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Desigualdade racial e regional na tendência temporal do déficit de estatura e excesso de peso de crianças brasileiras menores de cinco anos

RESUMO

Objetivo:

Analisar a ocorrência de desigualdade racial e regional na tendência temporal das prevalências de déficit de estatura e excesso de peso de crianças brasileiras menores de cinco anos ao longo dos anos de 2008–2018.

Métodos:

Estudo ecológico de série temporal com dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional das prevalências de déficit de estatura e excesso de peso em crianças menores de 5 anos de acordo com raça/cor, região e ano. Para avaliar diferenças entre prevalências medianas por ano dos desfechos, realizou-se teste de Kruskal-Wallis. Análises de regressão linear foram propostas para avaliar tendências das prevalências dos desfechos ao longo dos anos.

Resultados:

No Brasil, as crianças pretas apresentaram tendência de crescimento do excesso de peso (β=4,611; p=0,042). Entre as crianças pretas, houve aumento ao longo dos anos do déficit de estatura no Sudeste (β=3,960; p=0,014) e queda no Sul (β=-4,654; p=0,022). No Brasil e na maioria das regiões, a prevalência mediana do déficit de estatura foi maior nas crianças pretas do que nas brancas (12,86 vs. 11,54%, p<0,001). No Sudeste e Sul, as crianças pretas também apresentaram as maiores prevalências de excesso de peso (15,48 e 15,99%, respectivamente).

Conclusão:

Crianças de regiões menos desenvolvidas do Brasil e pretas apresentaram maior vulnerabilidade para dupla carga de má nutrição.

Palavras-chave:
Desnutrição; Sobrepeso; Obesidade; Desigualdade racial em saúde; Vigilância alimentar e nutricional; Estudos de séries temporais

ABSTRACT

Objective:

To analyze the occurrence of racial and regional inequality in the temporal trend of the prevalence of stunting and overweight in Brazilian children under five years of age over the years 2008–2018.

Methods:

An ecological time-series study with data from the Food and Nutrition Surveillance System on the prevalence of stunting and overweight in children under five years old according to race/skin color, region, and year. To assess differences between median prevalence per year of outcomes, the Kruskal-Wallis test was performed. Linear regression analyses were proposed to assess trends in the prevalence of outcomes over the years.

Results:

In Brazil, black children tended to be overweight (β=4.611; p=0.042). Among black children, there was an increase over the years in stunting in the Southeast (β=3.960; p=0.014) and a decrease in the South (β=-4.654; p=0.022). In Brazil and in most regions, the median prevalence of stunting was higher in black children than in white ones (12.86 vs. 11.54%, p<0.001). In the Southeast and South, black children also had the highest prevalence of overweight (15.48 and 15.99%, respectively).

Conclusion:

Children from less developed regions of Brazil and of black skin color/race were more vulnerable to a double burden of malnutrition.

Keywords:
Malnutrition; Overweight; Obesity; Racism; Food and nutritional surveillance; Time series studies

INTRODUÇÃO

O déficit de estatura e o excesso de peso são dois agravos nutricionais que se destacam por seus efeitos negativos na saúde das crianças. Essas condições podem prejudicar o desempenho escolar, reduzir o capital social no futuro11. Silveira VNC, Padilha LL, Frota MTBA. Desnutrição e fatores associados em crianças quilombolas menores de 60 meses em dois municípios do estado do Maranhão, Brasil. Ciên Saúde Coletiva 2020; 25(7): 2583-94. https://doi.org/10.1590/1413-81232020257.21482018
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33. Saha KK, Frongillo EA, Alam DS, Arifeen SE, Persson LA, Rasmussen KM. Appropriate infant feeding practices result in better growth of infants and young children in rural Bangladesh. Am J Clin Nutr 2008; 87(6): 1852-9. https://doi.org/10.1093/ajcn/87.6.1852
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, deixar a criança mais suscetível a processos infecciosos repetitivos44. França EB, Lansky S, Rego MAS, Malta DC, França JS, Teixeira R, et al. Leading causes of child mortality in Brazil, in 1990 and 2015: estimates from the Global Burden of Disease study. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(Suppl 01): 46-60. https://doi.org/10.1590/1980-5497201700050005
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66. Pereira IFS, Andrade LMB, Spyrides MHC, Lyra CO. Estado nutricional de menores de 5 anos de idade no Brasil: evidências da polarização epidemiológica nutricional. Ciên Saúde Colet 2017; 22(10): 3341-52. https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.25242016
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, aumentar a chance de mortalidade infantil77. Ferreira JSA. Condições de vulnerabilidade sociodemográfica e estresse psicossocial materno como marcadores de risco para morbidade e estado nutricional em lactentes [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP); 2018.,88. Caldas ADR, Santos RV, Borges GM, Valente JG, Portela MC, Marinho GL. Mortalidade infantil segundo cor ou raça com base no Censo Demográfico de 2010 e nos sistemas nacionais de informação em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2017; 33(7):e00046516. https://doi.org/10.1590/0102-311X00046516
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, além de predispor a doenças crônicas não transmissíveis no futuro99. Llewellyn A, Simmonds M, Owen CG, Woolacott N. Childhood obesity as a predictor of morbidity in adulthood: a systematic review and meta-analysis. Obes Rev 2016; 17(1): 56-67. https://doi.org/10.1111/obr.12316
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,1010. Sommer A, Twig G. The impact of childhood and adolescent obesity on cardiovascular risk in adulthood: a systematic review. Curr Diab Rep 2018; 18(10): 91. https://doi.org/10.1007/s11892-018-1062-9
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. Em contexto socioeconômico mais desfavorável, as crianças estão mais vulneráveis à dupla carga de agravos nutricionais.

