CARTA AOS EDITORES
Marcadores antropométricos de sobrepeso e Inventário Beck de Depressão: uma associação a ser considerada
Anthropometric indicators of overweight and the Beck Depression Inventory: an association to be considered
Sr. Editor,
Gostaríamos de comentar sobre alguns resultados que chamaram nossa atenção em um dos trabalhos desenvolvidos por nosso grupo. A obesidade (Índice de Massa Corporal [IMC] > 30 kg/m2), e principalmente o excesso de peso (IMC > 25 e < 30 kg/m2), já são hoje considerados epidemias mundiais, acarretando uma elevada morbi-mortalidade.1 Além de todo o impacto clínico relacionado ao sobrepeso, existe também um aumento de diversas comorbidades psiquiátricas.
Recentemente, nosso grupo demonstrou que existe uma relação direta entre marcadores antropométricos de sobrepeso (IMC e cintura abdominal) e os sintomas depressivos.2 A avaliação dos sintomas depressivos, entretanto, levantou algumas dúvidas interessantes. O Inventário Beck de Depressão (IBD), instrumento utilizado em nosso estudo, avalia tanto sintomas cognitivos como somáticos da depressão. Especificamente, diversos dos itens somáticos (por exemplo, fadiga, libido, dificuldades para o trabalho) podem estar muito mais relacionados ao excesso de peso do que a própria depressão, levando a resultados falso-positivos.
Desta forma, complementamos nossa análise de modo a melhor avaliar a relação de peso corporal com sintomas depressivos. Foram avaliados 221 pacientes obesos (IMC = 39,9 ± 6,8 Kg/m2), entre 18 e 77 anos (38,8 ± 11,8), que procuraram tratamento para emagrecer no Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares (GOTA) do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (IEDE). O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição. Os dados antropométricos foram obtidos por um endocrinologista e todos os pacientes preencheram a versão em português do IBD.3 Os dados demográficos incluíram renda familiar, estado civil, grupo étnico e escolaridade.
A gravidade dos sintomas depressivos foi correlacionada com aspectos demográficos e antropométricos. Correlações não significativas foram encontradas entre o IBD e o estado civil (r = 0,04; p = 0,50), idade (r = 0,01; p = 0,79) e grupo étnico (r = 0,03; p = 0,56). Por outro lado, uma correlação significativa foi demonstrada entre o IBD e o IMC (r = 0,17; p = 0,011), renda familiar (r = -0,20; p = 0,0047) e nível educacional (r = -0,13; p = 0,047). Após regressão linear multivariada, a única variável que continuou mostrando uma correlação quase significativa com o IBD foi o IMC (p = 0,054).
Nossos resultados levam a algumas considerações importantes. Parece existir, pelo menos em pacientes obesos, uma relação direta entre o sobrepeso e o IBD, independente de variáveis sociodemográficas. Estes achados podem sugerir que o aumentodo IMC se relaciona a um aumento da depressão ou, por outro lado, que existe uma interferência do peso na avaliação dos sintomas depressivos pelo IBD. Por exemplo, em dois artigos publicados recentemente nesta revista, os autores utilizam o IBD para avaliação dos sintomas depressivos.4-5 Embora os autores avaliem diversas variáveis sociodemográficas e psicopatológicas, em nenhum momento os dados antropométricos foram levados em conta.
O IBD, devido a sua fácil aplicação e boa confiabilidade, é largamente utilizado na psiquiatria. A maioria dos estudos leva em conta diversas variáveis que podem interferir com o IBD, de modo a corrigir os diversos fatores de confusão existentes. As variáveis antropométricas, entretanto, são, na maioria das vezes, esquecidas. Nossa sugestão aos autores desta revista é que, devido à elevada prevalência de pacientes com obesidade e sobrepeso na população geral (e provavelmente em suas amostras), que sejam incluídos nas análises os marcadores de obesidade, de modo a excluir mais um importante fator de confusão.
Rodrigo O Moreira
Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares (GOTA),
Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (IEDE) /
Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ), Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Escola Médica de Pós-Graduação,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ),
Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Mário S Zen
Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia
do Rio de Janeiro (IEDE), Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Referências
1. Flegal KM, Carroll MD, Ogden CL, Johnson CL. Prevalence and trends in obesity among US adults, 1999-2000. JAMA. 2002;288(14):1723-7.
2. Moreira RO, Marca KF, Appolinário JC, Coutinho WF. Increased Waist Circumference is associated with an increased prevalence of mood disorders and depressive symptoms in obese women. Eat Weight Disord. 2007, In press.
3. Gorenstein C, Andrade LHSG, Zuardi AW. Escalas de avaliação clínica em psiquiatria e psicofarmacologia. Rev Psiquiatr. Clin. 1998;26:65-9.
4. Cigognini MA, Furlanetto LM. Diagnóstico e tratamento dos transtornos depressivos em um hospital geral. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28(2):97-103.
5. Mello VA, Malbergier A. Depressão em mulheres infectadas pelo HIV. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28(1):10-7.
Financiamento: Inexistente
Conflito de Interesse: Inexistente
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Jul 2007 -
Data do Fascículo
Jun 2007