Resumos
Os processamentos comunicativos discursivo, léxico-semântico, pragmático-inferencial e/ou prosódico podem apresentar-se deficitários após um acidente vascular cerebral. Esses prejuízos demandam métodos e programas de intervenção para uma reabilitação efetiva da comunicação. Neste contexto, o objetivo desta revisão sistemática foi identificar e descrever métodos utilizados para reabilitação neuropsicológica da comunicação de adultos acometidos por lesão cerebrovascular, mais especificamente, abordagens sistematizadas de intervenção para cada um dos processamentos comunicativos. Foram avaliados resumos publicados nos últimos dez anos na base de dados PubMed, utilizando palavras-chave relacionadas aos construtos reabilitação, acidente vascular cerebral (AVC) e comunicação. Para o construto comunicação foram utilizadas, ainda, palavras específicas dos quatro processamentos comunicativos. Inicialmente, foram encontrados 914 abstracts, dos quais, após exclusão dos repetidos, 460 foram analisados. Os critérios de inclusão de abstracts para análise de seus textos completos foram ser estudo empírico, ter a participação de pelo menos um indivíduo adulto pós-AVC, tratar de reabilitação da comunicação, apresentar intervenção para pelo menos um dos quatro processamentos comunicativos, ter avaliação pré e pós-tratamento, estar escrito em inglês, francês ou português, e ter sido publicado nos últimos dez anos. Apenas quatro artigos empíricos cumpriram tais critérios, sendo conduzidos predominantemente com adultos afásicos ou com aprosódia. Assim, tais achados podem ser considerados surpreendentes e alarmantes frente à escassez de estudos sistemáticos de reabilitação de componentes comunicativos. Ressalta-se a necessidade de descrição detalhada de procedimentos de intervenção com objetivos específicos para que estudos possam ser replicados, contribuindo também para a verificação do efeito do tratamento. Sugere-se que propostas de intervenção dos processamentos comunicativos sejam delineadas com bases teóricas e que sejam conduzidos e publicados estudos com este enfoque para verificação de efeito terapêutico.
Transtornos da comunicação; Terapia da linguagem; Reabilitação dos transtornos da fala e da linguagem; Neuropsicologia; Acidente cerebral vascular
Discursive, lexical-semantic, pragmatic-inferential and/or prosodic communication processing may be impaired following a cerebrovascular accident. These deficits require intervention methods and programmes for effective communication rehabilitation. Within this context, the aim of this systematic review was to identify and describe methods used for neuropsychological rehabilitation of the communication of adults after a stroke, more specifically, systematic intervention approaches for each communication processing. Abstracts published in the last ten years were selected in PubMed, using keywords related to rehabilitation, stroke and communication. For the communication topic, we also used specific keywords related to the four communication processing components. Initially, 914 abstracts were found; after exclusion of the repeated studies, 460 were analyzed. Full texts were examined if the abstract evidenced that the study was empirical, included at least one post-stroke patient, focused in communication rehabilitation, presented pre- and post-intervention assessments, and if it was published in English, French or Portuguese within the last ten years. Only four empirical studies accomplished such criteria, being conducted mainly with aphasic or aprosodic patients. These findings might be considered surprising and alarming, since there is a lack of systematic studies about rehabilitation of communication components. It is important to highlight the need to search for a detailed description of intervention procedures with specific goals, allowing studies to be replicated and also contributing for monitoring the effects of treatment. Communicative processing intervention programmes should be developed based on theoretical approaches, and studies with this focus should be conducted and published, in order to verify therapeutic effects.
