RESUMO
Objetivo: Avaliar a qualidade das informações sobre mortalidade por neoplasias no âmbito do Sistema de Informação sobre Mortalidade.
Métodos: Estudo descritivo observacional com avaliação da qualidade do Sistema de Informação sobre Mortalidade, com desfecho referente aos dados de óbitos por neoplasias ocorridos entre os anos de 2009 e 2019 na população brasileira (≥15 anos). A qualidade da informação (QI) foi mensurada para o Brasil e para as Unidades Federativas por meio das dimensões: cobertura, especificidade e completude dos dados.
Resultados: A qualidade da dimensão cobertura variou entre “boa” e “excelente” nas abrangências nacional e estadual. A dimensão especificidade foi classificada como inadequada predominantemente nos Estados das Regiões Norte e Nordeste. A proporção de causas mal definidas foi classificada como de “baixa” qualidade na maioria das unidades de análise ao longo da série. A completude dos dados variou de acordo com o indicador utilizado, os indicadores sexo e idade mostraram-se “excelentes” para todo o período e unidades de análise, a escolaridade apresentou variação de qualidade tanto nas unidades como nos períodos e o estado civil apresentou melhoria da qualidade de seu registro ao longo do período, assim como o indicador raça/cor.
Conclusões: A qualidade dos dados de mortalidade por neoplasias na população brasileira (≥15 anos) é, em sua maioria, adequada, mas há lacunas importantes que merecem ser preenchidas, pois a ampliação da QI busca dar visibilidade à condição de saúde da população brasileira, bem como propor ações públicas para sua melhoria.
Palavras-chave: Estatísticas vitais; Gestão da informação; Qualidade dos dados; Sistema de informação em saúde; Neoplasias
ABSTRACT
Objective To assess the quality of information about mortality from neoplasm within the Mortality Information System.
Methods: Descriptive observational study evaluating the quality of the Mortality Information System, with an outcome referring to data on deaths from neoplasm between 2009 and 2019 in the Brazilian population (≥15 years). Information Quality (IQ) was measured through coverage, specificity and completeness of data, at national and state level.
Results: The quality of the coverage dimension ranged from “good” to “excellent” in the national and state coverages. Specificity was classified as inadequate mainly in the states of the North and Northeast regions. The proportion of ill-defined causes was classified as “poor” quality in most units of analysis throughout the series. Data completeness varied according to indicator. Gender and age indicators were proven “excellent” for the entire period and units of analysis, while educational level varied in quality across units and periods, marital status had its quality improved over the period, as well as ethnicity/skin color.
Conclusions: The quality of data on mortality from neoplasm in the Brazilian population (≥15 years) is mostly adequate, but there are important gaps to be filled, as the expansion of IQ seeks to give visibility to the health condition of the Brazilian population and to propose public actions for its improvement.
Keywords: Vital statistics; Information management; Quality management; Health information system; Neoplasms
INTRODUÇÃO
A evolução da mortalidade por neoplasias ao redor do mundo coloca condições, incluindo neoplasias, como um importante problema de saúde pública, estimulando as diferentes nações a acionar medidas para o controle de sua incidência e da mortalidade pelo conjunto de doenças que compõem o grupo das neoplasias1. Apenas no Brasil, no ano de 2018, ocorreram 243 mil mortes por neoplasias, e a expectativa para 2040 é que esse número chegue à marca de 432 mil mortes2. Não obstante, o controle da mortalidade por neoplasias compõe uma das metas da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que é de redução em um terço da mortalidade prematura por doenças não transmissíveis3. Para isso, as medidas a serem adotadas para seu controle precisam variar geograficamente, tendo em vista o efeito das condições socioeconômicas dos diferentes países e regiões sobre a ocorrência da doença e seu desfecho, demandando, assim, ações específicas, a depender da extensão que o problema apresente4.
Para compreender a dimensão do problema e propor ações efetivas de controle da doença e da mortalidade, é preciso, inicialmente, que as autoridades sanitárias detenham informações adequadas referentes ao número de casos incidentes e de óbitos, sendo essencial a disponibilidade de informações de qualidade nos diferentes bancos de dados oficiais do governo5–7. No Brasil, a ferramenta do Ministério da Saúde (MS) que disponibiliza dados sobre estatísticas vitais é o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). O SIM é parte do Sistema de Informação em Saúde (SIS) e contribui para a elaboração do perfil epidemiológico da mortalidade no âmbito do País8, por ser fonte acurada de captação e registro de informação de mortes em nível nacional, regional e municipal9.
