RESUMO
A Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) vem ganhando notoriedade como ferramenta de análise dos impactos ambientais de produtos e serviços, destacando-se por analisar todos os processos envolvidos na produção, desde a extração da matéria-prima até o descarte final, e possibilitando a preferência por materiais e processos mais sustentáveis do ponto de vista ambiental. Esse trabalho avaliou e comparou os impactos ambientais de dois traços de concreto utilizados em lajes pré-moldadas treliçadas, sendo que um utiliza resíduo de borracha de pneu em substituição parcial da areia, enquanto o outro utiliza somente areia. O método utilizado para a fase de Avaliação de Impacto do Ciclo de Vida (AICV) foi o CML2001, e uma análise de sensibilidade foi realizada, utilizando o método ReCiPe. A laje elaborada com concreto contendo resíduo de borracha de pneu gerou, em média, 5% a mais de emissões em todas as categorias de impacto analisadas, sendo a produção de cimento do tipo CP II Z 32 o processo mais crítico. A mudança de método de AICV não alterou, para as categorias de impacto avaliadas, as conclusões obtidas.
Palavras-chave sustentabilidade; construção civil; materiais alternativos
ABSTRACT
The Life Cycle Assessment (LCA) has gained notoriety as a tool for analyzing the environmental impacts of products and services, standing out for analyzing all processes involved in production, from raw material extraction to final disposal, and enabling the preference for more environmentally sustainable materials and processes. This project evaluated and compared the environmental impacts of two concrete traces used in lattice precast slabs, one using tire rubber residue to partially replace sand, while the other uses only sand. The method used for the Life Cycle Impact Assessment (LCIA) phase was CML2001, and a sensitivity analysis was performed using the ReCiPe method. The slab made of concrete containing tire rubber residue generated, on average, 5% more emissions in all impact categories analyzed, being the production of CP II Z 32 cement the most critical process. The change in the LCIA method did not alter the conclusions obtained for the assessed impact categories.
Keywords sustainability; civil construction; alternative materials
1. INTRODUÇÃO
A Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) é uma técnica desenvolvida para analisar e comparar produtos e serviços semelhantes ou equivalentes, de forma holística, a partir do ponto de vista ambiental, levando em consideração todos os processos envolvidos, desde a extração da matéria-prima até a disposição final de determinado produto ou serviço. Esse método é capaz de analisar diversas categorias de impacto ambiental, além de facilitar a identificação de processos ou fases operacionais em que os impactos ambientais sejam mais severos, sendo uma excelente ferramenta para auxiliar tomadas de decisões de empresas e partes interessadas [1]. Um conceito importante para estudos de ACV e para alcançar a sustentabilidade é o pensamento de ciclo de vida (life cycle thinking), expandindo o foco de atenção de dentro das fábricas para o ciclo de vida completo de produtos e serviços, conectando as preocupações econômicas e ambientais.
A ACV é normatizada pela série de normas ISO 14040 [2], que estabelecem os princípios, a estrutura e os requisitos de uma ACV, e apresentam alguns exemplos de como aplicar essa análise. De acordo com a ISO 14044 [3], os estudos de ACV devem incluir quatro etapas: definição de objetivo e escopo, análise de inventário do ciclo de vida (ICV), avaliação de impacto do ciclo de vida (AICV) e interpretação do ciclo de vida.
A indústria da construção civil é extremamente significante para uma nação, já que influencia demasiadamente em aspectos ambientais, sociais e econômicos [4-6]. O setor consome globalmente cerca de 14% a 50% da matéria-prima extraída da natureza, 16% dos recursos hídricos, 40% de toda fonte de energia, gera de 40% a 70% dos resíduos sólidos e cerca de 10% das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, já que é responsável pelas atividades ligadas desde a extração de matéria prima até o descarte dos resíduos, incluindo todos os reparos e manutenções necessários durante a vida útil das construções [7-9]. O concreto é a segundo material mais consumido na Terra depois da água, sendo amplamente utilizado no setor da construção [10-12].