As piores condições socioeconômicas e a exclusão social estão historicamente presentes entre indivíduos pretos e pardos, o que, ao longo do tempo, os têm colocado em situação de maior vulnerabilidade11. Silveira VNC, Padilha LL, Frota MTBA. Desnutrição e fatores associados em crianças quilombolas menores de 60 meses em dois municípios do estado do Maranhão, Brasil. Ciên Saúde Coletiva 2020; 25(7): 2583-94. https://doi.org/10.1590/1413-81232020257.21482018
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. Como resultado disso, indivíduos pretos e pardos possuem menos acesso aos serviços de saúde e pior nutrição, o que representa um maior risco para o surgimento de desvios nutricionais, especialmente em crianças menores de 5 anos22. Adedini SA, Odimegwu C, Imasiku ENS, Ononokpono DN. Ethnic differentials in under-five mortality in Nigeria. Ethn Health 2015; 20(2): 145-62. https://doi.org/10.1080/13557858.2014.890599
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55. Géa-Horta T, Felisbino-Mendes MS, Ortiz RJF, Velasquez-Melendez G. Association between maternal socioeconomic factors and nutritional outcomes in children under 5 years of age. J Pediatr (Rio J) 2016; 92(6): 574-80. https://doi.org/10.1016/j.jped.2016.02.010
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,77. Ferreira JSA. Condições de vulnerabilidade sociodemográfica e estresse psicossocial materno como marcadores de risco para morbidade e estado nutricional em lactentes [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP); 2018.1111. Sociedade Brasileira de Pediatria. Obesidade na infância e adolescência: manual de orientação. 3a ed. São Paulo: Sociedade Brasileira de Pediatria; 2019.,1212. Bi J, Liu C, Li S, He Z, Chen K, Luo R, et al. Dietary diversity among preschoolers: a cross-sectional study in poor, rural, and ethnic minority areas of central south China. Nutrients 2019; 11(3): 558. https://doi.org/10.3390/nu11030558
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,1313. Frempong RB, Annim SK. Dietary diversity and child malnutrition in Ghana. Heliyon. 2017; 3(5): e00298. http://dx.doi.org/10.1016/j.heliyon.2017.e00298
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.

Diferenças na ocorrência de desvios nutricionais por grupos raciais já foram reportadas em alguns estudos1414. Ogden CL, Carroll MD, Lawman HG, Fryar CD, Kruszon-Moran D, Kit BK, et al. Trends in obesity prevalence among children and adolescents in the United States, 1988-1994 through 2013-2014. JAMA 2016; 315(21): 2292-9. https://doi.org/10.1001/jama.2016.6361
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,1515. Skinner AC, Ravanbakht SN, Skelton JA, Perrin EM, Armstrong SC. Prevalence of obesity and severe obesity in US children, 1999-2016. Pediatrics 2018; 141(3): e20173459. https://doi.org/10.1542/peds.2017-3459
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. Uma revisão sistemática com metanálise demonstrou que, nos Estados Unidos, houve diferença nas prevalências de sobrepeso e obesidade, sendo maior em mulheres negras e hispânicas, quando comparadas às brancas1616. Wang Y, Beydoun MA. The obesity epidemic in the United States--gender, age, socioeconomic, racial/ethnic, and geographic characteristics: a systematic review and meta-regression analysis. Epidemiol Rev 2007; 29(1): 6-28. https://doi.org/10.1093/epirev/mxm007
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. Estudos com crianças são menos frequentes. Nos Estados Unidos, entre 2011–2012, a prevalência de obesidade também foi maior entre crianças negras (20,2%) e hispânicas (22,4%) do que em crianças asiáticas (8,6%) e brancas (14,1%)1717. Krueger PM, Reither EN. Mind the gap: race\ethnic and socioeconomic disparities in obesity. Curr Diab Rep 2015; 15(11): 95. https://doi.org/10.1007/s11892-015-0666-6
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.

