RESUMO
Objetivo: avaliar as medidas antropométricas orofaciais segundo o tipo facial de crianças do sexo masculino e feminino.
Métodos: participaram do estudo 126 crianças, 64 do sexo feminino e 62 do sexo masculino, com idade entre sete anos e 11 anos. As medidas antropométricas orofaciais foram comparadas entre os tipos faciais obtidos por meio da análise cefalométrica. Inicialmente foi realizada análise descritiva dos tipos faciais de acordo com os sexos. Por meio da Análise de Variância, foi realizada a comparação das medidas antropométricas no sexo masculino e feminino isoladamente e, posteriormente, foi realizada a análise independe do sexo. Os dados foram analisados considerando nível de significância de 5%.
Resultados: encontrou-se um número maior de braquifaciais, seguidos de mesofaciais e dolicofaciais na totalidade da amostra. Na comparação das medidas antropométricas entre os três tipos faciais, evidenciou-se no sexo masculino diferença significante na medida de terço facial inferior e no sexo feminino, nas medidas da altura facial, terço inferior e lábio inferior. Quando comparadas as medidas antropométricas de forma independente do sexo, evidenciou-se diferença significante no terço inferior, lados direito e esquerdo da face, lábios superior e inferior.
Conclusão: como esperado, nas análises de todos os resultados, considerando ou não os sexos, as medidas antropométricas orofaciais foram menores nos braquifaciais, com maior evidência encontrada nas medidas relacionadas ao plano vertical inferior.
Descritores: Antropometria; Face; Medidas; Criança
ABSTRACT
Purpose: assess anthropometric orofacial measurements of boys and girls according to facial type.
Methods: participants were 126 children, 64 girls and 62 boys, aged between seven and 11 years. Anthropometric orofacial measurements were compared between the facial types obtained by cephalometric analysis. Initially, a descriptive analysis of facial types was conducted based on sex. Anthropometric measurements in boys and girls were compared separately by analysis of variance, followed by sex-independent analysis. Data were analyzed considering a significance level of 5%.
Results: a larger number of brachyfacial individuals were found in the sample, followed by mesofacial and dolichofacial subjects. Comparison of facial measurements for the three types showed a significant difference in the lower third of the face among boys, and in face height, lower third and lower lip among girls. When anthropometric measurements were compared independently of sex, a significant difference was observed in the lower third, right and left sides of the face, as well as the upper and lower lips.
Conclusion: as expected, analyses of all the results, considering sex or not, found lower anthropometric orofacial measurements in brachyfacial individuals, which was most evident in measurements related to the lower vertical plane.
Keywords: Anthropometry; Face; Measurements; Children
Introdução
A face humana é constituída por estruturas musculares e ósseas, que variam de acordo com a tipologia facial do indivíduo. De um modo geral, classifica-se a face em curta ou braquifacial, média ou mesofacial e longa ou dolicofacial1. Cada tipo facial apresenta características próprias, que podem ser observadas na musculatura orofacial, formatos da configuração das estruturas craniofaciais, forma das arcadas dentárias e oclusão1,2. As características de cada tipo facial podem influenciar diretamente nas funções de mastigação, deglutição, voz, respiração e fala. Devido à estreita relação com as funções estomatognáticas, o tipo facial é um aspecto importante a ser considerado no diagnóstico e tratamento na área de motricidade orofacial1.
No tipo braquifacial, há um maior crescimento no sentido horizontal. Já no tipo mesofacial os vetores de crescimento facial horizontal e vertical encontram-se equilibrados. Por sua vez, no tipo dolicofacial existe um predomínio de crescimento vertical3. Para classificação dos tipos de face, recomenda-se a utilização da cefalometria, que é citada na literatura como soberana no diagnóstico da tipologia facial4,5. Esta avaliação possibilita o estudo das estruturas dento-faciais e do crescimento craniofacial, sendo frequentemente solicitada na área de ortodontia4.
Na fonoaudiologia, a avaliação antropométrica orofacial é realizada na prática clínica de motricidade orofacial para avaliação quantitativa da morfologia do complexo craniofacial, complementando a avaliação antroposcópica5. Devido à simplicidade, baixo custo e por não apresentar risco ao indivíduo, tornou-se um instrumento clínico importante, fornecendo dados de referência para uma variedade de medidas orofaciais6.
Tendo em vista as especificidades que podem ser encontradas dentro de cada tipo facial e a importância da antropometria para quantificar as características morfológicas do complexo craniofacial, este estudo teve como objetivo avaliar as medidas antropométricas orofaciais segundo o tipo facial de crianças do sexo masculino e feminino.
Métodos
Esta pesquisa se caracteriza por apresentar delineamento transversal analítico. Foi previamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem sob protocolo de número 08105512.0000.5346. Os responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e as crianças assentiram sua participação no estudo.
