Open-access Consumo, digestibilidade aparente e dias de coleta total na estimativa da digestibilidade em caprinos alimentados com dietas contendo cana-deaçúcar tratada com óxido de cálcio

Intake, apparent digestibility and days of collection in digestibility estimate in goats fed diets containing sugar cane treated with calcium oxide

Resumos

O trabalho foi realizado para avaliar o consumo, a digestibilidade aparente dos nutrientes e o efeito do tempo (dias) de coleta total (dois e quatro dias) na estimativa da digestibilidade aparente em caprinos alimentados com dietas contendo cana-de-açúcar tratada com óxido de cálcio (CaO). Foram utilizados oito caprinos da raça Saanen, machos castrados, com peso corporal médio de 22,6 kg e 4 meses de idade, distribuídos em dois quadrados latinos 4 × 4, com quatro períodos experimentais de 14 dias. As dietas foram formuladas para ser isoproteicas, com 14% de proteína bruta (PB), e foram compostas de 70% de cana-de-açúcar tratada com 0; 0,75; 1,5 ou 2,25% de óxido de cálcio (com base na matéria natural) corrigida com 1% de ureia e 30% de concentrado. As variáveis relacionadas ao consumo no grupo de animais que recebeu cana-de-açúcar tratada com óxido de cálcio foram maiores que naquele alimentado com cana in natura. O consumo de nutrientes em geral aumentou com as doses de óxido de cálcio adicionadas à cana-de-açúcar. Os coeficientes de digestibilidade de matéria seca (MS), proteína bruta (PB) e carboidratos não-fibrosos corrigidos para cinzas e proteína (CNFcp) foram menores nos grupos alimentados com cana-deaçúcar tratada com óxido de cálcio em comparação à cana in natura. Verificou-se redução linear do coeficiente de digestibilidade da FDN e efeito quadrático do tratamento da cana com óxido de cálcio sobre a digestibilidade do extrato etéreo (EE) e CNFcp. O uso de óxido de cálcio no tratamento da cana-açúcar aumenta o consumo, mas não melhora a digestibilidade dos nutrientes. Dois dias de coleta total de fezes são suficientes para estimar a digestibilidade aparente total em caprinos.

cana hidrolisada; óxido de cálcio; tratamento químico; volumoso


This work was developed to evaluate intake, apparent digestibility of nutrients and the effect of time (days) of total collection (two and four days) in apparent digestibility estimate in goats fed diets containing sugar cane treated with calcium oxide (CaO). Eight castrated male Saanen breed goats, at 22.6 kg average body weight and at four months of age were used, distributed in two 4 × 4 Latin squares, with four 14-day experimental periods. The diets were formulated to be isoprotein with 14% crude protein (CP) and they were composed of 70% sugar cane treated with 0; 0.75; 1.5 or 2.25% CaO (in natural matter basis) corrected with 1% urea and 30% concentrate. The variables related with the intake in animals fed sugar cane treated with calcium oxide were higher than those fed in natura sugar cane. Overall, nutrient intake increased with doses of calcium oxide added to sugar cane. Coefficients of digestibility of dry matter (DM), organic matter (OM), crude protein (CP) and non-fibrous carbohydrate corrected for ash and protein (NFCap) were lower in the groups fed sugar cane treated with calcium oxide in relation to in natura sugar cane. It was verified linear reduction of coefficient of digestibility of NDF and quadratic effect of hydrolyses of sugar cane with calcium oxide on digestibility of ether extract (EE) and NFCap. Use of calcium oxide in sugar cane treatment increase intake but it does not improve nutrient digestibility. Two days of total fecal collection are sufficient to estimate the total apparent digestibility in goats.

calcium oxide; chemical treatment; hydrolyzed cane; roughage


RUMINANTES

Consumo, digestibilidade aparente e dias de coleta total na estimativa da digestibilidade em caprinos alimentados com dietas contendo cana-deaçúcar tratada com óxido de cálcio

Intake, apparent digestibility and days of collection in digestibility estimate in goats fed diets containing sugar cane treated with calcium oxide

Gleidson Giordano Pinto de CarvalhoI; Rasmo GarciaII,V; Aureliano José Vieira PiresIII,V; Robério Rodrigues SilvaIII; Leandro Sampaio Oliveira RibeiroIV; Daiane Maria Trindade ChagasIV; Bianca Damasceno PinhoV; Ellen Mary Barros DomicianoV

IDoutorando em Zootecnia, UFV, Viçosa, MG. E-mail: gleidsongiordano@yahoo.com.br

IIUniversidade Federal de Viçosa, UFV, Viçosa, MG.

