Resumos
OBJETIVO: avaliar se há relação entre bruxismo e presença de ruídos articulares em crianças.
MÉTODOS: participaram do estudo 48 crianças entre 6 e 9 anos atendidas na Clínica Infantil da Faculdade de Odontologia da Universidade Nove de Julho. Foram selecionadas 21 crianças com bruxismo e 27 crianças no grupo controle. Um único examinador previamente treinado e "cego" em relação aos grupos realizou exame de palpação manual e auscultação bilateral das Articulações Temporomandibulares com a utilização de estetoscópio, extra-auricular lateral e dorsal para a análise dos ruídos articulares, diferenciando-os em crepitação e estalidos. Foi realizado o número mínimo de 3 repetições nas mensurações dos ruídos para cada criança. Foram realizadas as análises descritivas de todas as variáveis e o teste qui-quadrado foi utilizado para avaliar a associação entre as variáveis, adotando-se um nível de significância de 5%.
RESULTADOS: em relação à presença de ruído 37,5% (n=18) apresentaram algum tipo de ruído articular, sendo que 72,2% (n=13) apresentaram estalido e 27,8% (n=5) apresentaram crepitação. Das 18 crianças que apresentaram algum tipo de ruído, 66,7% (n=12) também eram bruxistas. Foi observada associação estatisticamente significante entre a presença de ruído e bruxismo. Ao analisar a associação entre ruído e as variáveis gênero e idade, o grupo estudado não houve associação entre ruído e gênero, porém em relação à idade, houve uma maior porcentagem de crianças sem a presença de ruído articular aos 6 anos de idade, sendo estatisticamente significante.
CONCLUSÃO: os dados do presente estudo mostraram associação entre bruxismo e ruídos articulares em crianças.
Bruxismo; Articulação Temporomandibular; Criança; Ruído
PURPOSE: the aim of the present study was to determine whether bruxism is associated with joint sounds in children.
METHODS: children aged six to nine years were recruited from the pediatric clinic of the School of Dentistry of University Nove de Julho (Brazil). Twenty-one children with bruxism and 27 children without this condition (control group) were selected. The evaluation was performed by a previously trained examiner who was blinded to the allocation of the groups and involved manual palpation as well as lateral and dorsal extra-auricular auscultation of the temporomandibular joints with the aid of a stethoscope for the determination of joint sounds, differentiating a click/pop from crepitus. At least three readings were performed on each child. Descriptive statistics were conducted and the chi-square test was used to test associations among the variables, with the level of significance set to 5% (p < 0.05).
RESULTS: a total of 37.5% (n = 18) of the sample exhibited some type of joint sound. Among these children, 72.2% (n = 13) exhibited a click/pop and 27.8% (n = 5) exhibited crepitus. Among the 18 children with joint sounds, 66.7% (n = 12) also had bruxism. A statistically significant association was found between joint sounds and bruxism. No association was found between joints sounds and sex. However, a significant association was found with regard to age, as a greater percentage of children at six years of age had no joint sounds.
CONCLUSION: the present findings demonstrate an association between bruxism and joint sounds in children.
Bruxism; Temporomandibular Joint; Child; Sound
Introdução
O bruxismo é uma condição clínica frequentemente encontrada em crianças e adolescentes, culminando em efeitos deletérios na dentição, no periodonto, nos músculos mastigatórios, na articulação temporomandibular (ATM)1 , 2, além de efeitos comportamentais e psicológicos3.
Os reflexos do bruxismo na ATM estão diretamente relacionados às mudanças que ocorrem na musculatura mastigatória. A dor e o desconforto nessa articulação são as principais queixas do paciente, além de dificuldades mastigatórias, incoordenação dos movimentos mandibulares, luxação articular, alterações degenerativas na articulação, restrição dos movimentos, desvios na trajetória mandibular e ruído articular4 , 5.
Estudos demonstraram que a ocorrência do ruído na ATM é frequente em crianças com disfunção temporomandibular (DTM) 6 - 9, porém há pouca evidência desse sinal em crianças bruxistas. Além disso, a relação entre DTM e bruxismo nessa população ainda é controversa9.
Os ruídos articulares são classificados em simples (estalido) e múltiplos (crepitação), podendo ocorrer tanto na abertura como no fechamento mandibular. O estalido é consensualmente aceito como sendo, na maioria das vezes, o resultado do impacto do côndilo mandibular contra o componente temporal da ATM, após sua rápida passagem pela banda posterior do disco articular10. Por sua vez, a crepitação tem sido encontrada em conjunto com estágios mais avançados de disfunção temporomandibular, geralmente associada com doenças degenerativas10.
