dos estratos geográficos analisados, foi realizada uma ponderação que considerou pesos para cada estágio de seleção da amostra e para não resposta. Os dados foram coletados utilizando computadores de mão (personal digital assistance - PDA)10.

Os indicadores referentes ao exame de Papanicolaou foram estimados a partir das seguintes questões da PNS:

  1. exame Papanicolaou nos últimos três anos anteriores à pesquisa: “Quando foi a última vez que a senhora fez um exame preventivo para câncer de colo do útero?”. Opções de resposta: menos de 1 ano atrás; de 1 ano a menos de 2 anos 3; e de 2 anos a menos de 3 anos;

  2. exame Papanicolaou nos últimos três anos anteriores à pesquisa e receberam o resultado até três meses depois da realização do exame: “Quando a senhora recebeu o resultado do último exame preventivo?”. Opções de respostas: menos de 1 mês depois; entre 1 mês e menos de 3 meses depois.

Os indicadores foram descritos segundo as seguintes características:

  1. faixa etária (25 a 34; 35 a 44; 45 a 54; e 55 a 64 anos);

  2. nível de instrução (sem instrução e com ensino fundamental incompleto; ensino fundamental completo e médio incompleto; ensino médio completo e superior incompleto; e ensino superior completo);

  3. raça/cor (branca; preta; parda);

  4. local de residência (urbana; rural);

  5. Regiões de residência (Norte; Nordeste; Sudeste; Sul; Centro-Oeste).

Considerando as estimativas da PNS como padrão ouro, este estudo resolveu comparar o indicador de exame de Papanicolaou, obtido pelo Sistema Vigitel, com o objetivo de verificar semelhanças e diferenças entre as prevalências estimadas pelas duas pesquisas para esse indicador no âmbito das capitais brasileiras e do Distrito Federal em 2013.

O Sistema Vigitel é um inquérito telefônico realizado com a população de adultos (≥ 18 anos) residentes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. O processo de amostragem dessa pesquisa é probabilístico, a partir dos cadastros de linhas de telefone fixo das localidades estudadas. A amostra é composta de 5 mil linhas telefônicas divididas em 200 subamostras para cada cidade, de modo a identificar as linhas elegíveis (residenciais ativas) e, então, é feito o sorteio do morador a ser entrevistado11.

As estimativas do Sistema Vigitel são ponderadas pelo método rake de pós-estratificação, utilizando-se as estimativas de idade, sexo e escolaridade da população, projetadas para o ano da pesquisa, com o objetivo de igualar a distribuição da população entrevistada com a distribuição da população estimada. Para maiores informações, recomenda-se a publicação anual sobre os resultados do Vigitel11.

As questões utilizadas do Sistema Vigitel para a composição desse indicador foi “A senhora já fez alguma vez exame de Papanicolaou, exame preventivo de câncer de colo do útero?” (opções de respostas: sim; não); e “Quanto tempo faz que a senhora fez exame de Papanicolaou?” (opções de respostas: menos de 1 ano; entre 1 e 2 anos; e entre 2 e 3 anos).

As análises foram realizadas no software Stata versão 11.0, por meio do módulo survey, que considera efeitos da amostragem complexa. Foram calculadas as prevalências e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) para todos os indicadores, considerando para comparação, inclusive entre as duas pesquisas, a não sobreposição dos IC95% como diferença significativa.

Os dois inquéritos foram aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, sendo a PNS sob o Parecer nº 328.159, de 26 de junho de 2013; e o Sistema Vigitel, sob o Parecer nº 355.590, de 26 de junho de 2013. As participantes concordaram em participar em ambos inquéritos, conforme Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Segundo a PNS, no Brasil, em 2013, a proporção de mulheres de 25 a 64 anos que realizaram o exame Papanicolaou nos últimos 3 anos anteriores à pesquisa foi de 79,4% (IC95% 78,5 - 80,2). As mulheres entre 35 e 44 anos e, entre 45 e 54 anos, apresentaram maiores prevalências: 83,2% (IC95% 81,6 - 84,6) e 81,6% (IC95% 79,8 - 83,2), respectivamente. Houve aumento da proporção conforme maior escolaridade, chegando a 88,8% (IC95% 86,9 - 90,4) entre as mulheres de nível superior completo. A prevalência de exame Papanicolaou foi maior entre as mulheres de raça/cor da pele branca (82,6%; IC95% 81,4 - 83,9) e as residentes na área urbana (80,1%; IC95% 79,2 - 81,1). Quanto à região de residência, a norte (75,5%; IC95% 73,2 - 77,6) e a nordeste (75,1%; IC95% 73,2 - 77,6) foram as que tiveram as menores proporções conforme a PNS (Tabela 1).