IIIUniversidade Estadual do Sudoeste da Bahia, UESB, Itapetinga, BA.

IVGraduando(a) em Zootecnia/UESB, Itapetinga, BA.

VPesquisador do CNPq.

RESUMO

O trabalho foi realizado para avaliar o consumo, a digestibilidade aparente dos nutrientes e o efeito do tempo (dias) de coleta total (dois e quatro dias) na estimativa da digestibilidade aparente em caprinos alimentados com dietas contendo cana-de-açúcar tratada com óxido de cálcio (CaO). Foram utilizados oito caprinos da raça Saanen, machos castrados, com peso corporal médio de 22,6 kg e 4 meses de idade, distribuídos em dois quadrados latinos 4 × 4, com quatro períodos experimentais de 14 dias. As dietas foram formuladas para ser isoproteicas, com 14% de proteína bruta (PB), e foram compostas de 70% de cana-de-açúcar tratada com 0; 0,75; 1,5 ou 2,25% de óxido de cálcio (com base na matéria natural) corrigida com 1% de ureia e 30% de concentrado. As variáveis relacionadas ao consumo no grupo de animais que recebeu cana-de-açúcar tratada com óxido de cálcio foram maiores que naquele alimentado com cana in natura. O consumo de nutrientes em geral aumentou com as doses de óxido de cálcio adicionadas à cana-de-açúcar. Os coeficientes de digestibilidade de matéria seca (MS), proteína bruta (PB) e carboidratos não-fibrosos corrigidos para cinzas e proteína (CNFcp) foram menores nos grupos alimentados com cana-deaçúcar tratada com óxido de cálcio em comparação à cana in natura. Verificou-se redução linear do coeficiente de digestibilidade da FDN e efeito quadrático do tratamento da cana com óxido de cálcio sobre a digestibilidade do extrato etéreo (EE) e CNFcp. O uso de óxido de cálcio no tratamento da cana-açúcar aumenta o consumo, mas não melhora a digestibilidade dos nutrientes. Dois dias de coleta total de fezes são suficientes para estimar a digestibilidade aparente total em caprinos.

Palavras-chave: cana hidrolisada, óxido de cálcio, tratamento químico, volumoso

ABSTRACT

This work was developed to evaluate intake, apparent digestibility of nutrients and the effect of time (days) of total collection (two and four days) in apparent digestibility estimate in goats fed diets containing sugar cane treated with calcium oxide (CaO). Eight castrated male Saanen breed goats, at 22.6 kg average body weight and at four months of age were used, distributed in two 4 × 4 Latin squares, with four 14-day experimental periods. The diets were formulated to be isoprotein with 14% crude protein (CP) and they were composed of 70% sugar cane treated with 0; 0.75; 1.5 or 2.25% CaO (in natural matter basis) corrected with 1% urea and 30% concentrate. The variables related with the intake in animals fed sugar cane treated with calcium oxide were higher than those fed in natura sugar cane. Overall, nutrient intake increased with doses of calcium oxide added to sugar cane. Coefficients of digestibility of dry matter (DM), organic matter (OM), crude protein (CP) and non-fibrous carbohydrate corrected for ash and protein (NFCap) were lower in the groups fed sugar cane treated with calcium oxide in relation to in natura sugar cane. It was verified linear reduction of coefficient of digestibility of NDF and quadratic effect of hydrolyses of sugar cane with calcium oxide on digestibility of ether extract (EE) and NFCap. Use of calcium oxide in sugar cane treatment increase intake but it does not improve nutrient digestibility. Two days of total fecal collection are sufficient to estimate the total apparent digestibility in goats.

Key Words: calcium oxide, chemical treatment, hydrolyzed cane, roughage

Introdução

Embora os caprinos se adaptem muito bem a condições ambientais menos favoráveis (Moraes, 2007), o fornecimento de volumosos de bom valor nutritivo é importante para atender aos requisitos nutricionais desses animais no período seco.