O ramo da construção civil tem buscado soluções sustentáveis que reduzam os impactos gerados, sendo a ACV um ótimo método de avaliar e indicar possíveis melhorias nas etapas construtivas das obras civis. Utilizar materiais alternativos, como resíduos ou fibras naturais, contribui para o crescimento da oferta de materiais, além de reduzir o consumo de matérias-primas não renováveis [13-15]. Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)A ACV pode ajudar a quantificar os impactos ambientais desses novos materiais, e compará-los com os materiais convencionais. Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)
No ano de 2020 foram produzidos 67,9 milhões de unidades de pneus no Brasil [16], e 380 mil toneladas de pneus inservíveis foram coletados e destinados de forma ambientalmente correta [17]. Porém, cerca de 60 mil toneladas de pneu foram incorretamente descartadas em lixões, aterros ou outros locais abertos, e uma vez que sua decomposição é lenta, pode causar a contaminação de lençóis freáticos e dos solos, além de permitir o acúmulo de água e a proliferação de insetos transmissores de doenças [18-20].
Um método de se realizar a reforma dos pneus é por meio da recauchutagem, um processo simples que pode prolongar a vida útil do pneu em até 40% e economizar 80% da energia e matéria-prima se comparado à produção de um pneu novo [21, 22]. O granulado de borracha resultante do processo, com diâmetros variando de 1,5 a 3 milímetros, pode ser utilizado de várias formas na construção civil, como em misturas asfálticas, em proteção de aterro e encostas, em concretos leves, entre outras aplicações [23].
Geralmente, a utilização de resíduos em concretos visa o aproveitamento dos materiais descartados e o melhoramento de propriedades do concreto, como trabalhabilidade, resistência, módulo de elasticidade e porosidade [24, 25]. No entanto, não basta apenas incorporar resíduos sem realizar um estudo minucioso, já que, ao modificar a composição de um material convencional, não necessariamente o impacto ambiental será mitigado. Essa avaliação ambiental pode ser implementada com a utilização da ACV, como realizado neste trabalho, para quantificar os impactos ambientais desses novos materiais, e compará-los com os materiais convencionais.
O objetivo do estudo é realizar uma Avaliação do Ciclo de Vida Atribucional “do berço ao portão” (excluindo as fases de uso e descarte) comparando um concreto convencional com um traço de concreto com adição de resíduo de borracha de pneu em substituição parcial da areia, ambos utilizados na fabricação de lajes pré-moldadas treliçadas, para avaliar os impactos, verificar se a adição da borracha traz benefícios ambientais ao produto, e valorizar o resíduo, que seria descartado.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
A ACV terá como base o trabalho de Fazzan [26], que para a elaboração dos traços de concreto, utilizou os seguintes materiais: dois tipos de cimento (CP V ARI e CP II Z 32), areia, brita, água, resíduo de borracha de pneu, lajotas cerâmicas, aço. Para o concreto com resíduos de borracha, foi necessário acrescentar aditivo superplastificante, para melhorar a trabalhabilidade.
O CP V-ARI Plus (Cimento Portland de Alta Resistência Inicial) foi utilizado para a execução das sapatas das vigotas pré-moldadas. Já na etapa de capeamento das lajes foi empregado o cimento CP II Z 32 (Cimento Portland Composto).
Segundo Cordeiro [27], os concretos desenvolvidos com adições minerais devem possuir desempenho mecânico similar ao do concreto convencional de referência, para permitir que os novos materiais tenham a mesma aplicabilidade técnica em projetos de engenharia. Além disso, Bueno [28] afirma que a equivalência da unidade funcional das alternativas comparadas deve ser garantida, para que os resultados não sejam enganosos. Na Tabela 1 estão apresentados os valores de resistência à compressão aos 28 dias dos traços de concreto (convencional e com resíduos de borracha de pneu) confeccionados por Fazzan [26].
