Resumos
OBJETIVO: associar o grau de disfagia orofaríngea e o tempo de intubação orotraqueal no indivíduo pós-acidente vascular encefálico após cirurgia cardíaca.
MÉTODOS: estudo clínico transversal descritivo, retrospectivo, realizado por meio da coleta de dados de protocolos e registros de prontuário, durante seis meses, em Hospital Público de Referência em Cardiologia. Foram analisados 25 protocolos e prontuários de indivíduos submetidos à cirurgia cardíaca, que evoluíram com acidente vascular encefálico e foram assistidos pela equipe de Fonoaudiologia. Os indivíduos foram divididos em dois grupos. O Grupo I (GI) constou de 10 indivíduos com intubação orotraqueal menor que 24 horas e o Grupo II (GII) de 15 indivíduos com intubação orotraqueal maior que 24 horas. Realizada avaliação clínica da deglutição e analisada a associação entre a classificação clínica do grau de comprometimento para disfagia e o tempo de intubação orotraqueal.
RESULTADOS: verificou-se que no GI 40% apresentaram disfagia leve, 30% moderada e 20% grave. No GII 13,3% apresentaram disfagia leve, 33,3% moderada e 53,33% grave. Verificou-se associação linear significante entre o grau de disfagia e o tempo de IOT (p= 0,031), indicando que o número de indivíduos com disfagia moderada e grave foi maior no grupo com mais tempo de intubaçao.
CONCLUSÕES: constatou-se que o tempo de intubação orotraqueal maior que 24 horas aumentou o grau da disfagia orofaríngea nesta população.
Transtornos de Deglutição; Acidente Vascular Cerebral; Cirurgia Toracica
PURPOSE: to associate the degree of oropharyngeal dysphagia and orotracheal intubation time in post stroke individuals after cardiac surgery.
METHODS: a cross-sectional retrospective descriptive clinical study carried out by means of protocols data collection and chart records during six months in a public hospital of reference in cardiology. We analyzed 25 protocols and medical records of individuals undergoing cardiac surgery who evolved with stroke and were assisted by a team of speech and language pathology. The subjects were divided into two groups. Group I (GI) consisted of 10 individuals with orotracheal intubation less than 24 hours and Group II (GII) of 15 individuals with orotracheal intubation more than 24 hours. After performing swallowing clinical evaluation and analyzing the association between the clinical classification of degree of commitment for dysphagia and orotracheal intubation time.
RESULTS: it was found that 40% of the individuals in GI presented mild dysphagia, 30% moderate and 20% severe. In GII, 13.3 % presented mild dysphagia, 33.3% moderate and 53.33% severe. There was a significant linear association between the degree of dysphagia and the duration of intubation (p = 0.031), indicating that the number of individuals with moderate and severe dysphagia was higher in the group with a longer intubation.
CONCLUSIONS: we could observe that time of orotracheal intubation more than 24 hours increases the degree of oropharyngeal dysphagia in this population.
swallowing disorders; stroke; cardiac surgery
Introdução
A doença cardiovascular (DCV) é considerada a causa mais frequente de morte em todo o mundo e de acordo com as projeções para 2020, permanecerá como causa principal 1. O aperfeiçoamento das técnicas operatórias permitiu a redução da taxa de mortalidade e morbidade, no entanto, complicações neurológicas no intra e pós-operatório permanecem sendo um problema comum 2 , 3. O déficit neurológico mais comum é o acidente vascular encefálico (AVE) 4 e representa a segunda causa mais frequente de mortalidade perioperatória5 . As causas do AVE no peri e pós-operatório são múltiplas, entre estas estão a utilização de circulação extra corpórea (CEC) 2 , 4, fibrilação atrial 6 , 7, presença de aterosclerose na aorta e carótidas2, idade avançada 2 , 4 , 6, hipoperfusão global ou focal, alterações hematológicas, microembolização no intra operatório2, tempo de clampeamento prolongado5 .O risco de desenvolver o AVE aumenta também paralelamente aos fatores de risco associados, dentre estes a obesidade, tabagismo, dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica e diabetes melito 1 , 8.
O AVE pode trazer inúmeras sequelas, entre elas a disfagia orofaríngea9, que pode levar a pneumonia aspirativa, desidratação, desnutrição e óbito 10.
