RESUMO:
Categoria notável no panorama dos casos fronteiriços, a adicção sexual é uma configuração psicopatológica em que o ato sexual adquire teor irrefreável e nocivo, a despeito da compreensão intelectual e possíveis racionalizações do sex-addict sobre o problema. O objetivo deste artigo é investigar a primazia do mecanismo de defesa da clivagem no engendramento da adicção sexual, a partir de uma revisão metapsicológica e da apresentação de duas vinhetas clínicas. Destaca-se o caráter pseudo-reparador da atividade sexual que, sem êxito, visaria suturar fendas no sistema de um ego clivado, estagnado em suas capacidades integrativas e eróticas.
Palavras-chave: clivagem; adicção sexual; casos fronteiriços; metapsicologia; psicanálise
Abstract:
A notable category in the panorama of borderline cases, sexual addiction is a psychopathological condition in which the sexual act acquires an irrepressible and harmful content, despite the sex addict’s intellectual understanding and possible rationalizations about the problem. This article aims to investigate the primacy of the splitting defense mechanism in the engendering of sexual addiction, based on a metapsychological review and the presentation of two clinical vignettes. The pseudo-repair character of sexual activity stands out, which, without success, would aim to mend the cracks in the system of a split ego, hindered in its integrative and erotic capacities.
Keywords: splitting; sexual addiction; borderline cases; metapsychology; psychoanalysis
APRESENTAÇÃO
O psicanalista francês Vincent Estellon, em sua recente compilação Terreur d’aimer et d’être aimé, publicada no ano de 2020, aprofunda a discussão sobre o quadro da adicção sexual, configuração clínica situada por ele no panorama dos casos fronteiriços. Essa perspectiva reúne funcionamentos que apresentam maciça divisão entre, de um lado, uma aparência externa relativamente bem adaptada e, de outro, uma interioridade conturbada, marcada por significativa instabilidade narcísica e porosidade das fronteiras psíquicas. As adicções, as impulsividades, os funcionamentos psicossomáticos, os transtornos alimentares, as depressões violentas, entre outras situações-limite, são recorrentemente tematizados dentro desse espectro das patologias de borda. A clínica limítrofe, por conseguinte, consiste no enfrentamento de oscilações exaustivas nos estados psíquicos do paciente, na sua escolha de objetos, nos seus investimentos e desinvestimentos libidinais, na sucessão interminável de estados de angústia etc. O fronteiriço está habitualmente na borda, à beira de um desmoronamento interno, a despeito de um contato amplamente preservado com a realidade externa (social, cultural etc.).
Quanto à adicção sexual especificamente, como poderia ser definida nesse panorama de divisão, de dissonância entre um funcionamento supostamente conservado, sano, e o caos que habita a vida interior do sujeito (sua loucura particular, nos termos do ilustre André Green1)? O sexo, nessas situações, torna-se uma busca frenética e esvaziada de sentido, marcada por uma dimensão crua e pragmática que, ao se intensificar, gera intenso mal-estar psíquico. Como extensão, compreende relações desumanizadas, predominantemente narcísicas, nas quais há dificuldade de reconhecimento do objeto sexual como alteritário (MCDOUGALL, 1995/1997; ESTELLON, 2014, 2020).
O sex-addict em tratamento, ao mesmo tempo que reconhece a gravidade de seu quadro, da proporção irrefreável que assume determinada atividade sexual, parece não conseguir transpor esse saber para a esfera de sua reabilitação. Recaídas são habituais. Nesse quesito, não obstante os avanços na tematização sobre a adicção sexual na psicanálise contemporânea, questões substanciais permanecem obscuras, especialmente os tópicos articulados aos mecanismos de defesa na base do funcionamento psíquico desses pacientes e ao modelo clínico adequado para o tratamento psicoterapêutico sob o referencial psicanalítico.
Este artigo, fundamentado em uma pesquisa de pós-doutorado2 alicerçada em dois eixos metodológicos de investigação, um teórico e outro clínico-qualitativo, apresenta como principal objetivo elaborar uma reflexão sobre a predominância do mecanismo de defesa da clivagem no engendramento dessas manifestações psicopatológicas. A partir de uma análise da concepção de clivagem na metapsicologia freudiana e sua complexificação no pensamento de André Green (1976/2017, 2002/2005), procuramos examinar de que forma o apelo compulsivo à atividade sexual é tributário de um embargo das capacidades integrativas do ego. Isto porque, nessas configurações, o último operaria a partir de um registro de segmentação interna, consecutivo à inabilidade de admissão de determinados aspectos das realidades objetiva, intrassubjetiva e intersubjetiva. Não à toa, a clínica da adicção, pautada extensivamente no modelo da clivagem, continua a colocar à prova o arsenal de ferramentas metapsicológicas e técnicas da psicanálise.