Diferentemente do observado em países de alta renda, estudos que analisaram os desvios nutricionais em países de baixa e média renda parecem indicar que o déficit de estatura é mais frequente em indivíduos com pior condição socioeconômica, enquanto a obesidade está associada à melhor condição socioeconômica1818. Barros FC, Victora CG, Scherpbier R, Gwatkin D. Socioeconomic inequities in the health and nutrition of children in low/middle income countries. Rev Saude Publica 2010; 44(1): 1-16. https://doi.org/10.1590/s0034-89102010000100001
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,1919. Dinsa GD, Goryakin Y, Fumagalli E, Suhrcke M. Obesity and socioeconomic status in developing countries: a systematic review. Obes Rev 2012; 13(11): 1067-79. https://doi.org/10.1111/j.1467-789X.2012.01017.x
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.

No Brasil, o último estudo de abrangência nacional que analisou o estado nutricional de crianças menores de 5 anos data do ano 2009 e apontou prevalência de 6,0% de déficit de estatura e 16,9% de excesso de peso2020. Canella DS, Martins APB, Bandoni DH. Iniquidades no acesso aos benefícios alimentação e refeição no Brasil: uma análise da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Cad Saúde Pública 2016; 32(3):e 00037815. https://doi.org/10.1590/0102-311X00037815
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. Esse estudo mostrou que o déficit de estatura foi menor entre crianças brancas do que em pretas, pardas e indígenas. Em contrapartida, o excesso de peso foi mais elevado entre crianças brancas quando comparadas às pretas e pardas2020. Canella DS, Martins APB, Bandoni DH. Iniquidades no acesso aos benefícios alimentação e refeição no Brasil: uma análise da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Cad Saúde Pública 2016; 32(3):e 00037815. https://doi.org/10.1590/0102-311X00037815
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.

A ocorrência de agravos nutricionais, como o déficit de estatura e o excesso de peso, pode ser decorrente de situações de opressão racial, como o racismo estrutural2121. Corcoran MP. Beyond ‘food apartheid’: civil society and the politicization of hunger in New Haven, Connecticut. Urban Agriculture & Regional Food Systems 2021; 6(1): e20013. https://doi.org/10.1002/uar2.20013
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. A marginalização de indivíduos de cor de pele não branca pode expô-los a circunstâncias de acesso inadequado de alimentos nutritivos2121. Corcoran MP. Beyond ‘food apartheid’: civil society and the politicization of hunger in New Haven, Connecticut. Urban Agriculture & Regional Food Systems 2021; 6(1): e20013. https://doi.org/10.1002/uar2.20013
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,2222. Gripper AB, Nethery R, Cowger TL, White M, Kawachi I, Adamkiewicz G. Community solutions to food apartheid: a spatial analysis of community food-growing spaces and neighborhood demographics in Philadelphia. Soc Sci Med 2022; 310: 115221. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2022.115221
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. Uma vez que populações de cor compõem parcela significativa de vulneráveis, estão potencialmente suscetíveis, também, a políticas de austeridade fiscal, as quais reduzem o papel do Estado como promotor de bem-estar social2323. Santos IS, Vieira FS. Direito à saúde e austeridade fiscal: o caso brasileiro em perspectiva internacional. Ciên Saúde Colet 2018; 23(7): 2303-14. https://doi.org/10.1590/1413-81232018237.09192018
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.

O Brasil é um país de média renda com grande extensão territorial, e, entre suas regiões, podem ser observadas diversas desigualdades regionais em desfechos relacionados à saúde2424. Malta DC, Santos MAS, Stopa SR, Vieira JEB, Melo EA, Reis AAC. A Cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF) no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Ciên Saúde Colet 2016; 21(2): 327-38. https://doi.org/10.1590/1413-81232015212.23602015
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,2525. Szwarcwald CL, Damacena GN, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC, et al. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(Suppl 2): 33-44. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060004
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. O déficit de estatura tem apresentado prevalências mais elevadas nas regiões mais pobres do país, tal como a Norte2626. Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet 2011; 377(9780): 1863-76. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60138-4
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. Em relação à prevalência de excesso de peso, também têm sido observadas diferenças regionais, com maiores prevalências nas regiões com melhor situação socioeconômica, como a Sul e Sudeste2727. Ferreira CM, Reis ND, Castro AO, Höfelmann DA, Kodaira K, Silva MT, et al. Prevalence of childhood obesity in Brazil: systematic review and meta-analysis. J Pediatr (Rio J) 2021; 97(5): 490-9. https://doi.org/10.1016/j.jped.2020.12.003
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. Contudo, não há estudos que tenham avaliado desigualdades raciais na ocorrência de déficit de estatura e excesso de peso em crianças entre as regiões brasileiras.