A importância de verificar a qualidade da informação (QI) em saúde é descrita por autores de diferentes regiões do País e do mundo, mas há destaque para a necessidade de checar a qualidade dos dados especialmente em países em desenvolvimento, nos quais as informações que alimentam os bancos nacionais e mundiais de dados em saúde ainda são consideradas de baixa qualidade, carecendo de ações ampliadas para a melhoria dessa condição5,10,11,12,13,14,15,16. No âmbito nacional, a importância de verificar a qualidade dos dados deve-se à premissa de que gestores utilizam os dados do SIS para a tomada de decisões, sendo necessário que as informações disponíveis reflitam a realidade, e, dessa forma, ações setoriais de qualidade sejam executadas, agregando valor político às informações de saúde17,18.
A literatura brasileira que busca verificar a QI dos dados do SIM habitualmente limita-se a um grupo específico de causa base de óbito e a uma unidade geográfica, deixando uma lacuna em uma perspectiva geográfica abrangente sobre a QI dos dados do SIM e impossibilitando, desse modo, a comparação dessa qualidade entre as distintas regiões brasileiras. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a QI sobre mortalidade por neoplasias no âmbito do SIM, de acordo com dados nacionais e por Unidade Federativa (UF).
MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo observacional, realizado com dados do Brasil e Unidades Federativas (UF) para população com idade de 15 anos ou mais, cujos óbitos por neoplasias tenham ocorrido entre os anos de 2009 e 2019. Os dados foram obtidos no SIM por meio de série temporal de registros de óbitos por neoplasias em geral (C00-C97), por local de residência para cada unidade do estudo.
A QI do SIM foi mensurada nas dimensões: cobertura19, especificidade20 e completude21,22. A cobertura, definida como a razão entre os óbitos coletados pelo SIM e os óbitos projetados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)23 e multiplicada, no fim, por 100, foi verificada pela comparação entre os dados de ocorrência no SIM e aqueles captados pelo IBGE, via registro civil, entre os anos de 2009 e 2019. Proporções inferiores a 80% foram consideradas “regulares”, entre 80 e ≤90% “boas” e entre 91 e ≥100%, “excelentes”19.
A especificidade foi mensurada por meio de dois indicadores: proporção de causas inespecíficas (PCI) e proporção de causas mal definidas (PCMD) no SIM. O indicador PCI refere-se às causas de mortalidade não pertencentes ao capítulo XVIII da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) — Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório não classificados em outra parte —, códigos R00 a R99, que são consideradas causas imprecisas ou não suficientemente definidas. A medida, que utilizou as causas inespecíficas registradas por local de residência do óbito no capítulo II da CID-10 (Neoplasias — códigos C76, C77, C79, C80 e C97), foi dividida pelo valor da subtração do total de óbitos por neoplasias (CID-10 C00-C97) pelo número de óbitos do capítulo XVIII (CID-10 R00 a R99) e multiplicada, ao fim, por 100. A subtração do capítulo XVIII deu-se pela necessidade de retirar as causas mal definidas para determinar o peso das causas inespecíficas no total de óbitos por neoplasias cujas classificações tenham sido consideradas bem definidas. Estabeleceu-se como pressuposto do período analisado um valor mediano da distribuição da PCI (10,8%); mediana inferior a 10,8% foi descrita como de qualidade adequada, e maior ou igual a esse valor foi classificada como de qualidade inadequada. O indicador PCMD, por sua vez, foi descrito como o percentual dos óbitos por causas mal definidas ocorridos em dado espaço e período, e seu cálculo foi realizado com dados de óbito por local de residência no capítulo XVIII da CID-10, divididos pelo total de óbitos por neoplasias (CID-10 C00-C97) e multiplicados, ao fim, por 100. Valores de PCMD <5% indicaram “alta” QI, entre ≥5 e ≤15 QI “regular”, e valores >15% associaram-se à “baixa” QI do registro20.