A cana-de-açúcar tem sido muito utilizada na alimentação de animais ruminantes, pois é uma forrageira de baixo custo de produção se comparada à silagem de milho e ao sorgo, por exemplo, e, apesar de possuir baixo teor de proteína e elevado de fibra indigestível, apresenta elevado teor de energia (sacarose) e pequena variação na composição química, em decorrência da maturação, e seu ponto de colheita coincide com o período de escassez de forrageiras nas pastagens (Prado & Moreira, 2002).

O uso de aditivos químicos para melhorar o valor nutritivo da cana-de-açúcar e de seus subprodutos tem sido amplamente estudado em todo o país (Pires et al., 2004; Ezequiel et al., 2005; Carvalho et al., 2006, 2009, 2010; Ribeiro et al., 2009). A principal contribuição da adição de produtos químicos como o hidróxido de sódio (NaOH) e óxido de cálcio (CaO) na cana-de-açúcar está calcada sobre a ação que os mesmos apresentam, provando alterações na parede celular e melhorando a digestibilidade (Pires et al., 2006). O óxido de cálcio, entretanto, tem despertado interesse em pesquisadores, pois nos últimos anos é crescente o número de trabalhos realizados com este aditivo na cana-de-açúcar (Balieiro Neto et al., 2007; Cavali et al., 2010; Siqueira et al., 2007; Moraes et al., 2008).

A coleta total de fezes é realizada em experimentação com animais ruminantes em confinamento, tendo como função primária a obtenção da estimativa da excreção fecal de matéria seca para estimar a digestibilidade aparente total dos nutrientes. Entretanto, de um modo geral, estes métodos são laboriosos e requerem disponibilidade irrestrita de mão-de-obra para auxiliar durante o período de coleta, o que tem resultado na busca por alternativas para amenizar o trabalho experimental. A indicação de intervalos (dias) de coleta total cada vez menores, mas que proporcione estimativas confiáveis dos resultados, são importantes para a condução de ensaios de digestão com ruminantes confinados.

Este trabalho foi realizado para avaliar o consumo, a digestibilidade aparente dos nutrientes e o efeito do tempo (dias) de coleta total na estimativa da digestibilidade aparente em caprinos alimentados com dietas contendo cana-de-açúcar hidrolisada com óxido de cálcio.

Material e Métodos

O experimento foi conduzido no Setor de Caprinocultura e no Laboratório de Forragicultura e Pastagens da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no Campus de Itapetinga, Bahia. Utilizaram-se oito caprinos Saanen, machos castrados, com peso corporal médio inicial de 22,6 kg e 4 meses de idade, distribuídos em dois quadrados latinos 4 × 4.

Os animais foram mantidos em baias individuais de 1,2 m2, com piso ripado de madeira, providas de comedouros e bebedouros, dispostos frontalmente em cada baia e alimentados com dietas contendo 70% cana-de-açúcar corrigida com 1% de ureia e tratada com doses de 0; 0,75; 1,5 e 2,25% de óxido de cálcio (CaO) e 30% de concentrado (Tabela 1).

A cana-de-açúcar fornecida in natura foi desintegrada em máquina desintegradora estacionária momentos antes do fornecimento aos animais. Já a canade-açúcar tratada com óxido de cálcio foi desintegrada em máquina estacionária, pesada e acondicionada em baldes plásticos de 50 L com o óxido de cálcio e fornecida aos animais após 24 horas de armazenamento. As doses de óxido de cálcio aplicadas à cana-de-açúcar foram calculadas com base na matéria natural, sem diluição em água. Durante todo o período de armazenamento, foi monitorada a temperatura (Figura 1).


No momento do fornecimento aos animais, a cana foi corrigida com uréia na proporção de 1% da matéria natural. As dietas foram calculadas para conter nutrientes suficientes para ganho de peso de 0,2 kg/dia (NRC, 2006) e balanceadas para conter aproximadamente 14,8% de proteína bruta e 60% de NDT. A aplicação de ureia à canade-açúcar foi realizada mediante diluição da ureia em água, com a quantidade de água calculada diariamente, obedecendo à proporção de 1 kg de ureia para 4 litros de água.

Durante todo o experimento, antes do fornecimento das dietas, foi realizado o monitoramento do teor de açúcares solúveis (oBrix) da cana-de-açúcar in natura e com as doses de óxido de cálcio utilizando-se refratômetro.