Communication disorders; Language therapy; Rehabilitation of speech and language disorders; Language therapy; Neuropsychology; Stroke
ARTIGO DE REVISÃO
Reabilitação de déficits comunicativos pós-acidente vascular cerebral
Gigiane GindriI; Rochele Paz FonsecaII
IPrograma de Pós-Graduação (Doutorado) em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Porto Alegre (RS), Brasil
IIPrograma de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Porto Alegre (RS), Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Gigiane Gindri. Trav. Carmen, 75/205, Bairro Floresta Porto Alegre (RS), Brasil, CEP: 90560-040. E-mail: gigiane.gindri@gmail.com
RESUMO
Os processamentos comunicativos discursivo, léxico-semântico, pragmático-inferencial e/ou prosódico podem apresentar-se deficitários após um acidente vascular cerebral. Esses prejuízos demandam métodos e programas de intervenção para uma reabilitação efetiva da comunicação. Neste contexto, o objetivo desta revisão sistemática foi identificar e descrever métodos utilizados para reabilitação neuropsicológica da comunicação de adultos acometidos por lesão cerebrovascular, mais especificamente, abordagens sistematizadas de intervenção para cada um dos processamentos comunicativos. Foram avaliados resumos publicados nos últimos dez anos na base de dados PubMed, utilizando palavras-chave relacionadas aos construtos reabilitação, acidente vascular cerebral (AVC) e comunicação. Para o construto comunicação foram utilizadas, ainda, palavras específicas dos quatro processamentos comunicativos. Inicialmente, foram encontrados 914 abstracts, dos quais, após exclusão dos repetidos, 460 foram analisados. Os critérios de inclusão de abstracts para análise de seus textos completos foram ser estudo empírico, ter a participação de pelo menos um indivíduo adulto pós-AVC, tratar de reabilitação da comunicação, apresentar intervenção para pelo menos um dos quatro processamentos comunicativos, ter avaliação pré e pós-tratamento, estar escrito em inglês, francês ou português, e ter sido publicado nos últimos dez anos. Apenas quatro artigos empíricos cumpriram tais critérios, sendo conduzidos predominantemente com adultos afásicos ou com aprosódia. Assim, tais achados podem ser considerados surpreendentes e alarmantes frente à escassez de estudos sistemáticos de reabilitação de componentes comunicativos. Ressalta-se a necessidade de descrição detalhada de procedimentos de intervenção com objetivos específicos para que estudos possam ser replicados, contribuindo também para a verificação do efeito do tratamento. Sugere-se que propostas de intervenção dos processamentos comunicativos sejam delineadas com bases teóricas e que sejam conduzidos e publicados estudos com este enfoque para verificação de efeito terapêutico.
Descritores: Transtornos da comunicação; Terapia da linguagem; Reabilitação dos transtornos da fala e da linguagem; Neuropsicologia; Acidente cerebral vascular
INTRODUÇÃO
As sequelas comunicativas decorrentes de um acidente vascular cerebral (AVC) unilateral vêm sendo cada vez mais exploradas. O papel do hemisfério direito (HD) para a comunicação tem sido sistematicamente estudado e evidenciado desde a década de 1950, uma vez que acometimentos do HD podem afetar habilidades de prosódia, semântica (não-literal), discurso e pragmática, além de aspectos funcionais da linguagem. No entanto, há uma diferença histórica, de aproximadamente um século, quando se compara o início dos estudos sobre linguagem e os distúrbios decorrentes de um AVC de hemisfério esquerdo (HE) em relação à participação do HD nestes aspectos(1,2). Assim, apesar das especializações hemisféricas, há cada vez mais evidências de cooperação interhemisférica(3-5).
Neste trabalho, será utilizado o termo linguagem em referência aos aspectos linguísticos mais estruturais, e comunicação, para aqueles mais funcionais(6). Uma lesão cerebrovascular de HE (LHE) pode provocar alterações em aspectos linguísticos fonológicos, morfológicos, semânticos denotativos e sintáticos. As alterações desses aspectos, em sua definição mais tradicional, constituem os quadros afásicos(7,8).
Após uma lesão cerebrovascular de HD (LHD), os processamentos comunicativos discursivo, léxico-semântico, pragmático e/ou prosódico podem apresentar-se deficitários. Estima-se que estas dificuldades comunicativas podem estar presentes entre 50% e 78% dos adultos com LHD(2,9,10). Estas manifestações clínicas, que podem ser acompanhadas de outros prejuízos cognitivos e emocionais, necessitam de reabilitação para minimizar seu impacto biopsicossocial(11,12).
As investigações sobre intervenção pós-AVC, entretanto, são predominantemente voltadas para déficits não-linguísticos, como habilidades motoras e de memória. Dentre as pesquisas que promovem programas de reabilitação para distúrbios da função verbal, há um evidente destaque para os estudos de reabilitação dos distúrbios de linguagem decorrentes de LHE, reforçando o conhecimento cada vez mais consistente sobre as afasias, incluindo métodos específicos de avaliação e intervenção(13,14).