Por fim, a análise da completude buscou determinar o grau de preenchimento dos dados demográficos, quais sejam: idade, sexo, estado civil, escolaridade e raça/cor. Para tanto, foram utilizadas como base de cálculo as categorias referentes a dados faltantes, cuja descrição no SIM é de ignorada/ignorado. O escore utilizado determina 5 graus de completude com base na proporção de dados ignorados, sendo “excelente” quando a variável apresenta menos de 5% de preenchimento incompleto; “bom/boa” quando apresenta de 5% a menos do que 11%; “regular” de 11% a menos do que 21%; “ruim” de 21% a menos do que 50%; e “muito ruim” de 50% para cima21,22.
RESULTADOS
No período de 2009 a 2019, ocorreram 2.173.837 óbitos por neoplasias (CID-10 C00-C97) na população com idade igual ou superior a 15 anos residente no Brasil, sendo a Região Sudeste responsável por 48% dos óbitos, seguida das Regiões Nordeste (21,5%), Sul (19,5%), Centro-Oeste (6,3) e Norte (4,7). A taxa de crescimento da mortalidade nesse mesmo período no Brasil foi de 37%, sendo o crescimento na Região Norte de 67%, seguido pelas Regiões Centro-Oeste (51%), Nordeste (47%), Sudeste (31%) e Sul (23%).
A cobertura dos dados variou entre 89 e 120% ao longo da série, exceto para o Estado de Roraima, demonstrando que os dados do SIM apresentam escore de cobertura classificada como “boa” e “excelente”. Roraima também apresentou cobertura com classificação “excelente”, porém com proporções permutando entre 790 e 1.000% ao longo da série.
O indicador especificidade demonstrou que as UF cujos valores são classificados como inadequados concentram-se nas Regiões Norte e Nordeste do País, com exceção de Minas Gerais, que apresenta mediana de 14,88%. No Estado da Bahia, o PCI apresentou-se negativo por ser o número de causas mal definidas (CID-10 R00-R99) superior ao número de casos de óbitos por neoplasias (CID-10 C00-C97) para os anos de 2009 a 2012 e de 2014 a 2016 (Figura 1)
Especificidade — Proporção de causas inespecíficas* na mortalidade por neoplasias entre 2009 e 2019 (Brasil/UF).
A PCMD foi classificada como de “baixa” qualidade na maioria das unidades de análise ao longo da série, com exceção: do Tocantins no ano de 2017, em que que foi classificada como “regular”; para toda a série do Espírito Santo, com valores que oscilaram na classificação entre “regular e boa”; para o Paraná, com valores de qualidade “regular” entre os anos de 2017 e 2019; para Santa Catarina, com dados de qualidade “regular” entre 2014 e 2019; para o Mato Grosso do Sul, que apresentou qualidade “regular” até 2018; e para Goiás, também “regular” em 2014 e entre 2016 e 2019. O Distrito Federal, ao longo da série, apresentou dados oscilando entre “regular” e “alta” qualidade (Tabela 1). Apesar de a maioria das unidades de análise apresentar “baixa” qualidade, houve melhoria da qualidade dos dados, com taxas de crescimento oscilando entre -3,5 e -72%. Para o Brasil, a taxa de crescimento foi de -29,7%. Para os Estados do Piauí (21,9%), Sergipe (20,5%), Rio de Janeiro (19,5%), Mato Grosso do Sul (129,4%) e Distrito Federal (7,7%), foi observado crescimento da PCMD ao longo da série avaliada.
Especificidade — Proporção de causas mal definidas na mortalidade por neoplasias entre 2009 e 2019 (Brasil/UF).
A completude dos dados variou de acordo com o indicador utilizado (Tabela 2): sexo e idade mostraram-se “excelentes” para todo o período e unidades de análise, apresentando, respectivamente, valores de incompletude que variaram de 0 a 0,2 e de 0 a 0,6. A variável escolaridade apresentou variação de qualidade tanto nas unidades como nos períodos, com destaque negativo para os Estados de Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo, que apresentaram, ao longo de toda a série, qualidade de dados variando nas classificações inferiores, de “regular” a “muito ruim”. No que concerne ao indicador estado civil, os dados demostram que, ao longo do período, as unidades de análise apresentaram melhoria da qualidade de seu registro, com variações negativas na série para os Estados de Alagoas, Espírito Santo e Paraíba. O indicador raça/cor apresentou taxa de crescimento da completude de -49% para o Brasil ao longo da série, o que explicita que, ao longo do tempo, o preenchimento da variável raça/cor melhorou. Apesar da melhora desse indicador, os Estados do Espírito Santo e Alagoas mantiveram-se no nível “regular” na maior parte da série avaliada.