Os dados utilizados no projeto são provenientes da base de dados Ecoinvent v2.01, contida no software GaBi versão 6 [29]. Porém, algumas adaptações foram realizadas para adequar os dados, majoritariamente europeus, para a realidade brasileira.
O mix energético europeu, encontrado na versão da base de dados utilizada, é diferente do mix utilizado no Brasil. Assim, foi necessário elaborar manualmente uma combinação de fontes energéticas que se aproximasse da realidade brasileira. Utilizando os dados Balanço Energético Nacional de 2019 [30] e as fontes energéticas que constavam no banco de dados Ecoinvent, foi possível obter o mix energético brasileiro proposto na Tabela 2.
Da mesma forma, o cimento CP V ARI teve que ser introduzido manualmente no software GaBi, por não constar na base de dados uma composição similar. De acordo com a NBR 16697 [31], esse cimento é composto por 85% de clínquer, 5% de gesso e 10% de material carbonático. Além da composição, foi inserida uma entrada de energia de 110 kWh (396 MJ) por tonelada de cimento produzida [32].
Outra adaptação realizada no projeto foi a utilização de um cimento com uma resistência levemente maior que o CP II Z 32 no software GaBi (foi selecionado um cimento Portland tipo Z de 42,5 MPa de resistência). Essa mudança foi feita por não haver no banco de dados o cimento exato utilizado na fabricação das lajes, mas como a resistência é similar, a composição seria muito próxima.
O método de Avaliação de Impacto do Ciclo de Vida utilizado foi o CML2001. Uma análise de sensibilidade foi realizada em algumas categorias de impacto, utilizando o método ReCiPe (Midpoint Hierarquist), seguindo a recomendação de Bueno et al. [33], para que o estudo fosse mais confiável.
As categorias de impacto analisadas foram: Potencial de mudanças climáticas (GWP100 - kg CO2-Equiv.); Potencial de depleção da camada estratosférica de ozônio (ODP - kg R11-Equiv.); Potencial de criação de ozônio fotoquímico (POCP - kg C2H4-Equiv.); Potencial de acidificação (AP - kg SO2-Equiv.); Potencial de eutrofização (EP - Fosfato-Equiv.).
A categoria de eutrofização foi excluída da análise de sensibilidade pois, na metodologia ReCiPe, essa categoria é subdividida em duas categorias distintas (Eutrofização de água doce e marinha), enquanto o método CML2001 possui apenas uma categoria (Potencial de eutrofização), dificultando assim a devida comparação entre os métodos.
As fases de uso e descarte foram desconsideradas do estudo, pois, segundo Stafford et al. [34], existe uma gama muito grande de aplicações possíveis para a laje, e há grande dificuldade de se obter dados sobre a fase de descarte no Brasil, o que incorporaria muitos erros ao estudo. Além disso, de acordo com Fazzan [26], a utilização de resíduo de borracha de pneu em lajes pré-moldadas treliçadas unidirecionais não afeta significativamente o comportamento estrutural em relação às verificações dos Estados Limites Último e de Serviço. Da mesma forma, os materiais que foram utilizados em quantidades iguais nas duas lajes (lajotas cerâmicas e aço das armaduras) foram desconsiderados da análise, já que na comparação, teriam os mesmos impactos.
As lajes são planas, geralmente na horizontal, com duas dimensões significativamente maiores que a terceira (espessura). A principal função deste elemento, segundo Pinheiro et al. [35], é receber e suportar os carregamentos provenientes de andares superiores e decorrentes da utilização da construção pelas pessoas, eventuais móveis e equipamentos, transferindo estes carregamentos para os apoios.
A unidade funcional será um modelo de laje pré-fabricada apresentada na Figura 1, com seção transversal “T” (210 cm x 86 cm x 9,5 cm), considerando a altura da capa de concreto igual a 3,5 cm, conforme estabelecido pela NBR 14859-1 [36]. As duas vigotas pré-moldadas treliçadas possuem 210 cm de comprimento e seção transversal de 3 x 13 cm (em amarelo). Tanto a laje com concreto convencional, quanto a laje elaborada a partir do concreto com resíduo têm resistência à compressão mínima de 25 MPa, aos 28 dias de idade.