Há vários estudos que reforçam os benefícios de intervenções cognitivas para pacientes com lesão cerebral(15-19). No entanto, a reabilitação orientada, com base na avaliação e compreensão dos déficits neuropsicológicos de um paciente, ainda é um tema que merece debate(15,20), especialmente pela variedade de tarefas e técnicas, e consequentemente, por uma ampla diversidade de resultados relatados(21). Os estudos com pacientes pós-AVC têm dado maior destaque para os déficits cognitivos não-linguísticos, investigando e propondo programas de intervenção para distúrbios atencionais-perceptivos, como para a síndrome de heminegligência(22), para melhoria da qualidade de vida(23), entre outros.
Entretanto, no que tange aos déficits comunicativos, as propostas de reabilitação costumam focar apenas em um dos processamentos comunicativos, além dos resultados serem descritos subjetivamente e avaliados por meio de tarefas específicas e diretamente relacionadas com o tratamento, sem verificar a generalização para o contexto da comunicação funcional(24). Complementarmente, observa-se que existem estudos de intervenção para o processamento prosódico com pacientes pós-LHD, enquanto, por outro lado, há pouca evidência disponível sobre os tratamentos para déficits discursivos e pragmáticos(25).
Quanto aos déficits léxico-semânticos, as abordagens e programas existentes em geral priorizam o tratamento da anomia, principalmente para afasias clássicas, relacionadas à LHE(26). Como exemplo de reabilitação da anomia, foi conduzido um tratamento para adultos afásicos, tendo por base o fonema(27). Os pacientes apresentaram melhoras nos desempenhos de nomeação, evocação de palavras com critério fonológico, além de generalização destas habilidades para o discurso.
Até o momento, não se tem conhecimento de revisão sistemática específica sobre métodos de reabilitação para cada um dos processamentos comunicativos em pacientes com lesão cerebrovascular. Existem revisões gerais sobre intervenções para várias funções cognitivas(16), e revisões não sistemáticas sobre os métodos de reabilitação para os processamentos comunicativos(11).
Desta forma, ainda há uma importante lacuna quanto aos procedimentos e métodos de reabilitação da comunicação na clínica neuropsicológica e fonoaudiológica. Esses procedimentos e métodos precisam ser bem delineados e especificamente elaborados para cada um dos possíveis processamentos comunicativos afetados, à luz dos conhecimentos das especializações hemisféricas e cooperação interhemisférica. Neste contexto, o objetivo desta revisão sistemática foi identificar e descrever métodos utilizados para reabilitação neuropsicológica da comunicação de adultos pós-AVC, mais precisamente, abordagens de intervenção para cada um dos processamentos comunicativos (discursivo, léxico-semântico, pragmático e prosódico).
REVISÃO DA LITERATURA
A base de dados PubMed foi consultada durante os meses de janeiro e fevereiro de 2011, em busca de abstracts de artigos sobre reabilitação dos processamentos comunicativos discursivo, léxico-semântico, pragmático e/ou prosódico para adultos com lesão cerebrovascular. Para esta revisão sistemática foram avaliados os resumos publicados em periódicos indexados nos últimos dez anos.
Foram utilizadas palavras-chave relacionadas a cada um dos construtos pesquisados: reabilitação, AVC e comunicação. Para o construto reabilitação foram utilizados os termos "rehabilitation", "readaptation", "reeducation", "training", "intervention", "treatment" e "therapy". Para o construto AVC foram utilizados os termos "stroke", "cerebrovascular disease" e "cerebrovascular accident". Para o construto comunicação foram utilizados os termos "communication" e "linguistic". A pesquisa ainda foi realizada, em relação a este último construto, utilizando termos para cada um dos quatro processamentos comunicativos: habilidades discursivas ("discourse", "narrative", "conversation" e "conversational"); habilidades pragmáticas ("pragmatic", "inference", "speech acts" e "metaphor"); aspectos léxico-semânticos ("lexical", "lexicon", "semantic" e "verbal fluency"); e componentes prosódicos ("prosody", "intonation" e "emotion"). A estratégia de busca para esta revisão sistemática envolveu a associação de uma palavra-chave de cada um dos construtos pesquisados: "reabilitação" AND "AVC" AND "comunicação" OR "discurso" OR "pragmática" OR "léxico-semântico" OR "prosódia".