Diante das consequências que tais alterações trazem à articulação, o objetivo do presente estudo foi avaliar se há relação entre bruxismo e presença de ruídos articulares em crianças. A investigação dessa relação irá permitir intervenções preventivas em relação aos danos causados na ATM.
Métodos
O desenho desta pesquisa se enquadra em um ensaio transversal observacional.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas Humanas, sob protocolo nº 228.746. Todos os responsáveis receberam informações sobre a pesquisa e assinaram termo de consentimento livre após esclarecimentos para autorização da participação, de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Participaram desse estudo crianças atendidas regularmente na Clínica Infantil da Faculdade de Odontologia da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).
Realizou-se uma pesquisa descritiva, de delineamento transversal com uma amostra de conveniência composta por 48 crianças, com dentição mista, divididas em dois grupos dispostos seguindo os seguintes critérios:
Grupo I - 21 crianças selecionadas entre os pacientes em atendimento na Clínica Odontológica Infantil, que apresentavam como critério de inclusão algum sinal ou sintoma de bruxismo, de acordo com os critérios da American Academy of Sleep Medicine (AASM) 11, foram consideradas bruxistas, as crianças que apresentavam: indicação por parte dos pais da ocorrência de apertamento ou ranger dos dentes; desgaste incisal e/ou oclusal dos elementos dentais.
Grupo II - formado por 27 pacientes selecionados aleatoriamente entre as crianças atendidas no mesmo ambulatório, considerando como critério de inclusão para este grupo a ausência de qualquer sinal ou sintoma de bruxismo.
Ainda como critério de inclusão para ambos os grupos, considerou-se a presença dos primeiros molares permanentes em relação oclusal classe I de Angle.
Foram excluídas crianças com disfunções neurológicas, em tratamento ortodôntico, presença de alterações oclusais, como mordida aberta, cruzada ou apinhamento, assimetria facial, bem como presença de alterações sistêmicas.
A avaliação clínica foi realizada por um único examinador previamente treinado nas crianças dos grupos. O avaliador apresentava-se "cego" em relação ao grupo em que a criança examinada pertencia. Para a análise dos ruídos articulares foi realizado exame extra-auricular lateral e dorsal, detectando a ocorrência de ruídos articulares: crepitação e estalidos.
Para se detectar o ruído articular, foi feita palpação manual e auscultação bilateral das ATMs com a utilização de estetoscópio. Solicitou-se ao paciente que realizasse os movimentos de abertura e fechamento da boca várias vezes, seguindo o comando verbal: "Abre" e "Fecha", controlado pelo examinador, para que fosse possível determinar a presença ou não de ruído e seu tipo. Foi realizado o número mínimo de 3 repetições nas mensurações dos ruídos de cada criança. Foi considerado ruído a presença de um ou mais sinais à auscultação.
A palpação manual da musculatura mastigatória e avaliação da ATM seguiram as recomendações de Pertes e Gross12. Esta palpação foi realizada como complemento da avaliação clínica para análise da condição muscular.
A análise estatística foi realizada por meio do software IBM SPSS versão 20.0. Foram realizadas as análises descritivas de todas as variáveis. O teste qui-quadrado foi utilizado para avaliar a associação entre a presença de ruído e seu tipo com as demais variáveis como: bruxismo, idade e sexo, adotando-se um nível de significância de 5% para todas as análises.
Resultados
Foram avaliadas 48 crianças de 6 a 9 anos, atendidas na Clínica Odontológica da instituição de origem. Das crianças avaliadas 58,3% (n=28) eram do sexo masculino e 41,7% (n=20) do sexo feminino, sendo que, do total, 43,7% (n=21) eram bruxistas. Em relação à presença de ruído, 37,5% (n=18) apresentaram algum tipo de ruído articular, enquanto 62,5% (n=30) não apresentaram em nenhum momento das repetições na auscultação. Foi possível observar associação estatisticamente significante entre a presença de ruído e a presença de bruxismo. A Tabela 1 descreve a análise da associação entre as variáveis e a presença de ruído. Ao analisar a presença de ruído e as variáveis gênero e idade, não houve associação entre ruído e gênero no grupo estudado, porém em relação à idade, houve uma maior porcentagem de crianças sem a presença de ruído articular aos 6 anos de idade, sendo estatisticamente significante, como expresso na Tabela 2.
A avaliação dos tipos de ruído articular nas crianças estudadas evidenciou uma maior prevalência de estalido. Das 18 crianças que apresentaram algum tipo de ruído, 72,2% (n=13) apresentaram estalido, enquanto 27,8% (n=5) apresentaram crepitação.
