RESUMO:
A Laringectomia Parcial Supracricóide (LPSC) é indicada para tratamento de tumores com estadiamento1 e 2 e certos casos de tumores avançados. É considerada pela literatura como apresentando resultados satisfatórios em ambas situações, preservação da laringe e funcionalidade. Este estudo tem como objetivo rever de forma sistemática a literatura voltada para qualidade de vida em voz de pacientes submetidos a LPSC, identificando-se os protocolos de qualidade de vida em câncer de cabeça e pescoço. Para a revisão de literatura sistemática exploratória foram considerados os seguintes bancos de dados: MEDLINE, SciELO, LILACS; PubMed. Utilizados descritores em português, inglês e espanhol. A seleção dos artigos seguiu critérios de inclusão, para aplicação de teste de Relevância. Esta revisão de literatura revelou que os protocolos específicos para pacientes oncológicos de cabeça e pescoço mais utilizados são o EORTC-C30/H&N35, UW-QOL e HNQOL. A LPSC embora seja considerada uma cirurgia que vise à preservação das funções de deglutição e fonação é apontada como tendo possibilidade de permanência de queixas em tais funções. A literatura afirma que os pacientes se declaram satisfeitos com a própria voz, tendo pouca dificuldade para se comunicar de forma inteligível. Estudos relacionam pacientes com dificuldades respiratórias após LPSC, inclusive com apneia obstrutiva do sono. Conclui-se que há necessidade de mais pesquisas que visem pontuar as dificuldades resultantes da LPSC e que utilizem protocolos específicos em cabeça e pescoço, para melhor mostrar o impacto da LPSC na qualidade de vida.
Descritores: Voz; Disfonia; Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Laringectomia; Qualidade de Vida
ABSTRACT:
Supracricoid Partial Laryngectomy (SCPL) is indicated for treatment of tumors staging 1 and 2, and some cases of advanced tumors. Literature considers that it presents satisfactory results for the preservation of larynx and its functionality. This study aimed at a systematic review of literature on voice related quality of life in patients submitted to SCPL, identifying protocols of quality of life regarding head and neck cancer. The following database was consulted for the systematic exploratory literature review: MEDLINE, SCIELO, LILACS; PUBMED. Portuguese, English and Spanish-language descriptors (DeCS) were used. The selection of articles followed inclusion criteria with the application of Relevance Test. This literature review revealed that the protocols used specifically with head and neck oncologic patients, were mainly EORTC-C30/H&N35, UW-QOL and HNQOL. Although SCPL is considered a surgical technique that allows the preservation of swallowing and phonation functions, possible complaints regarding these functions are pointed in literature. Literature affirms that patients were satisfied with their own voices, having little difficulty to communicate with intelligibility. Studies report patients with breathing difficulties after SCPL, including obstructive sleep apnea. It was concluded that further researches aiming at pointing the difficulties resultant from SCPL and using more specific head and neck protocols are necessary, which may better reveal the impact of SCPL on quality of life.
Keywords: Voice; Dysphonia; Head and Neck Neoplasms; Laryngectomy; Quality of Life
Introdução
A laringectomia parcial supracricóide (LPSC) foi idealizada com vistas a se evitar a laringectomia total¹ e tem sido apontada como uma boa alternativa para o tratamento de tumores T1, T2, e alguns casos selecionados de T3 e T4, uma vez que seus resultados são apontados como satisfatórios tanto para a preservação laríngea como em termos funcionais se comparados à laringectomia total (LT)2-6. Vários relatos na literatura mostram haver controle local, taxa de recorrência baixa5,7-10e taxas de sobrevivência semelhantes às da LT1-3, além de possibilitara não utilização do traqueostoma permanente, o que permite a retomada da alimentação por via oral, preservação da voz e das funções sociais, oferecendo melhor qualidade de vida5,6,11-14. Dessa forma, a laringectomia supracricóide se justifica como uma alternativa de grande valia, uma vez que permite a manutenção da voz sem uso de qualquer dispositivo e sem muito treinamento15. Porém, é sabido que no caso das laringectomias parciais existe um comprometimento da qualidade vocal, caracterizado na maioria das vezes como voz rouca e soprosa com consequente comprometimento da inteligibilidade de fala, o que afeta a qualidade de vida8,16.