Os critérios de inclusão de abstracts para análise de seus textos completos foram ser estudo empírico, ter a participação de pelo menos um indivíduo adulto pós-AVC, tratar de reabilitação da comunicação, apresentar intervenção para pelo menos um dos quatro processamentos comunicativos, ter avaliação pré e pós-tratamento, estar escrito em Inglês, Francês ou Português, e ter sido publicado nos últimos dez anos. Os resumos encontrados foram analisados observando os critérios de inclusão, e quando suas informações eram explicitadas de modo pouco claro foram julgados por dois juízes independentes, com consenso feito por um terceiro juiz. Assim, foram excluídos artigos repetidos, de revisão de literatura, sobre outras abordagens de tratamento como intervenção motora, psicoterápica, ocupacional e musicoterapia, bem como, com enfoque em outras funções cognitivas, tais como atenção e memória. O fluxo detalhado de análise e seleção dos abstracts e dos estudos completos sobre reabilitação de processamentos comunicativos analisados encontra-se na Figura 1.
Os textos completos foram analisados e classificados quanto ao tipo de estudo (estudo de caso e de grupo), ao objetivo, ao processamento comunicativo enfocado predominantemente (discursivo, pragmático, prosódico, léxico-semântico ou misto), à caracterização da amostra quanto ao tamanho, fatores sociodemográficos (idade), tipo de AVC (HE ou HD) e à sintomatologia (afasia, aprosódia). Por fim, foram caracterizados quanto à abordagem metodológica de intervenção promovida, etapas e aspectos avaliados, bem como, os principais resultados encontrados.
DISCUSSÃO
Inicialmente, a busca resultou em 914 artigos publicados entre 2001 e 2011 (Figura 1). Destes, 454 artigos eram repetidos, totalizando 460 artigos diferentes. Ao observar-se os critérios de inclusão, foram excluídos 450 abstracts que tinham como foco principal a avaliação e reabilitação de aspectos gerais do AVC, das demências, entre outros. Desta forma, após o refinamento, foram selecionados para análise dez estudos que enfocavam a reabilitação da comunicação pós-AVC.
Na sequência, quatro dos dez estudos empíricos foram ainda excluídos. Isto porque, embora a reabilitação estivesse claramente relacionada a aspectos comunicativos, os abstracts não permitiram identificar qual o tipo de intervenção proposto, nem qual(is) processamento(s) ou componentes(s) linguístico-comunicativo(s) foi(ram) especificamente enfocado(s). Foram ainda excluídos mais dois estudos, por enfatizarem as medidas de desempenho ou de comunicação funcional pré e pós-intervenção, sem descrever os aspectos metodológicos da intervenção propriamente dita e quais os componentes linguísticos funcionais foram alvo do tratamento. Por fim, foram encontrados apenas quatro estudos empíricos sobre reabilitação da comunicação em adultos pós-AVC (Quadro 1).
Nos estudos completos incluídos e analisados, o principal objetivo era promover a reabilitação de um ou mais processamento(s) comunicativo(s). Os autores estavam interessados em validar ou explorar o efeito terapêutico de pelo menos uma das abordagens empregadas, em sua maioria. Neste sentido, destaca-se a importância de que métodos e técnicas que apresentem maiores evidências de eficácia ou efeito terapêutico sejam utilizados para terapia(28).
A reabilitação dos processamentos comunicativos foi conduzida de maneira intensiva, observando-se que os pacientes participaram da intervenção de duas(29) a cinco vezes por semana(30). Ainda, no que se refere à continuidade do tratamento, todos os estudos fizeram uso de tarefas para casa para treino das habilidades comunicativas. O computador foi uma ferramenta auxiliar deste treino(29-31).
Para intervenção no processamento comunicativo léxico-semântico(31), a abordagem semântica foi desenvolvida com foco na interpretação de palavras, sentenças e textos, envolvendo atividades de decisão semântica e estímulos escritos. Já a abordagem fonológica teve por foco a produção fonêmica. Os pacientes apresentaram melhoras quanto à avaliação funcional da comunicação. Em complementaridade, os autores observaram que o desempenho dos pacientes que receberam a intervenção com base semântica apresentaram melhora nas habilidades semânticas, assim como os adultos com déficits fonológicos tiveram incremento nas habilidades fonológicas, correspondendo às abordagens específicas conduzidas para cada grupo(31).