Nesse contexto, esta investigação pretende preencher a lacuna existente sobre a evolução da desigualdade racial na prevalência de déficit de estatura e excesso de peso nas regiões brasileiras entre 2008 e 2018, assim como apresentar estimativas mais atualizadas da prevalência desses desvios nutricionais entre as regiões do país.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico retrospectivo com dados secundários do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) de domínio público e livre acesso. Foram incluídos dados do estado nutricional de crianças menores de 5 anos de idade registrados na plataforma digital do SISVAN, atendidas na atenção primária à saúde (APS) do Sistema Único de Saúde (SUS), no período de 2008 a 2018 em todo território brasileiro. As crianças com amarelas e indígenas não foram consideradas nas análises em função dos objetivos do estudo que eram as comparações dos desvios nutricionais entre crianças pretas, pardas e brancas.

O acesso às informações dos relatórios públicos referentes ao estado nutricional ocorreu em dezembro de 2021, por meio do sítio eletrônico do SISVAN (https://sisaps.saude.gov.br/sisvan/relatoriopublico/index). Os dados de peso e comprimento/altura coletados na Atenção Básica seguem as Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: norma técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN 2828. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2011..

O déficit de estatura foi obtido por meio do indicador estatura por idade (E/I) e o excesso de peso pelo indicador índice de massa corporal para idade (IMC/I). Foram extraídas do sistema as prevalências de crianças com déficit de estatura e excesso de peso de acordo com a raça/cor (preta, parda e branca), considerando os pontos de corte adotados pelo SISVAN e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A prevalência de desvios nutricionais disponibilizada no SISVAN é calculada pela razão entre o número de crianças com déficit de estatura ou excesso de peso e o número total de crianças avaliadas para os filtros de referência.

As categorias sobrepeso e obesidade do indicador IMC/I foram agrupadas e denominadas de excesso de peso; a estatura muito baixa para idade e estatura baixa para idade da E/I foram agrupadas e denominadas de déficit de estatura.

As variáveis consideradas na extração dos dados foram: região geográfica de domicílio da criança (Centro-Oeste, Norte, Nordeste, Sudeste e Sul); raça/cor (branca, parda, preta); excesso de peso (sim, não); déficit de estatura (sim, não); ano (2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018).

Os dados foram exportados para o programa Microsoft Excel (Microsoft corp., Estados Unidos) e analisados no software R (R Core Team, 2021). Foi realizada a descrição das crianças com apresentação de frequências absolutas e relativas dos desfechos em estudo (déficit de estatura e excesso de peso) segundo raça/cor e região geográfica de domicílio da criança.

Para a identificação da tendência de aumento ou diminuição das prevalências dos desfechos ao longo da série temporal em estudo, foram realizadas análises de regressão linear simples segundo a raça/cor da criança e sua região de residência, bem como pelo Brasil.

Para analisar a diferença entre as medidas de tendência central das prevalências, inicialmente foi realizado teste de Shapiro-Wilk para identificação de normalidade. Uma vez descartada a normalidade, realizou-se teste de Kruskal-Wallis para avaliar as prevalências medianas dos desfechos segundo raça/cor por região de residência e Brasil, bem como avaliar a presença de diferenças somente entre as regiões. A significância estatística foi estabelecida em 5%.

Por se tratar de um estudo com dados provenientes de relatórios públicos de livre acesso do SISVAN, o presente trabalho é dispensado de apreciação em Comitê de Ética em Pesquisa em respeito ao parágrafo III do artigo 1o da Resolução no 510 de 2016 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

As prevalências de déficit estatura e excesso de peso estão descritas nas Tabelas 1 e 2 segundo raça/cor e nas Tabelas 3 e 4, estratificados por macrorregião geográfica brasileira.

Tabela 1.
Total (n), prevalência (%) e intervalos de confiança de 95% (IC95%) de déficit de estatura por idade (E/I) em crianças brasileiras menores de 5 anos de idade cadastradas no Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional por ano e cor de pele. Brasil, 2008-2018.
Tabela 2.
Prevalência (%) e intervalos de confiança de 95% (IC95%) de excesso de peso pelo índice de massa corporal por idade (IMC/I) em crianças brasileiras menores de 5 anos de idade cadastradas no Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional por ano e cor de pele. Brasil, 2008-2018.
Tabela 3.
Análise de tendência do déficit de estatura e excesso de peso segundo raça/cor e região geográfica de domicílio de crianças brasileiras menores de 5 anos de idade entre os anos 2008 e 2018 cobertas pelo Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional.
Tabela 4.
Diferença entre as prevalências medianas de déficit de estatura e excesso de peso segundo raça/cor e região de domicílio de crianças brasileiras menores de 5 anos de idade entre os anos 2008 e 2018 cobertas pelo Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional.