O experimento teve duração de 56 dias, divididos em quatro períodos experimentais de 14 dias: os dez primeiros destinados à adaptação dos animais e os quatro dias finais à coleta de dados.

Os animais foram pesados no início e ao final de cada período experimental, para estimativa do consumo de nutrientes em percentagem do peso vivo.

As dietas foram fornecidas duas vezes ao dia, às 7 h e às 15 h, em quantidade ajustada de forma a manter as sobras em torno de 5 a 10% do fornecido, com água permanentemente à disposição dos animais. Diariamente, as dietas (em kg) fornecidas aos animais foram anotadas em planilha própria. No período de coleta, do 11o ao 14o dia de cada período experimental, amostras dos volumosos, do concentrado e das sobras de cada animal foram coletadas diariamente, acondicionadas em sacos plásticos e armazenadas em freezer.

Para efeito de quantificação e avaliação do consumo voluntário, foram considerados os alimentos fornecidos entre o 10o e 13o dia de cada período experimental, e as sobras computadas entre o 11o ao 14o dia.

Amostras dos volumosos, dos concentrados e das sobras de cada animal foram pré-secas em estufa com ventilação forçada a 60ºC e moídas em moinho de faca (peneira com crivos de 1 mm), para posteriores análises dos teores de matéria seca (MS), matéria orgânica (MO), proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE), fibra em detergente neutro

(FDN), fibra em detergente ácido (FDA), proteína insolúvel em detergente neutro (PIDN), proteína insolúvel em detergente ácido (PIDA) celulose, hemicelulose e lignina (H2SO4 72% p/p), segundo os procedimentos descritos em Silva & Queiroz (2002). O teor de fibra em detergente neutro corrigido para cinzas e proteína foi realizado segundo recomendações de Licitra et al. (1996) e Mertens (2002).

As estimativas dos teores de fibra em detergente neutro potencialmente digestível (FDNpD) e matéria seca potencialmente digestível (MSpD) dos alimentos foram obtidas conforme descrito por Paulino et al. (2006). Os carboidratos totais (CT) foram estimados segundo Sniffen et al. (1992), como:

CT = 100 - (%PB + %EE + %cinzas).

Os teores de carboidratos não-fibrosos corrigidos para cinzas e proteína (CNFcp) foram calculados como proposto por Hall (2003), em que: CNFcp = (100 - %FDNcp - %PB - %EE - %cinzas).

Os nutrientes digestíveis totais (NDT) foram calculados segundo Weiss (1999), mas utilizando a FDN e CNF corrigindo para cinza e proteína, pela seguinte equação:

NDT (%) = PBD + FDNcpD + CNFcpD + 2,25EED. em que: PBD = PB digestível; FDNcpD= FDNcp digestível; CNFcpD= CNFcp digestíveis; e EED= EE digestível.

Os teores de nutrientes digestíveis totais estimados (NDTest) dos alimentos e dietas totais, foram calculados conforme equações descritas pelo NRC (2001).

Foi estimado o consumo de MS, MSi, MO, PB, EE, FDN, FDNcp, FDNi, CT, CNFcp e NDT em kg/dia, de MS, MO, FDN, FDNcp e NDT (em %PV) e MS em relação ao peso metabólico (g/kg0,75).

Para a estimativa da digestibilidade aparente dos nutrientes, foi realizada coleta total de fezes dos animais do 11o ao 14o dia de cada período experimental. A coleta efetuada em cada período, por animal, foi realizada com o auxílio de uma tela de polietileno, instalada na parte inferior de cada baia. As fezes foram pesadas pela manhã, e retirado aproximadamente 10% do total, o qual foi congelado em freezer a -10oC para posteriores análises. A partir das amostras diárias, foram elaboradas duas amostras compostas das fezes para a comparação do período de coleta, sendo a primeira amostra relativa aos dois primeiros dias, do 11o ao 12o dia e, a segunda, referente aos quatro dias consecutivos de coleta.