A abordagem cognitivo-linguística objetiva restabelecer os níveis linguísticos afetados (semântico, fonológico e/ou sintático) e faz o uso de estratégias cognitivas, enquanto a abordagem comunicativa busca otimizar a comunicação por meio de estratégias compensatórias e da utilização de competências linguísticas residuais. Os autores compararam os resultados destas intervenções em dois grupos de adultos afásicos(29). Tanto os pacientes que receberam o tratamento cognitivo-linguístico como o comunicativo apresentaram melhoras nas avaliações, sem diferenças significativas, não confirmando a hipótese de melhor performance comunicativa com o treino de estratégias cognitivas. Uma possível justificativa é que as duas abordagens enfocam o uso da linguagem para a comunicação, podendo a intervenção comunicativa indiretamente fazer uso de aspectos cognitivos. A relação entre a linguagem e outros processos cognitivos no processamento comunicativo precisa, ainda, ser mais bem explorada, até mesmo no contexto da avaliação(32).
No que diz respeito à intervenção no nível discursivo, os autores(30) desenvolveram tarefas com contexto conversacional em programa computadorizado para a prática de habilidades linguísticas. As tarefas iniciaram no nível da frase para chegar ao nível discursivo, mais complexo, o discurso conversacional. Houve, então, uma hierarquia de dificuldades e de nível de complexidade dos estímulos, bem como, com o avançar do treino, uma diminuição das pistas auxiliares (como visualizar a palavra escrita). A técnica de apagamento de pistas é amplamente usada na reabilitação, sendo seu efeito cada vez mais comprovado em programas de intervenção mnemônica(33,34). Os pacientes apresentaram melhora na avaliação formal da linguagem e indicaram menor dificuldade de comunicação auto-relatada após a reabilitação.
Outro método comparativo identificado foi apresentado no estudo de reabilitação do processamento prosódico(35). Foram comparados os efeitos de dois paradigmas de tratamento de aprosódia expressiva, imitação versus abordagem cognitivo-linguística, com design ABAC, sendo A fase de avaliação (duas sessões), B, uma abordagem de intervenção e C, a outra. O período de cada intervenção durou 20 sessões. Os tratamentos para aprosódia apresentaram efeitos modestos, mas substanciais, para os três adultos com AVC de HD, sugerindo que a aprosódia pode ser amenizada por tratamentos comportamentais. Este estudo, ainda, se caracterizou por apresentar de modo mais detalhado a abordagem de reabilitação utilizada. De todos os processamentos comunicativos que podem estar afetados após um AVC, principalmente após uma LHD, as disprosódias parecem ser as mais investigadas e mais sistematicamente descritas na literatura(36).
Um dos objetivos desta revisão sistemática era encontrar nos estudos com reabilitação da comunicação em adultos pós-AVC, a descrição de procedimentos para o desenvolvimento das habilidades comunicativas. Entretanto, apenas em um estudo(35), o que realizou reabilitação para as dificuldades de prosódia emocional, as abordagens foram descritas minuciosamente. A descrição detalhada dos procedimentos de um programa de intervenção é crucial para que o método seja replicado(37). De tal forma, a replicação dos demais estudos fica comprometida.
O cuidado de realizar avaliações em diferentes momentos da intervenção, especialmente tendo uma linha de base, é importante para obter evidências do efeito do tratamento, na medida em que há um padrão de referência(15). Os quatro estudos incluídos nesta revisão apresentaram desenho experimental com pelo menos uma avaliação de referência e uma avaliação ao término da intervenção(29). Entretanto, apenas um deles realizou avaliação de follow-up(30). Considera-se que para testar a durabilidade do efeito terapêutico e de sua generalização para a demanda cognitiva e comunicativa do cotidiano, a promoção de follow-up é essencial.
Além disso, ter um grupo controle auxilia a dissociar o efeito da recuperação espontânea que pode ocorrer após qualquer acometimento neurológico. O método ideal seria ter um grupo controle de pacientes não-tratados, um grupo experimental que recebe a intervenção em estudo e um grupo controle tratado com outra abordagem(16,28). Entretanto, há aspectos éticos criticáveis em submeter pacientes que necessitam de intervenção a um período de espera quando o indicado é que a intervenção seja iniciada o mais precocemente possível, não sendo aconselhável privar o paciente desta possibilidade já evidenciada na literatura. Em relação a esta questão, ainda, a realização de estudos de intervenção com pacientes crônicos(26,30), é outra possibilidade.
A intervenção da comunicação foi realizada tanto em ambiente clínico quanto em domicílio, em um dos estudos(29). Os autores não observaram que o local tenha sido uma variável interveniente. Observa-se que o ambiente usual do paciente é interessante para reabilitação, podendo favorecer o uso da linguagem no dia a dia. Além disso, a reabilitação foi realizada na modalidade individual, nos quatro estudos analisados, mas o efeito foi examinado em grupos de casos tratados.