Realizando-se os cálculos, e subtraindo a área ocupada pelas armaduras de aço, a quantidade de concreto para se realizar a capa de uma laje é de 73,1 L de concreto elaborado com cimento CP II Z 32, e para elaborar as sapatas a quantidade é de 16,1 L de concreto com cimento CP V ARI, tanto para o traço com resíduo de borracha de pneu quanto para o traço convencional.
O concreto, segundo a NBR 6118 [37], terá classificação geral do tipo de ambiente para efeito de projeto como urbano, e, portanto, estará enquadrado na classe de agressividade ambiental II (Moderada), tendo risco de deterioração pequeno. Por ser uma estrutura de concreto armado de classe de agressividade II, tem como requisitos uma relação água/cimento maior ou igual a 0,60, classe de concreto maior ou igual a C25 (resistência à compressão característica maior ou igual a 25 MPa), e por ser uma laje tem cobrimento nominal exigido de 25 mm.
O escopo tecnológico do estudo será considerado estático, pois serão levadas em consideração as tecnologias e processos atualmente utilizados, sem previsão de desenvolvimento de novas tecnologias.
O escopo geográfico do projeto considera a utilização de dados relativos à realidade europeia, através do banco de dados Ecoinvent.
Já o escopo temporal será de 50 anos, já que é a vida útil mínima, determinada pela NBR 15575-1 [38], para elementos estruturais não manuteníveis, como as lajes.
Os sistemas estudados foram a produção de concreto utilizado na confecção das lajes (convencional e com resíduo), levando em conta a obtenção e processamento das matérias-primas, o transporte e o processo de mistura dos componentes, resultando no concreto. Os sistemas e as fronteiras destes estão representados nas Figuras 2 e 3.
Considerou-se que os impactos de produção do resíduo de borracha de pneu são computados apenas na indústria de origem, mais especificamente na indústria de pneumáticos. Com isso, não foi avaliada a perda de oportunidade referente a outras possíveis aplicações desse resíduo, como um componente do asfalto, por exemplo. Na fronteira do estudo, foram considerados apenas os processamentos fundamentais realizados no resíduo de borracha para obtenção do desempenho necessário para ser utilizado no concreto com substituição parcial da areia, sendo esses o transporte até a central de concretagem e o peneiramento do resíduo.
As quantidades de materiais que foram utilizados em cada componente da laje (convencional e com resíduo) estão apresentadas nas Tabelas 3 e 4.
A Tabela 5, por sua vez, apresenta os dados dos processos produtivos dos materiais que compõem os concretos estudados, que foram inseridos no software GaBi.
O transporte entre o local de fabricação das matérias-primas e a central de mistura também foi considerado. A Tabela 6 apresenta as distâncias adotadas e o tipo de veículo utilizado.
Não foram encontradas informações exatas sobre os locais de produção de superplastificantes no Brasil. Com isso, alguns autores adotaram a distância de 1000 km entre o fabricante e o local de mistura do concreto [39, 40]. Porém, de acordo com o Sindicato Nacional da Indústria do Cimento - SNIC [41], o raio de distribuição do cimento atinge em média 300 a 500 quilômetros nas regiões Sul e Sudeste, e como a central de concretagem se localiza no estado de São Paulo, optou-se por uma distância de transporte de 500 km para o superplastificante e 300 km para os dois tipos de cimento, já que as fábricas de superplastificantes visam atender as demandas das concreteiras.
As distâncias adotadas para os agregados (areia, brita e resíduo de borracha) foram estimadas pela distância média entre os municípios de produção destes agregados e a central de mistura, informações estas obtidas no trabalho de Fazzan [26].
Nota-se a pequena distância de transporte para o resíduo de borracha de pneu. Isso ocorre pois a empresa recauchutadora que forneceu este material se localizava no mesmo município que o local onde ocorreu a mistura de concreto.
