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A Sociologia e as migrações

Neste número 49, a revista Sociologias traz aos seus leitores o dossiê "Sociologia das migrações: entre a compreensão do passado e os desafios do presente”, organizado por Oswaldo Truzzi e Karl Monsma. Bastante atual, em plena evidenciação sociopolítica, levantando múltiplas questões, gerando polêmicas e preconceitos e mobilizando o debate, este tema tem recebido especial atenção das ciências sociais, particularmente da sociologia.

Desde o início do século XX, com a publicação da clássica obra de William I. Thomas e Florian Znanieck (2012THOMAS, William I.; ZNANIECKI, Florian. The polish peasant in Europe and America. Charleston: Nabu Press, 2012. 610p.) - um estudo sobre migrantes poloneses publicado em cinco volumes entre 1918 e 1920 -, as migrações ganharam destaque nas abordagens das ciências sociais. Também na demografia, geografia, economia, história, direito e psicologia, o tema tem provocado muitas e variadas análises teóricas e metodológicas. Na sociologia, a partir do estudo acima, o tema das migrações passa a ocupar uma posição de destaque, ganhando visibilidade e renovando-se, nos últimos 20 anos, a partir dos diversos eventos migratórios ao redor do mundo. No Brasil, a sociologia das migrações teve grande importância nos debates nacionais e foi tratada pelos principais cientistas sociais, particularmente Florestan Fernandes, Eunice Durham, Ruth Cardoso e Octavio Ianni, entre outros. Este tema volta recentemente ao primeiro plano do cenário nacional com a migração de brasileiros para o exterior e com a chegada ao Brasil de migrantes do "sul global” .

Os efeitos dos eventos migratórios, por sua vez, têm atingido dimensões dramáticas, colocando gestores políticos e cientistas sociais frente a desafios fundamentais nas sociedades atuais. Para estes, o tema traz à baila uma ampla diversidade de elementos teóricos e empíricos, desafiando-os no entendimento do social.

Os fluxos migratórios, ao reposicionarem geograficamente os indivíduos, portadores de histórias e culturas particulares em sociedades diversas, acabam por ressignificá-las. A história social e cultural das sociedades ao longo do tempo, sob efeito das diferentes e variadas migrações, mostra bem esse processo.

Por vezes tema tabu, com olhares e ações preconceituosos, polarizado socialmente, este fenômeno social coloca a necessidade de discussão ampliada e democrática nas sociedades atuais. A sociologia se apresenta como uma área científica que muito pode colaborar - e tem feito isso - e o dossiê que Sociologias ora apresenta vem nessa direção. Os enfoques aqui referidos, tanto em termos de abrangência internacional, como nas dimensões temporal e teórico-analítica, demonstram a pertinência e importância desta disciplina científica no tratamento do tema.

O presente dossiê traz abordagens que versam, por exemplo, sobre as migrações como moldadoras da formação histórica da América Latina, das representações "problemáticas” dos "novos migrantes” na Europa e na América do Norte, da distinção entre refugiados e migrantes, ou ainda como os migrantes foram (são) abordados nas Ciências Sociais brasileiras.

De modo geral, a problemática em torno das migrações tem sido tratada nas Ciências Sociais enfocando-se os padrões, os ritmos das migrações internacionais e os contextos de interdependência socioeconômica e sociopolítica que as configuram. Particular enfoque tem sido dado à caracterização de fluxos populacionais Sul-Norte no período do pós-guerra e às políticas de recrutamento de mão de obra migrante. Tendências atuais dos fluxos imigracionistas têm sido igualmente objeto de estudo, destacando-se os movimentos migratórios no contexto de globalização, as migrações Leste-Oeste, as migrações em massa das regiões rurais para as cidades, e a perda de sentido de categorias tradicionais de migrantes. Para os organizadores deste dossiê, os estudos monográficos têm sido a tônica, contribuindo para uma "subteorização” na disciplina sociológica. Este dossiê, segundo eles, "pretende contribuir para mitigar tal viés”, propondo contribuir também para "desfazer preconceitos e alargar a compreensão acerca dos fenômenos migratórios” (Truzzi; Monsma, 2018TRUZZI, Oswaldo; MONSMA, Karl. Sociologia das migrações: entre a compreensão do passado e os desafios do presente - apresentação. Sociologias, v. 20, n. 49, p. 18-23, 2018.).

Na seção Artigos, este número de Sociologias traz, por primeiro, o texto de Pedro Henrique Moschetta e Jorge Vieira, do Instituto Universitário de Lisboa, Portugal, que trata do consumo de música na era do streaming, serviços que buscam facilitar/ampliar o consumo e a descoberta de músicas gravadas ao oferecer acesso irrestrito e sob demanda a uma gigantesca coleção musical a partir de qualquer dispositivo online, em qualquer hora ou local. Pensando a música como veículo cultural que transporta as pessoas entre estados emocionais e que, com frequência, está associada, por intermédio de convenções, a cenários sociais, os autores abordam questões relacionadas aos novos mercados de bens culturais como a desmaterialização da música e a ampliação do acesso a conteúdos, assim como suas contrapartes: a superabundância, o "consumo onívoro”, a êxtase do consumo, entre outras. Combinando entrevistas e análise de dados, os autores mostram que a facilidade de acesso incentiva a descoberta de novas músicas, tornando a experiência de consumo mais diversificada e fragmentada, e demonstram o papel fundamental das playlists como principal forma de descoberta e coleção musical. Os autores concluem afirmando que a experiência de consumo de música na era do streaming, ao mesmo tempo, reflete a condição da informação na era digital - abundante, fragmentada e não linear - e revela um lastro histórico em formas anteriores/tradicionais de seleção do que ouvir, como estações de rádio e playlists. Nesse sentido, não cria novas lógicas de consumo e sim adaptações de anteriores. Por outro lado, o consumo musical gradualmente deixa a esfera pública para tornar-se mais individualizado e móvel, com o uso de dispositivos portáteis e da curadoria possibilitada pelos serviços de streaming.