COMENTÁRIOS FINAIS
Na busca por investigações que apresentam métodos de reabilitação dos processos comunicativos em adultos pós-AVC, ficou evidente a escassez de estudos desta natureza. Entretanto, em revisões sistemáticas de intervenção de outros déficits cognitivos, como working memory, este fato também se repete. Ainda, no que se refere à efetividade da intervenção, além de serem poucas as publicações, há o entrave das variações na aplicação do método. Estas adaptações que são necessárias na prática clínica dificultam a investigação dos métodos de reabilitação de linguagem e comunicação. De um modo geral, a transferência da prática e da rotina clínicas na reabilitação comunicativa para uma pesquisa rigorosa sobre o tema é um constante desafio para o pesquisador clínico.
Outros desafios em investigações de reabilitação neuropsicológica de pacientes com traumatismo cranioencefálico podem ser salientados, destacando-se a heterogeneidade das amostras clínicas, o efeito de aprendizagem entre avaliação pré e pós-intervenção com os mesmos instrumentos neuropsicológicos, e replicação da prática clínica com controle mínimo de variáveis, entre outros. No estudo sobre a reabilitação da comunicação, além da diversidade de técnicas que não são detalhadamente descritas, a investigação dos resultados alcançados merece atenção. É essencial que sejam realizadas avaliações antes e após a intervenção, incluindo o follow-up para a verificação da manutenção do desempenho alcançado após o tratamento. Entretanto, os instrumentos e testes utilizados nas avaliações pré e pós-intervenção, quando empregam o mesmo procedimento, são variados, não permitindo a comparação dos estudos.
A área da avaliação dos déficits nos processamentos comunicativos pós-LHD evoluiu muito nos últimos anos, entretanto, não se deu do mesmo modo a investigação de intervenções para estes aspectos. Este panorama pode estar relacionado ao estudo mais recente destas habilidades.
Destaca-se que propostas de reabilitação para os processamentos comunicativos, embora em número restrito, são de extrema relevância na prática clínica. Possivelmente, os programas de reabilitação conduzidos na clínica ainda não estão sistematizados na literatura, sendo necessário que esses conhecimentos sejam relatados cientificamente. Além disso, a intervenção dos processamentos comunicativos tem sido descrita em quadros demenciais e de traumatismo cranioencefálico de modo mais frequente, do que pós-AVC.
Assim, frente ao restrito número de estudos que apresentaram abordagem sistematizada de intervenção para déficits de componentes comunicativos, pode-se considerar os achados da presente revisão surpreendentes e, até mesmo, alarmantes. A relevância de estudos sistemáticos sobre métodos e sua eficácia na reabilitação de transtornos comunicativos é indubitável, sendo essencial a realização de pesquisas de reabilitação dos processamentos comunicativos, com a concepção dos tratamentos embasada teórica e clinicamente, sem restringirem-se aos aspectos etiológicos dos déficits. O conhecimento aprofundado das características dos déficits comunicativos e aspectos que possam contribuir para a sua manifestação devem ser considerados neste planejamento. Ainda, é importante que a proposta de reabilitação desenvolvida seja descrita detalhadamente para que estudos possam ser replicados, contribuindo também para a verificação do efeito do tratamento. Sugere-se que propostas de intervenção dos processamentos comunicativos com adultos pós-AVC sejam delineadas, bem como, que sejam conduzidos e publicados estudos de casos e de grupos de reabilitação com este enfoque, para a verificação de efeito terapêutico.
AGRADECIMENTOS
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP (processo nº 2006/59655-2) pela concessão de bolsa de doutorado à primeira autora; e ao Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico DAAD e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq (processo nº 290006/2008-2) pelo oferecimento de bolsa de doutorado sanduíche na Ludwig Maximilian University, em Munique.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq pela concessão de Bolsa Produtividade à Profa. Dra. Rochele Paz Fonseca no Edital Humanas 2010-2012 (processo nº 401537/2010-2); e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul FAPERGS pelo fomento concedido à autora pelo Edital Pesquisador Gaúcho (processo nº 1017438).
Recebido em: 17/5/2011
Aceito em: 1/8/2011
Trabalho desenvolvido para a Qualificação do Projeto de Doutorado em Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS e no Grupo de Neuropsicologia Clínica e Experimental GNCE, PUCRS, Porto Alegre (RS), Brasil.