Desigualdade regional dos desvios nutricionais

Acerca das macrorregiões brasileiras, houve diferença estatística entre as prevalências de déficit de estatura de 2008 a 2018, sendo a Região Norte a que apresentou a maior (18,10%), seguida da Região Nordeste (13,50%). A região com menor prevalência para esse agravo foi a Sul (9,40%). Quanto ao excesso de peso, a Região Nordeste destacou-se com a maior prevalência (17,87%) (Figura 1).

Figura 1.
Tendência temporal de déficit de estatura (Figura 1A) e excesso de peso (Figura 1B).

Análises de tendência temporal dos desvios nutricionais

Em relação ao excesso de peso, foi observado que as crianças pretas apresentaram tendência de crescimento em suas prevalências para o território brasileiro (β=4,611; p=0,042) quando comparadas às demais (Tabela 3).

Nas regiões, as crianças pretas apresentaram tendência de crescimento de suas prevalências de déficit de estatura na Região Sudeste (β=3,960; p=0,014) e queda na Região Sul (β=-4,654; p=0,022). Para o excesso de peso, no Nordeste, houve aumento da prevalência entre crianças pretas (β=4,736; p=0,001) e redução da prevalência entre as brancas (β=-4,483; p=0,002). Na Região Sudeste, resultado semelhante foi encontrado, com aumento da prevalência em crianças pretas (β=5,191; p=0,021) e redução entre as brancas (β=-5,095; p=0,029) (Tabela 3).

Comparação das prevalências medianas dos desvios nutricionais

No Brasil, o déficit de estatura apresentou prevalência mediana superior nas crianças pretas e menor em brancas. Não foram encontradas diferenças estatísticas entre as prevalências de excesso de peso segundo raça/cor nacionalmente.

As crianças pretas tiveram as maiores prevalências medianas de déficit de estatura ao longo dos anos avaliados na maioria das regiões (12,32% [Centro-Oeste]; 13,98% [Nordeste]; 12,32% [Sudeste]; 10,04% [Sul]). Em contrapartida, as crianças brancas tiveram as menores prevalências em todas as regiões avaliadas (10,72% [Centro-Oeste]; 12,10% [Nordeste]; 15,17% [Norte]; 9,74% [Sudeste]; 8,95% [Sul]) (Tabela 4).

Similarmente ao encontrado para o déficit de estatura, nas regiões Sudeste e Sul, as crianças pretas também apresentaram as maiores prevalências de excesso de peso (15,48 e 15,99%, respectivamente). Na Região Nordeste, as crianças brancas tiveram as maiores prevalências de excesso de peso e as pretas as menores (18,68 vs. 16,69%; p=0,002) (Tabela 4).

DISCUSSÃO

As maiores médias de prevalências de déficit de estatura no Brasil concentram-se nas regiões Norte e Nordeste. Historicamente, essas regiões apresentam expressivas prevalências de indivíduos sem cobertura de saneamento básico, com baixa renda per capita e insegurança alimentar e nutricional2929. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Índice de vulnerabilidade social [Internet]. Rio de Janeiro; 2015. [acessado em 22 dez. 2021]. Disponível em: http://ivs.ipea.gov.br/index
http://ivs.ipea.gov.br/index...
,3030. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da vulnerabilidade social [Internet]. Rio de Janeiro; 2015. [acessado em 22 dez. 2021]. Disponível em: http://ivs.ipea.gov.br/index.php/
http://ivs.ipea.gov.br/index.php/...
. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística3131. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais [Internet]. Brasília; 2019 [acessado em 22 dez. 2021]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/9221-sintese-de-indicadores-sociais.html?=&t=resultados
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
expõem que, em todos os estados das regiões Norte e Nordeste, os domicílios estavam abaixo da média nacional de alimentação adequada. Essas más condições de vida e nutrição podem provocar agravos especialmente em populações vulneráveis como as crianças, portanto gerando um ciclo de perpetuação de desnutrição11. Silveira VNC, Padilha LL, Frota MTBA. Desnutrição e fatores associados em crianças quilombolas menores de 60 meses em dois municípios do estado do Maranhão, Brasil. Ciên Saúde Coletiva 2020; 25(7): 2583-94. https://doi.org/10.1590/1413-81232020257.21482018
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,3232. Zelek B, Phillips SP. Gender and power: nurses and doctors in Canada. Int J Equity Health 2003; 2(1): 1. https://doi.org/10.1186/1475-9276-2-1
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.