Porém, na população submetida à cirurgia cardíaca com acidente vascular encefálico, a lesão neurológica não pode ser considerada fator isolado de causa para disfagia, visto que estes indivíduos podem apresentar complicações no intra-operatório, como redução importante dos volumes pulmonares, prejuízos na mecânica respiratória, diminuição na complacência pulmonar e aumento do trabalho respiratório e necessitarem de um período prolongado de ventilação mecânica, evoluindo em alguns casos para a traqueostomia por desmane difícil 11. A intubação orotraqueal prolongada, definida como período superior a vinte quatro horas de intubação, pode impactar diretamente a dinâmica da deglutição aumentando os riscos de aspiração laringotraqueal 12.
Considerando que a população submetida à cirurgia cardíaca com evolução de acidente vascular encefálico apresenta, além da lesão neurológica, outros fatores preditivos para disfagia orofaríngea, este estudo teve por objetivo associar o grau de disfagia orofaríngea e o tempo de intubação orotraqueal no indivíduo pós-acidente vascular encefálico após cirurgia cardíaca.
Métodos
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. (IDPC-SP) sob o Protocolo nº4129.Trata-se de estudo clínico, transversal, observacional, descritivo, retrospectivo, realizado por meio de coleta de dados de protocolos de avaliação, evolução e registro de prontuário de um Instituto de Referência de Cardiologia do Estado de São Paulo. Foram analisados os prontuários de todos os indivíduos que fizeram cirurgia cardíaca e evoluíram com AVE no pós-operatório, no período de seis meses e que foram assistidos pela equipe de fonoaudiologia especializada em disfagia após solicitação médica. O tempo da avaliação fonoaudiológica após a lesão neurológica variou de 1 à 67 dias.
Os indivíduos foram divididos em dois grupos. O Grupo I (GI) constou de indivíduos com tempo de IOT menor que 24 horas (n=10) e o Grupo II (GII) de indivíduos com tempo de IOT maior que 24 horas (n=15). A coleta das informações no banco de dados foi realizada pelos pesquisadores. Para a avaliação fonoaudiológica clínica foi coletado os dados do protocolo com classificação clínica do grau comprometimento da disfagia orofaríngea proposto por Silva13, aplicado na fase aguda do AVE. Para a classificação clínica do quadro disfágico foi considerado como desfecho a disfagia leve a presença de registros de alteração do esfíncter labial, incoordenação de língua, atraso para desencadear a resposta faríngea, ausência de tosse, ausência de redução acentuada da elevação da laringe, ausência de alteração da qualidade vocal após a deglutição e ausculta cervical sem alteração. Para a classificação de disfagia moderada foi considerado a alteração do esfíncter labial, incoordenação de língua, atraso da resposta faríngea, ausência de tosse ou presença de tosse antes, durante ou após a deglutição. A disfagia grave foi classificada na presença de atraso ou ausência da resposta faríngea, redução na elevação da laringe, ausência de tosse, presença de tosse antes, durante ou após a deglutição, alteração da qualidade vocal após a deglutição, alteração respiratória evidente, deglutição incompleta e ausculta cervical alterada.
As variáveis categóricas foram descritas pela frequência absoluta e frequência relativa. Para análise estatística foram utilizados o teste qui-quadrado e o teste de associação linear.
O nível de significância estatística adotado foi de 5%.
Resultados
Foram analisados 25 prontuários, 56% do gênero masculino e 44% do gênero feminino, faixa etária de 44 a 80 anos, com mediana de 62 anos. Destes, 14 indivíduos tinham doença arterial coronária (DAC) e foram submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio, nove submetidos à cirurgia valvar, um foi submetido à revascularização do miocárdio e troca de válvula no mesmo procedimento cirúrgico e apenas um realizou endarterectomia. Todos os indivíduos incluídos apresentavam no mínimo um dos antecedentes pessoais de risco, como hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes melito, obesidade, tabagismo ou fibrilação atrial. Foram excluídos os indivíduos com história prévia de AVE. Todos os AVEs eram isquêmicos e localizados em região cortical.No período investigado, dos 25 indivíduos que evoluíram com AVE avaliados na fase aguda, 24(96,0%) apresentaram e 1(4%) não apresentou disfagia orofaríngea.
Na análise dos grupos observou-se que no GI houve maior frequência de pacientes com disfagia leve (40%), seguida de moderada (30%) e grave (20%). O único paciente do estudo com deglutição funcional pertencia a esse grupo. No GII constatou-se maior frequência de disfagia orofaríngea grave (53,33%), seguida de disfagia moderada (33,33%) e leve (13,33%).
