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Dosagem espectrométrica de metaemoglobina sem interferentes químicos ou enzimáticos

Spectrometric measurement of methemoglobin without interference of chemical or enzymatic reagents

Resumos

Os autores apresentam uma nova técnica para dosagem de metaemoglobina em relação à oxiemoglobina, sem interferentes químicos ou enzimáticos. A base metodológica da técnica proposta se fundamenta nos valores reais de metaemoglobina circulante no sangue. Para a determinação quantitativa da metaemoglobina em relação à oxiemoglobina circulantes procedeu-se à hemólise do sangue total e à estabilização desses dois produtos em tampão fosfato M/60 (ou 60 mol L-1) pH 6,8. Os valores de metaemoglobina e oxiemoglobina foram obtidos de suas absorções espectrofotométricas em 630 nm e 540 nm. A técnica proposta foi comparada com a de Evelyn e Malloy, cuja metodologia avalia subprodutos heme-estruturais de hemoglobinas tratados com soluções de ferricianeto e cianeto de potássio. A presente técnica tem a vantagem de dispensar interferentes químicos ou enzimáticos, sem risco tóxico. Os valores obtidos da padronização revelaram que o grau de normalidade variou entre 1,9% e 3,8%.

Metaemoglobina; dosagens bioquímicas


The authors introduce a new technique to measure the methemoglobin in relationship to oxyhemoglobin, without interference of chemical reagents or enzymes. The methodical basis sets out to detect real values of methemoglobin in the blood. To determine the level of methemoglobin in relationship of oxyhemoglobin, the blood was hemolysed and the hemoglobins (metha and oxy) were stabilized in a phosphate buffer M/60 (or 60 mol L-1) pH 6.8. The levels of methemoglobin and oxyhemoglobin were obtained by spectrophotometric absorption at 630nm and 540nm. This technique was compared with the technique of Evelyn and Malloy, whose methodology measures the heme-structural subproducts of hemoglobin treated with potassium ferricyanide and cyanide solutions. This technique has the advantage of removing the interference of chemical reagents or enzymes without toxic risks. The values obtained with this standardization showed that the normal levels range between 1.9% and 3.8%.

Methemoglobin; biochemical measurement


ARTIGO ARTICLE

Dosagem espectrométrica de metaemoglobina sem interferentes químicos ou enzimáticos

Spectrometric measurement of methemoglobin without interference of chemical or enzymatic reagents

Paulo Cesar NaoumI; Janaína RadispielII; Magaly da Silva MoraesII

IBiomédico, Professor titular pela Unesp, Diretor da Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto, SP

IIBióloga da Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Paulo Cesar Naoum Academia de Ciência e Tecnologia Rua Bonfá Natale, 1860 15020-130 – São José do Rio Preto-SP e-mail: a.c.t@terra.com.br

RESUMO

Os autores apresentam uma nova técnica para dosagem de metaemoglobina em relação à oxiemoglobina, sem interferentes químicos ou enzimáticos. A base metodológica da técnica proposta se fundamenta nos valores reais de metaemoglobina circulante no sangue. Para a determinação quantitativa da metaemoglobina em relação à oxiemoglobina circulantes procedeu-se à hemólise do sangue total e à estabilização desses dois produtos em tampão fosfato M/60 (ou 60 mol L-1) pH 6,8. Os valores de metaemoglobina e oxiemoglobina foram obtidos de suas absorções espectrofotométricas em 630 nm e 540 nm. A técnica proposta foi comparada com a de Evelyn e Malloy, cuja metodologia avalia subprodutos heme-estruturais de hemoglobinas tratados com soluções de ferricianeto e cianeto de potássio. A presente técnica tem a vantagem de dispensar interferentes químicos ou enzimáticos, sem risco tóxico. Os valores obtidos da padronização revelaram que o grau de normalidade variou entre 1,9% e 3,8%.

Palavras-chave: Metaemoglobina; dosagens bioquímicas.