Completude dos indicadores escolaridade, estado civil e raça/cor para mortalidade por neoplasias entre 2009 e 2019 (Brasil/UF).
DISCUSSÃO
O estudo demonstrou que a cobertura dos dados de mortalidade por neoplasias no SIM, em todas as unidades de análise, é classificada como excelente, segundo a metodologia utilizada para esta análise. O valor mais elevado de cobertura foi observado no Estado de Roraima, fato que pode ser explicado não apenas pelo investimento em políticas públicas e pelas melhorias administrativas dos registros de óbito, mas também pela baixa projeção de mortalidade pelo IBGE para essa UF e pela baixa captação de óbitos pelo sistema de registro civil6,24. A adequação da cobertura encontrada neste estudo corrobora outros estudos que buscaram determinar a cobertura de dados sobre mortalidade para adultos. Na pesquisa de Costa et al.25 a cobertura do SIM foi de 98%, e, nessa mesma pesquisa, evidenciou-se a baixa cobertura do registo civil para o Estado de Roraima. No estudo de Queiroz et al.24, com dados de cobertura de 1980 a 2010, os Estados das Regiões Sul e Sudeste demostraram coberturas classificadas como “excelentes”, e nas demais regiões a classificação oscilou entre “regular” e “boa”. A cobertura dos dados de mortalidade é essencial para informar sobre a condição de saúde da população brasileira, pois, associada a ações de melhoria da cobertura, tem-se a redução da PCMD6.
A PCI de mortalidade por neoplasias nas UF das Regiões Norte e Nordeste e no Estado de Minas Gerais foi considerada inadequadas, corroborando estudos que descreveram o efeito de área geográfica na qualidade dos dados em saúde14,26. Segundo o trabalho de Balieiro et al.27, as causas inespecíficas de morte no Estado do Amazonas no período de 2006 a 2012 estavam relacionadas ao local de residência e ocorrência do óbito, às condições sociodemográficas e ao profissional responsável por atestar o óbito. A comparabilidade da PCI deste estudo com a de outros é limitada em razão de divergências metodológicas e do menor destaque dado a esse indicador. Isso pode ser justificado pelo fato de que a redução da PCMD e do sub-registro impacta mais a melhoria dos registros de mortalidade por causa específica, quando comparada à redução da PCI28. A negativação da PCI no Estado da Bahia, pelo fato de o número de casos de óbitos por neoplasias ser inferior ao de causas mal definidas, serve de alerta para a necessidade de melhoria do preenchimento das Declarações de Óbito, pois o número elevado de causas imprecisas ou não suficientemente definidas compromete a avaliação da condição de saúde da população e, por consequência, a alocação de estratégias e recursos financeiros17,18.
A PCMD, apesar de classificada na maioria dos Estados brasileiros como de “baixa” qualidade, apresentou melhora dos dados ao longo dos anos, corroborando pesquisas que descrevem a redução da PCMD em regiões com desenvolvimento socioeconômico baixo ou médio (embora ainda sem alta qualidade dos dados) em decorrência de investimentos no sistema público de saúde e avanços no fortalecimento das estatísticas de causas de morte no país. É importante destacar que a classificação com códigos R00 – R99 representa não apenas baixa qualidade dos dados, mas também descreve a falta de assistência adequada de saúde, pois nesses códigos há condições como septicemia, hipertensão e insuficiência cardíaca, entre outras, que são preveníveis e tratáveis; pode também ser decorrente de um número elevado de óbitos em domicílio, o que dificulta o relato adequado da causa da morte7,14,18. Mesmo em países de alta renda e com sistemas de informação de saúde avançados, ocorrem classificações com os códigos R, porém em proporções menores do que as reveladas no presente estudo. Segundo Mikkelsen et al.29, que investigaram o uso de códigos mal definidos em seis países de alta renda, a PCMD média para tais países foi de 18% (2015 e 2016), e, no Brasil, a PCMD média no mesmo período foi de 34,5%. Essa comparação reforça a importância de manter os investimentos para a melhoria da qualidade dos dados brasileiros em saúde14,18, pois mesmo em Estados com relatos históricos de dados de qualidade, ainda é possível observar PCMD elevadas30.