Foram incluídas no estudo crianças de nacionalidade brasileiras, na faixa etária entre sete anos e 11 anos e 11 meses e excluídas as crianças que apresentavam histórico de tratamento fonoaudiológico e/ou ortodôntico, sinais evidentes de comprometimento neurológico, síndromes e/ou limitações cognitivas e malformações craniofaciais. A partir desses critérios, a amostra foi constituída de 126 crianças, 64 do sexo feminino (média de idade 9,15 anos) e 62 do sexo masculino (média de idade 8,83 anos). A pesquisa foi realizada em quatro escolas públicas do município de Santa Maria, Rio Grande do Sul.
A avaliação antropométrica foi realizada por fonoaudióloga e as medidas foram obtidas diretamente na face da criança, utilizando paquímetro digital da marca Digimess Pró-Fono. Para a obtenção da medida da largura facial (zy-zy), foram adaptados prolongamentos de metal de 8,25 cm nos bicos do instrumento para medição externa7.
Durante a avaliação antropométrica, a criança permaneceu de frente para a examinadora, na posição sentada, com os pés apoiados no solo, com a cabeça mantida em posição natural, os lábios vedados e com os dentes em oclusão cêntrica sem apertamento5,6,8.
Para obtenção das medidas orofaciais, foram palpados os pontos craniofaciais, para localização precisa, os quais foram marcados na pele com lápis dermográfico. As medidas antropométricas foram realizadas sem pressionar as pontas do paquímetro contra a superfície da pele, o que poderia alterar os resultados. Todas as medidas foram realizadas duas vezes, a fim de se ter maior confiabilidade. O resultado de cada medida foi obtido pela média em milímetros das duas coletas5,6,8.
As medidas coletadas foram:
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altura facial: distância da glabela ao gnátio (g-gn);
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terço médio da face: distância da glabela ao subnasal (g-sn);
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terço inferior da face: distância do subnasal ao gnátio (sn-gn);
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lado direito: distância do canto externo do olho direito à comissura labial direita (ex-ch);
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lado esquerdo: distância do canto externo do olho esquerdo à comissura labial esquerda (ex-ch);
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altura do lábio superior: distância do subnasal ao ponto mais inferior do lábio superior (sn-sto);
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altura do lábio inferior: distância do ponto mais superior do lábio inferior ao gnátio (sto-gn);
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largura facial: distância entre a proeminência dos arcos zigomáticos (zy-zy).
Para obtenção do tipo facial, as crianças foram encaminhadas para avaliação cefalométrica, que possibilitou a obtenção do tipo facial a partir do índice VERT da análise de Ricketts9. O valor do índice VERT foi obtido por meio da média aritmética dos cinco valores de classificação facial: ângulo do eixo facial; profundidade facial; ângulo de plano mandibular; altura facial inferior; arco mandibular. Valores acima de 0,5 indicam tipo facial braquifacial; entre -0,5 e +0,5, mesofacial; e menores que -0,5 caracterizam o dolicofacial3,5.
Na análise dos dados, foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov a fim de verificar a normalidade de distribuição das medidas antropométricas orofaciais. Para comparação das medidas antropométricas entre o os tipos faciais e entre os sexos, foi utilizada Análise de Variância (ANOVA) e nas comparações múltiplas o teste de Tukey. As análises estatísticas foram realizadas por meio do software SPSS (Statiscal Package for Social Science, versão 20), considerando-se o nível de significância de 5%.
Resultados
Na Tabela 1, encontra-se a distribuição dos tipos faciais da amostra de acordo com os sexos, obtida por meio da análise descritiva dos dados.
A Tabela 2 apresenta a comparação das medidas antropométricas orofaciais entre os tipos faciais no sexo masculino e a Tabela 3 no sexo feminino. Foi verificada diferença significante na medida do terço inferior (sn-gn) no sexo masculino e nas medidas do altura facial (g-gn), terço inferior (sn-gn) e lábio inferior (sto-gn) no sexo feminino.
Já na Tabela 4, encontra-se a comparação independente do sexo das medidas antropométricas orofaciais. Verificou-se diferença significante na medida do terço inferior (sn-gn), lado direito da face (ex-ch), lado esquerdo da face (ex-ch), lábio superior (sn-sto) e lábio inferior (sto-gn).
Discussão
A partir da análise descritiva dos resultados da Tabela 1, observou-se que no sexo masculino, apesar de ser encontrado número maior de crianças mesofaciais, a distribuição foi semelhante entre os três tipos faciais. Já no sexo feminino, mais da metade das crianças eram braquifaciais. Quando analisada a distribuição de toda a amostra deste estudo, observou-se maior ocorrência de braquifaciais, seguidos de mesofaciais e dolicofaciais.
