RESUMO
Nos últimos anos, vários estudos foram realizados buscando reduzir o peso de veículos automotores, a fim de diminuir as emissões de poluentes. Neste cenário os aços de baixa densidade do sistema Fe-Mn-Al-C podem ser considerados uma alternativa promissora para suprir essas exigências da indústria automotiva. Geralmente, nos aços de baixa densidade, uma quantidade considerável de alumínio é adicionada a fim de reduzir a densidade geral do aço. No entanto, altos teores de alumínio promovem características distintas na microestrutura, destes aços quando comparados aos aços convencionais, como a presença do carboneto k ((Fe, Mn)3AlC), além da necessidade de se entender a combinação deste elemento com outros elementos de liga que podem ser adicionados. Neste contexto, este trabalho tem como objetivo avaliar a microestrutura, a dureza e a densidade resultantes em função da influência do Al e do Nb em uma nova composição química pertencente ao sistema Fe-Mn-Al-C, na condição trabalhada a quente, a partir de análises de difração de raios X, microscopia eletrônica, medidas de dureza e densidade por princípio de Arquimedes. Os resultados permitiram indicar que o alto teor de Al adicionado promoveu uma redução de cerca de 13% na densidade, em relação aos aços estruturais tradicionais, e a estabilidade da ferrita δ até a temperatura ambiente. A condição avaliada apresentou a temperatura ambiente uma microestrutura formada por uma matriz de ferrita δ e α, juntamente com precipitados de carboneto k (AlFe3C) e carboneto de nióbio (NbC), estes dois últimos devido as adições de Al e Nb, resultando em uma dureza de 59,4 ± 1 HRA e uma estimativa do limite de resistência a tração de próximo a 800 MPa – dentro da faixa dos aços avançados de alta resistência (Advanced High Strenght Steels – AHSS).
Palavras-chave Aços de baixa densidade; Aços Fe-Mn-Al-C; Microestrutura; Carboneto k; ferrita δ
ABSTRACT
In recent years, several studies have been carried out seeking to reduce the weight of motor vehicles to reduce pollutant emissions. In this scenario, low-density steels from the Fe-Mn-Al-C system can be considered a promising alternative to meet these requirements of the automotive industry. Generally, in low-density steel, a considerable aluminum amount is added in order to reduce the overall density of the steel. However, high aluminum contents promote distinct characteristics in the microstructure of these steels when compared to conventional steels, such as the k carbide presence ((Fe,Mn)3AlC), in addition to the need to understand the combination of this element with other alloying elements that can be added. In this context, this paper aims to evaluate the resulting microstructure, hardness and density as a function of the Al and Nb influence in a new chemical composition belonging to the Fe-Mn-Al-C system, in hot worked condition from X-ray diffraction and eletron microscopy analyses, hardness, and density measurements by Archimedes’ principle. The results indicated that the high added Al promoted a reduction of about 13% in density, in relation to typical structural steels, and the δ ferrite stability up to room temperature. The condition evaluated at room temperature presented a microstructure formed by a matrix with δ and α ferrite, together with k-carbide (AlFe3C) and niobium carbide (NbC) precipitates, the latter two due to the Al and Nb additions, resulting in 59.4 ± 1 HRA hardness and an estimated tensile strength limit close to 800 MPa – within the range of the Advanced High Strength Steels (AHSS).
Keywords Low density steels; Fe-Mn-Al-C steels; Microstructure; k-carbide; δ-ferrite
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento de aços com elevada resistência mecânica sem perda na ductilidade, entre outros parâmetros vitais de engenharia, tem sido o triunfo da indústria siderúrgica nas últimas décadas. A partir desses desenvolvimentos surgiram diversas classes de aços, dentre elas a dos aços avançados de alta resistência (Advanced High Strenght Steels – AHSS) que incluem os aços bifásicos (Dual Phase – DP), os aços TRIP (Tranformation Induced Plasticity) e os aços multifásicos (Complex Phase – CP) [1]. Entretanto, devido à necessidade de reduzir ainda mais o peso dos veículos automotores mantendo o alto nível de resistência específica, outro conceito de aço avançado tem ganhado muita atenção visando aplicações na indústria automotiva. Neste conceito busca-se produzir aços com baixa densidade adicionando elementos de liga leves como Al e Mn, originando assim as ligas do sistema Fe-Mn-Al-C [2,3].