De forma geral, é possível notar que a qualidade de vida é severamente afetada em pacientes submetidos a cirurgias na região da cabeça e pescoço. Além do impacto de um diagnóstico de câncer, existe como consequência do tratamento, o comprometimento de funções primordiais para o convívio social, tais como a aparência, voz e a deglutição que são seriamente afetadas11,17.
Estudos mostram que perto da metade dos pacientes em tratamento do câncer de cabeça e pescoço apresentam sintomas depressivos durante e após o tratamento da doença18. A qualidade de vida é pior em pacientes submetidos a laringectomias totais quando comparados a pacientes submetidos a laringectomias parciais, que apresentam melhores escores quando avaliados por meio de protocolos de qualidade de vida19.
Nas últimas décadas houve mudança na avaliação da qualidade de vida dos pacientes. Antes, a preocupação estava em avaliar a sobrevida após o tumor, hoje, há uma preocupação na qualidade de vida pós-tratamento e a funcionalidade do órgão afetado, gerando pesquisas a respeito da qualidade de vida do paciente20.
Desse modo, avaliar qualidade de vida de pacientes oncológicos se torna complexo considerando-se que envolve questões físicas e psicológicas e as prioridades de cada paciente variam muito em função da individualidade, valores e crenças21 Está ainda na dependência dos fatores que compõem a vida de cada um, e a qualidade de vida é um "constructo subjetivo, multidimensional e pessoal"22. No entanto, avaliar a qualidade de vida de pacientes com câncer de cabeça e pescoço de forma mais específica possibilita a escolha de condutas que visem não somente a sobrevida, mas que busque atender suas necessidades emocionais, oferecendo ainda condições para que a equipe envolvida no tratamento conheça os parâmetros mais afetados, e assim faça escolhas de tratamento que prezem a qualidade de vida desses pacientes20.
A revisão de literatura nas laringectomias supracricóides aponta que há uma carência de pesquisas que visem conhecer de forma abrangente os resultados funcionais da LPSC. Estudos revisados mostraram métodos heterogêneos de avaliação, de uso de parâmetros e escalas que não permitem meta-análise significativa20.
Este estudo tem como meta rever de forma sistemática a literatura voltada para análise de qualidade de vida em voz, de pacientes após laringectomia supracricóide, concernente a tipos de protocolos utilizados, resultados e análises de evidências de formas de enfrentamento do comprometimento vocal.
Métodos
A revisão sistemática exploratória de literatura foi realizada a partir de consulta às bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e PUB Med.Houve utilização de descritores (DeCs) em português, inglês e espanhol. Para complementar a localização de artigos houve utilização da ferramenta de busca ClinicalKey, utilizando-se descritores em inglês.
Os descritores e termos combinados selecionados em português foram: laringe, voz, disfonia, voz alaríngea, laringectomia, qualidade de vida, qualidade de voz, distúrbios de voz e neoplasia de laringe. Respectivamente em inglês: larynx, voice, dysphonia, speech alaryngeral, laryngectomy, quality of life, quality of voice, laryngectomy partial, voice disorders, head and neck neoplasms. E finalmente em espanhol: laringe, voz, disfonía, voz alaríngea, laringectomia, calidad de vida, calidad de la voz, trastornos de la voz, neoplasias de cabeza y cuello.
A seleção dos artigos foi realizada pelos dois pesquisadores do presente estudo e para maior fidedignidade dos resultados de busca foi realizado teste de relevância23, com elaboração, prévia, de um formulário para tal finalidade (Figura1).