Luiz Gustavo da Cunha de Souza, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por sua vez, tem por objetivo central esboçar uma discussão teórica a respeito de relações de demarcação e hierarquização simbólicas que poderiam ser descritas por meio da categoria analítica de desreconhecimento. Este conceito, conforme é apresentado nos recentes debates envolvendo a teoria do reconhecimento, formulada por Axel Honneth, e o lado negativo das relações de reconhecimento, visa explicitar formas de exercício do poder por meio das quais grupos privilegiados denegam a outros grupos ou indivíduos a possibilidade de participar em condições de igualdade nas esferas institucionais de reconhecimento que legitimam as sociedades modernas. Particular atenção é dada a dois casos de corrosão das normas implícitas de reconhecimento: i) às formas de animosidade que buscam justificar estas práticas por meio do recurso à constituição de um imaginário sobre grupos diferentes, assim atribuindo a estes últimos certas características negativas; e ii) a alguns exemplos da tradição do pensamento social brasileiro e de um eventual aguçamento das tensões políticas e de suas consequências para as tentativas de demarcação simbólica observadas no país.

Em artigo sobre as identidades e novas direções da crítica cinematográfica brasileira, Eliska Altmann e Bruno Sciberras de Carvalho, respectivamente da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), propõem um estudo de caso a partir da recepção do filme Vazante no contexto nacional, buscando indicar hipóteses sobre novas direções da crítica, dentre as quais se destacam a ênfase em dimensões de pertencimento identitário, a valorização de participação presencial e direta nos debates, e a indicação de conhecimento proveniente da crítica. Os autores argumentam que tais direções expressam demandas relevantes por conferir visibilidade a reivindicações de justiça e ao sentido histórico de desigualdades, em particular a seus efeitos no campo cinematográfico. Notam-se, também, possíveis impasses indicados pela crítica cinematográfica, sobretudo aqueles referentes a aspectos que fundamentaram parâmetros críticos convencionais.

Na seção Interfaces, Elenita Malta Pereira, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em uma abordagem histórico-sociológica, trata das diferentes dimensões presentes nas representações humanas sobre a natureza: a sensibilidade ecológica, ou seja, a manifestação dos sentimentos e percepções humanas em relação ao mundo natural, e o ambientalismo, movimento construído historicamente, de caráter global, porém multifacetado, disperso em diversas vertentes, que se dedica à proteção e conservação do ambiente natural e humano. O objetivo do artigo é analisar a historicidade dessas dimensões, considerando alguns de seus defensores e críticos. A discussão leva, finalmente, ao entendimento da relação dos humanos com a natureza como um problema tanto histórico quanto ético-moral.

Por fim, na seção Resenhas, o livro de Gregory Claeys, Dystopia: a natural history é resenhado por Vittorio da Gamma Talone, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP)/Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). O resenhista abarca a obra de Claeys mapeando o que este autor chama de história natural da distopia, cujo objetivo é dar conta da passagem, na sociedade, dos medos naturais (deuses, monstros) para os medos sociais (tecnologias opressivas, totalitarismo). Talone analisa como o autor resenhado busca, atentando a fatos históricos, mitos, religiões, sistemas políticos e à chamada "literatura distópica”, dar conta da dimensão comportamental-emocional e das sensações definidoras de distopias para diferentes grupos e sociedades.

Já Juliane Sant'Ana Bento, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), resenha o livro El clientelismo político: desde 1950 hasta nuestros dias, de Gabriel Vommaro e Hélène Combes. Segundo a resenhista, a obra apresenta um panorama didático e imprescindível dos estudos sobre o clientelismo, inclusive em sociedades contemporâneas. A obra também representa uma contribuição fundamental para as ciências sociais ao ampliar a perspectiva da denunciação, ressaltando que o clientelismo é noção dificilmente dissociada de uma intenção moral e, especialmente, indagando em que medida os diagnósticos intelectuais da patologia da política são mobilizados na condição de crítica, deslegitimação ou desqualificação das práticas dos oponentes na luta política.

Tenham todos uma boa leitura.

Os Editores

Referências

  • CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Marcio de. O tema das migrações internacionais na sociologia no Brasil. Revista Brasileira de Sociologia, v. 6, n. 12, p. 1-26, jan.-abr. 2018.
  • OLIVEIRA, Márcio de. A sociologia da imigração no Brasil entre as décadas de 1940 e 1970. Sociologias, v. 20, n. 49, p. 198-228, 2018.
  • THOMAS, William I.; ZNANIECKI, Florian. The polish peasant in Europe and America. Charleston: Nabu Press, 2012. 610p.
  • TRUZZI, Oswaldo; MONSMA, Karl. Sociologia das migrações: entre a compreensão do passado e os desafios do presente - apresentação. Sociologias, v. 20, n. 49, p. 18-23, 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018
  • Data do Fascículo
    Dez 2018
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