Na estimação dos teores de MSi e FDNi para obtenção dos consumos, amostras dos alimentos fornecidos (cana e concentrado) e sobras foram incubadas por 240 horas (Casali et al., 2008) em duplicata (20 mg MS/cm²) em sacos de tecido não-tecido (TNT - 100 g/m²) no rúmen de dois novilhos mestiços recebendo dieta mista (cana-de-açúcar e concentrado à base de milho e farelo de soja). Após este período, os sacos foram retirados, lavados em água corrente, e o material remanescente da incubação foi levado à estufa de ventilação forçada a 60oC por 72 horas. Após esta etapa, foram retirados da estufa, acondicionados em dessecador e pesados, sendo o resíduo obtido considerado como MSi. Prosseguindo, os sacos foram, então, acondicionados em potes plásticos, adicionados 50 mL de detergente neutro por saco, e submetidos à fervura em detergente neutro por uma hora, sendo em seguida lavados com água quente e acetona, secos e pesados conforme o procedimento anterior, sendo o novo resíduo considerado como FDNi (Casali et al., 2008).

A comparação de dias de coleta total na estimação da excreção fecal e da digestibilidade dos nutrientes foi realizada em esquema de parcelas subdivididas, no qual as parcelas foram compostas pelas dietas (diferentes doses de óxido de cálcio) e as subparcelas, pelos dias de coleta.

As estimativas de consumo, digestibilidade dos nutrientes e NDT foram comparadas entre os tratamentos por meio da decomposição da soma de quadrados relacionada às doses de óxido de cálcio na cana-de-açúcar, por meio de contrastes ortogonais (Tabela 4).

Ao primeiro contraste (A) atribuiu-se a comparação entre as médias da dieta controle (cana in natura) e envolvendo cana-de-açúcar com óxido de cálcio. Os contrastes representados pelas letras B e C permitiram a avaliação de efeitos linear e quadrático das doses de óxido de cálcio na cana-de-açúcar, respectivamente. Os procedimentos estatísticos foram realizados com o auxílio do programa SAS (Statistical Analisys System, 2000), adotando-se 0,05 como nível crítico de probabilidade.

Resultados e Discussão

Para todas as dietas com cana-de-açúcar tratada com óxido de cálcio, os consumos de matéria seca (MS), matéria orgânica (MO), proteína bruta (PB), fibra em detergente neutro (FDN), fibra em detergente neutro corrigida pra cinzas e proteína (FDNcp), carboidratos totais (CT), carboidratos não-fibrosos (CNFcp) e nutrientes digestíveis totais (NDT) (em kg/dia) foram superiores aos obtidos com a cana in natura (P<0,05). O mesmo comportamento foi verificado para os consumos de MS, MO, FDN, FDNcp e NDT expressos em % do peso vivo (% PV) e para o consumo de MS em g/kg0,75 (Tabela 5).

O tratamento da cana-de-açúcar com óxido de cálcio teve efeito linear positivo sobre o consumo de MS, MSi, MO, PB, FDNi, CT, CNFcp e NDT, em kg/dia (P<0,05). Os consumos de MS, MO e NDT em %PV e o consumo de MS em g/kg0,75 também se associaram de forma linear positiva às doses de óxido de cálcio na cana-de-açúcar (Tabela 5).

Em primeiro momento, diante dos resultados de consumo de nutrientes, pode-se inferir que o tratamento da cana-de-açúcar com o óxido de cálcio foi benéfico, pois proporcionou aumento do consumo voluntário. A busca por maior consumo de volumosos tratados com produtos alcalinos é uma pressuposição básica que impulsiona e motiva as pesquisas em nutrição de ruminantes. Essa busca é suportada pelos resultados encontrados por Ezequiel et al. (2005), que verificaram efeito positivo do tratamento da cana-de-açúcar com óxido de cálcio sobre o consumo voluntário e a digestibilidade.

Os maiores consumos de nutrientes observados podem ser atribuídos à ação positiva do óxido de cálcio sobre os componentes fibrosos da cana-de-açúcar (Tabela 2 e Tabela 3), o qual pode ter influenciado positivamente os resultados obtidos. Nesse sentido, pressupõe-se que uma possível elevação da taxa de passagem dos alimentos tenha influenciado o consumo de nutrientes, principalmente os de MS e FDN, cujos aumentos foram de 9,2; 18,4 e 27,5% e de 5,3; 10,7 e 16,8%, respectivamente, nas dietas contendo cana-deaçúcar tratada com óxido de cálcio nas doses de 0,75; 1,5 e 2,25% da matéria natural, em relação à dieta com cana-deaçúcar in natura. Estudos avaliando a viabilidade de volumosos tratados com produtos alcalinos na alimentação de caprinos em crescimento são escassos. Contudo, em estudos com ovinos e bovinos, tem-se observado variação nas respostas obtidas para o consumo de nutrientes quando utilizada cana-de-açúcar tratada com óxido de cálcio (Pontes, 2007; Moraes et al., 2008).