ADICÇÃO E CLÍNICA DA CLIVAGEM
Roth (2020) destaca elementos importantes para a compreensão da clínica da adicção, marcada por uma economia psíquica singular. Isto porque o adicto funcionaria em um registro de prazer “além do princípio de prazer” (FREUD, 1920/2006). Cabe lembrar que, na metapsicologia freudiana, o questionamento sobre a predominância do princípio de prazer no curso dos processos psíquicos foi o fator-chave para a introdução de uma nova perspectiva teórica, que não se restringiu ao paradigma da neurose e do recalque (o que é prazer para uma instância seria desprazer para outra). A compreensão da dinâmica psíquica implicada em casos fronteiriços e dos elementos que constituem a clínica da adicção exigem a consideração, o exame e a elucidação desses fatores.
Começaremos este ensaio com uma primeira vinheta clínica, centrada no caso de Thomas, 49 anos. Após casamentos frustrados, múltiplas aventuras e uma demanda insaciável por sexo casual, Thomas só consegue colocar a vida no eixo quando se propõe a uma internação clínica. O estopim para tal decisão é uma doença sexualmente transmitida, prostatite, que o deixa severamente debilitado, com dificuldade de locomoção. Nas sessões de análise, Thomas expressa simultaneamente desespero e encantamento com as perspectivas múltiplas que se apresentam no seu cotidiano. Relata que, ao dirigir para as consultas, não consegue propriamente se concentrar ao volante, sendo tomado pelos estímulos de seu smartphone, dezenas de conversas, contatos em aplicativos e redes sociais etc. Adrenalina e euforia, mescladas com agonia e desesperança. Afirma numerosas vezes que precisa parar e conseguir se abster de suas práticas. Ao mesmo tempo, diz estar bonito, em forma e, por consequência, não querer perder as oportunidades sexuais que se apresentam a ele. Chora copiosamente, se diz esgotado e que precisa fazer um esforço descomunal para não ceder à tentação de visitar pontos de prostituição de travestis após as sessões.
O caso de Thomas serve como exemplo inteligível de situações clínicas nas quais alguma conduta sexual se torna prejudicial para o homem ou a mulher, devido à dificuldade de contenção, manejo ou abstenção apesar das consequências nocivas que promove.
Geberovich (2003) indica que, em outros tempos, os pacientes procuravam a análise em função das barreiras culturais, sociais e familiares impostas à sua obtenção de prazer. Impedimentos que incidiam predominantemente no campo representativo, simbólico. Proibições, interditos, culpas e recalcamentos cultivados no universo do discurso, da narrativa. Devido à interiorização da função paterna, houve significativa renúncia pulsional. O neurótico, dividido entre a lei simbólica e os próprios desejos impetuosos, perpetua um conflito irremediável. Quanto às novas demandas que se impõem à psicanálise, dentre as quais inclui-se o sofrimento da adicção, o problema central estaria situado em outra dimensão subjetiva. Como nos afirma Roth (2020), esses pacientes não procuram tratamento devido a um confronto à lei simbólica exatamente - que, nesses casos, operaria de modo debilitado. A contraposição entre desejo e proibição não é o parâmetro prevalente. “O problema deles residiria no fato de não conseguirem mais encontrar seu Heim, seu lar subjetivo, obstruído por gozos de todos os tipos” (ROTH, 2020, p. 116; tradução nossa). Dentro dessa lógica, o sujeito buscaria asseguração por intermédio da experiência das percepções e sensações corporais (intensidade sexual, consumo de substâncias químicas, ingestão de bebidas, pílulas, atos e comportamentos), da literalidade das imagens (telas de smartphones, notebooks, tablets, redes sociais etc.). “Eu gozo, logo existo” - satiriza Roth (2020, p. 117; tradução nossa). A sensação seria verdadeira, genuína, enquanto a fala, a narrativa, é experimentada como enganosa e artificial.
De modo similar, o limite nesse “império dos sentidos” é encontrado por meio da concretude de uma realidade que se apresenta para além de qualquer capacidade representativa. Na overdose de uma substância química, no coma alcóolico, nas doenças sexualmente transmissíveis, na ruína financeira, nos episódios de retaliação física após alguma transgressão etc. Para Roth (2020), esse panorama desvela uma mudança clínica radical. Com esses pacientes, trata-se clinicamente de partir de sua colisão com o limite real e não de seu confronto às restrições e proibições simbólicas. Algum prejuízo tangível no plano da realidade física, material ou social serve como estopim para a adesão ao tratamento.
Nos tratamentos realizados no Serviço de Psicologia Aplicada de nossa instituição, um dos obstáculos mais significativos que observamos é o duplo registro no qual os pacientes contemplados por nossa pesquisa clínica parecem inseridos. De um lado, relatam seus problemas com bastante compreensão racional, lucidez e articulação. De outro, habitualmente sucumbem aos padrões compulsivos como se não houvesse um saber construído sobre o problema. Em episódios de relapso ou recaída, o apelo à atividade sexual obstrui o pensamento, a razão e a liberdade de escolha. Um paciente se refere a essas situações como episódios de transe, nos quais não há negociação possível com o ímpeto de agir sexualmente. Outro diz ficar cego nessas circunstâncias.
