Open-access Exposição a agrotóxicos: estudo de base populacional em zona rural do sul do Brasil

RESUMO:

Objetivo:   Estimar a prevalência de exposição a agrotóxicos e fatores associados entre moradores de zona rural.

Métodos:   Estudo transversal de base populacional realizado com 1.518 indivíduos, em 2016. Foram aleatoriamente selecionados 24 setores censitários de oito distritos rurais de Pelotas, RS. Indivíduos ≥ 18 anos residentes nos domicílios aleatoriamente selecionados eram elegíveis. Foi realizada análise descritiva e apresentada prevalência de contato com os agrotóxicos. A associação entre desfecho e variáveis independentes deu-se por regressão de Poisson, conforme modelo hierárquico. As variáveis foram ajustadas para todas do mesmo nível, além daquelas que foram mantidas no modelo do nível anterior e das com valor p < 0,20.

Resultados:   A prevalência de contato com agrotóxicos no último ano foi de 23,7%, e, entre esses participantes, 5,9% relataram intoxicação por agrotóxicos alguma vez na vida. A probabilidade de contato com agrotóxicos no último ano foi maior entre os homens (razão de prevalência - RP = 2,00; intervalo de confiança de 95% - IC95% 1,56 - 2,56); entre aqueles com idades entre 40 e 49 anos (RP = 1,44; IC95% 1,12 - 1,80); entre os menos escolarizados (RP = 2,06; IC95% 1,39 - 3,10); os que exerciam trabalho rural (RP = 2,87; IC95% 2,05 - 4,01); e aqueles que moraram na zona rural a vida inteira (RP = 1,28; IC95% 1,00 - 1,66).

Conclusões:   Aproximadamente um em cada quatro adultos da zona rural de Pelotas entrou em contato com agrotóxicos no ano anterior ao estudo. Os achados evidenciam a existência de desigualdades sociais relacionadas à exposição aos agrotóxicos e fornecem informações para ações visando à redução da exposição e intoxicação por esses produtos.

Palavras-chave:  Agrotóxicos; Epidemiologia; Estudos transversais; Fatores de risco; População rural

ABSTRACT:

Objective:   To estimate the prevalence of pesticide exposure and associated factors among rural residents.

Methods:   A population-based, cross-sectional study conducted with 1,518 individuals in 2016. We randomly selected 24 census tracts from the eight rural districts of the city of Pelotas, RS. All individuals aged 18 years or older, living in the randomly selected households were eligible. A descriptive analysis was performed and the prevalence of contact with pesticides was presented. The association between outcome and independent variables was analyzed using Poisson regression according to the hierarchical model. The variables were all adjusted to the same level, including those at the previous level and those with p<0.20 were kept in the model.

Results:   The prevalence of contact with pesticides in the past year was 23.7% and among the participants, 5.9% reported having pesticide poisoning at some time in their lives. The probability of contact with pesticides in the past year was higher among men (PR=2,00; 95%CI 1.56 - 2.56), among those aged 40-49 years (PR = 2.00; 95%CI 1.12 - 1.80), among individuals with lower levels of education (PR = 2.06; 95%CI 1.39 - 3.10), in those who performed rural work (PR = 2.87; 95%CI 1.39 - 3.10) and in those who had lived in rural areas all their lives (PR = 1.28 95%CI 1.00 - 1.66).

Conclusions:   Approximately one in four adults in rural Pelotas had come into contact with pesticides in the year before the study. The findings show the existence of social inequalities related to exposure to pesticides and provide information for action aimed at reducing exposure and poisoning from these products.

Keywords:  Pesticides; Epidemiology; Cross-sectional studies; Risk factors; Rural population

INTRODUÇÃO

O elevado crescimento populacional nas últimas décadas impôs a necessidade de aumentar a produção de alimentos. Decorrente da chamada revolução verde, focada no aumento da produtividade agrícola no mundo, foi necessária a utilização de grandes quantidades de fertilizantes químicos sintéticos e de agrotóxicos1, de modo que atualmente o Brasil tem sua economia baseada sobretudo na exportação de commodities agrícolas2. De acordo com a legislação brasileira vigente, a Lei nº 7.802, de 11 julho de 1989, os agrotóxicos e afins são considerados os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos destinados ao uso nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos.