A completude dos indicadores sexo e idade nos óbitos por neoplasias foi classificada como “excelente” no período do estudo, corroborando outras pesquisas com abordagens populacionais e temporais distintas, que descreveram a melhoria no preenchimento dessas variáveis22,31,32. A variável escolaridade ainda apresenta grandes limitações, demandando melhora em seu preenchimento, dado seu papel fundamental na compreensão das desigualdades sociais na mortalidade por diferentes condições, incluindo neoplasias33. Segundo Melo e Valongueiro31, em pesquisa que verificou a incompletude dos registros de óbitos por causas externas no Estado de Pernambuco, em duas séries temporais (2000 a 20002; 2008 a 2010), a completude do indicador escolaridade melhorou quando comparadas as duas séries, porém manteve-se com classificação “ruim” em ambos os períodos. A completude da variável estado civil foi classificada como “boa” na maioria das unidades de análise; esse dado é compatível com o apresentado por Messias et al.32 em estudo sobre qualidade dos dados de mortalidade por causas externas no município de Fortaleza e com o descrito por Rios et al.34 em pesquisa sobre completude dos dados de mortalidade por suicídio em idosos no Estado da Bahia. A melhoria revelada no preenchimento da variável raça/cor no Brasil e na grande maioria das UF também foi observada por Romero et al.35 em pesquisa que buscou evidenciar a tendência e a desigualdade na completude dessa variável na notificação de mortalidade de idosos no SIM entre 2000 e 2015, no Brasil. A utilização dessa variável é necessária para mensurar o impacto da desigualdade racializada na mortalidade, e o preenchimento adequado confere segurança aos trabalhos que objetivam compreender essas diferenças.
A presente pesquisa demonstrou que a qualidade dos dados de mortalidade por neoplasias na população brasileira com idade maior ou igual a 15 anos são, em sua maioria, adequados, mas há lacunas importantes que merecem ser preenchidas, pois a ampliação da QI busca dar visibilidade à condição de saúde da população brasileira, bem como propor ações públicas para sua melhoria. Distintas ações e medidas podem ser adotadas para melhorar a QI. Para Woods et al.36, a alternativa para melhorar a qualidade dos dados no Canadá baseou-se na elaboração de um programa de curadoria, que desenvolveu a familiarização com os dados e com os mecanismos de preenchimento, ações estas centralizadas no momento em que os dados eram recebidos, reduzindo os erros e tornando-os raros ao longo do tempo. Para Lemma et al.37, a ampliação da QI em países de baixa e média renda deu-se pela combinação de diferentes ferramentas, como uso de tecnologia, capacitação de pessoal e ferramentas de avaliação para melhorar os recursos de autoavaliação e feedback no sistema de informação de saúde de rotina.
Este estudo contribuiu para a discussão sobre a qualidade dos dados em saúde, com uma abordagem temporal e geográfica da população adulta, por meio da manipulação de indicadores nacionalmente utilizados. As pesquisas sobre qualidade dos dados em saúde habitualmente têm abordagens geográficas restritas, com grande destaque para condições neonatais, mortalidade em geral e causas externas e foco na mortalidade de crianças e idosos. Esta investigação inova ao trazer um debate que foi ampliado geograficamente ao longo dos anos e que recai sobre um grupo de causa base de morte. Além disso, é um dos primeiros estudos descritivos sobre a QI de mortalidade por neoplasias no Brasil, em nível nacional e por UF. Esta pesquisa apresenta limitações coerentes com as de um estudo descritivo ao não determinar quais fatores estão associados à QI, sendo necessários, com base nos resultados ora encontrados, outros trabalhos com esse objetivo de análise.