Dessa forma, obedeceram-se três etapas sendo o Teste de Relevância I aplicado a partir da leitura dos títulos e resumos dos artigos, verificando-se tratar de estudo original, sobre qualidade de vida em voz em sujeitos laringectomizados parciais publicados entre 2004 a 2015. Artigos que foram considerados pertinentes à finalidade deste estudo prosseguiram para o Teste de Relevância II - fase I, em que foram lidos todos os artigos na íntegra e assim certificando-se tratar de estudo de qualidade de vida em voz com sujeitos submetidos a laringectomia parcial supracricóide. Finalmente na fase II foram selecionados os estudos que utilizaram protocolos e questionários como instrumentos de avaliação da qualidade de vida em câncer de cabeça e pescoço, aplicados a pessoas que foram submetidas à laringectomia supracricóide. Ressalta-se haver nessa etapa exclusão de artigos que avaliavam qualidade de vida exclusivamente para pacientes com disfagia, os quais não atenderiam aos critérios de inclusão deste estudo. Como última etapa, foi aplicado o Teste de Relevância III, no qual se selecionou exclusivamente estudos que possuíam protocolos de avaliação da qualidade de vida específicos ao câncer de cabeça e pescoço, utilizados com pacientes submetidos a laringectomia parcial supracricóide.
A Figura 1 apresenta os testes de relevância elaborados e aplicados para a seleção dos artigos e a Figura 2 apresenta o fluxograma que ilustra as fases de coleta e seleção dos artigos analisados por este estudo.
Procedimentos para Análises dos Artigos
Quanto à análise dos dados, foram realizadas sistematização e descrição das características dos estudos, numa revisão exploratória sobre a qualidade de vida em pacientes submetidos à laringectomia supracricóide,em relação a instrumento utilizado, resultados e conclusões de cada estudo.
As análises de conteúdo foram realizadas conforme sugestão de Garabito et. Al. (2009)23, Bardin (2011)24, e tendo sido realizadas matrizes de síntese com base em Botelho et al., 201125, obedecendo-se categorias elaboradas com vistas ao conhecimento de protocolos e formas de avaliação da qualidade de vida de pacientes, submetidos à LPSC.
O presente foi aprovado pelo Comitê de Ética sob o Nº 394.430.
Revisão de Literatura
Este estudo teve como meta realizar uma revisão da literatura a fim de verificar quais os protocolos específicos em câncer de cabeça e pescoço são utilizados na avaliação da qualidade de vida de pacientes submetidos à laringectomia parcial supracricóide (LPSC).
Dos 35 artigos pré-selecionados no teste de relevância II, que mencionaram a qualidade de vida dos pacientes, 17 (48,57%) foram estudos que citam qualidade de vida, porém sem uso de protocolos para tal avaliação. Ressalta-se que parte destes estudos refere que a qualidade de vida foi citada como boa ou aceitável6,7,9,10,26,27.Os demais18 estudos (51,42%) avaliaram a qualidade de vida dos pacientes submetidos a LPSC por meio de protocolos, sendo que destes,12 artigos utilizaram o protocolo VHI - Voice Handicap Index, traduzido e validado para o português e intitulado no Brasil como: Índice de Desvantagem Vocal - IDV28, não se tratando de protocolo específico para pacientes oncológicos. Outros artigos utilizaram concomitantemente ou não ao IDV, o protocolo Voice-Related Quality of Life - VRQOL, também traduzido e validado para o português brasileiro, como:Qualidade de Vida em Voz - QVV e também não específico para pacientes oncológicos29.
A Tabela 1 apresenta a identificação dos protocolos que foram utilizados nos estudos para avaliação da QV, e ainda, o tipo de protocolo, qual a sua finalidade e o número de artigos que utilizou os respectivos protocolos em pacientes submetidos à LPSC.
A Figura 3 apresenta a identificação dos artigos selecionados para este estudo, os quais avaliaram a qualidade de vida de pacientes submetidos a LPSC, e que utilizaram questionários validados e específicos em câncer de cabeça e pescoço, interesse particular desta revisão de literatura.
