JOGOS COOPERATIVOS E RELAXAMENTO RESPIRATÓRIO: EFEITO SOBRE CRAVING E ANSIEDADERESUMO
Introdução: O uso de substâncias psicoativas é uma prática milenar e universal, que acompanha a história da humanidade. Na atualidade, o crack se alastrou pelo mundo por ter maior potencial de dependência comparado a outras drogas, visto que os usuários apresentam dificuldade para interromper o uso do crack, enfrentar o craving e a ansiedade. É essencial que haja uma abordagem multidisciplinar e integral do usuário, com a utilização de técnicas cognitivo-comportamentais que enfoquem as estratégias de prevenção de recaída. Nesse contexto, os jogos cooperativos (JC) e o relaxamento respiratório (RR) constituem possíveis estratégias para manejo terapêutico.
Objetivo: Avaliar a utilização dos JC e do RR como estratégias de enfrentamento do craving e da ansiedade em usuários de crack em situação de dependência.
Método: Trata-se de uma pesquisa exploratória, quase experimental, com abordagem quantitativa, desenvolvida em uma unidade de desintoxicação para dependência química do estado da Paraíba.
Resultados: A amostra foi constituída por 40 colaboradores dependentes de crack, com idade superior a 18 anos. Para avaliação dos efeitos dos JC e do RR sobre o craving e a ansiedade foram utilizados os seguintes instrumentos: Cocaine Craving Questionnaire-Brief (CCQ-B) e o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE-E). Os resultados demonstraram que os JC e o RR reduziram os escores do craving total e da ansiedade. Quanto ao fator F1, apenas os JC apresentaram resultados satisfatórios.
Conclusão: Os JC e o RR demonstraram eficácia como estratégias de enfrentamento do craving e ansiedade em usuários de crack em situação de dependência nas condições em que o estudo foi desenvolvido.
Descritores: ansiedade; comportamento aditivo; cocaína crack; fissura
ABSTRACT
Introduction: The use of psychoactive substances is an ancient and universal practice, which accompanies the history of humanity. Currently, the crack spread across the world because it has greater potential for addiction compared to other drugs since users find it difficult to stop the use of crack and cope with craving and anxiety. It is essential to have a multidisciplinary and comprehensive approach to the user, with the use of cognitive-behavioral techniques that address the relapse prevention strategies. In this context, the cooperative games (CGs) and the relaxation breathing (RB) are possible strategies for therapeutic management.
Objectives: To evaluate the use of CG and RB as craving and anxiety coping strategies in crack users in addiction situation.
Methods: This is an exploratory research, almost experimental, with a quantitative approach, developed in a detoxification unit for chemical dependence in the state of Paraíba.
Results: The sample consisted of 40 crack addict volunteers older than 18 years. To evaluate the effects of CG and RB on craving and anxiety the following instruments were used: Cocaine Craving Questionnaire-Brief (CCQ-B) and the State-Trait Anxiety Inventory (STAI-E). The results showed that the CG and RB reduced the scores of the total craving and anxiety. As for the F1 factor, only CG showed satisfactory results.
Conclusion: CG and RB demonstrated efficacy as coping strategies for craving and anxiety in crack users in addiction situation in the conditions under which the study was developed.
Keywords: anxiety; behavior; addictive; crack cocaine; craving
RESUMEN
Introducción: El uso de sustancias psicoactivas es una práctica ancestral y universal que acompaña la historia de la humanidad. En la actualidad, la propagación del crack se extiende por todo el mundo por tener un mayor potencial para la adicción en comparación con otras drogas, ya que los usuarios tienen dificultad para detener el consumo de crack y enfrentan el ansia y la ansiedad. Es esencial disponer de un enfoque multidisciplinario e integral para el usuario, con el uso de técnicas cognitivo-conductuales que se ocupen de las estrategias de prevención de recaídas. En este contexto, los juegos cooperativos (JC) y la relajación respiratoria (RR) son las posibles estrategias para el manejo terapéutico.