REFERENCES
-
1. Global Burden of Disease Cancer Collaboration, Fitzmaurice C, Abate D, Abbasi N, Abbastabar H, Abd-Allah F, et al. Global, Regional, and National Cancer Incidence, mortality, years of life lost, years lived with disability, and disability-adjusted life-years for 29 cancer groups, 1990 to 2017: a systematic analysis for the global burden of disease study. JAMA Oncol 2019; 5(12): 1749-68. https://doi.org/10.1001/jamaoncol.2019.2996
» https://doi.org/10.1001/jamaoncol.2019.2996 -
2. Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin 2018; 68(6): 394-424. https://doi.org/10.3322/caac.21492
» https://doi.org/10.3322/caac.21492 -
3. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. ODS – Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. AGENDA 2030 [Internet]. 2018 [acessado 3 nov. 2020]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=33895&Itemid=433
» https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=33895&Itemid=433 -
4. Oliveira NPD, Siqueira CAS, Lima KYN, Cancela MC Souza DLB. Association of cervical and breast cancer mortality with socioeconomic indicators and availability of health services. Cancer Epidemiol 2020; 64: 101660. https://doi.org/10.1016/j.canep.2019.101660
» https://doi.org/10.1016/j.canep.2019.101660 -
5. Curtis MD, Griffith SD, Tucker M, Taylor MD, Capra WB, Carrigan G, et al. Development and validation of a high-quality composite real-world mortality endpoint. Health Serv Res 2018; 53(6): 4460-76. https://doi.org/10.1111/1475-6773.12872
» https://doi.org/10.1111/1475-6773.12872 -
6. Marinho MF. How to improve the quality of mortality information? Rev Bras Epidemiol 2019; 22 Suppl 3: e190017. https://doi.org/10.1590/1980-549720190017.supl.3
» https://doi.org/10.1590/1980-549720190017.supl.3 -
7. Iburg KM, Mikkelsen L, Adair T, Lopez AD. Are cause of death data fit for purpose? evidence from 20 countries at different levels of socio-economic development. PLoS One 2020; 15(8): e0237539. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0237539
» https://doi.org/10.1371/journal.pone.0237539 -
8. Brasil. Ministério da Saúde. A experiência brasileira em sistemas de informação em saúde. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009 [Internet]. [acessado em 3 dez. 2020]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_docman&view=document&layout=default&alias=299-a-experiencia-brasileira-em-sistemas-informacao-em-saude-v-2-9&category_slug=informacao-e-analise-saude-096&Itemid=965
» https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_docman&view=document&layout=default&alias=299-a-experiencia-brasileira-em-sistemas-informacao-em-saude-v-2-9&category_slug=informacao-e-analise-saude-096&Itemid=965 -
9. Jorge MHPM, Laurenti R, Gotlieb SLD. Análise da qualidade das estatísticas vitais brasileiras: a experiência de implantação do SIM e do SINASC. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12(3): 643-54. https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000300014
» https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000300014 -
10. Saturno-Hernández PJ, Martínez-Nicolás I, Flores-Hernández S, Poblano-Verástegui O. Quality of the health information system: a comparative analysis of reported indicators, OECD Mexico 2010-2016. Salud Publica Mex 2019; 61(2): 184-92. https://doi.org/10.21149/9688
» https://doi.org/10.21149/9688 -
11. Oung MT, Richter K, Prasartkul P, Tangcharoensathien V. Myanmar mortality registration: an assessment for system improvement. Popul Health Metr 2017; 15(1): 34. https://doi.org/10.1186/s12963-017-0153-1
» https://doi.org/10.1186/s12963-017-0153-1 -
12. Vargas-Herrera J, Ruiz KP, Nuñez GG, Ohno JM, Pérez-Lu JE, Huarcaya WV, et al. Resultados preliminares del fortalecimiento del sistema informático nacional de defunciones. Rev Peru Med Exp Salud Publica 2018; 35(3): 505-14. https://doi.org/10.17843/rpmesp.2018.353.3913
» https://doi.org/10.17843/rpmesp.2018.353.3913 -
