Open-access PALAVRAS DOS EDITORES

O presente volume de Alea reúne um conjunto de artigos que transitam pelos mais variados tópicos das literaturas neolatinas, incluindo também textos de áreas de domínio conexo como a arte, a filosofia e a linguística, sempre no âmbito das culturas neolatinas. A chamada para um volume de tema livre teve, mais uma vez, um resultado surpreendente, não só pela qualidade e originalidade dos textos recebidos, mas também pelos caminhos teóricos e os desdobramentos críticos que todos os artigos convocam.

Abre o volume um conjunto de textos de inflexão teórica, três deles oferecendo originais releituras da obra de Jacques Derrida: o primeiro indaga a respeito da relação entre pensamento filosófico e criação poética, centrando sua análise na questão da origem na tradição desconstrucionista, especificamente, na obra de Derrida; o segundo discute noções como testemunho, luto e segredo a partir da leitura que Derrida faz da obra poética de Paul Celan; e o terceiro faz uma leitura do jovem Derrida e das influências de seus textos inaugurais no pensamento francês, a fim de apontar de que modo uma discussão sobre a vida e os aspectos biológicos do pensamento marcaram o perfil da filosofia francesa contemporânea. Nesse sentido, o autor destaca o lugar das reflexões de Derrida (sobre a morte, sobre a sexualidade etc.) em um contexto em que a autoridade lógica se apoia em argumentos que convocam a vida. Na sequência, outros dois textos alargam a reflexão teórica, articulando-a ao trabalho crítico; no primeiro deles, o autor pensa o poema como partitura e desenvolve uma instigante reflexão que aproxima o pensamento sobre o corpo, em Jean-Luc Nancy, do estudo de Les Mains Négatives, de Marguerite Duras (1978); no segundo, o pesquisador se apropria da teoria de Serguei Eisenstein de cinematismo para ler os “babilaques” de Waly Salomão, exercício que lhe permite caracterizar gestos e formas da literatura contemporânea que põem em crise os modelos modernos de identidade e pertencimento.

Outro núcleo de textos, centrados no estudo das literaturas de língua portuguesa, abre um segundo movimento de leitura no volume, com reflexões sobre a experiência do realismo afetivo (SCHØLLHAMMER, 2013) na obra de Adriana Lisboa; o universo poético-simbólico de Guimarães Rosa e a figura do boi em duas histórias de Tutaméia (1967); as singularidades da poesia de Herberto Helder; e as interioridades da correspondência entre João Cabral de Melo Neto e o poeta português Alberto de Serpa, no período em que ambos estavam envolvidos na organização da revista O cavalo de todas as cores (O CAVALO..., 1950).

Um texto referido à literatura francesa funciona como intermezzo para chegar a outro núcleo de artigos centrados nas literaturas de língua espanhola. Trata-se de um original estudo das relações entre a Nouvelle Justine, do Marquês de Sade, e os discursos de Robespierre. Por esse caminho comparatista, a autora consegue mostrar como existe um gesto profundamente político na escrita de Sade.

O grupo de textos que, na sequência, transita por temas das literaturas espanhola e hispano-americanas abre com um artigo sobre a figura autoral de Valle Inclán e a forma como o grande escritor espanhol construiu uma narrativa ficcional para sua vida pessoal, criando uma sugestiva figura que funciona com procedimentos estéticos equivalentes aos que reconhecemos na construção de seus memoráveis personagens. Logo incluímos um artigo que nos remete à literatura colonial hispano-americana, voltado para o estudo de um singular conjunto textual produzido entre os séculos XVI e XVII, que dá conta do movimento que, na época, ligava México-Veracruz. Esse caminho registra o modo como o processo de ocidentalização ficou impresso sobre o território mexicano, sendo esse tópico o objeto central do olhar do autor nos textos estudados. Seguindo e já no âmbito das escritas híbridas na contemporaneidade das Américas, incluímos um texto que se debruça sobre as particularidades das estéticas translinguais, partindo do estudo da obra do escritor dominicano-estadunidense Juniot Diaz.