O consumo de energia de alguns processos também foi considerado. Para realizar o peneiramento do resíduo de borracha, é utilizado um agitador de peneiras de 200 W de potência, que é ligado por 2 minutos a cada amostra de aproximadamente 150 g. Como a quantidade aproximada de resíduo para se produzir uma laje é de 3,24 kg (2,63 kg na capa e 0,61 kg na sapata), o agitador gera um gasto aproximado de 0,147 kWh (ou 0,518 MJ) de energia elétrica para peneirar a quantidade suficiente para a confecção de uma laje.
O consumo energético considerado no processo de mistura do concreto foi de 3,83 kWh/m³ de concreto [42]. O volume de concreto de uma laje é a soma dos volumes da capa, elaborada com cimento CP II Z 32, e das sapatas, produzidas com cimento CP V ARI. Portanto, o volume total de concreto a ser misturado por laje é de 89,21 L , resultando em um gasto energético de 0,3416 kWh (ou 1,230 MJ).
3. RESULTADOS
A AICV foi realizada em três etapas, utilizando o método CML2001. Primeiramente, serão avaliados os impactos ambientais de um quilograma de cada material utilizado para produzir os concretos convencional e com adição de resíduo. A Tabela 7 apresenta os valores totais das categorias de impactos para a produção dos materiais utilizados na confecção dos traços de concreto, incluindo os processos produtivos descritos no inventário e o transporte até a central de mistura. As Figuras 4 a 8 expressam graficamente essa avaliação para cada categoria de impacto analisada, permitindo comparar a magnitude dos impactos associados à produção e ao transporte.
É possível observar que os dois tipos de cimento utilizados são os materiais com maiores potenciais de causar impactos, chegando a ter, em algumas categorias, impactos de até duas ordens de grandeza acima dos demais materiais, com exceção do superplastificante, que vem logo atrás dos cimentos na classificação dos materiais com maiores impactos.
Outra observação relativa aos cimentos e ao superplastificante é que, mesmo adotando-se uma longa distância de transporte (300 e 500 km, respectivamente), a etapa de produção destes materiais é mais relevante, sendo responsável por mais de 75% dos impactos em todas as categorias analisadas.
Os agregados são os materiais que apresentam os menores potenciais de causar impactos por quilograma de material produzido e transportado, sendo que o resíduo de borracha de pneu é o material com menores impactos na maior parte das categorias analisadas. Esse fato se deve, provavelmente, à pequena distância de transporte adotada para este material (5 km), já que a empresa produtora do resíduo se localizava bem próxima do local de mistura do concreto. Se analisada somente a etapa de produção, o resíduo de borracha de pneu inservível possui maiores impactos que a areia e a brita em todas as categorias de impacto. Ressalta-se que o processo de obtenção dos resíduos de borracha, por meio da recauchutagem de pneus inservíveis, não foi considerado na análise.
Por fim, nota-se que para os agregados, ao contrário dos cimentos e superplastificante, os impactos relativos à etapa do transporte são muito relevantes, chegando a 85% dos impactos em algumas categorias, e superando os impactos da produção em quatro das cinco categorias analisadas (a produção tem maiores impactos somente na categoria Potencial de eutrofização).
Em seguida, a Figura 9 apresenta a comparação dos impactos gerados pela confecção de uma laje, verificando a alternativa (convencional ou com adição de resíduo) que possui os maiores impactos em cada categoria analisada. Além disso, a Figura 10 apresenta os impactos relativos a cada processo da produção da laje com resíduos (alternativa mais impactante) em cada categoria, possibilitando a identificação das etapas mais relevantes para os resultados da AICV.