Objetivo: Evaluar la utilización de los JC y la RR como estrategias de afrontamiento del ansia y la ansiedad en los consumidores de crack en situación de adicción.
Método: Se trata de una investigación exploratoria, casi experimental, con un enfoque cuantitativo, desarrollado en una unidad de desintoxicación de la dependencia química del estado de Paraíba.
Resultados: La muestra constó de 40 voluntarios adictos al crack mayores de 18 años. Para evaluar los efectos de JC y RR en el ansia y la ansiedad se utilizaron los siguientes instrumentos: Cocaine Craving Questionnaire-Brief (CCQ-B) y el Inventario de Ansiedad Estado-Rasgo (STAI-E). Los resultados mostraron que los JC y la RR redujeron las puntuaciones del total de ansia y ansiedad. En cuanto al factor F1, solamente los JC mostraron resultados satisfactorios.
Conclusión: JC y RR demostraron eficacia como estrategias de afrontamiento de ansia y ansiedad en los consumidores de crack en situación de dependencia en las condiciones que el estudio se ha desarrollado.
Descriptores: ansiedad; conducta adictiva; cocaína crack; ansia
INTRODUÇÃO
O uso de substâncias psicoativas é uma prática milenar e universal, que acompanha a história da humanidade1. Porém, no século XX esta prática ganhou mais destaque na comunidade mundial, sendo considerado um grande problema social e de saúde pública, com efetivo custo financeiro para os sistemas de atenção à saúde2.
A cocaína, a heroína e a maconha são drogas de destaque nas últimas décadas, pela disseminação em todo o mundo e pelo uso abusivo e ilícito crescente. A cocaína, especificamente, apresenta distintas formas de apresentação para consumo. O crack, que é a cocaína em forma de pedra, fumado em cachimbo, se alastrou em decorrência do alto potencial de dependência, efeitos agradáveis, fácil administração, custo reduzido e por não ser injetável (tornando-se uma via segura em relação à infecção pelo HIV)3.
Esta droga psicoativa é a terceira substância ilícita mais consumida no Brasil, correspondendo a 35% dos consumidores de drogas ilícitas nas capitais do País. A região Sul possui o maior número usuário de crack em capitais, no entanto, a região Nordeste se destaca pela proporção com a população, apresentando uma maior concentração de usuários4.
Quando o crack é fumado, uma grande quantidade de moléculas de cloridrato de cocaína atinge o cérebro quase imediatamente após o uso, produzindo um efeito explosivo. A droga é, então, rapidamente eliminada do organismo, produzindo uma súbita interrupção da sensação de bem-estar seguida, imediatamente, por imenso desprazer e enorme vontade de reutilizar a droga3,5.
O uso abusivo do crack ocasiona alterações nas vias dopaminérgicas, principalmente do sistema mesolímbico e mesocortical, que desencadeia uma série de prejuízos cognitivos e comportamentais ao indivíduo, como desenvolvimento de comportamentos antissociais, agressividade, inquietação, problemas de memória, alucinações, insônia, tremores, fadiga, além de falta de apetite e emagrecimento6.
O conjunto de mudanças biológicas é acompanhado de um impacto social forte, visto que o usuário passa constantemente por conflitos familiares, chegando à perda do vínculo familiar com pai, mãe e irmão, até separação conjugal7. O comprometimento das funções cognitivas e comportamentais dificulta o desenvolvimento de atividades no trabalho, como também gera absenteísmos e, por consequência, a perda do emprego, risco de morar na rua, além de se inserir na criminalidade8.
No contexto da dependência de crack, a adicção é uma situação em que o usuário da substância encontra-se cronicamente intoxicado, apresenta comportamento compulsivo pelo uso e busca da substância tóxica9,10. Esse período é cercado de ansiedade, de um desejo intenso pelo consumo da droga, também denominado de craving, associado a sintomas como fadiga, anedonia e depressão11.