Discussão
Os sinais e sintomas de DTM podem desenvolver-se a partir da infância, e sua prevalência e gravidade tendem a aumentar com a idade13 . Na população infantil, a prevalência de bruxismo apresenta grande variabilidade, de acordo com a metodologia proposta para investigação14, porém Serra-Negra et al. 1 estimaram que ao menos 35,3% de uma amostra de crianças brasileiras apresentavam algum sinal de bruxismo. Garcia et al. 15 relataram uma prevalência de 40% em pré-escolares de três a seis anos, de 17% na faixa de seis a sete anos e 24% na faixa dos oito aos nove anos de idade. No presente estudo a frequência de bruxismo foi de 43,7%.
O bruxismo é caracterizado por apertamento e/ou ranger de dentes e desgaste incisal e/ou oclusal dos elementos dentais16. A presença de ruídos articulares em sujeitos bruxistas ainda é controversa.
Na amostra do presente estudo, foram encontradas associações estatisticamente significantes entre a presença de ruídos e bruxismo. Tal associação pode ser explicada devido às parafunções, normalmente presentes em crianças, o que acarretaria movimentação alterada da mandíbula e suas funções.
Okeson16 afirmou que muitas crianças apresentam conhecimento de quaisquer sons na ATM, sendo confirmado no exame clínico. Estes resultados estão de acordo com um estudo que mostrou que a frequência de ruídos aumentou com a gravidade do bruxismo avaliado17 e que a presença de ruído foi um preditor significante de DTM18. Estudos epidemiológicos e outro utilizando amostras de conveniência sugerem a existência de uma forte relação entre bruxismo e DTM19.
Em um estudo realizado por Petit et al. 20, observou-se que a prevalência de bruxismo aumenta significantemente com a idade. Este resultado vai de encontro ao encontrado neste presente estudo, pois foi observado uma maior prevalência de indivíduos não bruxistas.
Huang et al. 21 sugeriu que bruxismo noturno pode ser um dos fatores de disfunção temporomandibular, e Molina et al. 22 indicou relação entre bruxismo auto-relatado e a presença de sons na ATM.
Segundo Morrow et al. 23, a DTM frequentemente resulta em dor, ruído na articulação temporomandibular, e movimentos limitados do côndilo durante abertura e fechamento da boca. Ruídos na ATM é um sintoma frequentemente relatado e um sinal clinicamente comprovado em investigações epidemiológicas24.
É sabido que os ruídos articulares tem relação com alterações estruturais e/ou funcionais da biomecânica da ATM ou podem até mesmo serem indicativos de processos degenerativos da articulação9 , 10 , 25.
Neste estudo foi observado relação entre a presença de ruído e idade (6 anos). A presença de ruídos é decorrente das mudanças no contorno da ATM que podem ocorrer nessa idade. Não se sabe, entretanto, se eles se manifestarão posteriormente como sintomas patológicos e estão frequentemente presentes sem outro sinal ou sintoma de DTM.
O estalido ocorre devido a alterações na localização do disco articular na fossa articular do osso temporal, indicando que ao realizar excursão vertical, o disco que antes estava anteriorizado, voltou a sua posição correta9.
Estudos demonstraram que a ocorrência de crepitação articular tem relação com a progressão de deslocamento anterior de disco, encontrado em casos severos de desarranjo interno da ATM9 , 10 , 16. Tal situação é encontrada em casos de osteoartrose da ATM. o que justifica a menor prevalência de crepitação na presente amostra.
Conclusão
Por meio da análise dos dados obtidos no presente estudo, pode-se concluir que existe relação entre a presença de ruído articular e bruxismo. Menor incidência de ruídos articulares foi encontrada em crianças aos 6 e 7 anos. Tal dado pode sugerir que a presença de ruídos articulares em crianças bruxistas pode estar associada à progressão e severidade de sintomas.
Referências bibliográficas
- 1 Serra-Negra JM, Paiva SM, Seabra AP, Dorella C, Lemos BF, Pordeus IA. Prevalence of sleep bruxism in a group of Brazilian schoolchildren. Eur Arch Paediatric Dent. 2010;11(4):192-5.
- 2 Insana SP, Gozal D, McNeil DW, Montgomery-Downs HE. Community based study of sleep bruxism during early childhood. Sleep Med. 2013;14(2):183-8.
- 3 Ferreira-Bacci AV, Cardoso CL, Díaz-Serrano KV. Behavioral problems and emotional stress in children with bruxism. Braz Dent J. 2012;23(3):246-51.
- 4 Fernandes G, Franco AL, Siqueira JT, Gonçalves DA, Camparis CM. Sleep bruxism increases the risk for painful temporomandibular disorder, depression and non-specific physical symptoms. J Oral Rehabil. 2012;39(7):538-44.