13. World Health Organization. International Agency for Research on Cancer. The global initiative for cancer registry development (GICR) is the first worldwide strategy to inform cancer control through better data [Internet]. The Global Initiative for Cancer Registry Development. [acessado em 24 fev. 2021]. Disponível em: https://gicr.iarc.fr/about-the-gicr/
» https://gicr.iarc.fr/about-the-gicr/ -
14. França E, Ishitani LH, Teixeira R, Duncan BB, Marinho F, Naghavi M. Changes in the quality of cause-of-death statistics in Brazil: garbage codes among registered deaths in 1996-2016. Popul Health Metr 2020; 18(Suppl 1): 20. https://doi.org/10.1186/s12963-020-00221-4
» https://doi.org/10.1186/s12963-020-00221-4 -
15. Naghavi M, Richards N, Chowdhury H, Eynstone-Hinkins J, Franca E, Hegnauer M, et al. Improving the quality of cause of death data for public health policy: are all ‘garbage’ codes equally problematic? BMC Med 2020; 18(1): 55. https://doi.org/10.1186/s12916-020-01525-w
» https://doi.org/10.1186/s12916-020-01525-w -
16. Maia LTS, Souza WV, Mendes ACG, Silva AGS. Use of linkage to improve the completeness of the SIM and SINASC in the Brazilian capitals. Rev Saude Publica 2017; 51: 112. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051000431
» https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051000431 -
17. Morais RM, Costa AL. An evaluation of the Brazilian Mortality Information System. Saúde Debate. 2017; 41(n. especial): 101-17. https://doi.org/10.1590/0103-11042017S09
» https://doi.org/10.1590/0103-11042017S09 -
18. Rodrigues NCP, Daumas RP, Almeida AS, O’Dwyer G, Andrade MKN, Flynn MB, et al. Risk factors for the ill-defined causes of death in the Brazilian states: a multilevel analysis. Cienc Saude Colet 2018; 23(11): 3979-88. https://doi.org/10.1590/1413-812320182311.27182016
» https://doi.org/10.1590/1413-812320182311.27182016 -
19. Paes NA. Assessment of completeness of death reporting in Brazilian states for the year 2000. Rev Saude Publica 2005; 39(6): 882-90. https://doi.org/10.1590/s0034-89102005000600003
» https://doi.org/10.1590/s0034-89102005000600003 -
20. Kanso S, Romero DE, Leite IC, Moraes EN. Diferenciais geográficos, socioeconômicos e demográficos da qualidade da informação da causa básica de morte dos idosos no Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(7): 1323-39. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000700008
» https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000700008 -
21. Romero DE, Cunha CB. Quality of socioeconomic and demographic data in relation to infant mortality in the Brazilian Mortality Information System (1996/2001). Cad Saude Publica 2006; 22(3): 673-84. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2006000300022
» https://doi.org/10.1590/s0102-311x2006000300022 -
22. Felix JD, Zandonade E, Amorim MHC, Castro DS. Avaliação da completude das variáveis epidemiológicas do Sistema de Informação sobre Mortalidade em mulheres com óbitos por câncer de mama na Região Sudeste: Brasil (1998 a 2007). Ciênc Saúde Coletiva. 2012; 17(4): 945-53. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000400016
» https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000400016 -
23. Coordenação Geral de Informações e Análise Epidemiológica. Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM. Consolidação da base de dados de 2011 [Internet]. 2013 [acessado em: 02 mar. 2021]; 12. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sim/Consolida_Sim_2011.pdf
» http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sim/Consolida_Sim_2011.pdf -
24. Queiroz BL, Freire FHMA, Gonzaga MR, Lima EEC. Completeness of death-count coverage and adult mortality (45q15) for Brazilian states from 1980 to 2010. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(Suppl 01): 21-33. https://doi.org/10.1590/1980-5497201700050003
» https://doi.org/10.1590/1980-5497201700050003 -
25. Costa LFL, Montenegro MMS, Rabello Neto DL, Oliveira ATR, Trindade JEO, Adair T, et al. Estimating completeness of national and subnational death reporting in Brazil: application of record linkage methods. Popul Health Metr 2020; 18(1): 22. https://doi.org/10.1186/s12963-020-00223-2