Em 2008, o Brasil chegou a assumir o posto de maior mercado mundial de agrotóxicos, movimentando em torno de US$ 7,3 bilhões3. O país representava 19% do mercado mundial de agrotóxicos, ultrapassando até mesmo os Estados Unidos, responsáveis por 17% do mercado mundial4. De acordo com os dados mais recentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)5, em 2018 a agricultura brasileira usou 549.280,44 toneladas de ingredientes ativos, com incremento de 1,72% nas vendas internas se comparadas ao ano anterior5. Os países em desenvolvimento são os que mais consomem esses produtos, por meio da utilização irregular e excessiva no cultivo agrícola6, e cada brasileiro consome, em média, 7 litros de agrotóxicos por ano7.

Quando empregados de forma indiscriminada, os agrotóxicos podem causar desde sintomas mais leves, como dermatites, até doenças crônicas não transmissíveis, parto prematuro, infertilidade masculina, alguns tipos de câncer, doença de Parkinson e Alzheimer, além de danos ambientais8,9,10,11,12,13. De acordo com estudo realizado com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), o uso de agrotóxicos e as intoxicações por causa deles aumentaram no Brasil de 2007 a 2016, ocupando o segundo lugar de ocorrência entre todas as intoxicações exógenas e a primeira posição em letalidade. Entre o grupo de agrotóxicos, os agrícolas são os agentes que mais ocasionaram intoxicações agudas no Brasil, com aproximadamente 36 mil casos nesse período14.

Cerca de 15 milhões de pessoas desenvolvem atividades em estabelecimentos agropecuários no país, as quais compõem o grupo de maior risco para exposição e intoxicação por agrotóxicos15. O trabalhador rural é exposto ao contato e à contaminação por agrotóxicos ao longo de sua jornada de trabalho diária. Nesse sentido, o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) visa reduzir ou eliminar os riscos para a saúde, desde que ocorra de forma adequada, uma vez que apenas o seu uso não garante eliminação do risco16.

Apesar do intenso uso de agrotóxicos, a população rural ainda possui acesso limitado às informações sobre a utilização desses produtos e sobre os riscos para a saúde pelo contato17. Para que se possa prevenir a ocorrência de futuras doenças ligadas ao uso de agrotóxicos, é fundamental o conhecimento acerca dos prejuízos da exposição a tais substâncias entre os indivíduos, especialmente entre aqueles que realizam trabalhos rurais. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho foi estimar a prevalência de exposição a agrotóxicos e fatores relacionados ao contato com esses produtos em uma população adulta residente em uma zona rural do sul do Brasil.

MÉTODOS

Estudo transversal de base populacional realizado entre janeiro e junho de 2016, pertencente a um estudo maior, intitulado: Avaliação da saúde de adultos residentes na zona rural do município de Pelotas, RS. Foi avaliada uma amostra representativa da população adulta (maiores de 18 anos), residente na zona rural do município de Pelotas. Essa região é composta de oito distritos e 50 setores censitários, compreendendo 7% da população do município15. Segundo Gonçalves et al., aproximadamente um sexto das atividades desenvolvidas na zona rural do município estão relacionadas ao plantio18 e, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018 laranja e pêssego estavam entre os principais cultivos19.

Utilizou-se amostragem por conglomerados em múltiplos estágios. No total foram sorteados 24 setores censitários de forma sistemática e proporcional ao número de domicílios permanentes de cada distrito. Foi estipulada visita a 720 domicílios (30 por setor). Considerando haver dois adultos por domicílio15, definiu-se que 30 casas seriam visitadas em cada setor censitário sorteado. Posteriormente, recorreu-se ao software Google Earth, para dividir esses setores em núcleos. Para seleção dos núcleos, primeiramente, era estabelecido o local com maior ramificação de ruas, denominado de centro do núcleo. A distância estipulada para a inclusão dos domicílios foi um raio de 1 quilômetro do centro do núcleo em diante, definido pela presença de pelo menos cinco domicílios nessa área.

Foram entrevistados todos os moradores com 18 anos ou mais dos domicílios sorteados. Nos critérios de exclusão da amostra, estavam aqueles indivíduos institucionalizados no momento da pesquisa ou com alguma incapacidade cognitiva que os impossibilitavam de responder ao questionário. Mais detalhes podem ser obtidos no artigo metodológico18.