Artigos que utilizam protocolos de qualidade de vida específico em câncer de cabeça e pescoço em sujeitos após laringectomias parciais supracricóides.
Conforme cita a literatura é possível avaliar a qualidade de vida pela aplicação de questionários específicos. Para tanto, os questionários precisam ser traduzidos e validados para que haja confiabilidade dos resultados30. Atualmente, há diversos instrumentos para avaliação da qualidade de vida, mas poucos específicos para pacientes submetidos a cirurgias de câncer de cabeça e pescoço e os questionários que têm sido mais utilizados para esse fim são: Head and Neck Quality of Life, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos (HNQOL), European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC), Quality of Life Questionnaire da Universidade de Washington, Estados Unidos (UW-QOL) e o Functional Assessment of Cancer Therapy(FACT-H&N)31. Vale ser ressaltado, que grande parte dos questionários de qualidade de vida contém questões relativas ao estado de saúde geral do paciente. Além disso, os protocolos específicos em câncer de cabeça e pescoço possuem um detalhamento maior dos aspectos mais afetados pela doença, sendo possível dimensionar tal impacto na qualidade de vida do paciente10. É importante ressaltar, que a avaliação da qualidade de vida de pacientes em estágios iniciais é diferente daqueles tratados em estágios já avançados da doença. Isso porque a abordagem mais conservadora altera de forma significativa a expectativa do paciente em relação ao tratamento, o que faz com que os desgastes físicos e emocionais sejam menores, elevando consequentemente os escores de qualidade de vida13.
No presente estudo foi possível verificar que os protocolos gerais mais utilizados para avaliar a qualidade de vida em voz em indivíduos submetidos a LPSC foi o IDV. Já os protocolos específicos em câncer de cabeça e pescoço foram três: Head and Neck Quality of Life, da Universidade de Michigan (HNQOL), Qualityof Life Questionnaire da Universidade de Washington (UW-QOL) e da European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC). Ambos protocolos possuem questões que avaliam os domínios fundamentais, como: social, emocional e físico. O HNQOL é um questionário mais rápido de ser respondido, seguido do UW-QQOL e do EORTC respectivamente32,33.
Os questionários validados encontrados nos três artigos selecionados para este estudo, encontram-se relacionados e com respectivos resumos de suas características na Figura 4.
Síntese da caracterização dos questionários de avaliação de qualidade de vida de pacientes oncológicos de cabeça e pescoço encontrados na revisão de literatura
Para melhor visualização, encontra-se na Figura 5 os resumos dos citados artigos.
Síntese dos três estudos já citados que utilizaram protocolos de qualidade de vida específicos de câncer de cabeça e pescoço
Moyano11em um estudo utilizou o questionário HNQOL para avaliar a qualidade de vida em pacientes submetidos a LPSC com CHEP. Em seus resultados, é possível notar que um número pequeno de pacientes tiveram recidiva tumoral, o que favoreceu o sucesso da operação e forneceu uma sobrevida livre da doença de 10 anos em 95,83% dos casos.Esses índices segundo o autor, são comparados aos pacientes submetidos a LT. Os domínios mais afetados foram a comunicação e o estado geral. Porém ambos os resultados estavam relacionados quando os pacientes não haviam sido decanulados, foram submetidos ao esvaziamento cervical e/ou submetidos a radioterapia. A conclusão é que houve pouca interferência na vida cotidiana dos pacientes em decorrência da cirurgia. Por fim, ele conclui que a LPSC é uma boa escolha como técnica conservadora cirúrgica, uma vez que preserva a funcionalidade dos órgãos, possui bom controle da doença e baixa limitação funcional.