Em trabalho conduzido por Pontes (2007), avaliou-se o tratamento da cana-de-açúcar com óxido de cálcio (0; 0,5 e 1% da materia natural) em dois tempos de armazenamento (0 e 24 horas) e não notou efeito da adição de óxido de cálcio sobre os consumos de MS, MO, PB, FDN, CNF e NDT em ovinos adultos. Moraes et al. (2008) trataram a cana-deaçúcar com óxido de cálcio (1%) e forneceram a novilhas mestiças após 24 horas de armazenamento e encontraram resultados negativos sobre o consumo voluntário de nutrientes, que foi maior no grupo alimentado com a canade-açúcar in natura. Os motivos para a falta de resposta ao tratamento da cana-de-açúcar com óxido de cálcio em trabalhos de pesquisa ainda não estão bem elucidados e têm contrariado o princípio básico do tratamento alcalino, o qual preconiza aumento no consumo voluntário e na digestibilidade dos nutrientes.

Amaral (2007) não encontrou vantagem da utilização de óxido de cálcio (1%) e calcário (1%) na ensilagem de canade-açúcar no consumo de nutrientes em ovinos. Entre as avaliações testadas, a cana in natura promoveu os melhores resultados, enquanto as silagens não diferiram entre si e apresentaram valores inferiores aos obtidos para a cana-de-açúcar sem aditivo químico. Menor consumo para animais alimentados com silagens é frequentemente observado na literatura e justifica-se, entre outros fatores, pela presença de ácidos orgânicos na silagem, principalmente ácido acético. Assim, embora os consumos observados pelos autores não possam ser confrontados diretamente aos observados neste estudo, fica clara o benefício do óxido de cálcio também em silagens no consumo dos nutrientes.

Menores coeficientes de digestibilidade da MS (P<0,01), PB (P<0,05) e CNFcp (P<0,05) foram observados para a cana-de-açúcar tratada com óxido de cálcio em relação ao grupo controle (cana in natura). As doses de óxido de cálcio tiveram efeito linear positivo sobre o coeficiente de digestibilidade da FDN, ao passo que os coeficientes de digestibilidade do EE e dos CNFcp comportaram-se de forma quadrática (P<0,01) (Tabela 6).

A falta de relação e/ou a redução dos coeficientes de digestibilidade de alguns parâmetros conforme apresentado anteriormente, contraria o princípio do tratamento químico com produtos alcalinos, que é o aumento da digestibilidade dos nutrientes, por ocasião de benefícios potenciais ocorridos na parede celular do material. Segundo Van Soest (1994), a utilização de produto alcalino remove grupos ésteres e aumenta a solubilidade das moléculas expostas, aumentando a digestão da fibra, contudo, as respostas ao tratamento químico são variáveis. Neste trabalho, o menor coeficiente de digestibilidade da MS para a cana tratada com óxido de cálcio (vide contraste cana in natura vs. cana com óxido de cálcio, (Tabela 6) foi ocasionado pelo aumento do consumo de nutrientes. Entretanto, a redução na digestibilidade não foi tão acentuada como o aumento do consumo; a redução máxima foi de 5,5% na dieta com cana-de-açúcar tratada com 2,25% de óxido de cálcio.

Trabalhos utilizando métodos alternativos para a estimação de parâmetros da digestibilidade por intermédio de ambientes in situ e in vitro têm sido muito utilizados para a avaliação de volumosos tratados com produtos alcalinos. Contudo, as respostas têm apresentado vícios substanciais, com resultados amplamente divergentes dos obtidos pelo método clássico de avaliação de alimentos, in vivo (Detmann et al., 2005). Relacionando essas informações com os trabalhos conduzidos com uso de óxido de cálcio, verifica-se que as afirmações de Detmann et al. (2005) são verossímeis, pois diversos trabalhos com avaliação de ensaios in vitro têm indicado aumento na digestibilidade da MS (Cavali et al., 2010; Balieiro et al., 2007; Oliveira et al., 2007) de volumosos tratados com esse aditivo, quando, na verdade, ensaios in vivo têm comprovado que esse aumento não ocorre (Campos, 2007; Pontes, 2007; Moraes et al., 2008) e que há, inclusive, redução na digestibilidade em alguns casos, como neste estudo.