Na Figura 10 é possível observar que, para todas as categorias analisadas, a laje confeccionada com concreto contendo resíduo de borracha de pneu possui impactos cerca de 5% maiores que a laje convencional. Ao analisar os impactos relativos a cada processo de produção da laje com resíduo, fica clara a relevância dos dois tipos de cimento, utilizados em maior quantidade nesta alternativa. Esse resultado pode ser explicado pela falta do CP V ARI no banco de dados utilizado, tendo sido modelado manualmente no software, utilizando como base os materiais preconizados na NBR 16697 [31], o que pode ter gerado impactos adicionais para esse tipo de cimento. Pelo fato de o cimento ser o principal contribuinte dos impactos gerados individualmente, é compreensível que, ao utilizar uma maior quantidade deste material na composição, a alternativa de laje com resíduos de borracha tenha maiores impactos.
Finalmente, as Figuras 11 a 14 apresentam as consequências de utilizar metodologias diferentes para realizar a etapa de AICV, buscando entender as diferenças e limitações de cada um, sendo um método mais antigo (CML2001) e o outro mais recente (ReCiPe Midpoint Hierarquist).
Resultados para Potencial de depleção da camada de ozônio [kg R11-Equiv./kg CFC11-Equiv.].
Analisando os resultados das Figuras 11 a 14, observa-se que, em todas as categorias avaliadas, a classificação entre as alternativas se manteve, ou seja, sempre a laje com resíduo se mostrou a alternativa mais impactante, mesmo que haja uma pequena variação no resultado numérico se comparados os dois métodos. Portanto, caso um tomador de decisão tivesse acesso a apenas um destes métodos, as conclusões que o mesmo tiraria seriam as mesmas.
4. DISCUSSÃO GERAL
Comparando os resultados da avaliação de impacto por quilograma dos dois tipos de cimento utilizados com a Declaração Ambiental de Produto do CP II E 40 e do CP V ARI [43] e com o estudo de Caldas e Toledo Filho [44], os valores estão bem próximos (realizando as conversões necessárias, já que os documentos apresentam os impactos para a produção de 1 tonelada de material), estando sempre na mesma ordem de grandeza, mesmo no caso do CP II Z 32, que possui a composição um pouco diferente do CP II E 40.
A notada predominância dos impactos do cimento em todas as categorias de impacto é observada em outros estudos de ACV sobre concretos com adições, como Silva [40], que estudou traços de concreto com cinza de bagaço de cana-de-açúcar e cinza de casca de arroz, e Paula [45], que estudou concreto com adição de resíduos de construção e demolição, corroborando com os resultados obtidos no presente estudo.
A substituição parcial de areia por resíduo reduz a quantidade desse material na mistura, mas em compensação, necessita de maior quantidade de todas as outras matérias-primas, além da utilização de superplastificante, o que também ajuda a justificar os resultados obtidos.
Outro ponto a se observar é que, mesmo as lajes possuindo uma grande quantidade em massa de agregados (areia e brita), os impactos destes são diminutos na análise de uma laje, já que os impactos por quilograma são bem pequenos. De forma inversa, o superplastificante possui alto impacto se analisado por quilograma, mas na análise dos impactos em uma laje, este material não possui muita relevância, já que a massa utilizada em uma laje é muito pequena.
Na comparação entre os métodos de AICV foi necessário converter os impactos apresentados pela categoria Potencial de criação de ozônio fotoquímico (que apresenta os resultados em kg etileno equivalente nesta categoria) para a unidade de harmonização, de acordo com Bueno [28]. Para essa categoria, a unidade de harmonização é kg de compostos orgânicos voláteis não metânicos (Non-methane volatile organic compounds – NMVOC) equivalente. Para converter a unidade utilizada pelo método CML2001, basta multiplicar os impactos por um fator de conversão, que neste caso é 1,70.
Mesmo com a harmonização de unidades, os resultados fornecidos pelos dois métodos apresentam uma grande variação de magnitude, com a gradação entre as alternativas inalterada. Essa discrepância, segundo Bueno [28], deve-se às diferenças entre a relevância dada a cada substância nos dois métodos. Enquanto o CML2001 é mais sensível às emissões de COV-NM (NMVOC), para o método ReCiPe as emissões de maior contribuição são de óxidos de nitrogênio para o ar.