O contato direto com agrotóxicos foi avaliado por meio da pergunta: “Desde <mês> do ano passado, o(a) sr.(a) teve contato direto com agrotóxicos?”, sendo consideradas atividades como ajudar a aplicar ou mesmo aplicar o produto de uso agrícola na lavoura, lavar roupas utilizadas na aplicação, entrar na lavoura após a aplicação e preparar a calda e lavar embalagens e equipamentos nos 12 meses anteriores a entrevista. O desfecho foi classificado de maneira dicotômica (não e sim).

As variáveis independentes avaliadas foram: sexo (masculino, feminino), cor da pele (autorrelatada e dicotomizada em branca e outras), idade em anos completos (18 a 29, 30 a 39, 40 a 49, 50 a 59, 60 ou mais), escolaridade em anos completos (zero a quatro, cinco a oito, nove ou mais), trabalho rural (sim, não) - mensurado pela pergunta: “O(A) sr.(a) realiza algum trabalho rural, como os relacionados à plantação, criação de animais, pesca, entre outros?” (sim, não) - e tempo de moradia na zona rural (100%, 50 a 99%, menos que 50% da vida). A intoxicação por agrotóxicos foi mensurada pela pergunta: “Alguma vez na vida o(a) sr.(a) já teve alguma intoxicação por agrotóxicos, ou seja, sentiu dor de cabeça intensa, náusea, vômitos, cólicas abdominais, diarreia, tontura, dificuldade respiratória, fraqueza generalizada, salivação e suor aumentados, ou entrou em coma após o contato com agrotóxicos?”, classificada de maneira dicotômica (não e sim).

Para avaliar o nível socioeconômico, a variável de índice de bens foi obtida mediante a análise de componentes principais contendo 22 perguntas relacionadas à quantidade de bens da residência dos indivíduos no momento da pesquisa, como: água encanada, aspirador de pó, máquina de lavar/secar roupa e louça, DVD, videocassete, geladeira, micro-ondas, computador (notebook ou netbook), TV, rádio, aparelho de ar-condicionado, TV a cabo e/ou internet, automóvel e/ou motocicleta. Além disso, foram incluídas as questões sobre o número de banheiros, número de peças da casa utilizadas para dormir e se havia empregado doméstico. Essa variável foi analisada em quintis, variando do quintil mais pobre (1) ao mais rico (5).

As análises estatísticas foram conduzidas no programa Stata versão 14.0 (Stata Corporation, College Station, TX, Estados Unidos), considerando o efeito da amostragem por conglomerados por meio do comando survey (svy). Também, utilizou-se uma ponderação levando-se em conta o percentual de domicílios amostrados no tocante ao número de moradores permanentes de cada distrito, de acordo com dados do IBGE15. A descrição da amostra foi realizada obtendo-se a proporção de indivíduos em cada categoria das variáveis.

Análises brutas e ajustadas foram realizadas por meio de regressão de Poisson, com ajuste robusto para a variância, razões de prevalência (RP) e intervalos de confiança de 95% (IC95%). A análise ajustada ocorreu pelo modelo de nível hierárquico, no qual as variáveis foram ajustadas para todas do mesmo nível, além daquelas do nível anterior no modelo. Foram mantidas para ajuste aquelas variáveis com p < 0,20, e esse método foi repetido para os demais níveis. No primeiro nível foram incluídas as variáveis sexo, idade e cor da pele; no segundo, índice de bens e escolaridade; e no terceiro, trabalho rural e tempo de moradia na zona rural. Apenas a variável cor da pele não permaneceu no modelo final (p = 0,249). Foram consideradas diferenças estatisticamente significativas aquelas cujo p foi menor que 5% para associações entre as variáveis de exposição e os desfechos. Somente para a variável de escolaridade foi avaliado p de tendência linear, pelo fato de os resultados aparentarem tendência linear.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, conforme parecer 1.363.979. Todos os indivíduos que participaram da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Dos 1.697 indivíduos identificados, foram entrevistados 1.518, com percentual de perdas e recusas de 10,5%. A maioria dos entrevistados era do sexo feminino (51,7%), tinha mais de 40 anos de idade (66,0%), relatava ter cor da pele branca (85,1%), e 38,6% apresentavam baixa escolaridade ( - zero a quatro anos de estudo). Aproximadamente três em cada quatro entrevistados declararam exercer trabalho rural (73,9%), e cerca de 70% relataram morar na zona rural a vida inteira (66,1%). Além disso, um quarto (23,7%) havia entrado em contato com agrotóxicos no último ano, e, entre eles, cerca de 5% relataram intoxicação por agrotóxicos alguma vez na vida (Tabela 1).