A psicanálise, na argumentação de Rothschild (2013), constitui uma abordagem clínica profícua para o tratamento da adicção, desde que seja considerada a prevalência do trauma e, subsequentemente, da clivagem na etiologia desses casos. Um dos efeitos mais significativos do trauma na esfera psíquica, destaca a autora, é a dissociação ou clivagem, a compartimentalização de diferentes aspectos do Eu. “Este processo psíquico tem implicações fundamentais na terapia: um aspecto diferente (ou ‘parte’) da pessoa pode estar presente no consultório do terapeuta, enquanto outro aspecto emerge no bar ou em casa ou com amigos” (ROTHSCHILD, 2013, p. 2; tradução nossa). Quando profissional e paciente fazem planos para que o último contenha o comportamento prejudicial (estratégia de redução de danos, promoção da abstinência etc.), a parte de sua personalidade que alimenta o padrão nocivo frequentemente está dissociada da outra que conserva sua presença no processo analítico. “Os planos estão sendo feitos, mas apenas com a parte que se sente segura com o terapeuta e está motivada para mudar” (ROTHSCHILD, 2013, p. 3; tradução nossa). Já a outra, dissociada, seria aquela afetada drasticamente pelo trauma - inacessível, blindada.
Na teoria freudiana, a clivagem é definida como um mecanismo de defesa elementar, tributário da recusa de uma percepção dolorosa ou aterrorizadora, que cinde o ego e impede a comunicação entre suas partes cindidas - uma que reconhece o dado de realidade e outra que o recusa (FREUD, 1940[1938]/1996a). Diferentemente do recalcamento, situação que resulta do conflito entre instâncias psíquicas distintas - o ego e o id -, o processo defensivo na clivagem articula-se à oposição entre duas correntes contrárias e simultâneas no interior de uma mesma instância. Resultado: sustenta-se uma postura de saber e, ao mesmo tempo, não saber de determinada informação. Se a clivagem, em Freud, emergiu predominantemente atrelada ao tópico da castração (FREUD, 1927/2007), desde Ferenczi (1934[1931-1932]/2011), esse mecanismo passou a ser tematizado a partir de outras perspectivas, relacionadas aos traumas precoces e à desestruturação do narcisismo na relação com os objetos primários. Psicanalistas como Green (1976/2017) e Roussillon (1999) reconfiguraram esse operador conceitual, situando-o no centro da discussão sobre a etiologia das patologias limítrofes.
Para Green (1976/2017), a clivagem está referida amplamente a cisões no interior do sistema egoico - dissociações cujos efeitos impediriam o reconhecimento, integração e elaboração de percepções traumáticas, lembranças e experiências afetivas. Ao gerar núcleos incomunicáveis no ego, a clivagem causaria inestimáveis prejuízos aos processos de representação e simbolização, à construção e consolidação do espaço transicional (WINNICOTT, 1971/1975) e à elaboração do luto proveniente da separação dos objetos primários. Consequentemente, o sujeito clivado funciona a partir de um registro de constante instabilidade narcísica. Por conta da porosidade de suas fronteiras psíquicas, há constante risco de desmoronamento interno.
O saber e o não saber simultâneos da clivagem
A descoberta da clivagem na tematização freudiana abre uma discussão fundamental para o pensamento psicanalítico contemporâneo, de acordo com Green (2002/2005). Nela, a clivagem engloba tanto o reconhecimento quanto o não reconhecimento de um dado de realidade, dificultando a operacionalização efetiva do princípio de realidade. Mais do que isso, leva a um empate de forças que, em última instância, nulifica o jogo de Eros, também empurrando o princípio de prazer para o limbo. A dialética entre reconhecimento e falso reconhecimento será a via privilegiada por Green (1976/2017) em seu resgate do mecanismo em questão. O sujeito, ao assumir a empreitada de construir uma imagem aceitável de si próprio, seria conduzido a recusar ou reconhecer distorcidamente aspectos de sua existência, com a finalidade última de evitar a angústia e o desamparo.
Vejamos o caso de Mick, 35 anos. O rapaz relata uma infância e adolescência repleta de intrusões familiares. Quando criança, sentia-se enamorado de sua irmã mais velha, buscando uma aproximação maior, física e emocional. Certa vez, ela o retaliou por essas tentativas exibindo o próprio órgão genital abruptamente. Seus pais eram críticos e não respeitavam sua privacidade e seu ritmo para desempenhar as tarefas cotidianas e escolares. Dentro de casa, ele não podia fechar a porta de seu quarto, seus banhos pareciam monitorados. A partir da adolescência, desenvolveu uma dependência por comportamentos sexuais, como o apelo constante a prostitutas e a conquista desenfreada de mulheres. No último quesito, Mick frequentemente apresenta notável inabilidade em entender e aceitar os limites impostos por essas mulheres (rejeições, distanciamentos etc.). Ele admite a realidade adversa da experiência, ao mesmo tempo que não a admite. Se indispôs em diversos círculos sociais, engendrou diversas rupturas. Em tratamento, diz precisar se deslocar de um objeto para outro senão sua vida perde o sentido. Outro dado notório são seus relatos de não suportar o coito vaginal e não ter atração pela genitália feminina, apesar da busca compulsiva por mulheres, sejam elas profissionais do sexo ou não. Prefere atividades regadas por preliminares, adereços e roteiros fetichistas que não envolvam a exposição do órgão genital feminino. Seus níveis de desorganização interna chegaram ao ponto de o obrigarem a tirar uma licença médica do trabalho, justificada por razões psiquiátricas, que perdurou por anos. Em tratamento, Mick está sempre reconstruindo minuciosamente sucessivos desencontros no campo afetivo e sexual, tentando arduamente dar um sentido para os episódios de conquistas frustradas. Em dado momento, afirmou que seu “Eu é partido, incoerente” [sic].