Referências bibliográficas
- 1. Joanette Y, Côté H, Fonseca RP, Giroux F, Mejia-Constain B, Ska B. Quando os hemisférios direito e esquerdo colaboram: A dinâmica inter-hemisférica subjacente à linguagem e suas implicações para a prática clínica e para o envelhecimento bem-sucedido. In: Macedo EC, Mendonça LIZ, Schlecht BBG, Ortiz KZ, Azambuja DA. Avanços em Neuropsicologia: das pesquisas à aplicação clínica. São Paulo: Santos; 2007. p.17-32.
- 2. Joanette Y, Ansaldo AI, Kahlaoui K, Côté H, Abusamra V, Ferreres A et al. Impacto de las lesiones del hemisfério derecho sobre las habilidades linguísticas: perspectivas teórica y clínica. Rev Neurol. 2008;46(8):481-8.
- 3. Belin C, Faure S, Mayer E. Hemispheric specialisation versus inter-hemispheric communication. Rev Neurol (Paris). 2008;164(Suppl3):S148-53.
- 4. Franklin A, Catherwood D, Alvarez J, Axelsson E. Hemispheric asymmetries in categorical perception of orientation in infants and adults. Neuropsychologia. 2010;48(9):2648-57.
- 5. Wada, JA. Is functional hemispheric lateralization guided by structural cerebral asymmetry? Can J Neurol Sci. 2009;36(Suppl2):S25-31.
- 6. Joanette Y, Goulet P, Hannequin D. Right hemisphere and verbal communication. New York: Springer; 1990.
- 7. Ortiz KZ. Distúrbios Neurológicos Adquiridos: Linguagem e Cognição, 2Ş ed., Baurueri, SP: Manole, 2010. p.484.
- 8. Fonseca RP, Parente MA. Metanálise de estudos do processamento comunicativo em indivíduos com lesão vascular direita. Est Psico (Campinas). 2007;24(4):529-38.
- 9. Côté H, Payer M, Giroux F, Joanette Y. Towards a description of clinical communication impairment profiles following right-hemisphere damage. Aphasiology. 2007;21(6-8):739-49.
- 10. Ferré P, Clermont MF, Lajoie C, Côté H, Ferreres A, Abusamra V et al. Identification de profils communicationnels parmi les individus cérébrolésés droits: Profils transculturels. Rev Neuropsicologia Latinoam. 2009;1(1):32-40.
- 11. Ferré P, Ska B, Lajoie C, Bleau A, Joanette Y. Clinical focus on prosodic, discursive and pragmatic treatment for right hemisphere damaged adults: what's right? Rehabil Res Pract. 2011;2011(1):1-10.
- 12. Moix V, Côté H. Intervention orthophonique chez les cérébrolésés droits. Rééducation orthophonique. 2004;42(219):123-33.
- 13. Szaflarski JP, Ball A, Grether S, Al-Fwaress F, Griffith NM, Neils-Strunjas J et al. Constraint-induced aphasia therapy stimulates language recovery in patients with chronic aphasia after ischemic stroke. Med Sci Monit. 2008;14(5):CR243-50.
- 14. Vitali P, Tettamanti M, Abutalebi J, Danna M, Ansaldo AI, Perani D et al. Recovery from anomia: effects of specific rehabilitation on brain reorganisation: an er-FMRI study in 2 anomic patients. Brain Lang. 2003;87(1):126-27.
- 15. Cicerone KD, Dahlberg C, Kalmar K, Langenbahn DM, Malec JF, Bergquist TF et al. Evidence-based cognitive rehabilitation: Recommendations for clinical practice. Arch Phys Med Rehabil. 2000;81(12):1596-615.
- 16. Cicerone KD, Dahlberg C, Malec JF, Langenbahn DM, Felicetti T, Kneipp, S et al. Evidence-based cognitive rehabilitation: updated review of the literature from 1998 through 2002. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(8):1681-92.
- 17. Halligan PW, Wade DT. Effectiveness of rehabilitation for cognitive deficits. New York, USA: Oxford; 2005.
- 18. Teasell R, Bayona N, Marshall S, Cullen N, Bayley M, Chundamala J et al. A systematic review of the rehabilitation of moderate to severe acquired brain injuries. Brain Inj. 2007;21(2):107-12.
- 19. Turner-Stokes L. Evidence for the effectiveness of multi-disciplinary rehabilitation following acquired brain injury: a synthesis of two systematic approaches. J Rehabil Med. 2008;40(9):691-701.