Tabela 1.
Descrição da amostra conforme variáveis socioeconômicas, demográficas, comportamentais e de saúde, Pelotas, RS (n = 1.518).

Na Tabela 2, observam-se as análises bruta e ajustada, nas quais permaneceu estatisticamente significativa a maioria das variáveis, exceto a cor da pele e o índice de bens. A probabilidade de contato com agrotóxicos nos últimos 12 meses foi maior entre os homens (RP = 2,00; p < 0,001), entre aqueles com idades entre 40 e 49 anos (RP = 1,44; p = 0,001) e entre os menos escolarizados (zero a quatro anos completos de estudo) (RP = 2,06; p = 0,033). Ainda, foram considerados grupos de maior probabilidade de contato com agrotóxicos os que exerciam trabalho rural e aqueles que moravam na zona rural a vida inteira (RP = 2,87; p < 0,001 e RP = 1,28; p = 0,017, respectivamente).

Tabela 2.
Análise bruta e análise ajustada para contato com agrotóxicos segundo variáveis socioeconômicas, demográficas, comportamentais e de saúde em adultos da zona rural de Pelotas, RS (n = 1.518).

DISCUSSÃO

Aproximadamente um quarto da amostra relatou contato com agrotóxicos no último ano e, entre esses indivíduos, 6% relataram ter apresentado sintomas como dores de cabeça, náuseas, vômito, cólicas e dores abdominais, fraqueza generalizada, entre outros relacionados à intoxicação por agrotóxicos.

Para este estudo, a definição dos casos de intoxicação foi a informação referida pelo trabalhador, e esse método já teve sua validade testada e reconhecida em outros estudos sobre agrotóxicos20,21,22, no entanto Viero et al. mostraram que trabalhadores rurais que manuseiam agrotóxicos e pesticidas em geral negam associação direta entre esses produtos e problemas de saúde. Por outro lado, esses indivíduos podem apresentar sintomas característicos de intoxicação após o contato direto com esses produtos e não terem relacionado tal fato ao manuseio dos agrotóxicos23.

Aqui, o contato com agrotóxicos esteve associado ao trabalho rural e ao maior tempo de moradia na zona rural, e aqueles que exerciam atividades relacionadas à plantação, criação de animais e pesca apresentaram maior probabilidade de contato a esses produtos se comparados àqueles que não desempenhavam tais atividades. O trabalho rural ocasiona o maior contato direto ou indireto dessa população com agrotóxicos24. Apesar de o esperado ser que os mais afetados sejam aqueles indivíduos que trabalham com contato direto com agrotóxicos, é importante ressaltar que, quando utilizados na agricultura e em outras atividades econômicas, os agrotóxicos se dispersam pelo ar, pela água e pelo solo de maneira intensa, contaminando não só os trabalhadores, mas também os indivíduos que de alguma forma se expõem ao produto e/ou local de utilização25. Além disso, em locais onde a agricultura familiar é bastante presente, como observado no município em estudo, os indivíduos passam a maior parte de suas vidas no ambiente rural, aumentando de certo modo a exposição a esses agentes químicos26.

No que se refere à faixa etária, nossos achados mostram maior probabilidade de contato com os agrotóxicos entre aqueles com idades entre 40 e 49 anos, semelhantemente ao estudo de Figueiredo et al. (média de 38 anos)27. Por outro lado, após essa idade (40 a 49 anos), a associação aqui encontrada se torna inversa, e uma relação de proteção é estabelecida. Esse fato pode estar ligado ao processo natural da diminuição da força de trabalho com o passar da idade.

Como os homens são aqueles responsáveis pelas tarefas com contato direto com os agrotóxicos, de acordo com recente revisão sistemática, sabe-se que eles são o grupos de maior risco no que tange à exposição a esses produtos28. De acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX), entre os 530 óbitos registrados pelos centros de controle de intoxicações em 2003, os principais agentes tóxicos envolvidos foram os agrotóxicos de uso agrícola, correspondendo a mais de 30% das causas do total de óbitos29. Para o sexo masculino, esses agentes químicos representaram aproximadamente 40% do montante de óbitos registrados29. No mesmo sentido, estudo realizado com 370 trabalhadores rurais atendidos no ambulatório de toxicologia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), entre 2006 e 2007, demonstrou que indivíduos do sexo masculino apresentavam maior exposição a agrotóxicos27, corroborando com o encontrado no presente estudo.