Em Neurose e psicose, Freud já havia postulado que “o Eu pode evitar a ruptura de qualquer um dos lados, deformando-se, eventualmente, até o ponto em que abra mão de sua unidade e se fragmente ou se cinda” (FREUD, 1924/2007, p. 98). James Strachey, em sua nota de editor da versão inglesa de outro artigo freudiano mais tardio, Divisão do ego no processo de defesa (FREUD, 1940[1938]/1996a), sublinha o enfoque concedido ao ego e à alteração de seu funcionamento em circunstâncias adversas. Dois tópicos estão intimamente interlaçados: o ato de recusar (‘Verleugnung’) uma percepção dolorosa e a consequência dessa recusa, a própria divisão (cisão, clivagem) do ego. A alusão ao trauma psíquico, ao efeito de intensidades excitatórias sobre a organização do ego, é a chave de entrada para a tematização do artigo de 1938. No entanto, Freud (1940 [1938]/1996a) permanece próximo à lógica da neurose - que, inevitavelmente, esbarra em velhos pilares clínico-teóricos, como a centralidade do recalque, do complexo de castração e da dimensão hostil da pulsão sexual no que concerne à integridade do ego. A sexualidade infantil e seus impasses arraigados como pano de fundo. O fator diferencial é o destino ofertado ao conflito psíquico entre exigência pulsional e proibição imposta pela realidade. Quanto à última, perigos e retaliações assombram e comprimem a realização do desejo. O ego infantil, funcionando sob o regime do princípio de prazer, acostuma-se com a satisfação de determinada exigência pulsional até ser confrontado a uma interdição, uma ameaça que o coloca na iminência de um perigo aterrorizador. Diante desse impasse, dois caminhos são possíveis. Um, implica no reconhecimento do perigo real, na aceitação do mesmo e, por conseguinte, na renúncia da satisfação pulsional em questão. Outra alternativa, é a recusa da percepção aterrorizadora ligada ao perigo e, consequentemente, na conservação e perpetuação da satisfação, como se esta não implicasse risco e repercussão. Em outras palavras, haveria um desligamento do ego no que tange à realidade exterior.
Nas situações trabalhadas no texto de 1938, nenhum dos dois caminhos é tomado unilateralmente. Ambos são escolhidos, gerando uma divisão no seio do próprio ego. A criança “rejeita a realidade e recusa-se a aceitar qualquer proibição; por outro lado, no mesmo alento, reconhece o perigo da realidade [...] e subsequentemente tenta desfazer-se do medo” (FREUD, 1940[1938]/1996a, p. 293). Solução engenhosa, intrincada, que permite certo ganho por parte de ambas as correntes, uma que conserva a satisfação sexual não obstante as interdições e outra que cede às pressões da realidade, denotando respeito e submissão à autoridade. O preço desse contrato defensivo peculiar, inconsciente, é uma fenda no ego, que se intensificaria com o passar do tempo, sem possibilidade de cura. Duas reações contrárias, duas correntes opostas em uma única instância psíquica: o ego - paradoxalmente, o principal agente de integração e unificação dos processos psíquicos.
Freud (1940[1938]/1996a) não perde esse fato de vista ao mencionar a vulnerabilidade da função sintética do ego, sua suscetibilidade a distúrbios diversos quando imerso em condições desfavoráveis. Não haveria garantias de sua estabilidade. No entanto, a ênfase insistente na ameaça de castração, na possível experiência de retaliação diante da livre expressão da sexualidade infantil, parece restringir a discussão a uma dimensão secundária do trauma, articulada à lógica do a posteriori. Nela, uma interdição reaviva de modo avassalador a lembrança de uma percepção até então inofensiva na vida psíquica e, desse modo, desorganiza o sistema egoico. No caso dos meninos seria a percepção da ausência do pênis no sexo feminino que, em um segundo tempo, levaria ao terror de perda do próprio órgão genital. Essa lógica temporal, que concebe o trauma psíquico em dois tempos, similar em diversos aspectos à teoria da sedução nos primórdios da obra freudiana, parece distinta da dimensão primária do trauma, aquela ligada ao processo tortuoso de separação eu/não eu, tópico privilegiado na psicanálise contemporânea.