Nas últimas décadas, diversos trabalhos [2,3] foram direcionados para o desenvolvimento de aços desse sistema com alta resistência e baixa densidade para aplicações estruturais. O Prof. Dr. Frommeyer, ex-chefe do departamento de Tecnologia de Materiais do Instituto Max Planck de Pesquisa (Düsseldorf, Alemanha), foi o pioneiro nos estudos sobre os mecanismos de deformação e suas relações com as propriedades mecânicas, fornecendo uma base teórica para os estudos posteriores [4,5]. Estes trabalhos de Frommeyer colaboraram para evidenciar a potencialidade desse sistema de ligas para aplicações na estrutura da carroceria dos automóveis. A principal razão por trás do sucesso desse sistema está relacionada ao fato de se alcançar deformações plásticas que expressam valores de ductilidade superiores aos usuais, isso sem qualquer tratamento especial ou elemento de liga caro, permitindo obtenção de geometrias mais complexas. Com isso, foi possível gerar um grau de deformação plástica elevado durante o processamento [3]. Estes aços apresentam menores valores de densidade quando comparados aos aços tradicionais que apresentam efeito TRIP (Tranformation Induced Plasticity) e/ou TWIP (plasticidade induzida por maclação mecânica – Twinning Induced Plasticity), alta resistência a corrosão, além de exibirem uma interessante combinação das propriedades mecânicas, como limite de escoamento de 0,4 a 1,0 GPa, uma resistência à tração de 0,6 a 2,0 GPa, juntamente com excelente ductilidade [6,7,8,9]. Portanto, os aços de baixa densidade do sistema Fe-Mn-Al-C por apresentarem excelentes propriedades mecânicas, baixa densidade e resistência à corrosão, contribuindo para a redução do consumo de combustíveis e a emissão de poluentes, tornaram-se atraentes para produção de peças estruturais na indústria automotiva [6,10,11,12].
Com relação às fases presentes estes aços podem apresentar campo bifásico formado de austenita e ferrita δ em alta temperatura e a microestrutura final depende dos elementos de liga adicionados e do processamento aplicado [2,6,13]. Os elementos Mn e C atuam como estabilizadores da austenita, enquanto o Al é estabilizador da ferrita. Além disso, uma redução de massa específica pode ser alcançada nestes aços por meio da adição de Al, visto que este possui baixa massa atômica e causa uma expansão no parâmetro de rede da ferrita [5,6,9,13]. O Nb que foi adicionado na liga em estudo é conhecido por segregar fortemente nos contornos dos grãos formando carboneto de nióbio (NbC). O consumo de C para formar esse carboneto promove um controle na formação de austenita, atuando como um elemento ferritizante. A interação do Nb combinado com o C, na forma de precipitados, com os contornos dos grãos resulta em uma redução importante da mobilidade desses contornos e consequentemente um retardo da recristalização e do crescimento dos grãos, além de contribuir no endurecimento da liga por precipitação [4].
O processamento em geral, as evoluções microestruturais e os mecanismos de deformação destes aços são característicos e diferem em alguns pontos dos aços convencionais, devido ao alto teor de determinados elementos de liga. Uma particularidade da adição de altos níveis de Al é a substituição da cementita ((Fe,Mn)3C) pelo carboneto k ((Fe,Mn)3AlC). O carboneto k tem uma influência significativa nas propriedades mecânicas, assim, é essencial entender e prever o equilíbrio entre este carboneto e as outras fases presentes na microestrutura dos aços de baixa densidade. O carboneto k está presente em uma ampla faixa de temperatura e composição, pode ser encontrado nos diagramas ternários de Fe-Al-C, Al-C-Mn e no quaternário Fe-Mn-Al-C. A precipitação desse carboneto nesses aços pode ocorrer tanto na austenita quanto na ferrita, dependendo do teor dos elementos de liga [2,3,12,14,15].