As prevalências medianas de déficit de estatura foram superiores nas crianças pretas em todas as regiões, exceto na Norte. Em todas as regiões brasileiras, as crianças brancas tiveram as menores prevalências de déficit de estatura. Houve tendência de aumento das prevalências de déficit de estatura em crianças pretas ao longo dos 11 anos avaliados na Região Sudeste, enquanto diminuiu na Região Sul.

O excesso de peso apresentou maiores prevalências médias na Região Nordeste. Também nessa região, as crianças de raça/cor branca demonstraram maior prevalência de excesso de peso, enquanto nas regiões Sul e Sudeste foram observadas maiores prevalências nas crianças de raça/cor pretas. Ao longo dos anos, houve aumento das prevalências de excesso de peso em crianças pretas nas regiões Nordeste e Sudeste, bem como no Brasil. Adicionalmente, houve tendência de queda da prevalência de excesso de peso para as crianças brancas nessas mesmas regiões e no Brasil.

As crianças pretas apresentaram as maiores prevalências de déficit de estatura, resultado consistente com a literatura, visto as piores condições de saúde e nutrição às quais estão expostas11. Silveira VNC, Padilha LL, Frota MTBA. Desnutrição e fatores associados em crianças quilombolas menores de 60 meses em dois municípios do estado do Maranhão, Brasil. Ciên Saúde Coletiva 2020; 25(7): 2583-94. https://doi.org/10.1590/1413-81232020257.21482018
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,1818. Barros FC, Victora CG, Scherpbier R, Gwatkin D. Socioeconomic inequities in the health and nutrition of children in low/middle income countries. Rev Saude Publica 2010; 44(1): 1-16. https://doi.org/10.1590/s0034-89102010000100001
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,3333. Ferreira HS, Lamenha MLD, Xavier Júnior AFS, Cavalcante JC, Santos AM. Nutrição e saúde das crianças das comunidades remanescentes dos quilombos no Estado de Alagoas, Brasil. Rev Panam Salud Pública 2011; 30(1): 51-8.. Contudo, a tendência de aumento do déficit de estatura observada neste trabalho é discordante do padrão de redução desse agravo que vinha sendo observado no Brasil nas últimas décadas em diferentes grupos sociais3434. Oliveira GS, Lyra CO, Oliveira AGRC, Ferreira MAF. Redução do déficit de estatura e a compra de alimentos da agricultura familiar para alimentação escolar no Brasil. Rev Bras Estud Popul 2022; 39: 1-19. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0189
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,3636. Menezes RCE, Lira PIC, Leal VS, Oliveira JS, Santana SCS, Sequeira LAS, et al. Determinantes do déficit estatural em menores de cinco anos no Estado de Pernambuco. Rev Saude Publica 2011; 45(6): 1079-87. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011000600010
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. Ainda, observamos que o aumento anual na prevalência de déficit de estatura ocorreu apenas nas crianças pretas das regiões Sudeste e Sul, reforçando a hipótese de existência de desigualdade racial, repercutindo em maior vulnerabilidade nutricional para essas crianças.

Concomitantemente à maior prevalência de déficit de estatura nas crianças pretas, prevalências mais elevadas de excesso de peso também foram observadas nesse grupo racial nas regiões Sul e Sudeste, assim como houve tendência de incremento do excesso de peso ao longo dos anos avaliados. Adicionalmente, esses achados não eram esperados em razão do padrão de transição nutricional esperado para países em desenvolvimento. A coexistência de maiores prevalências de déficit de estatura e excesso de peso nas crianças pretas demonstra a existência de dupla carga de má nutrição, visto a exposição conjunta a agravos de etiologias e consequências distintas. A simultaneidade de formas antagônicas de má nutrição é um fenômeno em constante crescimento em países de grande desigualdade social provocado, principalmente, por disparidades socioeconômicas3737. Monteiro CA, Benicio MHDA, Konno SC, Silva ACF, Lima ALL, Conde WL. Causas do declínio da desnutrição infantil no Brasil, 1996-2007. Rev Saúde Pública 2009; 43(1): 35-43.,3838. Lima ALL, Silva ACF, Konno SC, Conde WL, Benicio MHDA, Monteiro CA. Causas do declínio acelerado da desnutrição infantil no Nordeste do Brasil (1986-1996-2006). Rev Saúde Pública 2010; 44(1): 17-27. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000100002
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. Por mais que os índices brasileiros de extrema pobreza e pobreza tenham reduzido mais da metade desde 199637, condições desiguais persistem em grupos sociais e raciais de maior vulnerabilidade11. Silveira VNC, Padilha LL, Frota MTBA. Desnutrição e fatores associados em crianças quilombolas menores de 60 meses em dois municípios do estado do Maranhão, Brasil. Ciên Saúde Coletiva 2020; 25(7): 2583-94. https://doi.org/10.1590/1413-81232020257.21482018
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,1717. Krueger PM, Reither EN. Mind the gap: race\ethnic and socioeconomic disparities in obesity. Curr Diab Rep 2015; 15(11): 95. https://doi.org/10.1007/s11892-015-0666-6
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,1818. Barros FC, Victora CG, Scherpbier R, Gwatkin D. Socioeconomic inequities in the health and nutrition of children in low/middle income countries. Rev Saude Publica 2010; 44(1): 1-16. https://doi.org/10.1590/s0034-89102010000100001
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.