No capítulo VIII do seu Esboço de Psicanálise, Freud (1940[1938]/1996b) retoma o tema do artigo de 1938 e, mais significativamente, consolida a ampliação do alcance da ideia de divisão do ego, não mais restringindo-a a um mecanismo de defesa próprio do fetichismo e das psicoses. Freud concede a possibilidade de a divisão ser uma resposta possível em diferentes funcionamentos psíquicos, inclusive nos neuróticos. Para tanto, esclarece algumas distinções. Se o desligamento da realidade implicado nesse processo apresentar uma força demasiadamente superior à corrente que preserva o vínculo com o mundo externo, a situação clínica resultante se aproximará da psicose. No caso do fetichismo, paradigma do funcionamento perverso, o desligamento da realidade não alcança o mesmo nível de superioridade sobre a corrente que a preserva. Sim, o fetichista recusa a percepção sensorial da ausência do pênis na estrutura genital feminina, mas essa recusa não teria êxito suficiente. “A percepção negada [...] não fica sem influência, pois, apesar de tudo, ele [o perverso] não tem coragem de afirmar que realmente não viu um pênis” (FREUD, 1940[1938]/1996b, p. 216). Daí emerge o objeto-fetiche como corolário da percepção recusada, “substituto simbólico do pênis” (FREUD, 1940[1938]/1996b, p. 216). Esse objeto altamente investido pode ser outra parte do corpo (pés, por exemplo), algum acessório ou vestimenta (roupa íntima, roupa de banho, sapato etc.) ou até mesmo um jogo relacional (voyeurismo, exibicionismo, masoquismo, sadismo etc.), entre diversas possibilidades. Consequentemente, a relação do perverso com o objeto-fetiche é cristalizada, o que denota a submissão irrestrita da vida sexual a um objeto e/ou roteiro único e exclusivo, sem o qual o perverso não consegue desfrutar do prazer ou se engajar em uma relação sexual. Essencialmente, o objeto-fetiche serve como uma espécie de sutura para a fenda dolorosa causada pela divisão no interior do ego.
Se, no fetichismo, prevalece a recusa de um aspecto muito específico da realidade (percepção da ausência do órgão genital masculino nas mulheres), na psicose, essa recusa seria muito mais intensa e abrangente no que concerne a elementos da realidade externa, resultando em cisões devastadoras. O caráter paradoxal da clivagem consiste na coexistência de dois julgamentos distintos, concomitância na qual uma atribuição de qualidade psíquica (presença/ausência) não sobrepuja a outra, ambas possuindo influências similares. Embora incapaz de renunciar às próprias reivindicações, o princípio de prazer não obstrui a atuação contrária do princípio de realidade, inserido na lógica da renúncia pulsional. Se o recalque age sobre a realidade interna, representativa, vetando a expressão de determinadas moções pulsionais e seus componentes ideativos, a clivagem na teoria freudiana é paradigmática da recusa de uma percepção advinda da realidade externa, objetiva. O sujeito clivado é aquele que recusou a interiorização de uma informação perceptiva, ou seja, sua circulação, representação e elaboração em uma rede interna de associações. Não à toa, a tematização sobre a clivagem na obra freudiana emergiu a partir do tópico da perda de realidade e seus diferentes graus em quadros psicopatológicos.
No caso de Mick, vemos justamente essa relação tortuosa com a realidade, a concomitância da aceitação e da recusa de informações dolorosas, a predominância da pré-genitalidade, roteiros fetichistas e, mais substancialmente, o ímpeto incontrolável a condutas danosas nos campos da afetividade e da sexualidade. Em razão disso, Gurfinkel (2011) situa a adicção como quadro fronteiriço, situado entre a neurose e a perversão, regido sob o mecanismo da clivagem. De modo similar, McDougall (1995/1997) articulou a perversão sexual a uma dimensão compulsiva da sexualidade, já que o impulso de agir sexualmente adquire teor incoercível, pois configura subjetivamente uma defesa contra estados psíquicos perturbadores, fomentados pelo terror da castração - não apenas em sua dimensão genital, mas também narcísica (ameaça de despedaçamento, dissolução da imagem precariamente construída de si etc.). O caso de Mick elucida esses parâmetros de forma bastante evidente. Em uma proximidade fronteiriça da perversão, a adicção desvela a função de atenuar ou anestesiar vivências psíquicas com as quais o adicto não consegue lidar e, subsequentemente, processar e elaborar psiquicamente. Cabe ressaltar, no entanto, que a analogia entre os registros da adicção e da perversão reside prioritariamente nos aspectos defensivos e quantitativos (irrefreáveis) da vida sexual, não necessariamente qualitativos, pois as adicções sexuais apresentam diferentes arranjos estruturais, nem sempre permeados por uma cristalização do desejo em um roteiro/objeto fetichista, característica sine qua non das perversões. Lembremos aqui do relato clínico de Thomas, seus múltiplos desdobramentos e, especialmente, da ausência de um eixo organizador, estritamente “fetichizado”, no campo de suas práticas.