Neste contexto a partir de estudos na linha de pesquisa em materiais metálicos do Instituto Militar de Engenharia – IME e simulações via o software Thermo-Calc desenvolveu-se novas composições química com alto teor de alumínio e adição de nióbio, incluindo a que foi avaliada neste estudo [16–19]. Este trabalho tem como foco verificar se a composição escolhida permitiu obter uma redução na densidade e avaliar a influência do alto teor de Al e da adição de Nb na microestrutura e fases presentes, com auxílio das técnicas de microscopia eletrônica de varredura (MEV) e difração de raios X (DRX), como complemento foi analisada a dureza resultante do material para projetar a possível resistência mecânica à tração.
2.MATERIAL E MÉTODOS
Para o desenvolvimento deste trabalho foi utilizada uma liga que pertence ao sistema Fe-Mn-Al-C elaborada por Baêta Júnior [18] que contém alto teor de alumínio e nióbio. Na Tabela 1 está descrita a composição química fornecida pela Villares Metals – Sumaré /SP. Esta liga foi fundida, em escala piloto, deformada a quente via forjamento e submetida a laminação prévia a quente até a espessura de 30 mm, em escala laboratorial, pela empresa Villares Metals – Sumaré /SP. A principal diferença deste material em relação aos aços leves mais desenvolvidos [4,19–22] está no teor de Nb, que neste caso se dá em maior escala visando refinar e estabilizar grãos de ferrita δ, conforme reportado por Baêta Júnior [18].
De posse da liga como recebida realizou-se uma avaliação da densidade com base no princípio de Arquimedes. Este método foi escolhido com o intuito de aumentar a precisão na medida do volume da amostra e não simplesmente pelo volume baseado nas medidas aproximadas das dimensões da amostra (largura, comprimento e espessura) utilizadas para o cálculo do volume aplicado a densidade real. Esse ensaio foi realizado com auxílio de uma balança digital da marca METTLER, modelo AE200 com precisão de quatro casas decimais.
Para a caracterização microestrutural, via análise de difração de raios X (DRX) e microscopia eletrônica de varredura (MEV), e mecânica, a partir de medidas de macrodureza Rockwell A (HRA), foram extraídas amostras da condição como recebida, após a laminação prévia. A preparação das amostras se deu via lixamento e polimento mecânico com base na norma ASTM E03-11, seguido de ataque químico com Nital 3%. Para análise dos resultados da difração de raios X foi utilizado o método de Rietveld com fichas modificadas, conforme descrito por Baêta Júnior [18], a fim de diferenciar e quantificar principalmente as ferritas δ, α e o carboneto k. Para avaliar a macrodureza Rockwell A (HRA) foram coletadas 9 medidas de forma aleatória, respeitando a exigência de distanciamento das indentações, com base na ASTM E18-20, obtendo uma dureza Rockwell A (HRA), que permite ser aproximada para um valor de dureza Brinell (HB) segundo a norma ASTM E140-12.
3.RESULTADOS
3.1. Densidade
A densidade obtida para o aço em estudo foi de 6,83 ± 0,01 g/cm3, que é cerca de 13% menor que a densidade dos aços estruturais tradicionais (7,86 g/cm3). O teor de 7,1% em peso de alumínio adicionado a liga é possivelmente o principal responsável por essa redução, que é atribuída à expansão da rede e o baixo peso atômico da solução substitucional [2,5,13]. O alumínio apresenta menor peso atômico que o ferro (27u. e 56u. respectivamente), além da diferença na densidade do Al (Al = 2,7g/cm3) quanto aos outros elementos adicionados (C: 2,25 g/cm3; Mn: 7,46 g/cm3; Si: 2,32 g/cm3; Nb: 8,56 g/cm3) na liga a base de Fe (Fe = 7,87 g/cm3) e seus respectivos teores adicionadas, conforme Tabela 1.