A maior prevalência de excesso de peso nas crianças pretas deu-se nas regiões Sul e Sudeste, as mais desenvolvidas do Brasil. Esse achado é inesperado, uma vez que tem sido reportado que em países de média renda as maiores prevalências de excesso de peso são encontradas em indivíduos com melhor situação socioeconômica1818. Barros FC, Victora CG, Scherpbier R, Gwatkin D. Socioeconomic inequities in the health and nutrition of children in low/middle income countries. Rev Saude Publica 2010; 44(1): 1-16. https://doi.org/10.1590/s0034-89102010000100001
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,1919. Dinsa GD, Goryakin Y, Fumagalli E, Suhrcke M. Obesity and socioeconomic status in developing countries: a systematic review. Obes Rev 2012; 13(11): 1067-79. https://doi.org/10.1111/j.1467-789X.2012.01017.x
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. Em estudo realizado no Brasil com dados de crianças menores de 5 anos, de 2008–200920, observou-se que o excesso de peso foi mais prevalente em crianças brancas, quando comparadas às pretas e pardas. Dessa forma, a maior prevalência de excesso de peso em crianças pretas nas regiões Sul e Sudeste se assemelha ao observado em países de alta renda, onde as prevalências de excesso de peso são superiores em grupos raciais mais vulneráveis, como as pretas1414. Ogden CL, Carroll MD, Lawman HG, Fryar CD, Kruszon-Moran D, Kit BK, et al. Trends in obesity prevalence among children and adolescents in the United States, 1988-1994 through 2013-2014. JAMA 2016; 315(21): 2292-9. https://doi.org/10.1001/jama.2016.6361
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,1515. Skinner AC, Ravanbakht SN, Skelton JA, Perrin EM, Armstrong SC. Prevalence of obesity and severe obesity in US children, 1999-2016. Pediatrics 2018; 141(3): e20173459. https://doi.org/10.1542/peds.2017-3459
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,1717. Krueger PM, Reither EN. Mind the gap: race\ethnic and socioeconomic disparities in obesity. Curr Diab Rep 2015; 15(11): 95. https://doi.org/10.1007/s11892-015-0666-6
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. Portanto, os resultados do presente estudo indicam que o processo de transição nutricional no Brasil, a começar pelas regiões mais ricas, está se aproximando ao perfil observado em países de alta renda.

Outro aspecto observado no presente estudo que contribui para a ampliação das desigualdades raciais em saúde entre crianças é a tendência de redução das prevalências de excesso de peso apenas entre as crianças brancas nas mesmas regiões em que este desvio nutricional aumentou entre crianças de raça/cor preta, isto é, Nordeste e Sudeste.

Adicionalmente, foi observado que as maiores prevalências de déficit de estatura ocorreram na Região Norte, o que é consistente com piores condições de saúde e nutrição como elevadas prevalências de insegurança alimentar e nutricional1818. Barros FC, Victora CG, Scherpbier R, Gwatkin D. Socioeconomic inequities in the health and nutrition of children in low/middle income countries. Rev Saude Publica 2010; 44(1): 1-16. https://doi.org/10.1590/s0034-89102010000100001
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,3939. André HP, Sperandio N, Siqueira RL, Franceschini SCC, Priore SE. Food and nutrition insecurity indicators associated with iron deficiency anemia in Brazilian children: a systematic review. Cien Saude Colet. 2018; 23(4): 1159-67. https://doi.org/10.1590/1413-81232018234.16012016
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, bem como condições sociodemográficas precarizadas como baixa renda e condições de residência e saneamento impróprias. Em contrapartida, a Região Nordeste apresentou maiores prevalências de excesso de peso. Possivelmente, isso pode ter acontecido em razão da diferença entre as coberturas dos indivíduos na APS, a qual a Região Nordeste apresentou quase o dobro de percentual de indivíduos cobertos quando comparada com as regiões Sul e Sudeste4040. Nascimento FA, Silva SA, Jaime PC. Cobertura da avaliação do estado nutricional no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional brasileiro: 2008 a 2013. Cad Saúde Pública. 2017; 33(12): e00161516. https://doi.org/10.1590/0102-311X00161516
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.