Tabela 1:
Descrição da cobertura (e respectivos intervalos de confiança de 95%) de mulheres de 25 a 64 anos de idade que realizaram o exame Papanicolaou nos últimos 3 anos anteriores à pesquisa e que receberam o resultado até 3 meses depois da realização do exame, segundo variáveis selecionadas. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013.

A pesquisa apontou que a proporção de mulheres de 25 a 64 anos de idade que realizaram o exame Papanicolaou nos últimos 3 anos anteriores à pesquisa e receberam o resultado até 3 meses depois da realização do exame foi de 88,4% (IC95% 87,5 - 89,2). A maior prevalência foi entre mulheres com ensino superior completo (93,6%; IC95% 91,7 - 95,1), moradoras da área urbana (89,3%; IC95% 88,3 - 90,1); e menor entre as residentes da Região Norte (82,0%; IC95% 79,6 - 84,2). Não houve diferença quanto às faixas etárias estudadas e raça/cor da pele para o Brasil (Tabela 1).

Para o total das capitais, a prevalência de realização do exame Papanicolaou foi de 83,8% (IC95% 82,8 - 84,7) na PNS e de 82,9% (IC95% 81,9 - 83,8) pelo Sistema Vigitel. Por capital, verificou-se diferenças apenas para Recife, Boa Vista e João Pessoa, sendo maiores as proporções estimadas pela PNS (Tabela 2).

Tabela 2:
Proporção de mulheres de 25 a 64 anos de idade que realizaram o exame Papanicolaou nos últimos 3 anos anteriores à pesquisa, residentes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde e o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Brasil, 2013.

DISCUSSÃO

Os resultados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 apontam que, para o país, 79,4% de mulheres entre 25 e 64 anos de idade realizaram o exame Papanicolaou nos últimos 3 anos anteriores à pesquisa. Ao considerar os dados das capitais e do Distrito Federal, essa proporção aumenta para 83,8%, sem diferença quanto ao descrito pelo Sistema Vigitel (82,9%).

Para o Brasil como um todo, as maiores coberturas foram observadas entre mulheres de 35 a 54 anos, com maior escolaridade, brancas e residentes na área urbana. As moradoras das regiões Norte e Nordeste apresentaram as menores proporções de realização do exame. Essas diferenças sociodemográficas também foram verificadas para o Brasil, conforme dados da PNAD 20088, e para o conjunto das capitais brasileiras monitoradas pelo Sistema Vigitel11, principalmente relacionados à escolaridade e à região de residência dessas mulheres, evidenciando desigualdades socioeconômicas. Nos inquéritos populacionais realizados em São Paulo e em Campinas, foram verificadas altas prevalências de cobertura (86,5 e 92,8%, respectivamente), entretanto não houve diferença segundo a escolaridade12,13.

As maiores coberturas do exame de Papanicolaou foram relatadas por mulheres brancas. Dados da PNAD 2008 apontam diferenças de acesso a serviços de saúde quanto às características sociodemográficas, sendo maior na população com maior renda e escolaridade8, que por suas vezes variam conforme a raça/cor da pele.

O Sistema Vigitel 2013 também apontou menor proporção de realização do exame Papanicolaou entre mulheres de 25 a 35 anos (78,8%)11, evidenciando necessidade de explorar estratégias de acesso aos grupos etários específicos.

As diferenças segundo áreas urbana e rural e regiões de residência podem estar relacionadas com a concentração dos serviços de saúde. No estudo sobre desigualdade de acesso em consultas médicas, utilizando dados da PNAD dos anos de 1998, 2003 e 2008, foi demonstrado acesso desigual aos serviços de saúde entre as regiões14. Outros estudos revelam que quanto melhor a situação socioeconômica dos indivíduos ou das regiões, melhor o estado de saúde e maior o acesso aos serviços de saúde15,16. Apesar do país apresentar uma cobertura de quase 80%, ainda persistem diferenças quanto à proporção de cobertura de realização desse exame quanto a escolaridade, cor da pele e local de residência. O trabalho que tratou das iniquidades quanto à cobertura do Papanicolaou apontou, mesmo após análise ajustada, diferenças sociodemográficas17.

A PNS apontou que 88,4% das mulheres receberam o resultado do exame 3 meses após a data da coleta; com diferenças quanto à escolaridade e entre as moradoras em áreas urbanas. No Brasil não há recomendação estabelecida para monitorar o tempo entre a realização do exame de Papanicolaou e o recebimento do resultado. Entretanto, o INCA recomenda que o tempo máximo entre o recebimento do material pelo laboratório e a emissão do laudo seja de 30 dias18. Sendo assim, considerando que desses 3 meses, o tempo máximo para o processamento do exame no laboratório seria de 30 dias, os 60 dias restantes pode ser tempo demasiado entre o envio do material para o laboratório e a chegada do resultado ao serviço e a entrega ao paciente.