Os três textos finais, que fecham esse núcleo de artigos sobre temas do âmbito espanhol e hispano-americano, têm em comum o fato de nascer de um acurado trabalho de exploração de fontes primárias: as cartas do poeta modernista cubano Julián del Casal, documentos diversos do pintor espanhol Joan Ponç e material documental referido a François Ducasse, diplomata e pai do poeta francês Isidore Lucien Ducasse (Conde de Lautréamont), que morou em Montevideo entre 1839 e 1889. O texto sobre a obra de Casal traz subsídios para explicar um paradoxo presente em suas cartas: a abundante descrição do desajuste emocional que sempre acompanhou o poeta (o spleen decadentista que demandava a época) e a ausência de referências à devastadora doença física que lhe tirou a vida aos 33 anos. Ao indagar sobre essa contradição, a autora coloca um conjunto de perguntas centrais para o entendimento do complexo século XIX hispano-americano: o que pode ser dito e escutado no final do século XIX dentro de um gênero definido como íntimo? O que pode ou não pode ser dito nesse momento sobre a ameaça e sobre o não saber em torno do próprio corpo, mas também sobre o corpo social? Onde achar palavras para dizer o indizível da morte precoce? Já o texto sobre a obra de Joan Ponç recupera materiais da época em que o artista morou no Brasil, entre 1953 a 1962, tentando traçar um paralelo entre o próprio desenvolvimento de sua obra e sua atuação intelectual em terras brasileiras. O artigo sobre François Ducasse tece algumas hipóteses sobre como poderiam ter sido os últimos dias do diplomata aposentado que sobreviveu a seu filho, Isidore Lucien Ducasse, Conde de Lautréamont, por quase 20 anos, a partir da interpretação de um conjunto de documentos cartoriais depositados no Archivo General de la Nación, de Montevidéu e encontrados fortuitamente pelo autor do artigo. Esse valioso achado e o percurso de pesquisa empreendido oferecem importantes subsídios para uma reconstrução mais completa da biografia do poeta francês.

Depois desse movimento de leitura pelas literaturas do universo hispânico, encerramos o volume com dois textos que circulam por temas específicos de história da língua e de lexicografia. O primeiro, focado na obra de Melchior Cesarotti, redireciona nosso olhar para o âmbito da cultura italiana. O autor do artigo propõe uma acurada leitura da Saggio sulla filosofia delle lingue, destacando o lugar da obra de Cesarotti no processo de desenvolvimento de uma língua nacional italiana. O segundo texto estuda os dicionários de dúvidas, a partir de uma avaliação de três obras do gênero, pertencentes às tradições de língua espanhola, francesa e portuguesa.

Fecha o volume uma resenha do livro, de Lucía Tennina, Cuidado com os poetas! Literatura e periferia na cidade de São Paulo, publicado em 2018. Trata-se de uma excelente edição brasileira, com tradução de Ary Pimentel, de ¡Cuidado con los poetas! Literatura y periferia en la ciudad de São Paulo, publicado originariamente pela editora argentina Beatriz Viterbo, em 2017, que reúne os resultados de pesquisa de Tennina a partir de uma longa experiência de imersão na cultura dos saraus da periferia paulista.

Como já é habitual nas páginas de nossa revista, tentamos reunir vozes de diferentes contextos acadêmicos, a fim de oferecer ao leitor uma ampla mostra dos caminhos por onde circula o pensamento crítico e teórico na contemporaneidade. Do âmbito brasileiro, colaboram professores e pesquisadores das seguintes instituições: Universidade de São Paulo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade de Brasília, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal de Goiás, Universidade Federal de Uberlândia, Universidade Estadual de Santa Cruz, Universidade Federal da Integração Latino Americana e Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Já do âmbito internacional, contamos com a colaboração de colegas da Universidade Nacional de Educación a Distancia (Espanha); da École Normale Supérieure (França) e da Universidad de la República (Uruguai).

Esperamos que o volume satisfaça aos nossos leitores, produzindo o mesmo interesse que exerceu sobre os editores da revista a leitura de cada texto e a mesma sedução que experimentamos quando enfrentamos o trabalho de orquestrar todas essas vozes em um volume da revista Alea.

Referências bibliográficas

  • GUIMARÃES ROSA, J. Tutaméia. Terceiras estórias [s.l.]: José Olympio - Editora Record, 1967.
  • LES MAINS Négatives. Escrito e dirigido por Marguerite Duras. França: Les Films du Losange, 1978. 90 min. Disponível em: https://www.imdb.com/title/tt0206168/
    » https://www.imdb.com/title/tt0206168/
  • O CAVALO de Todas as Cores. Alberto de Serpa e João Cabral de Melo Neto (dir.). n. 1, jan. 1950, Barcelona. (número único).
  • SCHØLLHAMMER, K. E. Realismo afetivo: evocar realidade além da representação. In: SCHØLLHAMMER, K. E. Cena do crime: violência e realismo no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013, p. 155-185.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2019
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