Ante o cenário de desigualdades raciais apresentado no presente estudo, é muito importante fazer uma reflexão sobre o racismo estrutural como determinante de diferenças na nutrição e saúde dos indivíduos. Barreiras históricas que se refletem no sistema alimentar vigente impõem dificuldades de acesso que desfavorecem grupos segundo a raça, impedindo-os de alcançarem uma alimentação saudável4141. Freedman DA, Clark JK, Lounsbury DW, Boswell L, Burns M, Jackson MB, et al. Food system dynamics structuring nutrition equity in racialized urban neighborhoods. Am J Clin Nutr 2022; 115(4): 1027-38. https://doi.org/10.1093/ajcn/nqab380
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. Para esse fenômeno, tem sido usado o termo food apartheid, a fim de descrever as áreas geográficas que foram historicamente desfavorecidas e que tiveram recursos vitais que sustentam a nutrição negados4242. Bowen S, Elliott S, Hardison-Moody A. The structural roots of food insecurity: how racism is a fundamental cause of food insecurity. Sociology Compass 2021; 15(7): e12846. https://doi.org/10.1111/soc4.12846
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. Portanto, é fundamental que as políticas públicas de alimentação e nutrição no Brasil levem em consideração a necessidade de atenuar essas desigualdades raciais históricas e estruturais.

Este estudo possui algumas limitações. Quanto à representatividade dos dados, é importante considerar que o uso de informações provenientes do SISVAN abrange apenas crianças atendidas no sistema público de saúde, na rotina da atenção básica. Além disso, o SISVAN possui problemas de baixa cobertura em algumas regiões, contudo estudos recentes evidenciam o aumento da cobertura desse sistema a nível nacional4343. Moreira NF, Soares CA, Junqueira TS, Martins RCB. Tendências do estado nutricional de crianças no período de 2008 a 2015: dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan). Cad Saúde Coletiva 2020; 28(3): 447-54. https://doi.org/10.1590/1414-462X202028030133
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. Esses dados podem estar sujeitos a erros de coleta e registro de medidas antropométricas, especialmente quando o profissional não recebeu treinamento adequado. Mas existem orientações aos profissionais de saúde quanto ao método de avaliação do estado nutricional disponível na Norma Técnica do SISVAN 201128.

Em contrapartida, o presente estudo também apresenta pontos fortes. Destacamos que não há no Brasil inquéritos nacionais recentes de acompanhamento da situação nutricional de crianças, especialmente considerando as desigualdades raciais e regionais. Dessa forma, destacamos a relevância do nosso estudo, pois nós dispomos de análises estatísticas robustas de dados de crianças de todas as regiões brasileiras, estratificados por raça/cor, com grande número de observações. O uso do SISVAN para obtenção dos resultados é muito importante, pois se trata de um sistema que tem a finalidade de fornecer informações sobre as condições nutricionais da população. Ademais, o desenvolvimento de pesquisas que utilizem os dados do SISVAN deve ser incentivado, pois são prioridades para a gestão da Política Nacional de Alimentação e Nutrição no Brasil4040. Nascimento FA, Silva SA, Jaime PC. Cobertura da avaliação do estado nutricional no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional brasileiro: 2008 a 2013. Cad Saúde Pública. 2017; 33(12): e00161516. https://doi.org/10.1590/0102-311X00161516
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,4343. Moreira NF, Soares CA, Junqueira TS, Martins RCB. Tendências do estado nutricional de crianças no período de 2008 a 2015: dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan). Cad Saúde Coletiva 2020; 28(3): 447-54. https://doi.org/10.1590/1414-462X202028030133
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Nossos achados reforçam a maior vulnerabilidade para déficit de estatura e excesso de peso entre crianças de raça/cor preta. De modo geral, as crianças pretas estavam mais expostas à dupla carga de má nutrição infantil no Brasil ao longo dos dez anos avaliados, apresentando as maiores prevalências de déficit de estatura e de excesso de peso. Um crescimento preocupante da prevalência de déficit de estatura foi observado somente entre as crianças pretas de regiões mais desenvolvidas do país. Ao mesmo tempo, ter a cor da pele branca conduzia às menores prevalências de déficit de estatura em todas as regiões, o que pode ser decorrente da não exposição a potenciais fatores de risco provocados pelo racismo estrutural.

  • FONTE DE FINANCIAMENTO: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2022
  • Revisado
    04 Out 2022
  • Aceito
    10 Out 2022
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