Embora na literatura a relação entre a cor da pele e o contato com os agrotóxicos seja bastante escassa, neste estudo, buscou-se explorar essa questão, entretanto não foram encontradas associações significativas para a cor da pele. A população considerada no presente estudo é representada, em sua maioria, pela cor da pele branca, assim como na Região Sul do Brasil, o que pode explicar a não associação observada quanto a esse ponto.

A escolaridade é considerada um indicador de condição social que está associado às melhores condições de saúde, incluindo um efeito protetor contra a exposição aos agrotóxicos17,30. Nesse mesmo sentido, foi notado no presente estudo que indivíduos com menor escolaridade (zero a quatro anos) apresentaram maior probabilidade de contato com agrotóxicos, o que pode estar relacionado com o tipo de atividade laboral desempenhada, uma vez que os indivíduos de menor escolaridade podem ser aqueles designados aos trabalhos mais insalubres, como ajudar na aplicação de agrotóxicos, ou mesmo aplicá-los, lavar roupas utilizadas na sua aplicação, preparar a calda, lavar embalagens e equipamentos contaminados, estando assim mais susceptíveis ao contato com agrotóxicos. Além disso, a maioria dos estudos aponta a baixa escolaridade como fator limitante. Ou seja, essa condição pode dificultar a leitura de recomendações de segurança, do rótulo (ou eventualmente do receituário agronômico) ou acesso à informação sobre segurança de uso17,28,30.

A maioria dos estudos sobre agrotóxicos no Brasil não leva em consideração a dimensão social do risco representado pela exposição a esses produtos, focalizando suas investigações nas análises técnicas do risco, baseadas nos conhecimentos da toxicologia, porém é importante ressaltar que no Brasil a legislação (Norma Regulamentadora 7: Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional; a Norma Regulamentadora 15: Atividades ou Operações Insalubres; e a Norma Regulamentadora 31: Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura) estabelece que todos os trabalhadores rurais devem realizar exames médicos ocupacionais, incluindo a avaliação de condições de trabalho insalubres, como as que expõem os trabalhadores a agentes passíveis de gerar danos à saúde durante sua vida laboral, e dos riscos químicos pertinentes ao uso de agrotóxicos. No entanto, deve-se ponderar ainda que essa normatização é estabelecida para trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), trabalhadores celetistas, ficando os profissionais autônomos, comuns no meio rural, descobertos dessa fiscalização, o que pode estar ligado com a maior exposição a situações de agravo à sua saúde.

Por fim, o estudo apresenta algumas limitações, como um possível viés de causalidade reversa, característico de estudos transversais, que restringem algumas associações, por não permitir a observação da temporalidade na relação entre a exposição e o desfecho do estudo. O viés de memória também deve ser levado em consideração, já que a pergunta de desfecho era referente aos 12 meses anteriores à entrevista. Outra limitação é que não foram incluídas as doenças crônicas ocasionadas pela intoxicação por agrotóxicos. Ainda, o período de realização do estudo englobou os meses de maior intensidade da colheita de alguns cultivos (fevereiro a junho), o que impossibilitou a entrevista daqueles envolvidos em trabalho exaustivo na colheita e que poderiam estar mais expostos aos agrotóxicos.

Entre os aspectos positivos deste estudo, destacam-se o fato de ser o primeiro de base populacional realizado com adultos na zona rural de Pelotas, o baixo percentual de perdas e recusas e a utilização de um controle de qualidade para verificação da repetibilidade das respostas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os achados do presente estudo refletem a vulnerabilidade encontrada na população rural quanto ao contato com agrotóxicos. Dessa forma, torna-se indispensável a criação de estratégias de promoção da saúde por meio do conhecimento técnico sobre os agravos relacionados ao contato. Vale ressaltar a importância da capacitação dos profissionais de saúde acerca dos agrotóxicos e as possíveis contaminações/intoxicações por esses produtos. Com isso, é possível estabelecer um perfil tanto das substâncias como das reações encontradas para desenvolver estratégias de educação em saúde que contribuam para a minimização dos riscos.

REFERÊNCIAS

  • Fonte de financiamento: Programa de Excelência Acadêmica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES/PROEX - Processo 23038.002445/2015-97, número do auxílio 1012/2015)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2019
  • Revisado
    16 Dez 2019
  • Aceito
    17 Dez 2019
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