ABSTRACT

The authors introduce a new technique to measure the methemoglobin in relationship to oxyhemoglobin, without interference of chemical reagents or enzymes. The methodical basis sets out to detect real values of methemoglobin in the blood. To determine the level of methemoglobin in relationship of oxyhemoglobin, the blood was hemolysed and the hemoglobins (metha and oxy) were stabilized in a phosphate buffer M/60 (or 60 mol L-1) pH 6.8. The levels of methemoglobin and oxyhemoglobin were obtained by spectrophotometric absorption at 630nm and 540nm. This technique was compared with the technique of Evelyn and Malloy, whose methodology measures the heme-structural subproducts of hemoglobin treated with potassium ferricyanide and cyanide solutions. This technique has the advantage of removing the interference of chemical reagents or enzymes without toxic risks. The values obtained with this standardization showed that the normal levels range between 1.9% and 3.8%.

Key words: Methemoglobin; biochemical measurement.

Introdução

Denomina-se metaemoglobinemia a situação clínica caracterizada pela elevação da concentração de metaemoglobina no sangue, acima do nível padrão estabelecido por dosagens químicas ou enzimáticas. As três principais causas que determinam o aumento de metaemoglobina têm origens diferentes e se devem à: 1) deficiência de enzimas eritrocitárias específicas para as atividades redutoras da oxidação do ferro do grupo heme; 2) à indução tóxico-oxidativa da hemoglobina causada por compostos químicos oxidantes; 3) ao defeito molecular da hemoglobina que causa contínua auto-oxidação.1

A hemoglobina oxigenada, ou oxiemoglobina, se caracteriza pelo estado reduzido ou ferroso (Fe++) do ferro inserido no grupo heme. Entretanto, as contínuas reações metabólicas do nosso organismo liberam produtos químicos com alto potencial oxidativo que oxidam o ferro mudando-o para o estado férrico (Fe+++) ou metaemoglobina. Esse fato faz com que as enzimas eritrocitárias com capacidade redutora atuem com eficiência para manter o equilíbrio assim representado OxiHb « MetaHb. O equilíbrio que mantém a relação OxiHb/MetaHb no sangue é alcançado quando a indução oxidativa que transforma a oxiemoglobina em metaemoglobina se iguala à sua redução para oxiemoglobina mediante a ação de três enzimas específicas: NADH-diaforase, glicose-6-fosfato desidrogenase (G-6-PD) e metaemoglobina redutase.1 A redução da atividade de uma dessas três enzimas motivada por herança genética autossômica recessiva pode resultar na elevação da concentração de metaemoglobina, que, ao atingir valores entre 8% e 40%, promove a mudança na cor vermelha do sangue para a cor marrom e presença de produtos de degradação da metaemoglobina no interior dos eritrócitos, os corpos de Heinz.2,3

A metaemoglobinemia tóxica está diretamente relacionada ao uso cumulativo de medicamentos oxidantes, bem como por contaminação de poluentes ambientais gasosos (NOx e SOx) e líquidos, com destaque para sulfonas, quinonas, cloratos, nitritos, nitratos, aminobenzenos, nitrobenzenos e nitrotoluenos. Geralmente, pessoas portadoras de deficiência de uma ou mais enzimas redutoras da metaemoglobina, sob o efeito de indução tóxico-oxidativa, podem desencadear expressiva formação de metaemoglobina, aumento de produtos de degradação da hemoglobina, em especial os corpos de Heinz, além de manifestações clínicas específicas.4,5

Por fim, a metaemoglobinemia determinada por alteração na molécula da hemoglobina normal (Hb A) que a transforma em hemoglobina variante (Hb M) se deve a mutações que ocorrem nas globinas alfa, beta ou gama (Tabela 1). Os diferentes tipos dessas hemoglobinas variantes apresentam tendência à oxidação espontânea da hemoglobina, com conseqüente cianose. A anormalidade molecular envolvendo a substituição de um resíduo de histidina no grupo heme, geralmente por tirosina, induz naturalmente à formação da ferriemoglobina (Hb Fe+++) ou metaemoglobina.6 Conforme mostra a tabela 1, a afinidade ao oxigênio pode estar reduzida ou aumentada, dependendo do tipo de Hb M. Quando a causa hereditária que deu origem à Hb M afeta a globina alfa, a cianose é observada nos primeiros dias após o nascimento do recém-nascido, enquanto nas alterações da globina beta as manifestações clínicas e laboratoriais se sucedem principalmente após o sexto mês de vida, quando a globina gama é substituída pela globina beta mutante da Hb M. Por outro lado, quando a mutação ocorre na globina gama com formação da Hb Fetal-M, o recém-nascido apresenta cianose moderada ao nascer, desaparecendo gradualmente à medida que a Hb Fetal é substituída pela Hb A.7