É importante ressaltar que essa análise comparativa entre métodos, em busca de um estudo cada vez mais completo e representativo da realidade, idealmente deve ser realizada com mais métodos e com o máximo de categorias de impacto possível, para que as conclusões não sejam enviesadas pela ausência de categorias que apresentem desconexões com os demais resultados obtidos.
Vale lembrar que o processo de obtenção dos resíduos de borracha, por meio da recauchutagem de pneus inservíveis, não foi considerado na análise, sendo contabilizados apenas os impactos relativos ao transporte até a central da mistura e ao peneiramento dos resíduos.
Outro ponto a ser destacado é que as duas alternativas analisadas possuíam resistências à compressão de aproximadamente 25 MPa, portanto puderam ser comparadas. Porém, em futuros estudos, os impactos podem ser avaliados segundo parâmetros de desempenho, tanto de resistência como durabilidade (fornecendo os resultados em emissões/MPa.ano). Como exemplo, podemos ter um concreto mais resistente que gere maiores impactos ambientais que um similar menos resistente, mas em contrapartida a durabilidade aumente significativamente. Pode ser que, em uma análise de longo prazo, a alternativa com maiores impactos inicialmente seja mais benéfica do ponto de vista ambiental.
As simplificações, considerações e suposições do estudo também precisam ser evidenciadas, pois têm potencial de alterar os resultados. Entre elas, podemos citar: a inserção manual da composição do cimento CP V ARI; a utilização, dentro do software GaBi, de um cimento levemente mais resistente (CP Z 42,5) que o utilizado no trabalho de Fazzan [26]; a utilização da massa de policarboxilato e a massa de água presente na solução do superplastificante separadamente.
Os dados utilizados para obter-se os resultados são provenientes da base de dados Ecoinvent, que é internacionalmente conhecida e amplamente empregada em estudos de ACV, mas é composta majoritariamente por dados de países europeus, o que pode afetar os resultados. Além disso, o mix energético aplicado foi elaborado com base nas fontes energéticas mais utilizadas no Brasil, mas também com base nos dados do Ecoinvent, e, portanto, europeus. Para que a análise se torne mais consistente, seria necessária a coleta e utilização de dados primários, relativos à região de realização de cada processo para a elaboração do produto estudado.
5. CONCLUSÕES
Tendo em vista os aspectos observados, fica nítida a importância dos softwares de apoio à ACV. Primeiro por conterem os bancos de dados, que são de extrema importância, especialmente em processos nos quais a complexidade é bastante elevada, como a fabricação do cimento, por exemplo. Segundo, porque os métodos de Avaliação de Impacto do Ciclo de Vida já estão programados nesses softwares.
Os resultados do trabalho demonstraram que, para o escopo do estudo, considerando as limitações e suposições, a laje elaborada com concreto contendo resíduos de borracha de pneu em substituição parcial da areia não traz benefícios ambientais, possuindo impactos cerca de 5% maiores se comparada com uma laje confeccionada com concreto convencional. A produção de cimento é responsável pela maior parte destes impactos, sendo o processo mais relevante em todas as categorias de impacto analisadas.
Em relação a metodologia aplicada, verificou-se que a mudança do método utilizado na etapa de AICV não alterou os resultados obtidos, pelo menos para as categorias de impacto estudadas. Como o Brasil não possui uma metodologia específica voltada para suas peculiaridades e escopo geográfico, recomenda-se a realização da AICV com mais de um método, permitindo que o tomador de decisão ou partes interessadas tenham uma melhor percepção das diferenças e variações entre as opções.
Por fim, sugere-se para estudos futuros uma ampliação do escopo do estudo, como a inclusão das etapas de produção dos resíduos de borracha, e a expansão do sistema do produto, avaliando também as etapas de uso e descarte (ou seja, uma ACV “do berço ao túmulo”), verificando se há modificações nos resultados obtidos.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio financeiro do processo 2018/23233-4, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Jan 2023 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
21 Abr 2021 -
Aceito
22 Fev 2022