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Cardiomiopatia em paciente tratada com clozapina

CARTAS AOS EDITORES

Cardiomiopatia em paciente tratada com clozapina

Sr. Editor,

A prevalência de esquizofrenia é de aproximadamente 1% na população em geral e de 30 a 60% destes pacientes não respondem ao tratamento com antipsicóticos típicos. A clozapina - antipsicótico atípico destacado no tratamento de pacientes refratários1-3 - tem sido associada com baixa ocorrência de sintomas extrapiramidais, alteração de condução cardíaca, aumento de prolactina e síndrome neuroléptica maligna. Entretanto, podem ocorrer efeitos colaterais potencialmente fatais como agranulocitose.1 Relatos de miocardite com cardiomiopatia e insuficiência cardíaca fatal sugerem um aumento do risco de 17 a 322 vezes em pacientes tratados com clozapina. O risco absoluto é estimado entre 1:500 pacientes tratados a 1:10.000 pacientes tratados.4 Este efeito parece estar associado à resposta auto-imune mediada pela Ig-E, devido aos relatos de eosinofilia nestes quadros clínicos.4-5

A seguir, descrevemos um caso ilustrativo desta possível complicação no tratamento com clozapina. Paciente do sexo feminino, 20 anos, com diagnóstico de Esquizofrenia Paranóide desde os 16 anos, internada em unidade psiquiátrica, quatro internações psiquiátricas prévias, em uso de risperidona, ácido valpróico, carbonato de lítio e clonazepam. Já havia recebido haloperidol e clorpromazina em internações anteriores. Persistia com alucinações auditivas, delírios místicos e paranóides, além de hetero-agressividade. Foi considerado o diagnóstico de esquizofrenia refratária e indicado o uso de clozapina. Apresentava enzimas hepáticas, hemograma e eletrocardiograma (ECG) normais. Foi iniciada clozapina gradativamente associada à diminuição progressiva das outras medicações. No 13º dia de uso da medicação, a paciente apresentou hipotensão postural, dispnéia, hipoxemia e hipertermia (temperatura axilar de 39ºC). Evoluiu com freqüência respiratória de 38 movimentos respiratórios por minuto, taquiarritmia ventricular (freqüência cardíaca de 260 batimentos por minuto), sendo transferida ao Centro de Tratamento Intensivo (CTI). Foi realizado ecocardiograma que demonstrou paredes cardíacas com espessura normal e hipocinesia difusa, acarretando comprometimento da função sistólica global, sendo a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) de 42%. Hemograma, provas de função hepática, função renal, lactato desidrogenase e creatina kinase-MB eram normais. Foi diagnosticado edema agudo de pulmão secundário, disfunção de ventrículo esquerdo e suspensa a clozapina no primeiro dia de internação na CTI. A paciente evoluiu bem e, sete dias após a suspensão da medicação, o resultado do ecocardiograma foi normal (FEVE de 62%). Esse episódio foi diagnosticado como cardiomiopatia associada ao uso de clozapina.

Até 2002, haviam sido relatados 178 casos de cardiomiopatia associada à clozapina e cerca de 80% dos pacientes apresentavam idade inferior a 50 anos. Não houve, até o presente momento, nenhum relato desta complicação associada ao uso da clozapina no Brasil.

O presente relato de caso se propõe a alertar médicos que tratam pacientes esquizofrênicos em uso de clozapina, que devem manter um alto grau de suspeição se sinais ou sintomas de toxicidade cardíaca aparecerem. Além dos exames laboratoriais, os pacientes precisam ser instruídos a relatar qualquer sinal de miocardite (febre, cansaço, dor torácica, palpitações, taquicardia, dispnéia e edema periférico). Casos como este ajudam a reforçar a necessidade de uma avaliação eletrocardiográfica em pacientes em início de tratamento com clozapina.

Raquel De Boni

Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Clarissa Severino Gama, Maria Inês Lobato

Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Referências

1. American Psychiatric Association. Practice guideline for the treatment of patients with schizophrenia. 2th ed. Washington DC: APA; 2004.

2. Iqbal MM, Rahman A, Husain Z, Mahmud SZ, Ryan WG, Feldman JM. Clozapine: a clinical review of adverse effects and management. Ann Clin Psychiatry. 2003;15(1):33-48.

3. Wooltorton E. Antipsychotic clozapine (Clozaril): myocarditis and cardiovascular toxicity. CMAJ. 2002;166(9):1185-6.

4. Killian JG, Kerr K, Lawrence C, Celermajer DS. Myocarditis cardiomyopathy associated with clozapine. Lancet. 1999;354(9193):1841-5.

5. Warner B, Alphs L, Schaedelin J, Koestler T. Clozapine and sudden death [letter]. Lancet. 2000;355(9206):842; author reply 843.

Financiamento: Inexistente

Conflito de interesses: Inexistente

Este trabalho foi realizado no Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2005
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