- 20. Rholing ML, Faust ME, Beverly B, Demakis G. Effectiveness of cognitive rehabilitation following acquired brain injury: a meta-analytic re-examination of Cicerone et al.'s (2000, 2005) systematic reviews. Neuropsychology. 2009;23(1):20-39.
- 21. Kelly PJ, Furie KL, Shafqat S, Rallis N, Chang Y, Stein J. Functional recovery following rehabilitation after hemorrhagic and ischemic stroke. Arch Phys Med Rehabil. 2003;84(7):968-72.
- 22. Polanowska K, Seniów J, Paprot E, Leśniak M, Członkowska A. Left-hand somatosensory stimulation combined with visual scanning training in rehabilitation for post-stroke hemineglect: a randomised, double-blind study. Neuropsychol Rehabil. 2009;19(3):364-82.
- 23. Panhoca I, Rodrigues NA. Avaliação da qualidade de vida de cuidadores de afásicos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):394-401.
- 24. Hatfield B, Millet D, Coles J, Gassaway J, Conroy B, Smout RJ. Characterizing speech and language pathology outcomes in stroke rehabilitation. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(12 Suppl2):S61-S72.
- 25. Blake ML. Perspectives on treatment for communication deficits associated with right hemisphere brain damage. Am J Speech Lang Pathol. 2007;16(4):331-42.
- 26. Marcotte K, Ansaldo AI. The neural correlates of semantic feature analysis in chronic aphasia: discordant patterns according to the etiology. Semin Speech Lang. 2010;31(1):52-63.
- 27. Kendall DL, Rosenbek JC, Heilman KM, Conway T, Klenberg K, Gonzalez-Rothi LJ et al. Phoneme-based rehabilitation of anomia in aphasia. Brain Lang. 2008;105(1):1-17.
- 28. Rodriguez AD, Rothi LJG. Principles in conducting rehabilitation research. In: Stuss DT, Winocur G, Robertson IH. Cognitive Neurorehabilitation: evidence and application. 2a. ed. New York: Cambridge University Press; 2008. p. 79-90.
- 29. Jong-Hagelstein M, van de Sandt-Koenderman WM, Prins ND, Dippel DW, Koudstaal PJ, Visch-Brink EG. Efficacy of early cognitive-linguistic treatment and communicative treatment in aphasia after stroke: a randomised controlled trial (RATS-2). J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2011;82(4):399-404.
- 30. Manheim LM, Halper AS, Cherney L. Patient-reported changes in communication after computer-based script training for aphasia. Arch Phys Med Rehabil. 2009;90(4):623-7.
- 31. Doesborgh SJ, van de Sandt-Koenderman MW, Dippel DW, van Harskamp F, Koudstaal PJ, Visch-Brink EG. Effects of semantic treatment on verbal communication and linguistic processing in aphasia after stroke: a randomized controlled trial. Stroke. 2004;35(1):141-6.
- 32. Monetta L, Ouellet-Plamondon, C, Joanette Y. Simulating the pattern of right-hemisphere-damaged patients for the processing of the alternative metaphorical meanings of words: evidence in favor of a cognitive resources hypothesis. Brain Lang. 2006;96(2):171-7.
- 33. Fish J, Wilson BA, Manly T. The assessment and rehabilitation of prospective memory problems in people with neurological disorders: a review. Neuropsychol Rehabil. 2010;20(2):161-79.
- 34. Wilson BA. Memory rehabilitation: integration theory and practice. New York: The Guilford Press; 2009.
- 35. Leon SA, Rosenbek JC, Crucian GP, Hieber B, Holiway B, Rodriguez AD et al. Active treatments for aprosodia secondary to right hemisphere stroke. J Rehabil Res Dev. 2005;42(1):93-101.
- 36. Paulmann S, Pell MD. Contextual influences of emotional speech prosody on face processing: how much is enough? Cogn Affect Behav Neurosci. 2010;10(2):230-42.
- 37. De Noreña D, Ríos-Lago M, Bombín-González I, Sánchez-Cubillo I, García-Molina A, Tirapu-Ustárroz J. Efectividad de la rehabilitación neuropsicológica en el daño cerebral adquirido (I): atención, velocidad de procesamiento, memoria y lenguaje. Rev Neurol. 2010;51(11):687-98.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Set 2012 -
Data do Fascículo
2012
Histórico
-
Recebido
17 Maio 2011 -
Aceito
01 Ago 2011