Limbo de Eros
que tange ao mecanismo da clivagem, Green (2002/2005) propõe certos desenvolvimentos, mantendo linha de continuidade com as proposições originais freudianas, ainda que enveredando por um território distinto de sistematização. A função de juízo é o elo conceitual que reúne ambas as abordagens. Fantasias e parâmetros do mundo interno vs. as percepções extraídas do contato com a realidade externa conduzem ao ensaio prévio A negativa, sobre o julgamento de existência: “A função de emitir juízos se refere basicamente a duas questões: decidir se uma coisa possui ou não uma característica e confirmar ou refutar se a representação psíquica dessa coisa tem existência real” (FREUD, 1925/2007, p. 148). Em termos de princípio de prazer, não haveria sentença negativa, pois o inconsciente e seus processos primários funcionam perante uma afirmativa constante: aprovação do desejo, da sexualidade e da onipotência.
No sentido inverso, Green (2002/2005) reúne as concepções de negação, recalque, recusa e clivagem, agrupando-as sob a tutela de um novo operador: o trabalho do negativo. Em comum, esses processos apresentam uma deliberação na matriz de suas formações. Regidos sob a lógica autorização vs. desautorização, “eu aceito” ou “eu recuso”, denotam uma sentença realizada na primeira pessoa: resposta negativa para a circulação de uma percepção, representação, moção desejante, afeto ou qualquer outro componente psíquico.
No recalque, uma escolha inconsciente é feita, na qual a realidade deve vir à frente das moções desejantes perturbadoras. Ou seja, um não é decretado para a livre expressão do desejo. Trata-se da lógica bem delimitada do sim ou não (GREEN, 1979/2017). Há uma verticalidade, na qual o ego, na condição de representante da realidade, domina e rebaixa a moção pulsional representante do prazer. Exilada, essa moção tenta ascender e voltar à superfície, gerando a oposição de forças que, ao se intensificar, termina por culminar no adoecimento neurótico. Por trás do não consciente, revela-se o sim inconsciente.
Na clivagem, admitem-se dois julgamentos contraditórios: de um lado, a realidade é recusada, a proibição é indeferida; de outro, admite-se a percepção dolorosa e, para lidar com o medo e o perigo dela advindos, cria-se o sintoma não-neurótico. Trata-se da lógica paradoxal do sim e não simultâneos (GREEN, 1979/2017). Impõe-se estranha horizontalidade, coexistência das demandas da realidade e da pulsão. No entanto, apesar da concomitância, não há interlocução, transicionalidade. As duas reações contrárias ao conflito persistem como o ponto central de uma divisão. Ou seja, permanecem separadas, cindidas. Isto leva a uma estagnação no funcionamento psíquico que prejudica o tratamento psicanalítico. É como se o analisando escutasse as intervenções do analista com um só ouvido (GREEN, 1979/2017).
Tanto sobre a clivagem quanto sobre o recalque, o pensamento de Freud privilegiou a luta do Eu contra, de um lado, as pulsões e, de outro, as exigências da realidade externa, sem necessariamente destacar o papel da relação com o objeto na engrenagem desses mecanismos de defesa. A questão levantada por Green é pertinente: “Não poderíamos pensar que todas essas manobras defensivas também são o resultado das invasões do objeto e do papel que podem desempenhar suas próprias inconsequências e extravagâncias?” (GREEN, 1976/2017, p. 108). Conforme a regência do princípio de realidade, o aparelho psíquico precisa deliberar se determinado objeto está presente ou não. Sim ou não.
A partir dessa lógica objetal na causalidade do trauma psíquico, outra variante se imporia como resposta nos casos fronteiriços: o nem sim nem não. Os fenômenos-limite seriam marcados pela recusa negativa da escolha. “Colocada em termos de existência, a questão poderia ser: o objeto está morto (perdido) ou está vivo (encontrado)? Ou: ‘Eu estou morto ou vivo?’ Nem ‘Sim’ nem ‘Não’” (GREEN, 1976/2017, p. 134). Limbo psíquico no qual nem o princípio de prazer nem o princípio de realidade prevalecem. O sujeito recusa dar uma resposta frente à existência e/ou ausência do objeto. Nem sim nem não.
Retornando ao caso de Thomas, cindido entre a euforia e a melancolia, em dado momento do tratamento, ele trouxe sua mãe para uma sessão. Uma senhora bem articulada, vaidosa, com uma presença vigorosa. Thomas expôs sua indignação com o fato de ela ser uma presença impositiva, a despeito de ele já ter quase 50 anos. “Eu me sinto estuprado por ela” [sic] - esbraveja ele, referindo-se aos insistentes cuidados maternos em seu dia a dia. Sua mãe diz não entender seu sofrimento, pois ele é bonito, inteligente e possuiria todos os quesitos para ser feliz. Thomas voltou a morar com ela depois de acumular problemas graves, profissionais e conjugais, nos anos anteriores. Situação similar à de Mick, nosso segundo relato clínico, que precisou de apoio financeiro dos pais, após não conseguir manter sua rotina profissional por problemas psíquicos. Ao mesmo tempo que ambos se sentem fóbicos e violentados pelas intromissões familiares, precisam dessas figuras - de uma forma peculiar que ultrapassa os quesitos da necessidade financeira.