O uso de óxido de cálcio na cana-de-açúcar (0,75; 1,5 e 2,25%, na base da MN) provocou alterações na parede celular da cana-de-açúcar, como a redução da fração indigestível da fibra (Tabela 2). Por outro lado, os teores de NDT mantiveram-se constantes e próximos e, pelos valores de oBrix apresentados, tudo indica que houve boa preservação da cana-de-açúcar após as 24 horas de tratamento, antes de ser fornecida aos animais. Entretanto, esses benefícios potenciais não contribuíram para a digestibilidade dos nutrientes, fato atribuído aos elevados valores de pH da cana-de-açúcar com óxido de cálcio (Tabela 2), que podem ter prejudicado a fermentação ruminal e a ação dos microrganismos sobre a fração fibrosa do material.

A ausência de efeitos da adição de óxido de cálcio na cana-de-açúcar sobre os coeficientes de digestibilidade da MO, PB, FDNcp e carboidratos totais está de acordo com resultados descritos por Moraes et al. (2008), que não observaram efeito do óxido de cálcio na digestibilidade dos nutrientes em novilhas mestiças alimentadas com dietas contendo cana-de-açúcar tratada com 1% de óxido de cálcio. Outros resultados que estão de acordo com os deste trabalho foram relatados por Pontes (2007), que avaliou a cana-deaçúcar tratada em dois tempos de armazenamento (0 e 24 horas) e três doses (0; 0,5 e 1%) de óxido de cálcio em dietas para ovinos adultos e observou redução linear nos valores de digestibilidade da MS. Essa ausência de efeito ou a redução no consumo voluntário e nos coeficientes de digestibilidade estiveram relacionadas à elevada temperatura e ao pH da cana-de-açúcar após o tratamento. Neste trabalho, a temperatura da cana tratada não foi o responsável pela redução ou ausência de efeito positivo na digestibilidade dos nutrientes, mas o pH, sim, pode ter potencializado os efeitos negativos observados, pois a cana tratada com óxido de cálcio apresentou pH de 7,7; 9,9 e 11,8, respectivamente, para as doses 0,75; 1,5 e 2,25%. Esses valores de pH em alimentos para ruminantes são elevados diante da faixa de pH ruminal de 6,4 a 7,0, relatada por Ørskov (1990) para boa atuação das bactérias fermentadoras de carboidratos estruturais. Além disso, o aumento da taxa de passagem por ocasião da elevação no consumo pode ter contribuído para a moderada redução na digestibilidade de alguns nutrientes, entre eles, a matéria seca.

Avaliando a adição de óxido de cálcio (0,6%) no tratamento da cana-de-açúcar, em combinação com o fornecimento de ureia (0; 0,33; 0,66 e 0,99%, com base na MN) e a cana-de-açúcar in natura corrigida com 1% de ureia, em dietas para ovinos, Campos (2007) observou que a adição de óxido de cálcio não influenciou a digestibilidade da fibra da cana-de-açúcar, mas, no nível de 0,6% sem o fornecimento de ureia, reduziu a digestibilidade da FDNcp, enquanto, na combinação com ureia, os valores de digestibilidade foram similares entre si e semelhantes aos da cana-de-açúcar in natura.

Os coeficientes de digestibilidade do EE foram influenciados de forma quadrática (P<0,01) e situaram-se próximos a 70%, o que está de acordo com os valores relatados por Pontes (2007), que avaliou a cana-de-açúcar tratada em dois tempos de armazenamento (0 e 24 horas) e três doses de óxido de cálcio (0; 0,5 e 1%) em dietas para ovinos.