3.2. Difração de raios X
O difratograma apresentado na Figura 1 foi refinado pelo método de Rietveld utilizando parâmetros fundamentais através do software Topas Academic 5.0, com utilização das fichas CIF (crystallographic information file). O GOF (goodness of fit) obtido foi de 1,67 e a pequena diferença entre as linhas do experimental e do calculado indicam excelente qualidade do ajuste. A quantificação resultou em 61,92% de ferrita δ, 32,50% de ferrita α, 4,76% de AlFe3C (carboneto k), 0,58% de cementita (Fe3C) e 0,24% de NbC. A presença do carboneto k (AlFe3C) é esperada de acordo com a literatura apresentada [2,3,12,14,15] e a pequena quantidade de cementita pode estar associada à baixa concentração ou à dificuldade de difusão de Al em algumas regiões de forma a não permitir a formação do carboneto k. A presença de NbC está de acordo devido à adição de Nb (0,3%p.), que juntamente com o carbono (0,45%p.) permitiu a formação deste carboneto. Segundo os resultados de Thermo-Calc destacados por Baêta Júnior [18], para esta liga em equilíbrio termodinâmico, a precipitação do NbC ocorre no estágio de solidificação da liga, regido principalmente pela reação peritética, como também precipita-se no progresso do resfriamento no estado sólido até a completa transformação da austenita em ferrita α. Outros trabalhos na literatura com adição de Nb observaram a presença deste carboneto, como de Kwon [21], Zargaran [22], Baligidad [23], entretanto utilizaram outras técnicas de identificação.
3.3. Microscopia eletrônica de varredura
Na Figura 2 são apresentadas as micrografias obtidas via MEV, para a condição como recebida. O material em estudo exibiu uma tendência à formação de bandas alinhadas no sentido da laminação prévia, evidenciada na micrografia em menor aumento (Figura 2(a)). Na Figura 2(b,c,d) tem-se um maior detalhamento da microestrutura, onde infere-se, pela morfologia e características observadas de acordo com a literatura [2,3], que a liga em estudo é constituída possivelmente de uma matriz ferrítica (grandes regiões em baixo relevo – ferrita δ), e uma segunda fase (alto relevo) que corresponde ao carboneto k na forma lamelar e na forma globular em meio a uma região de baixo relevo (ferrita α), como pode ser observado nas Figura 2(c,d). Esse carboneto k também se faz presente nos contornos dos grãos, indicados por setas vermelhas na Figura 2(b). A adição de Nb na liga em estudo permitiu a formação de precipitados de NbC alinhados e em algumas regiões grosseiros, como destacado na Figura 2(c). De acordo com as análises via espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS) no MEV, de Baêta Júnior [18], estes precipitados possuem alto teor de Nb o que confirma ser NbC.
Micrografias MEV/SE da amostra como recebida na seção do corte ao longo da espessura, na direção de laminação (DL). Ataque: Nital (δ = Ferrita δ; α = Ferrita α; k = Carboneto k e NbC = carboneto de nióbio).
Na Figura 3 são apresentadas micrografias obtidas através da análise no MEV, agregando os detectores de elétrons secundários (SE) e elétrons retroespalhados (BSE). A partir, da micrografia de BSE (Figura 3(b)) observa-se o contraste em função do número atômico, o ponto brilhante provavelmente seja o NbC, pois a alta concentração de Nb, elemento de maior número atômico, promove esse contraste para a configuração da análise utilizada. A presença dessa fase também é confirmada pela análise de difração de raios X (Figura 1).
Micrografias MEV(SE/BSE) da amostra como recebida, (a) SE; (b) BSE. Ataque: Nital (δ = Ferrita δ; α = Ferrita α; k = Carboneto k e NbC = carboneto de nióbio).
3.4. Dureza
Pelo ensaio de dureza verificou-se que a liga em estudo, na condição como recebida, apresenta uma dureza 59 ± 1 HRA, que se aproxima de 229 HB, segundo a norma ASTM E140-12. Com base na correlação da dureza Brinell com a tensão limite de resistência (σr) de aços de dureza inferior a 338 HB, onde (σr) ≅ 0,36HB (em kgf/mm2), tem-se uma estimativa de 82 kgf/mm2 (808,46 MPa) para a resistência à tração deste aço em estudo [24]. Esse valor estimado, em termos de resistência mecânica, encontra-se entre o limite superior de resistência dos aços TRIP e no limite inferior dos aços AHSS de terceira geração [25]. Os valores de resistência mecânica estimados indicam que o material tem propriedades compatíveis às encontradas por Botelho [17] e Shiri [20], sugerindo fortemente a aptidão do material para aplicação como componentes estruturais na carroceria dos automóveis.