Green (1976/2017) designa a ausência como estado intermediário entre perda e presença. Ausência é uma perda parcial, circunstancial, que não alcança patamar absoluto. Precisa-se perder o objeto na medida certa, pois apenas a ausência deste abre espaço para a individualização e seus alicerces (imaginação, pensamento, criatividade, elaboração psíquica, autonomia etc.). “Um excesso de presença e temos a intrusão, um excesso de ausência, e temos a perda” (GREEN, 1976/2017, p. 134). Aqui, ele chega ao ponto fundamental de sua concepção: uma das funções básicas da psique é lutar pela separação, com a finalidade de promover a adaptação e autonomia - metas que dependem de certo equilíbrio entre processos disjuntivos e conjuntivos. As dimensões e qualidades como o dentro e o fora, prazer e desprazer, corpo e psiquismo, pensamento e afeto, representação e percepção, subjetivo e objetivo, fantasia e realidade, precisam ser reconhecidas separadamente, discriminadas, para, posteriormente, serem novamente reunidas, integradas e elaboradas, por meio de novas combinações. O que é a representação se não uma reapresentação do objeto perdido do mundo exterior no mundo interior? (FREUD, 1925/2007). Uma percepção que é inscrita psiquicamente, reativada a partir de traços de memória - agora associados, combinados com outros elementos, índices de percepção e inscrições psíquicas. Para a elaboração, faz-se necessária uma comunicação entre elementos previamente separados.
Ou seja, no pensamento de Green (1976/2017), a divisão é uma operação que, na medida certa, permite a distinção eu/outro, o estabelecimento de fronteiras, mas, quando acionada em excesso, leva a um acúmulo de dissociações na esfera do ego, promovendo colapso do trabalho integrativo de Eros, mortificando o narcisismo. Ou seja, conduz à desintegração e, ulteriormente, à morte psíquica, expressando a inoperabilidade dos fenômenos transicionais. Sob esse ponto de vista, a correlação entre clivagem e fusão objetal é predominante. Dizimam-se partes importantes do próprio ego como resultado à impossibilidade de dizer sim ou não à presença/ausência do objeto. Um objeto que se faz absolutamente necessário ou não se deixa perder. Seja pelo fato de ser excessivamente presente, estimulante e fusional, seja por ser negligente e, dessa forma, involuntariamente obstruir o processo de separação pelo excesso de ausência, desinteresse e desinvestimento no infans. Como afirma Jacques André, “nada liga, nem retém, nem imobiliza, nem captura mais que o não-investimento do qual se foi (paradoxalmente) objeto!” (ANDRÉ, 2008, p. 552). O sim admitiria a fusão objetal que fagocita o Eu de modo devastador, enquanto o não admitiria a renúncia com a qual o fronteiriço julga que não pode arcar. Então, impera o nem sim nem não. O branco, o vazio, a lacuna, o limbo.
Consequentemente, Green (2002/2005) descreve uma síndrome de desligamento subjetivo do ego, na qual o paciente, a partir da recusa da escolha, assume posição geral de retração, retirada narcísica. A desvinculação, sustentada por uma ilusão de autossuficiência, portaria o sentido de erradicar o risco de engolfamento pelos vínculos objetais, de afirmar a independência do ego mediante o esfacelamento dos laços e, no limite, o sujeito preservar algum limite a partir do desinvestimento na relação consigo próprio, ausentando-se narcisicamente. Nesta progressão do desligamento - que parte do vínculo objetal e chega até os domínios do ego -, vigoraria um movimento de negativização do narcisismo. Assim sendo, Estellon (2014) destacou a tessitura melancólica presente na dinâmica psíquica do sex-addict, na qual o sujeito sente-se desvitalizado, sem prospectos, sem esperança, sem acreditar no laço objetal e, mais significativamente, sem acreditar em si próprio. O ato adictivo termina por ser uma medida de contrainvestimento de uma aridez interna abissal. O sexo é mais uma defesa contra a depressão melancólica do que um movimento, de fato, erótico. McDougall (1995/1997) já havia articulado a adicção sexual justamente a uma busca desesperada de existência narcísica, devido à precariedade de interiorização da função materna, do objeto que cuida e apazigua as tensões pulsionais - arranjo psíquico certamente observado em nossa experiência clínica com esses pacientes.