Sewnaik34 comparou a qualidade de vida de pacientes submetidos a LPSC e LT após radioterapia. Os pacientes foram avaliados por meio do questionário EORTC QLQ C-30 e H&N35, além do questionário IDV. O autor não encontrou diferença estatística entre os dois grupos de pacientes. Foi notada discreta diferença nos quesitos olfato e paladar, em favor do grupo de LPSC. Os autores acreditam que a perda do olfato e do paladar tem um impacto negativo na qualidade de vida uma vez que os pacientes aproveitam menos de suas refeições, o que no estudo não significa necessariamente em uma perda de apetite. O IDV também não mostrou diferença estatística entre os dois grupos, estando todos os pacientes razoavelmente satisfeitos com suas vozes. Outros dois aspectos também tiveram resultados semelhantes para as duas subescalas: física e emocional. Para o autor, não foi possível afirmar de forma clara que há uma grande diferença entre os pacientes submetidos a LPCS e LT devido a falta de questionários de qualidade de vida específicos em laringe, sendo necessário para futuras pesquisas, que haja maior especificidade nos protocolos.
Kandogan35comparoudiferentes técnicas cirúrgicas de laringectomia, nas quais incluiu três técnicas para o estudo, sendo a laringectomiafrontolateral, cordectomia, e laringectomia supracricóide com cricohioidopexia para verificar quais apresentam melhores resultados funcionais e de qualidade vocal. Com a aplicação do questionário UW-QOL, o autor pode perceber uma diferença estatística entre os grupos de cordectomia e frontolateral e o grupo de cordectomia e LPSC. O grupo LPSC teve uma pontuação mais baixa e o grupo de cordectomia uma pontuação mais elevada em três parâmetros, sendo eles de qualidade de vida, nova voz e desempenho. Em relação ao impacto social, funcional e emocional, não houve diferença estatística em nenhum grupo, uma vez que todos avaliaram esse impacto de forma semelhante. Para o autor, a remoção de uma ou duas aritenóides não mostrou impacto significante para os resultados funcionais e a voz, o que não interferiu na qualidade de vida dos pacientes. De uma forma geral, todas as técnicas apresentadas no estudo mostraram bons resultados na qualidade de vida dos pacientes, com preservação de resultados funcionais e da voz.
Autores defendem que o tempo de decanulação do paciente1,26,36, a concomitância com terapias adjuvantes como a radioterapia6,10,11,37, a idade dos pacientes5,8,9,38e a realização do esvaziamento cervical11são fatores que influenciam na qualidade de vida geral afetando aspectos emocionais e sociais12,16. Pacientes decanulados precocemente são mais satisfeitos com a qualidade de vida do que aqueles que permanecem por longos períodos com o traqueostoma11,13,26,38, pois além de afetar diretamente a alimentação e o paciente poder permanecer mais tempo hospitalizado35, a presença do traqueostoma afeta de forma significativa a voz, contribuindo para uma dificuldade na inteligibilidade de fala, com consequente piora na comunicação social¹. Assim, pacientes tendem a ter uma autoavaliação melhor da qualidade de vida quando estão sem a sonda nasoenteral, decanulados e com a possibilidade de se alimentar em público7,8,26,37.
A dor e o desconforto do tratamento foram citados de forma geral como fatores que influenciam negativamente a qualidade de vida11outro ponto citado por autores é o estágio da doença, pois em estágios iniciais os tratamentos são mais conservadores aumentando o nível de satisfação com o método do tratamento12,13,27. Por meio da aplicação do Inventário de Depressão de Beck, utilizado para avaliar o humor dos pacientes depois de tratamento, autores puderam concluir que pacientes com tumores em estados mais avançados são mais propensos a desenvolver depressão do que pacientes em estágios ainda iniciais. Isso porque a não adesão ao tratamento e a baixa-estima são fatores chaves para um pior prognóstico13.