Na associação entres os grupos GI e GII e o grau da disfagia orofaríngea não foi encontrado significância estatística (p =0, 164), porém na análise da associação linear foi encontrado um valor significante de p= 0,031, indicando que o número de indivíduos com disfagia moderada e grave foi maior no grupo com mais tempo de intubaçao. (Tabela 1).
Discussão
A população submetida à cirurgia cardíaca que evolui com AVE apresenta inúmeros fatores de risco para o desenvolvimento da disfagia orofaríngea, além da própria lesão neurológica. Sendo assim, é de fundamental relevância a integração de equipes no rastreio e diagnóstico da sintomatologia disfágica nesta população.
Quanto ao impacto da IOT na deglutição desta população, verificou-se que o grupo submetido à IOT prolongada apresentou maior frequência de disfagia orofaríngea grave. Sabe-se que a IOT provoca alterações na fase oral e faríngea da deglutição com riscos de aspiração traqueal e que pode ser um preditor independente de disfagia orofaríngea após a extubação 12.
No estudo atual foi possível observar que o único paciente com deglutição funcional pertencia ao grupo de pacientes com IOT menor que 24 horas e que neste grupo houve maior frequência de pacientes com disfagia leve, já no grupo de pacientes com IOT maior que 24 horas houve maior frequência de disfagia orofaríngea grave, seguida de disfagia moderada.
Encontrada associação linear ao se analisar o grau da disfagia do grupo GI em relação ao GII (p=0,031), sendo assim, a IOT por tempo prolongado foi um agravante da disfagia no presente estudo, assim como relatado por outros autores que ob servaram que os pacientes com lesão neurológica que apresentaram piores déficits na deglutição foram àqueles submetidos previamente a um maior tempo de ventila ção mecânica 12.
Outro fato relevante é que 96% dos indivíduos de toda a amostra apresentaram disfagia orofaríngea. Embora a ocorrência de disfagia na população pós-AVE seja bastante variável na literatura 14 - 17, pouco sabe-se sobre a disfagia na população com acidente vascular encefálico no pós-operatório cardíaco. A ampla escala de variação sobre a ocorrência de disfagia no AVE deve ser analisada considerando-se as diferenças metodológicas propostas nas investigações, o número de indivíduos, o local de lesão, o tempo de avaliação em relação ao ictus, entre outras diferenças
Quanto à classificação do grau de comprometimento da disfagia orofaríngea encontrada na amostra, verificou-se que esta variou de leve a grave, havendo maior frequência de disfagia grave. As disfagias graves são descritas na literatura como aquelas que além de alterarem a fase oral da deglutição, provocam aspiração laringotraqueal18. Porém, embora existam discordâncias entre os autores sobre quais seriam os parâmetros ideais para classificar a disfagia como grave, as concordâncias apontam para a entrada de alimento na via aérea inferior, e que no caso da população estudada, pode ocorrer por inúmeros fatores preditivos encontrados na população neurológica e cardíaca 18.
Portanto, pode-se pensar que a alta prevalência e a gravidade da disfagia orofaríngea no indivíduo que evoluiu com AVE na cirurgia cardíaca, se devam também a intubação orotraqueal prolongada.
Considerando as limitações do estudo, tendo em vista o tamanho da amostra e a ausência de método objetivo de investigação da deglutição, que pudessem mensurar a acurácia da classificação do grau de comprometimento da disfagia aqui utilizada, é necessário prosseguir nesta linha de investigação.
Devido aos inúmeros fatores preditivos de disfagia que essa população apresenta, a atuação fonoaudiológica especializada com disfagia orofaríngea deve ser incluída dentro das intervenções específicas da prevenção cardiovascular terciária já que a disfagia é uma consequência limitante e a presença de um profissional especializado em disfagia é essencial para o diagnóstico precoce e o tratamento adequado, reduzindo os riscos de complicações, principalmente respiratórias.
Desta forma, torna-se evidente a necessidade de que equipes utilizem instrumentos de rastreio que possam mapear esta população e encaminhar precocemente ao diagnóstico e reabilitação fonoaudiológica da disfagia orofaríngea.
Conclusões
Foi constatado que a intubação orotraqueal prolongada interferiu na dinâmica da deglutição, especificamente no grau de disfagia orofaríngea nesta população.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Mar-Apr 2015
Histórico
-
Recebido
24 Fev 2014 -
Aceito
23 Ago 2014