Conforme relata Mick após a consolidação do processo analítico, “essa coisa de pele, de calor humano, de encontro de corpos a substância química não vai prover” [sic], “de uma forma torta, enviesada, você busca o amparo por substituição, pessoas e situações, o sexo tem uma comunhão, você quer acalmar a criança interna” [sic], “quando pratico, vou em busca de amparo” [sic], “me sinto transbordando, penso em suicídio, parto para a prática como uma anestesia” [sic]. Na esteira da compulsão à repetição, o apelo ao objeto da adicção (prática sexual, profissionais do sexo, parceiras diversas, obsessões e idealizações românticas com pessoas indisponíveis etc.) revela não a transicionalidade do objeto, mas, sim, sua transitoriedade (GURFINKEL, 1993; 2013). Há um constante deslocamento que não permite sua interiorização, sua efetiva simbolização - e, em um plano mais fenomenológico, sua humanização - , apenas situações efêmeras de apaziguamento as quais, após o cessar da prática ou atividade, culminam em sentimentos acentuados de abandono, solidão e desespero. Dissolução narcísica que é apenas transitoriamente reparada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que a clínica da adicção sexual é pautada no corpo e no ato, já que o sujeito sofre pelo fato de não conseguir conter suas atuações sexuais, a despeito das racionalizações que pode tecer sobre as origens e consequências de seu problema. Esse panorama se articula a uma conduta subjetiva frequentemente incongruente e instável: de querer e não querer, de admitir e não admitir determinadas informações, dados de realidade etc. Green utilizou a metáfora do arquipélago para designar este Eu constituído de núcleos que não se comunicam verdadeiramente entre si, como ilhas afastadas, porções isoladas. “Como nenhuma das ilhas se encontra em relação com as outras, o resultado é uma ausência de unidade e a impressão de um conjunto contraditório de relações que dá a imagem de um Eu sem coesão nem coerência” (GREEN, 1976/2017, p. 129). Pensamentos, fantasias e afetos contraditórios coabitam, coexistem na esfera psíquica de uma maneira singular. Há superposição de dados derivados dos princípios de prazer e de realidade, sem um prevalecer sobre o outro. Nulificação, empate entre tendências contrárias. Eis aqui o paralelo com a clivagem freudiana, justamente na função de juízo.
Seja na adesão frenética a circunstâncias danosas, ao apelo incontrolável a objetos e contingências sexuais, na desintegração da autonomia subjetiva ou financeira, o que se evidencia é justamente uma recusa da escolha, da conflitualização psíquica. Aprisionamento ao ciclo da compulsão à repetição, via exteriorização. Sentimentos de desinteresse e desligamento, falta de vitalidade, impossibilidade de existir narcisicamente e de estar presente para o outro na vida sexual... esta essencialmente despida de sentido e valor. Essa premissa, observada em distintas magnitudes na clínica do sex-addict, uma clínica predominantemente fronteiriça, nos conduziu à argumentação sobre os impactos desestruturantes na relação com o objeto primário e suas consequências cataclísmicas para o ego na condição de instância psíquica integradora e reguladora (no manejo das pulsões e da relação com os objetos).
Na impossibilidade de criar um espaço transicional entre o sim e o não, presença e ausência etc., a radicalidade da clivagem emerge como tentativa desesperada de evitar a confusão absoluta com o objeto exacerbante, seja pelo excesso de presença seja pelo excesso de ausência. “Algo deve ser excluído, rejeitado, desmentido, de fato, algo inelaborável e impensável” (GREEN, 1976/2017, p. 126). O objeto está presente ou ausente? Estou morto ou vivo? Nem sim nem não. O fronteiriço esquiva-se da resposta, da decisão, da função de juízo. O que se apresenta então é a clivagem como recurso último. Ao mesmo tempo que porções de um sistema são cortadas, extirpadas, a segmentação que resulta desse processo viabiliza certa operacionalidade, equilíbrio dinâmico, aspecto de normalidade para o paciente inserido nas estruturas não neuróticas, como certamente é o caso do sex-addict.
Se o desejo e a sexualidade remetem à relação com o outro, à vida erótica e ao estabelecimento de ligações, a adicção sexual é permeada não pelo desejo, mas por ímpetos que vêm a camuflar uma iminente dissolução narcísica. No apelo desesperado ao objeto sexual, busca-se uma anestesia, solução momentânea e efêmera para estados internos pungentes e dolorosos. É a simulação de um movimento que simplesmente não consegue ocorrer: o movimento de Eros.
REFERÊNCIAS
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“Entre a dor e o prazer: masoquismo e adicção sexual”. Trata-se de uma pesquisa teórico-clínica de caráter qualitativo, alicerçada no referencial da psicanálise e sua interlocução com o campo da psicopatologia. É composta por duas frentes de trabalho: a) pesquisa teórica; b) pesquisa clínico-qualitativa, fundamentada no atendimento psicoterapêutico com orientação psicanalítica a pacientes que apresentam o quadro da adicção sexual no Serviço de Psicologia Aplicada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Os relatos de caso aqui expostos são baseados em dados colhidos no segundo eixo metodológico, clínico-qualitativo, de nossa pesquisa, aprovada pela Plataforma Brasil (Parecer nº 2.439.483) e pelo Comitê de Ética da PUC-Rio. Os nomes utilizados para os pacientes neste artigo são pseudônimos.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
07 Abr 2023 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2022
Histórico
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Recebido
02 Set 2021 -
Aceito
17 Fev 2023