As principais formas heme-estruturais das moléculas de hemoglobinas caracterizadas por oxiemoglobina, deoxiemoglobina, metaemoglobina e ciano-metaemoglobina, são físico-quimicamente identificadas pelos seus espectros de absorção, conforme mostra a figura 1. O espectro da deoxiemoglobina tem absorção máxima no comprimento de onda 555 nm, a oxiemoglobina tem absorções específicas em 540 nm e 577 nm, a metaemoglobina tem dois comprimentos de ondas com maior intensidade de absorção em 500 nm e 630 nm e a ciano-metaemoglobina em 540 nm.6 Dessa forma, um dos métodos de avaliação da concentração de metaemoglobina tem por base a sua absorção espectrofotométrica após ter sido induzida por solução de ferricianeto de potássio a 5%.8 Por se tratar de metodologia com alto risco tóxico, muitos laboratórios têm optado pela dosagem enzimática, com alto custo operacional para a rotina laboratorial.


O presente trabalho tem o objetivo de divulgar um teste de avaliação quantitativa de metaemoglobina em relação à oxiemoglobina por meio da absorção espectrofotométrica em comprimentos de onda específicos, sem interferência química e, portanto, sem risco tóxico.

Material e Métodos

Para a determinação dos valores normais da técnica proposta para a dosagem de metaemoglobina foram avaliadas trinta amostras de sangue de pessoas com valores hematimétricos normais, todos adultos, sendo quinze do sexo masculino e outros quinze do sexo feminino. Todas as amostras foram coletadas com anticoagulante EDTA, hemolisadas com saponina a 1% e submetidas às dosagens de metaemoglobina pela técnica proposta em contraposição com a técnica da indução por ferricianeto e cianeto de potássio descrita por Evelyn e Malloy.8

Padronização da dosagem de metaemoglobina

Princípio: A técnica proposta para a dosagem da concentração da metaemoglobina em valores percentuais se fundamenta na avaliação da solução de hemoglobina, previamente estabilizada em tampão fosfato 60 mol L-1, em dois comprimentos de onda específicos para metaemoglobina (630 nm) e oxiemoglobina (540 nm).

Reagentes: Tampão fosfato 60 mol L-1 e saponina a 1%.6

Procedimento: Para cada análise usar dois tubos de hemólise identificados por A e B.

Tubo A: Colocar primeiramente 100 ml de sangue total coletado com anticoagulante e adicionar 100 ml de saponina. Agitar a mistura para ocorrer a hemólise. A seguir, adicionar 6 ml do tampão fosfato 60 mol L-1. Homogeneizar a solução por inversão.

Tubo B: Colocar 300 ml da solução do tubo A e, a seguir, adicionar 3 ml do tampão fosfato 60 mol L-1. Homogeneizar por inversão.

Leituras espectrofotométricas

a) Ajustar o espectrofotômetro em comprimento de onda 630nm, usando o tampão fosfato 60 mol L-1 como branco e acerto do zero da absorbância, e fazer a leitura do tubo A, anotando o valor da absorbância [A].

b) Ajustar o espectrofotômetro em comprimento de onda 540nm, usando o tampão fosfato 60 mol L-1 como branco e acerto do zero da absorbância, e fazer a leitura do tubo B, anotando o valor da absorbância [A].

Cálculo

Obs.: O coeficiente 10 se deve à diluição realizada no tubo B (300 ml do tubo A: 3 ml do tampão fosfato), para obter sensibilidade técnica na leitura espectrofotométrica da oxiemoglobina em 540 nm.

Interpretação

A leitura do tubo A em 630 nm avalia a absorbância da metaemoglobina obtida da hemólise dos eritrócitos e diluída em solução tamponada. Por outro lado, a leitura do tubo B, sob as mesmas condições, avalia a absorbância da oxiemoglobina em 540 nm.