O coeficiente de digestibilidade dos CNFcp associou-se de forma quadrática (P<0,01) ao nível de óxido de cálcio na cana-de-açúcar, com valor mínimo de 84,3% estimado na dose de 1,36%. Os carboidratos não-fibrosos são importante fonte de energia para ruminantes (Detmann et al., 2006), principalmente para os microrganismos que utilizam essa fração. Valadares Filho (2000), entretanto, destacou a importância de se utilizar fontes proteicas de rápida e média degradação no rúmen quando os CNF compõem a principal fração de carboidratos da dieta, objetivando a sincronização entre liberação de energia e nitrogênio. Assim, mesmo com a redução no coeficiente de digestibilidade dos CNFcp, verificada até limites próximos a 1,36% de adição de óxido de cálcio à cana-de-açúcar, em todas as formas de fornecimento da cana, houve bons índices de digestibilidade dessa fração (acima de 80%). A redução nos coeficientes de digestibilidade dos CNFcp pode ter sido ocasionada pela elevação no consumo de FDNi, o qual aumentou linearmente com as doses de óxido de cálcio na cana-de-açúcar.

Não houve efeito significativo (P>0,05) do tempo de coleta total na estimativa das excreções fecais, dos coeficientes de digestibilidade dos nutrientes e do teor de NDT (Tabela 7). Embora métodos de estimação indireta da digestibilidade dos nutrientes, como o uso de indicadores internos e externos, tenham sido propostos (Cochran et al., 1986; Berchielli et al., 2000; Barros et al., 2007; Detmann et al., 2007), a coleta total de fezes em animais confinados ainda tem sido a forma preferida para aferir a produção fecal de matéria seca e estimar a digestibilidade dos nutrientes. Apesar do grande volume de informações já geradas acerca da aplicabilidade dos indicadores em ensaios de digestão com ruminantes, não existe um indicador ideal a todas as situações experimentais (Detmann et al., 2007). Dessa forma, a insegurança no uso de determinados indicadores, decorrente de erros sistemáticos atribuídos à amostragem e aos procedimentos analíticos, conduz à continuidade no uso da coleta total de fezes na maioria das situações.

A possibilidade de se usar dois dias de coleta total em ensaios de digestão com ruminantes, como ficou demonstrado nos resultados apresentados, permite estimativas de modo mais prático e rápido em experimentos com animais em confinamento. A possibilidade de uso dessa técnica contribui ainda para menor dispêndio com mão-de-obra, otimizando o tempo e reduzindo o estresse causado pelo uso de sacolas e outros procedimentos no manejo dos animais durante a coleta.

Em recente estudo, conduzido por Magalhães (2007), ao comparar as estimativas dos coeficientes de digestibilidade de forrageiras, como cana-de-açúcar, silagem de cana, silagem de soja, silagem de mombaça e feno de capim-tifton85, obtidas em três ou cinco dias de coleta total de fezes, não foi verificada diferença entre os períodos de coleta. Esse autor recomendou utilizar três dias em ensaio convencional de digestão com bovinos para obtenção das estimativas de digestibilidade dos nutrientes de modo rápido e prático.

Os resultados verificados assemelham-se aos observados por Barbosa (2005), que comparou as estimativas dos coeficientes de digestibilidade, obtidas em um, dois e três dias de coleta total, com as estimativas obtidas em quatro dias de coleta total e, em outra avaliação neste mesmo estudo, comparou as estimativas obtidas em um, dois, três, quatro e cinco dias de coleta total com as estimativas obtidas em seis dias de coleta. Esse autor verificou que os coeficientes de digestibilidade podem ser obtidos a partir de um dia de coleta total de fezes, mas a precisão é melhorada com o aumento dos dias coleta.

Conclusões

A utilização de cana-de-açúcar tratada com óxido de cálcio em dietas para caprinos promove aumento no consumo da maioria dos nutrientes, com acréscimo de 25% no consumo de matéria seca e de 16% no de fibra em detergente neutro. Embora o tratamento químico da canade-açúcar com óxido de cálcio reduza a digestibilidade de matéria seca e fibra em detergente neutro e o teor de nutrientes digestíveis totais, o elevado consumo de nutrientes justifica a utilização desse aditivo no tratamento da cana-de-açúcar para caprinos em crescimento. Estimativas confiáveis de excreção fecal de matéria seca, das digestibilidades dos nutrientes e do teor de nutrientes digestíveis totais podem ser obtidas com dois dias de coleta total de fezes.

Recebido em 11/5/2009

Aprovado em 18/11/2009.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2009
  • Aceito
    18 Nov 2009
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