4.DISCUSSÃO
Quanto a densidade da liga em estudo verifica-se que o valor obtido está coerente com os valores observados na literatura e permite indicar um potencial para aplicação dessa liga na indústria automotiva. Rana, Liu, Ray [26] descreveram que em ligas com baixo teor de Mn e alto Al (solução sólida Fe-Al) podem ocorrer reduções de densidade de até 12,7%. Outros trabalhos encontrados na literatura também confirmam reduções na densidade, entretanto, com composições químicas distintas da liga em estudo [26,27,28,29].
Na análise de difração de raios X (Figura 1) ficou evidenciada a presença das ferritas δ e α, carboneto k (AlFe3C), cementita (Fe3C) e NbC. A maior fração de ferrita δ deve-se ao elevado teor de Al, que mantém esta ferrita δ estável até temperatura ambiente. Para a aplicação do método de refinamento por Rietveld foram utilizadas fichas cristalográficas para as ferritas com algumas modificações, onde a ferrita δ continha o alumínio e a ferrita α não continha esse elemento [18]. A pequena fração de cementita presente pode estar associada a não formação completa do carboneto k, uma vez que para a formação do carboneto k é necessário que exista Al disponível. Em regiões com menores teores de Al ou naquelas em que o elemento não chegou via processo de difusão pode ter sido formado pequenos teores de cementita, não verificado através de MEV. Esta combinação de fases é descrita em diferentes trabalhos da literatura, estando o material em estudo em concordância com as referências [2,18,26,30,31].
A microestrutura avaliada para a condição em estudo evidencia uma tendência a formação de uma estrutura bandeada (Figura 2(a)) que está associada a formação de ferrita δ durante a solidificação da liga, acompanhada pelas transformações de fases no estado sólido, que se deram nos processos de forjamento a quente e posterior laminação prévia a quente de desbaste em escala semi-industrial. Ou seja, a solidificação inicia-se a partir da nucleação e crescimento da ferrita δ na forma de dendritas no líquido. Em seguida, a austenita é formada no líquido entre as células dendríticas por enriquecimento de C. Sendo importante ressaltar que, conforme citado anteriormente, de acordo com Baêta Júnior [18] durante este intervalo de solidificação é observado que o Nb em excesso se combina ao C formando NbC em conjunto com a ferrita δ em uma reação peritética. No entanto, observa-se também que parte do C, rejeitado pela ferrita δ, acaba por segregar no líquido remanescente, este líquido solidifica-se com estrutura austenítica em conjunto com NbC adicional, formado nos estágios finais da solidificação e precipitado no estado sólido até que toda austenita se transforme em ferrita α. Finalmente, tem-se um início da homogeneização composicional/microestrutural e o alongamento da estrutura fundida, pela primeira etapa de processamento termomecânico a quente. No caso presente, o forjamento a quente seguido da laminação prévia a quente, a partir da característica microestrutural típica da sua condição fundida, promoveram a estrutura em bandas, nas quais faixas de uma segunda fase (alto relevo) encontram-se alinhadas com a direção de laminação do esboço e estão distribuídas na matriz (baixo relevo). Essa microestrutura bandeada também foi observada por Shin et al. [32] em um aço Fe-3 a 4Mn-5,5 a 6,5Al-0,3 a 0,5C e por Liu et al. [33] em um aço duplex de baixa densidade Fe-11Mn-10Al-0,9C, ambos após serem processados via laminação a quente. Outros trabalhos como os de Bausch et al. [13], Frommeyer e Brüx [6], Chen et al. [2] também descreveram estruturas de aços do sistema Fe-Mn-Al-C após laminação a quente e observaram a formação das bandas de ferrita δ conforme a liga em estudo.
