Open-access Transtorno do estresse pós-traumático após cardioversor-desfibrilador automático implantável

Posttraumatic stress disorder after automatic implantable carvioverter defibrillator

CARTA AOS EDITORES

Transtorno do estresse pós-traumático após cardioversor-desfibrilador automático implantável

Posttraumatic stress disorder after automatic implantable carvioverter defibrillator

Sr. Editor,

O transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) é caracterizado por sintomas ansiosos diversos subseqüentes à exposição a uma situação traumática, vivenciada como extremamente ameaçadora e catastrófica pelo indivíduo. Pacientes com TEPT apresentam recordações recorrentes do trauma através de imagens, pensamentos e sonhos aflitivos, além de reatividade aumentada e esquiva de situações associadas ao evento.1

O surgimento do TEPT está associado a uma variedade de situações traumáticas, entre elas a exposição a procedimentos de emergências médicas. Apesar das características distintas daquelas vivenciadas por indivíduos expostos à violência, essa apresentação tem sido pouco estudada. Na literatura, já foram inclusive relatados casos que sugerem a associação entre o uso de cardioversores-desfibriladores automáticos implantáveis com o desenvolvimento do TEPT.2-3

Relatamos aqui o caso de um paciente de 55 anos, casado, sem história de transtorno psiquiátrico prévio. Era portador de miocardiopatia chagásica e se encontrava em uso de marcapasso cardioversor/desfibrilador automático há cerca de dois anos. Neste período, experimentou numerosas passagens por pronto-socorros e internações clínicas em razão de arritmias cardíacas. Em cada uma dessas ocasiões, o marcapasso desfibrilador/cardioversor foi automaticamente acionado.

Transcorridos seis meses da avaliação psiquiátrica inicial, o paciente evoluiu com constante re-experienciação das situações de emergência acima descritas, incluindo pesadelos recorrentes. Em determinados momentos vivenciava os sintomas como se estivesse apresentando uma arritmia cardíaca e recebendo choques; em outros, mostrava-se extremamente apreensivo com a possibilidade de apresentar novo episódio de arritmia. Evoluiu com sintomas de pânico, melhorando após ser avaliado e ressegurado pela equipe médica de que estava bem. Passou então a apresentar sensação de estar distanciado das outras pessoas, crença de que teria uma vida curta, hipervigilância e ansiedade antecipatória intensa nos dias anteriores às consultas médicas. Apresentava piora dos sintomas em locais onde apresentou arritmias (sobretudo o metrô) e quando se aproximava de serviços de saúde (em especial locais de atendimento de emergência), apresentando, nesses locais, uma resposta exagerada a qualquer sensação que recordasse os vários episódios anteriores em que foi automaticamente acionado o marcapasso. Evoluiu também com insônia importante, diminuição da concentração e irritabilidade. Foi encaminhado por seu cardiologista para a avaliação psiquiátrica, onde foi formulada a hipótese de TEPT e iniciada sertralina, com aumento progressivo da dose até a dosagem de 200 mg. Também foi iniciado seguimento psicoterápico de orientação cognitivo-comportamental. Após dois meses de tratamento, evoluiu com melhora significativa dos sintomas, mantendo apenas, em menor intensidade, alguns sintomas de evitação.

Há evidências na literatura de que intervenções médicas de emergência podem estar associadas ao surgimento de TEPT.4 O desenvolvimento de sintomas ansiosos associados ao uso de cardioversores-desfibriladores pode ser atribuído à constante ameaça à vida e às perdas sociais, pessoais e materiais decorrentes da doença cardíaca de base.2-3 Entretanto, há evidências de que também o funcionamento destes aparelhos poderia acarretar efeitos sobre os circuitos cerebrais envolvidos na gênese dos sintomas ansiosos. Estimulações elétricas constantes poderiam estimular vias do sistema nervoso autônomo envolvidas na resposta adrenérgica, além de sensibilizar estruturas cerebrais envolvidas no reconhecimento de perigo.1-2,5

Em suma, o uso de marcapassos cardioversores pode implicar em considerável estresse para seus portadores, e o estabelecimento de transtornos psiquiátricos em indivíduos susceptíveis. É recomendável que pacientes submetidos a esta modalidade de tratamento sejam monitorados em relação a seus aspectos emocionais e encaminhados para atendimento psiquiátrico quando necessário.

Gustavo Daud Amadera

Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM),

Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil

Casa de Saúde Nossa Senhora de Fátima,

São Paulo (SP), Brasil

Leonardo Baldaçara

Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM),

Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil

Fundação da Faculdade de Medicina do ABC,

São Bernardo do Campo (SP), Brasil

Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas (LINC),

Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP),

São Paulo (SP), Brasil

Karen Gennaro, Ricardo Uchida

Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM),

Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil

Marsal Sanches

Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM),

Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil

Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de São Paulo,

São Paulo (SP), Brasil

Referências

1. Vieweg WV, Julius DA, Fernandez A, Beatty-Brooks M, Hettema JM, Pandurangi AK. Posttraumatic stress disorder: clinical features, pathophysiology and treatment. Am J Med. 2006;119(5):383-90.

2. Hamner M, Hunt N, Gee J, Garrell R, Monroe R. PTSD and automatic implatable cardioverter defibrillators. Psychosomatics. 1999;40(1):82-5.

3. Luyster FS, Hughes JW, Waechter D, Josephson R. Resource loss predicts depression and anxiety among patients treated with an implantable cardioverter defibrillator. Psychosom Med. 2006;68(5):794-800.

4. Neel M. Posttraumatic stress symptomatology in patients with automatic implantable cardioverter defibrillators: nature and intervention. Int J Emerg Ment Health. 2000;2(4):259-63.

5. Baumert J, Schmitt C, Ladwig KH. Psychophysiologic and affective parameters associated with pain intensity of cardiac cardioverter defibrillator shock discharges. Psychosom Med. 2006;68(4):591-7.

Financiamento: Inexistente

Conflito de interesses: Inexistente

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2007
location_on
Associação Brasileira de Psiquiatria Rua Pedro de Toledo, 967 - casa 1, 04039-032 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5081-6799, Fax: +55 11 3384-6799, Fax: +55 11 5579-6210 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: editorial@abp.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro