Open-access Serviços de emergência psiquiátrica: peça-chave da rede assistencial

EDITORIAL

Serviços de emergência psiquiátrica: peça-chave da rede assistencial

Marco Antonio Alves Brasil

Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

A emergência psiquiátrica (EP), embora seja vista como um componente necessário da assistência psiquiátrica, não é, tradicionalmente, um tema de destaque na literatura. No entanto, com a redução do tempo de permanência hospitalar, carência de alternativas assistenciais e aumento do número de pacientes em crise, tem sido cada vez mais reconhecida a importância dos serviços de EP como parte central e fundamental da rede assistencial. Para um número cada vez maior de pacientes, os serviços de emergência são a porta de entrada para o sistema de saúde e uma fonte essencial de tratamento, quando não a única opção.

Por outro lado, os psiquiatras que trabalham em serviços de emergência necessitam de um conhecimento e preparo que vão além da formação psiquiátrica geral. Técnicas para estabelecer um rápido rapport e obter informações essenciais, tranquilizar o paciente agitado, rápida avaliação do risco de suicídio, investigação de doenças somáticas ou de ingestão de substâncias que podem produzir quadros psicóticos, como fazer um encaminhamento adequado para outros recursos assistenciais, são exigências que fazem parte do dia-a-dia do psiquiatra de um serviço de emergência.

Os autores dos artigos que compõem este suplemento da Revista Brasileira de Psiquiatria abordam alguns dos componentes essenciais do estado da arte do atendimento da EP, seu papel e importância dentro do sistema integrado de assistência psiquiátrica, bem como as particularidades e especificidades do diagnóstico e manejo dos pacientes admitidos nesse contexto.

Régis Barros, Teng CheiTung e Jair Mari, a partir de uma revisão de dados da literatura e credenciados pelo amplo conhecimento e experiência sobre o tema, mostram que serviços de EP constituem unidade central para o funcionamento adequado de redes de saúde mental, tanto pelo manejo de situações de emergência, como pela regulação da rede em que se inserem, e enfatizam a necessidade de priorização desses serviços nas políticas de saúde pública brasileiras, para seu aprimoramento e efetividade.

Célia Mantovani, Marcelo Migon, Flávio Alheira e Cristina Del-Ben salientam a importância de medidas não-farmacológicas para o adequado manejo de pacientes agitados ou agressivos e ressaltam que o objetivo principal do manejo farmacológico é a tranquilização rápida, buscando a redução dos sintomas, sem a indução de sedação profunda ou prolongada, mantendo-se o paciente tranquilo, mas completa ou parcialmente responsivo.

Cristina Del-Ben, Armanda Rufino, João Marques e Paulo Menezes advertem que características específicas de atendimento de emergência - avaliação única e breve, em corte transversal e com poucas informações disponíveis - podem dificultar o processo diagnóstico. Essas limitações podem ser contornadas por meio da aplicação de critérios diagnósticos operacionais, uso de escalas e entrevistas padronizadas, e tempo mínimo de observação.

José Manoel Bertolote, Carolina de Mello-Santos e Neury Botega oferecem uma excelente orientação para os profissionais de saúde na identificação dos fatores de risco e de proteção no manejo dos pacientes com risco de suicídio. Enfatizam a importância da entrevista clínica, visando apoio emocional, estabelecimento de vínculo e coleta de uma ampla variedade de informações e, embora reconheçam que não há como prever quem cometerá suicídio, ressaltam que é possível avaliar o risco individual de cada paciente por meio de uma investigação detalhada e empática.

Sandra Scivoletto, Miguel Boarati e Gizela Turkiewicz abordam os principais aspectos clínicos relevantes para a avaliação psiquiátrica emergencial de crianças e adolescentes e a orientação para a conduta inicial nesse contexto. As causas mais frequentes de atendimentos psiquiátricos emergenciais na infância/adolescência, bem como as condutas recomendadas para cada situação, são detalhadamente comentadas.

Ricardo do Amaral, André Malbergier e Arthur Guerra apresentam e discutem as evidências atuais sobre o manejo da intoxicação e abstinência de substâncias. Mostram que o uso de substâncias, em si, constitui-se em problema prevalente em nosso país, além de estar relacionado a outros agravos à saúde. Alertam para a necessidade de serviços e de profissionais especializados nesta área, o que deve ser objeto de preocupação dos profissionais de saúde pública na organização dos serviços de emergência.

A iniciativa de publicação de um suplemento sobre Emergências Psiquiátricas chega em boa hora. No contexto das EPs podemos observar e reafirmar o quanto é falsa a dicotomia corpo e mente. Há quase cinco séculos Francis Bacon afirmava que "a natureza é mais infinita em suas manifestações do que o homem em suas concepções, e em nenhum lugar isto é mais bem visto do que na história do dualismo mente-corpo, um artefato humano". No entanto, corpo e mente ainda são tratados em espaços separados, contribuindo para a estigmatização da doença mental e a reafirmação dessa falsa dicotomia. As EPs têm um papel fundamental na melhora da integração da assistência psiquiátrica com a assistência médica geral. Uma rede pública de saúde na qual o paciente psiquiátrico possa ser atendido em um espaço comum e/ou integrado ao atendimento clínico geral se faz cada vez mais necessária. O doente mental deve ser visto com um paciente do sistema geral de atenção à saúde. Isso, infelizmente, não é o que ocorre em nosso país. Temos poucas emergências e unidades de internação psiquiátricas integradas com o hospital geral, apesar de todas as evidências de que isso é absolutamente necessário.

Um número significativo de pacientes psiquiátricos sofre de doenças somáticas não diagnosticadas que podem estar relacionadas à etiologia ou à exacerbação de seu transtorno mental, sendo que mais de 50% dos pacientes idosos com transtornos psiquiátricos têm alguma doença clínica (somática) contribuindo para suas alterações de comportamento1.

Pessoas com graves transtornos mentais morrem em média 25 anos mais cedo, comparados com a população geral; 60% das mortes prematuras em pacientes com esquizofrenia são devido a causas tais como doenças cardiovasculares e pulmonares, bem como doenças infecciosas. Esse excesso de morbidade, resultando em mortes prematuras, é, em parte, devido às dificuldades de acesso aos cuidados de saúde e falta de comunicação entre os sistemas de assistência em saúde mental e o de saúde geral1,2.

Parabenizo os editores e os autores deste suplemento. O leitor tem em suas mãos excelentes revisões da literatura atinente, conduzidas por pessoas com grande experiência e vivência nos temas abordados. Boa leitura.


Referências bibliográficas

  • 1. Griswold KS, Pastore PA, Homish GG, Henke A. Access to primary care: are mental health peers effective in helping patients after a psychiatric emergency? Primary Psychiatry 2010;17(6):42-5.
  • 2. Slaby AE, Trujillo M. Emergency psychiatry in the twenty-first century. Primary Psychiatry. 2009;16(9):35-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2010
  • Data do Fascículo
    Out 2010
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