Em estudos nacionais, a partir do índice VERT da análise cefalométrica de Ricketts, verificam-se diferentes ocorrências dos tipos faciais nas amostras estudadas. Em uma pesquisa realizada com 88 sujeitos com média de idade de 10 anos e três meses, o tipo facial predominante foi dolicofacial, seguido de mesofacial e braquifacial10. Em outro estudo realizado com 105 sujeitos na faixa etária 20 a 40 anos, verificou-se no sexo masculino maior frequência de braquifaciais e no feminino ocorrência muito semelhante entre braquifaciais e mesofaciais, com menor ocorrência de sujeitos dolicofaciais em ambos os sexos4.
Acredita-se que a variação na distribuição dos tipos faciais nas amostras dos estudos ocorra devido à influência de diversos fatores no padrão de crescimento facial, tais como sexo, idade e raça. Outro aspecto importante que deve ser levado em consideração é a suscetibilidade do crescimento e o desenvolvimento craniofacial a variáveis como nutrição, doenças, fatores socioeconômicos, fatores hereditários e alterações funcionais11.
As medidas antropométricas orofaciais coletadas também foram comparadas entre os tipos faciais considerando os sexos isoladamente, pois estudos prévios indicam a existência de diferenças nas médias destas medidas entre homens e mulheres, que frequentemente são maiores no primeiro grupo2,7,12. No presente estudo, verificou-se que algumas médias das medidas orofaciais nos diferentes tipos faciais foram maiores no sexo feminino do que no masculino, o que pode estar associado a maior média de idade das crianças do sexo feminino.
Não foram encontrados estudos na literatura que tenham comparado as medidas antropométricas orofaciais nos tipos faciais de crianças. Em vista disso, os resultados deste estudo foram comparados com os de um estudo realizado com adoloscentes13 e outro realizado com adultos2.
Na comparação das medidas antropométricas entre os tipos faciais das crianças do sexo masculino (Tabela 2), evidenciou-se diferença significante na medida do terço inferior (sn-gn), sendo esta menor em braquifaciais quando comparada às crianças mesofaciais e dolicofaciais. Outro estudo também encontrou diferença significante na altura do terço inferior (sn-gn) de sujeitos adultos, sendo esta medida menor nos braquifaciais e maior nos mesofaciais e dolicofaciais2.
Já na Tabela 3, verifica-se a comparação das medidas faciais entre os tipos faciais das crianças do sexo feminino. Evidenciou-se altura facial (g-gn) menor nos mesofaciais do que nos dolicofaciais, bem como terço inferior (sn-gn) e altura do lábio inferior (sto-gn) significantemente menor nos braquifaciais do que nos dolicofaciais.
Estudo realizado com 105 adultos, na faixa etária entre 20 e 40 anos, encontrou diferença significante nas medidas da altura facial (g-gn) anterior, altura do terço facial inferior, altura da face média e altura da face inferior entre os tipos faciais, tanto no sexo masculino quanto no sexo feminino2.
Na Tabela 4, a partir da comparação das medidas faciais nos tipos faciais independente da variável sexo, evidenciou-se terço inferior (sn-gn), lados direito (ex-ch) e esquerdo da face (ex-ch), e lábios superior (sn-sto) e inferior (sto-gn) significantemente menores nos braquifaciais do que nos mesofaciais e dolicofaciais. Estudo semelhante realizado com uma amostra de 39 sujeitos adolescentes, com idades entre 15 e 17 anos, verificou que a altura do lábio superior (sn-sto) e terço inferior (sn-gn) foram significantemente maiores em sujeitos dolicofaciais e menores em mesofaciais e braquifaciais, respectivamente, não sendo evidenciada diferença significante na altura do lábio inferior (sto-gn), terço médio (g-sn) e lados direito (ex-ch) e esquerdo da face (ex-ch)13.
A partir da análise dos resultados deste estudo, pode-se verificar que as medidas orofaciais obtidas por meio da antropometria, apresentam valores que se diferenciaram entre os tipos faciais. Além disso, encontrou-se vetor de crescimento vertical menor nos braquifaciais e maiores nos dolicofaciais, sugerindo que as medidas antropométricas apresentam modificações correspondentes ao esperado nos tipos faciais obtidos por meio do índice VERT da análise cefalométrica de Ricketts.
Com isso, sugere-se que a tipologia facial pode ter influência sobre as medidas antropométricas orofaciais, reforçando a necessidade de considerar esta variável nos estudos que realizam avaliação antropométrica orofacial.
Conclusão
A partir da análise dos resultados deste estudo, pode-se concluir que as medidas antropométricas orofaciais foram menores nos braquifaciais do que nos mesofaciais e dolicofaciais, com maior evidência encontrada nas medidas relacionadas ao plano vertical inferior e transversal.
Referências
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Fev 2017
Histórico
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Recebido
19 Ago 2016 -
Aceito
11 Jan 2017