Avaliação quantitativa de metaemoglobina pela técnica de Evelyn e Malloy8

Todas as trinta amostras de sangue também foram submetidas à quantificação da metaemoglobina através da reação entre ferricianeto de potássio e de cianeto de potássio.

Resultados

Para efeito de comparação entre os resultados obtidos pela técnica proposta no presente trabalho, identificada por MetaHb, e a técnica de Evelyn e Malloy, identificada por CN-MetaHb, os valores obtidos foram submetidos a tratamento estatístico descritivo conforme mostra a tabela 2. Conforme era esperado, os valores percentuais de metaemoglobina resultantes das duas técnicas usadas foram desiguais. Obviamente as desigualdades refletem a diferença entre os procedimentos metodológicos da técnica proposta ¾ fundamentada na espectrometria específica e sem interferência química, enquanto a técnica de Evelyn e Malloy apresenta subprodutos ligeiramente instáveis pois são resultantes de reações químicas com compostos de ferricianeto e cianeto. Entretanto, ambas apresentaram distribuições de seus valores dentro dos padrões gaussianos esperados.

A técnica original de Evelyn e Malloy determina que os valores normais sejam variáveis entre 0% e 2%, fato que coincide com os resultados da nossa determinação quando consideramos a média e variação com desvio padrão duplo (2DP). Assim, podemos ponderar também que, para a técnica proposta neste trabalho, os valores de referência sejam considerados entre 1,9% e 3,8% conforme apresenta a tabela 2.

Para determinar a relação entre as duas diferentes dosagens de metaemoglobina usamos o coeficiente de correlação (r) de Pearson, que resultou em r = 0,903, ou 90,3% de correlação entre ambos (Figura 2).


Discussão

A avaliação da concentração de metaemoglobina tem sido pouco solicitada aos laboratórios e é possível que uma das razões se deva ao desconhecimento da sua importância como marcador biológico de processos oxidativos, quer sejam eles de origem hereditária ou adquirida. Uma outra causa que limita a determinação de metaemoglobina certamente está relacionada à toxicidade dos compostos químicos, ou ao elevado custo dos reagentes usados na quantificação enzimática.

A técnica que desenvolvemos está fundamentada nas absorbâncias específicas das moléculas de oxiemoglobina e metaemoglobina naturalmente presentes nos eritrócitos, estabilizadas em solução tamponada de baixa molaridade e com pH 6,8 ¾ similar ao ponto isoelétrico da hemoglobina. A mistura entre eritrócitos hemolisados com saponina a 1% e a solução tamponada estabilizadora expõe as moléculas da hemoglobina no estado reduzido (oxiemoglobina) e oxidado (metaemoglobina) em seus reais valores de concentrações, sem interferentes químicos ou indutores da cinética enzimática. Nessa situação, as absorbâncias obtidas nos comprimentos de onda de 540 nm para oxiemoglobina e 630nm para metaemoglobina reproduzem os valores específicos das diferentes formas heme-estruturais das moléculas de hemoglobinas.9

O coeficiente de correlação linear para determinar a reprodutibilidade e a sensibilidade técnica entre as metodologias de Evelyn e Malloy e a que estamos propondo mostrou-se próximo de 1 (r = 0,903), fato que indica correlação linear positiva entre as duas metodologias.

Pelas razões acima apresentadas, a dosagem de metaemoglobina por espectrometria UV/VIS apresenta alta especificidade, baixa interferência química, aplicabilidade com baixo custo operacional, elevadas sensibilidade e reprodutibilidade e sem riscos de toxicidade ao ambiente laboratorial.

Recebido: 09/08/2003

Aceito após modificações: 17/02/2004

Avaliação: Editor e dois revisores externos

Conflito de interesse: não declarado

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  • Endereço para correspondência

    Paulo Cesar Naoum
    Academia de Ciência e Tecnologia
    Rua Bonfá Natale, 1860
    15020-130 – São José do Rio Preto-SP
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Mar 2004

    Histórico

    • Aceito
      17 Fev 2004
    • Recebido
      09 Ago 2003
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