» https://doi.org/10.1186/s12963-020-00223-2 -
26. Teixeira RA, Naghavi M, Guimarães MDC, Ishitani LH, França EB. Quality of cause-of-death data in Brazil: Garbage codes among registered deaths in 2000 and 2015. Rev Bras Epidemiol 2019; 22(Suppl 3):e19002.supl.3. https://doi.org/10.1590/1980-549720190002.supl.3
» https://doi.org/10.1590/1980-549720190002.supl.3 -
27. Balieiro PCS, Silva LCF, Sampaio VS, Monte EX, Pereira EMS, Queiroz LAF, et al. Factors associated with unspecified and ill-defined causes of death in the State of Amazonas, Brazil, from 2006 to 2012. Cienc Saude Colet 2019; 25(1): 339-52. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27182017
» https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27182017 -
28. Malta DC, Abreu DMX, Moura L, Lana GC, Azevedo G, França E. Tendência das taxas de mortalidade de câncer de pulmão corrigidas no Brasil e regiões. Rev Saúde Pública 2016; 50: 33. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006209
» https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006209 -
29. Mikkelsen L, Iburg KM, Adair T, Fürst T, Hegnauer M, von der Lippe E, et al. Assessing the quality of cause of death data in six high-income countries: Australia, Canada, Denmark, Germany, Japan and Switzerland. Int J Public Health 2020; 65(1): 17-28. https://doi.org/10.1007/s00038-019-01325-x
» https://doi.org/10.1007/s00038-019-01325-x -
30. Vidor AC, Conceição MBM, Luhm KR, Alves MFT, Arceno A, França EB, et al. Quality of data on causes of death in southern Brazil: the importance of garbage causes. Rev Bras Epidemiol 2019; 22(Suppl 3):e19003.supl.3. https://doi.org/10.1590/1980-549720190003.supl.3
» https://doi.org/10.1590/1980-549720190003.supl.3 -
31. Melo GBT, Valongueiro S. Incompletude dos registros de óbitos por causas externas no Sistema de Informações sobre Mortalidade em Pernambuco, Brasil, 2000-2002 e 2008-2010. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(4): 651-60. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000400007
» https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000400007 -
32. Messias KLM, Bispo Júnior JP, Pegado MFQ, Oliveira LC, Peixoto TG, Sales MAC, et al. The quality of certification of deaths due to external causes in the city of Fortaleza in the State of Ceará, Brazil. Cienc Saude Colet 2016; 21(4): 1255-67. https://doi.org/10.1590/1413-81232015214.07922015
» https://doi.org/10.1590/1413-81232015214.07922015 -
33. Siegel RL, Miller KD, Jemal A. Cancer statistics, 2019. CA Cancer J Clin 2019; 69(1): 7-34. https://doi.org/10.3322/caac.21551
» https://doi.org/10.3322/caac.21551 -
34. Rios MA, Anjos KF, Meira SS, Nery AA, Casotti CA. Completude do sistema de informação sobre mortalidade por suicídio em idosos no estado da Bahia. J Bras Psiquiatr 2013; 62(2): 131-8. https://doi.org/10.1590/S0047-20852013000200006
» https://doi.org/10.1590/S0047-20852013000200006 -
35. Romero DE, Maia L, Muzy J. Tendência e desigualdade na completude da informação sobre raça/cor dos óbitos de idosos no Sistema de Informações sobre Mortalidade no Brasil, entre 2000 e 2015. Cad Saúde Pública 2019; 35(12): e00223218. https://doi.org/10.1590/0102-311X00223218
» https://doi.org/10.1590/0102-311X00223218 -
36. Woods JA, Johnson CE, Allingham SF, Ngo HT, Katzenellenbogen JM, Thompson SC. Collaborative data familiarisation and quality assessment: reflections from use of a national dataset to investigate palliative care for Indigenous Australians. Health Inf Manag 2021; 50(1-2): 64-75. https://doi.org/10.1177/1833358320908957
» https://doi.org/10.1177/1833358320908957 -
37. Lemma S, Janson A, Persson LÅ, Wickremasinghe D, Källestål C. Improving quality and use of routine health information system data in low- and middle-income countries: a scoping review. PLoS One 2020; 15(10): e0239683. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0239683
» https://doi.org/10.1371/journal.pone.0239683
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Set 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
05 Jan 2022 -
Revisado
08 Jun 2022 -
Aceito
08 Jun 2022