A dificuldade para interromper o uso está relacionada à habilidade de resistir ao craving, que vem com frequência associado a estados de ansiedade. Os adictos de crack em estado de abstinência e em tratamento apresentam intensa necessidade de suporte profissional para o enfrentamento de questões fundamentais que envolvem a dependência desta substância. É essencial uma abordagem multidisciplinar e integral do usuário de crack, com a utilização de técnicas cognitivo-comportamentais que enfoquem as estratégias de prevenção de recaída12.
No contexto de enfrentamento das manifestações relacionadas ao craving e a ansiedade, os Jogos Cooperativos (JCs) e o Relaxamento Respiratório (RR) constituem-se em possíveis estratégias para manejo terapêutico. Os Jogos Cooperativos (JCs) são utilizados para estimular a descontração, o respeito, a motivação e a autoestima, podem também impulsionar os indivíduos para mudanças efetivas de comportamento. O indivíduo participante pode desenvolver uma opinião positiva de si mesmo e reconhecimento do outro. O Relaxamento Respiratório (RR) atua gerando uma sensação de autocontrole e possibilita o manejo de sintomas autonômicos de ansiedade e reduz a vulnerabilidade para a hiperventilação13,14.
A partir destas constatações, este estudo apresentou como objetivo avaliar a utilização de JCs e RR como estratégia de enfrentamento do craving e ansiedade em usuários de crack em situação de adicção.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa exploratória, quase experimental, com abordagem quantitativa, realizada em uma unidade de desintoxicação em dependência química do estado da Paraíba.
Este estudo teve início a partir da sua aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, sob protocolo nº 0269/13, CAAE: 16962913.7.0000.5188. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi fornecido a cada sujeito antes de ser incluído na amostra, sendo a assinatura do termo pré-condição para a participação nesta pesquisa.
A amostra foi constituída de 40 colaboradores adictos de crack, com idade superior a 18 anos, de ambos os sexos, conscientes e orientados em tempo e espaço, em abstinência há pelo menos sete dias, internados, com o diagnóstico CID 10, especificamente F19.2. A amostra foi selecionada por conveniência da demanda do serviço obedecendo aos critérios de elegibilidade: Ser maior de dezoito anos; apresentar como principal motivo para internação a dependência de crack; estar há pelo menos, sete dias sem usar a substância; aceitar a preencher Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assim como o instrumento da pesquisa; não possuir no prontuário diagnóstico de retardo mental advindo ou não do uso da droga e/ou deficiência auditiva.
Instrumentos para coleta dos dados
Entrevista composta por informações sociodemográficas: Primeiro instrumento aplicado e teve como objetivo definir o perfil sociodemografico da amostra estudada, além de filtrar os sujeitos que não se enquadram nos critérios de elegibilidade da amostra.
Cocaine Craving Questionnaire-Brief (CCQ-B): Desenvolvido por Sussner15 para avaliar a presença do craving por cocaína, neste estudo foi utilizada sua versão brasileira adaptada para o crack por Araujo et al.16. É composto por 10 questões em uma escala visual analógica (EVA) de sete pontos, pertencentes aos extremos de resposta "discordo totalmente" (mínimo) a "concordo totalmente" (máximo). O escore do CCQ-Brief é obtido através da soma de cada questão, resultando em um escore total. Na análise fatorial, foram avaliados dois fatores: o fator 1, relacionado com o craving propriamente dito, e o fator 2, relacionado à percepção da falta de uso do crack. A escala é avaliada a partir de seu escore total (com as questões quatro e sete invertidas, devendo ser somadas às demais), a partir dos pontos do fator 1 (soma de todas as questões, exceto a quatro e a sete) e do fator 2 (soma das questões quatro e sete invertidas). Os pontos de corte da escala podem ser observados na Tabela 1.