Com relação à voz, há uma divergência de opiniões36, pois alguns autores defendem que de uma forma geral os pacientes se declaram satisfeitos com a própria voz35, com pouca dificuldade para falar em público e se comunicando de forma inteligível2,10,34,39mesmo que a voz seja bastante fraca e que haja dificuldades para se conversar em lugares ruidosos, uma vez que ela não pode ser elevada de forma satisfatória35,36,38,39. Outros defendem que a comunicação foi o domínio mais afetado, com menor qualidade de vida11. Outra explicação pode ser o fato de os pacientes que possuem câncer de laringe considerarem outros aspectos para avaliarem sua qualidade de vida que vão além da voz, havendo influência pela satisfação de o paciente estar curado e vários outros fatores como personalidade, relacionamento com o cônjuge, exigências do trabalho, idade, etc. Foi recentemente demonstrado que as pontuações IDV são significativamente mais elevados para pacientes que se aposentaram ou conseguiram adaptação no trabalho16.
Os problemas vocais são frequentes nas LPSC, apresentando disfonia em grau moderado a severo1,16,39qualidade vocal rouco-soprosa, irregular e tensa1,8,35,38,39.Todos esses fatores certamente influenciam nos escores da qualidade de vida8.Estudos sugerem que a reabilitação vocal deva ocorrer o mais breve possível, para que haja uma melhora no padrão vocal, a fim de minimizar as consequências que afetam a qualidade de vida dos pacientes causadas pela desvantagem vocal1,4,7,14.Porém, é necessário que os pacientes tenham capacidade de aderir aos cuidados pós-operatórios e a reabilitação, sendo a condição física e emocional, fatores imprescindíveis para uma melhor e mais rápida recuperação.
Na presente busca, foi possível verificar que, apesar de alguns artigos afirmarem preocupação com a qualidade de vida de pacientes submetidos à LPSC, ainda é pequena a parcela de autores que utilizam protocolos específicos em câncer de cabeça e pescoço para avaliação da qualidade de vida desses pacientes e mais, falta um questionário validado que aborde os problemas específicos de pacientes oncológicos de laringe34. Na presente revisão de literatura foram encontrados somente três artigos que utilizam protocolos específicos de qualidade de vida em câncer de cabeça e pescoço. Estes três artigos11,13,34 coincidem em afirmar dificuldades em se chegar a resultado consistente devido à escassez de publicações. Outra dificuldade encontrada é de se chegar aos resultados das reais necessidades dos sujeitos, pois se pormenorizar a análise de cada questão pode-se perceber quais os aspectos são mais afetados, portanto de maiores dificuldades para esses pacientes, mesmo que de um modo geral os escores estejam elevados e apontem para uma boa qualidade de vida12,39. Desse modo, análises qualitativas dos resultados são necessárias para que se possam verificar pontualmente quais aspectos contribuem mais para o impacto na qualidade de vida do LPSC.
Embora não fosse meta do presente estudo analisar resultados de protocolos de qualidade de vida não específicos em câncer de cabeça e pescoço considera-se importante ressaltar que os estudos que utilizaram o Índice de Desvantagem vocal - IDV encontraram em sua maioria escores inferiores a 40 afirmando que a voz resultante da LPSC apresentou baixo impacto na qualidade de vida3,7,16,36,37.
Por outro lado três estudos afirmaram impacto moderado ou significativo na qualidade de vida em voz com médias acima dos 43 pontos8,39,40correspondendo a compatibilidade com vozes disfônicas.
Conclusão
Cirurgias oncológicas de cabeça e pescoço afetam de forma significativa a qualidade de vida dos pacientes, uma vez que são cirurgias quase sempre impactantes na comunicação, alimentação e na autoimagem do indivíduo levando a consequente prejuízo na sua reintegração ao convívio social.
São escassas as publicações a respeito da qualidade de vida de pacientes no que diz respeito à utilização de protocolos específicos em câncer de cabeça e pescoço. Há necessidade de mais estudos relacionados à qualidade de vida em pacientes oncológicos de cabeça e pescoço e criação de protocolos específicos para pacientes oncológicos de laringe, uma vez que os necessários tratamentos cirúrgicos modificam os aspectos funcionais laríngeos.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
May-Jun 2016
Histórico
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Recebido
22 Set 2015 -
Aceito
14 Abr 2016