Dados do Ontario Cervical Screening Program 2012 Report, Canadá, revelaram que em 90% das mulheres que realizaram o exame de Papanicolaou, o tempo entre a coleta no serviço de saúde e o processamento dos exames no laboratório foi de 21 dias, tempo inferior ao observado em 2009 (45 dias)19.

O sucesso de um programa de rastreamento não se dá apenas com o acesso ao primeiro exame, mas sim com o seguimento completo de pessoas que, nesse exame de rastreamento, tenham apresentado resultados alterados. O atraso entre o recebimento do resultado do exame, a confirmação diagnóstica e o tratamento adequado podem influenciar na evolução clínica dos casos, implicando aumento de incidência, mas não tendo impacto sobre a mortalidade.

Com o Plano de Fortalecimento da Rede de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer, foram adotadas diversas medidas visando reduzir a morbimortalidade do câncer de colo do útero. Uma delas foi a elaboração de Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero, contendo condutas clínicas para o cuidado adequado às mulheres identificadas como possíveis portadoras de lesões precursoras do câncer do colo do útero e estabelecimento de diretrizes para a ampliação do acesso ao exame citopatológico. Também foi criado, em 2012, o Programa Nacional de Qualidade em Citopatologia, contendo medidas para a qualificação dos laboratórios de citopatologia de grande porte, e está em curso a estruturação de 20 Serviços de Confirmação Diagnóstica e Tratamento das Lesões Precursoras do Câncer do Colo de Útero6,18,20,21,22. Em 2016, as diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero foram revistas, ressaltando a importância dessa doença no contexto brasileiro23. Com essa reestruturação, espera-se que aumente o percentual de mulheres que receberam o resultado em tempo oportuno.

A PNS é um dos instrumentos para o monitoramento das metas do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)6. Comparando à linha de base, verifica-se que não houve aumento da cobertura do exame de Papanicolaou em mulheres de 25 a 64 de idade anos nos últimos 3 anos.

Os resultados evidenciaram que, exceto para três capitais, não houve diferenças entre as estimativas de cobertura do exame Papanicolaou ao comparar a PNS e o Sistema Vigitel. Entretanto, deve-se considerar que a amostra do Sistema Vigitel se restringe aos que possuem telefone fixo, serviço com menores coberturas nas regiões Norte e Nordeste. Essa é, provavelmente, uma das razões das diferenças entre as frequências encontradas em ambos inquéritos. O uso de fatores de ponderação reduz esses vieses, buscando aproximar a população estudada pelo Vigitel daquela população estimada para cada município estudado em cada ano de realização do inquérito11.

A despeito dessa limitação, verificou-se grande similaridade das prevalências estimadas por ambos inquéritos para monitorar a cobertura de exame Papanicolaou nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. Tal constatação, aliada à agilidade e ao baixo custo de execução do sistema baseado em entrevistas telefônicas (cerca de um quinto do custo de uma entrevista domiciliar presencial)24, demonstra que o Sistema Vigitel é adequado para monitorar esse indicador.

CONCLUSÃO

A PNS aponta uma cobertura do exame de Papanicolaou abaixo de 80%, sem aumento da prevalência quando comparado à linha de base utilizada para o monitoramento desse indicador. Verifica-se a presença de diferenças, principalmente regionais, quanto às coberturas de realização desse exame, o que pode impactar negativamente o alcance da meta de cobertura do exame de Papanicolaou.

Em contraponto, tanto a oferta desse exame em todas as Unidades Básicas de Saúde quanto a reorganização das redes de prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer, que vem ocorrendo nos últimos anos, podem contribuir para o aumento da cobertura e o alcance da meta desejada. Ressalta-se a importância de evoluir para um modelo de rastreamento organizado, em substituição ao oportunístico, com a garantia da confirmação diagnóstica e respectivo tratamento, como previsto no Plano de Ações Estratégicas para o enfrentamento das DCNT6.

Ao comparar as estimativas da PNS e do Sistema Vigitel, para o total de capitais brasileiras e o Distrito Federal, verificou-se que o Sistema Vigitel tem sido útil no monitoramento desse indicador pelos profissionais e gestores, mostrando-se uma ferramenta relevante para a vigilância e a prevenção do câncer de colo de útero no país.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma
  • 3
    Versão final apresentada em: 30/08/2017

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2016
  • Revisado
    30 Ago 20167
  • Aceito
    01 Set 2017
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