- 5 Thilander B, Rubio G, Pena L, de Mayorga C. Prevalence of temporomandibular dysfunction and its association with maloccusion in children and adolescents: an epidemiologic study related to specified stages of dental development. Angle Orthod. 2002;72(2):146-54.
- 6 Vanderas AP, Papagiannoulis L. Multifactorial analysis of the aetiology of craniomandibular dysfunction in children. Int J Paediatr Dent. 2002;12(5):336-46.
- 7 Sari S, Sonmez H. Investigation of the relationship between oral parafunctions and temporomandibular joint dysfunction in Turkish children with mixed and permanent dentition. J Oral Rehabil. 2002;29(1):108-12.
- 8 Castelo PM, Gaviao MB, Pereira LJ, Bonjardim LR. Relationship between oral parafunctional/nutritive sucking habits and temporomandibular joint dysfunction in primary dentition. Int J Paediatr Dent. 2005;15(1):29-36.
- 9 Barbosa TS, Miyakoda LS, Pocztaruk RL, Rocha CP, Gaviao MB. Temporomandibular disorders and bruxism in childhood and adolescence: review of the literature. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2008;72(3):299-314.
- 10 Farsi NM. Symptoms and signs of temporomandibular disorders and oral parafunctions among Saudi children. J Oral Rehabil. 2003;30(12):1200-8.
- 11 Thorpy MJ. International classification of sleep disorders (ICSD). Diagnostic and coding manual revised. Diagnostic Classification Steering Committee. Rochester, Minnesota: American Sleep Disorders Association. 2005.
- 12 Pertes RA, Gross SG. Clinical management of temporomandibular disorders and orofacial pain. Quintessence Books, 1995.
- 13 Nagamatsu-Sakaguchi C, MInakuchi H, Clark GT. Relationship Between the Frequency of Sleep Bruxism and the Prevalence of Signs and Symptoms of TMD. J Int Prost. 2008;21(4):292-8.
- 14 Manfredini D, Restrepo C, Diaz-Serrano K, Winocur E, Lobbezzo F. Prevalence of sleep bruxism in children:a systematic review of the literature. J Oral Rehabil. 2013;40(8):631-42.
- 15 Garcia PP, Corona SA, Santos-Pinto A, Sakima T. Verificação da incidência de bruxismo em pré-escolares. Odontol Clin. 1995;5:119-22.
- 16 Okeson JP. Mechanics of Mandibular Movement. In : Dolan J, Pendill J, editors. Management of TMD and occlusion. 6ª ed. St Louis (MO): Mosby; 2008. p. 151-9.
- 17 Baba K, Haketa T, Sasaki Y, Ohyama T, Clark GT. Association between masseter muscle activity levels recorded during sleep and signs and symptoms of temporomandibular disorders in healthy young adults. Journal of Orofacial Pain. 2005;19(3):226-31.
- 18 Egermark I, Carlsson GE, Magnusson T. A 20-year longitudinal study of subjective symptoms of temporomandibular disorders from childhood to adulthood. Acta Odontol Scand. 2001;59:40-8.
- 19 Schiffman EL, Fricton JR, Haley D. The relationship of occlusion, parafunctional habits and recent life events to mandibular dysfunction in a non-patient population. J Oral Rehabil. 1992;19:201-23.
- 20 Petit D, Touchette E, Tremblay RE, Boivin M, Montplaisir J. Dyssomnias and parasomnias in early childhood. Pediatrics. 2007;119:1016-25.
- 21 Huang GJ, LeResche L, Critchlow CW, Martin MD, Drangsholt MT. Risk factors for diagnostic subgroups of painful temporomandibular disorders (TMD). J Dent Res. 2002;81:284-8.
- 22 Molina OF, Santos Junior J, Nelson SJ, Nowlin T. A clinical study of specific signs and symptoms of CMD in bruxers classified by the degree of severity. Cranio. 1999;17(4):268-79.
- 23 Morrow D, Tallents RH, Katzberg RW, Murphy WC, Hart TC. Relationship of other joint problems and anterior disc position in symptomatic TMD patients and in asymptomatic volunteers. J Orofac Pain. 1996;10:15-20.
- 24 Emodi-Perlman A, Eli I, Friedman-Rubin P, Goldsmith C, Reiter S, Winocur E. Bruxism, oral parafunctions, anamnestic and clinical findings of temporomandibular disorders in children. Journal of Oral Rehabilitation. 2012;39:126-35.
- 25 Baba K, Haketa T, Sasaki Y, Ohyama T, Clark GT. Association between masseter muscle activity levels recorded during sleep and signs and symptoms of temporomandibular disorders in healthy young adults. Journal of Orofacial Pain. 2005;19(3):226-31.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Fev 2015
Histórico
-
Recebido
20 Jan 2014 -
Aceito
03 Maio 2014