A composição química escolhida permitiu a estabilidade da ferrita δ (grandes regiões em baixo relevo, identificada como δ na Figura 2). Sabe-se que ferrita δ é formada em alta temperatura e estará presente até a temperatura ambiente, e a sua estabilidade tem forte relação com a composição química. Logo, a adição de Al na liga em estudo é o principal responsável para a formação dessa extensa matriz ferrítica, visto que esse elemento estabiliza a ferrita e restringe o campo austenítico [2,3]. Choi et al. [34] sugerem que a presença dessa grande fração de ferrita δ, além da dependência da composição química da liga, pode ser atribuída à dificuldade de nucleação dos grãos de austenita, devido à estabilidade dessa fase, consumindo menos ferrita δ durante a reação peritética (δ + L → γ), permitindo assim a presença dessa fase até a temperatura ambiente em uma fração significativa. Um ponto importante a se destacar é a diferenciação entre as ferritas (δ e α), nestes aços que, em geral, é realizada por meio do acompanhamento da evolução dos grãos na microestrutura, desde a solidificação até a temperatura ambiente. Na microestrutura proveniente do material laminado a quente, a ferrita δ é caracterizada por grãos grandes e alongados. A ferrita α, por sua vez, se nucleia a partir da austenita nos contornos dos grãos, como constituinte pró-eutetóide, ou participando de algum microconstituinteresultante da decomposição eutetóide. Quanto a distribuição de Al nas fases (ferrita (δ e α)), Jiang, Xie [27] observaram em uma liga Fe-0,4C-1,5Mn-4Al (%p.) pertencente aos aços de baixa densidade, que tanto a ferrita δ quanto a ferrita α apresentaram concentração de Al, porém essa concentração era maior na estrutura bandeada correspondente a ferrita δ.
Quando se avalia a segunda fase (alto relevo) pela morfologia e características, supõe-se a formação da ferrita α em conjunto com o carboneto k com morfologia lamelar e globular (Figura 2). Essas fases são provenientes da decomposição eutetóide da austenita. Mapelli et al. [30] indicam que para desencadear a decomposição da austenita são necessárias uma força motriz e uma velocidade de reação suficientes para permitir a difusão. Isso pode ser garantido por uma combinação específica de composição química, entrada de energia térmica e estabilidade termodinâmica da fase em questão. O teor de Al e C na austenita tem um papel crucial no desencadeamento da formação dos carbonetos k intragranulares, principalmente durante o resfriamento rápido.
Ao correlacionar os resultados obtidos e a composição química da liga em estudo com trabalhos da literatura inferiu-se que a formação do carboneto k, em um aço com alto teor de Al, pode ocorrer através da decomposição eutetóide, da decomposição espinodal, da precipitação descontínua e do mecanismo de transformação celular. Entretanto, somente com as análises realizadas não foi possível definir quais das transformações ocorreram ou foram mais significativas nessa condição. A formação do carboneto k pode ocorrer por decomposição eutetóide (γ → α + k), geralmente ocorre em aços com baixo teor de Mn, (Mn < 10%p.), como é o caso da liga em estudo (Mn = 0,77%p.). O carboneto k tem maior tendência a ser formado quando o teor de Al se torna significativo, ou seja, sua formação depende da composição e das condições de processamento, podendo ser formado no interior e no contorno do grão. Portanto, o alto teor de Al adicionado à liga promoveu, através do particionamento, uma concentração suficiente desse elemento na austenita, que juntamente com a difusão do C possibilitou que a decomposição da austenita resultasse no carboneto k e na ferrita α. Alguns autores indicam que devido à difusão do C no interior da austenita ser rápida, possivelmente a nucleação do carboneto k é controlada pela segregação deste elemento, permitindo o empobrecimento de regiões adjacentes para a formação da ferrita α associada à reação eutetóide [8,30,32,35,36].
A forma globular do carboneto k, que aparenta ser vestígios em relação a quantidade significativa deste na forma lamelar, se faz presente em regiões onde observam-se mudanças na direção do alinhamento dessas lamelas. Essa morfologia apresenta-se em aglomerados no interior e próximo à interface dos grãos, além de ser observada nos contornos de grãos da matriz ferrítica da liga em estudo (Figura 2(b,c,d)). Apesar deste carboneto ser interessante para as propriedades dessas ligas, alguns trabalhos descrevem que o carboneto k com esta morfologia globular, quando presente/distribuído ao longo do contorno dos grãos deve ser evitado, pois induz uma fragilidade podendo afetar a estabilidade estrutural do material, resistência e ductilidade, durante o trabalho a quente e a frio nessas ligas [10,29,32]. Mapelli et al. [30] observaram que a decomposição espinodal, possivelmente, seja a responsável pela formação do carboneto k com morfologia globular. Outros trabalhos [35,37] relatam que os carbonetos k são formados a partir de áreas enriquecidas em C, provavelmente via decomposição espinodal, mas não descrevem qual a morfologia obtida a partir dessa transformação.
Quanto aos carbonetos k com morfologia lamelar, autores como Bausch et al. [13], Cheng [38] e Mapelli et al. [30] sugerem que são produtos de precipitação descontínua, onde as lamelas crescem de forma cooperativa decorrente do particionamento dos átomos de soluto e/ou através de mecanismos de transformação celular. Essa transformação celular ocorre como uma reação eutetóide, pois envolvem a substituição de uma fase de alta temperatura por uma mistura de novas fases de baixa temperatura (γ → α + k). Essa estrutura lamelar, geralmente, começa a se desenvolver a partir do contorno do grão e avança no sentido da matriz austenítica gerando colônias [13,30,38]. O mesmo comportamento de formação a partir do contorno dos grãos também foi observado na liga avaliada (Figura 2).Um ponto importante para se destacar nesse sistema de liga é quanto à definição do carboneto k. Na literatura existem diferentes abordagens, Khaple et al. [39] descrevem que esse carboneto seja atribuído como Fe4-yAlyCx, com y entre 0,8 e 1,2 e x entre 0 e 1, por isso a fórmula estequiométrica e a estrutura cristalina desse carboneto podem variar de acordo com a composição e o processamento da liga. As hipóteses em relação ao carboneto k são fundamentadas em comparações morfológicas dos resultados apresentados (micrografias e difratogramas) com trabalhos encontrados na literatura, que utilizam outras técnicas, como microscopia eletrônica de transmissão (MET), e maiores aprofundamentos no entendimento dessa fase [2,3,10,15,36–38].
Devido à adição de Nb na liga em estudo tem-se a formação do NbC. No trabalho de Khaple et al. [31] ao avaliarem uma liga Fe-0,35C-7Al (%p.) com distintas adições de Nb (0,2; 0,4; 0,7 e 1 (%p.)), observaram que o incremento do teor de Nb promoveu um aumento na fração de NbC. Além disso, os autores ressaltaram que não havia presença de Nb em conjunto com o carboneto k. À medida que o teor de Nb aumenta, ocorre mais consumo de C para a formação do NbC, e isso pode promover um empobrecimento de C dissolvido. Como a precipitação do carboneto k requer C e Al dissolvido na austenita, esse empobrecimento de C, pode prejudicar a formação dos carbonetos com Fe e Al [21,23,31].
A estimativa da resistência mecânica do material nos permite inferir que esta é condizente com os dados encontrados por Botelho [17] e compatível com os aços TRIP de segunda geração e com os aços AHSS de 3ª geração [25]. Estes valores estimados indicam grande potencial do material para aplicações em carrocerias automotivas, a depender da otimização de rotas para completo processamento de materiais laminados a quente e a frio, como também de futuras análises evidenciando a ductilidade que pode ser encontrada em condições totalmente processadas.
5.CONCLUSÕES
Com base nos resultados apresentados conclui-se que a composição química investigada Fe-7,1Al-0,7Mn-0,4C-0, 3Nb, na condição forjada seguida de laminação prévia, possui uma microestrutura composta de ferrita δ e α, carboneto k (AlFe3C), cementita (Fe3C), e NbC. Esta composição permitiu a redução na densidade da liga de 13% em relação a densidade de aços estruturais típicos, o que é interessante para futuras aplicações desta liga. O alto teor de Al é responsável pela estabilidade da ferrita δ até a temperatura ambiente, além de permitir a formação do carboneto k nesse sistema de ligas, enquanto o Nb promoveu a formação do NbC.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem às instituições pelo apoio prestado na execução do presente trabalho: a Villares Metals – Sumaré/SP pela fusão, forjamento, laminação prévia e análise química via espectroscopia de emissão óptica (OES), e aos Laboratórios do IME. Somado as agências de fomento pelas bolsas de produtividade à pesquisa (PQ-2) do CNPq para A.S.P. (Processo 307798/2015-1), de doutorado para M.A.M.G e E.S.B.J. subsidiadas pela CAPES e CNPq, respectivamente, vinculadas ao PPGCM/SE8-IME e de Qualitec Sênior para E.S.B.J. subsidiada pela UERJ vinculada ao PPG-EM/UERJ, como também a FAPERJ pelo Projeto de Pesquisa APQ-1 (Processo E-26_010-001920_2015).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Maio 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
18 Set 2021 -
Aceito
04 Mar 2022