Inventário de Ansiedade Traço- Estado (IDATE): Composto por dois questionários de auto-avaliação: o IDATE-T e o IDATE-E. O primeiro define o traço de ansiedade do indivíduo, diferenciando a tendência de reagir a situações identificadas como ameaçadoras, o segundo tem a finalidade de identificar o estado de ansiedade frente a uma situação considerada ansiosa ou de angústia17. Nesse estudo utilizará o IDATE-Estado, verificando a ansiedade do usuário de crack frente a abstinência e fissura do uso de crack.
O IDATE-Estado apresenta 20 perguntas, com quatro graus de intensidade possíveis de resposta, que variam de um a quatro, no qual os escores somados oscilam entre 20 e 80 pontos. Os participantes do estudo foram classificados como pertencentes ao grupo "baixa ansiedade" aqueles que atingiram pontuação de 20 a 40 pontos; "média ansiedade" entre 41 a 60 pontos e "alta ansiedade" os indivíduos que pontuaram de 61 a 80 pontos.
Procedimento da Investigação
Para avaliação do efeito dos JCs sobre o craving e a ansiedade foram utilizados dois Jogos Cooperativos: "O Círculo Maluco" e "O Sanduiche Andante". A escolha destes jogos deveu-se à sua facilidade de utilização e compreensão pelos usuários de sua dinâmica.
Os JCs foram realizados em dois grupos formados por vinte pessoas cada, com duração de 10 minutos, para avaliar os efeitos em cada grupo.
No "círculo maluco", os participantes ficaram de mãos dadas em círculo e cada participante deveria sugerir uma tarefa ao grupo e este, sem soltar as mãos, deveria executá-la. No jogo "Sanduiche Andante", os participantes foram divididos em pequenos grupos. Cada grupo teve que formar um "sanduíche" com balões e, assim, deveria locomover-se pelo espaço destinado sem deixar os balões caírem no chão, enfatizando que não deveriam utilizar as mãos para interferir no resultado. Antes do início dos jogos e 15 min após o seu término foram aplicados os instrumentos CCQB e IDATE-E.
As intervenções com o Relaxamento Respiratório (RR) foram guiadas pelo profissional do serviço, orientador da pesquisa e uma acadêmica de enfermagem. Realizadas uma única vez em grupos de 10 voluntários, em uma sala fechada com interferências externas mínimas, durante 10 minutos, na posição sentada e com os olhos fechados. Foram aplicados os instrumentos CCQB e IDATE-E, e em seguida realizado o RR. O RR é uma técnica que consiste no exercício de controle da respiração através da musculatura diafragmática, realizada em três fases distintas: inspirar pelas narinas, distendendo o diafragma, dilatando o abdome e contando três tempos; prender o ar nos pulmões, contando três tempos; e expirar pela boca suavemente, encolhendo o diafragma e contraindo o abdome, contando seis tempos18. Por fim, os instrumentos CCQB e IDATE-E foram novamente mensurados após a intervenção com aplicação do RR.
Análise estatística
A análise estatística dos resultados foi realizada utilizando o programa estatístico GraphPad Prism (Version 6.00, GraphPad Software Inc., San Diego, CA, USA). Foi realizada uma análise descritiva para dados sociodemográficos. Na análise inferencial das variáveis de grupo foi realizado o teste t e pós-teste de Wilcoxon. A normalidade dos dados foi investigada utilizando o teste D'Agostino & Pearson. O nível de significância estabelecido foi de 5%. Os resultados foram apresentados como mediana (percentil 25 e 75).
RESULTADOS
O estudo foi constituído por 40 sujeitos (27 do sexo masculino e 13 do sexo feminino) adictos de crack. A média de idade dos participantes foi de 29,2 anos, sendo 65% solteiros, 17,5% casados e 17,5% divorciados. Quanto à procedência, 45% são oriundos da capital João Pessoa e 55% de demais localidades do Estado da Paraíba. Todos são alfabetizados e 70,4% declararam possuir vínculo empregatício. Na Tabela 2 são apresentados os escores do craving e da ansiedade nos momentos antes e depois das intervenções com JCs e RR, seguido da referida significância estatística.
A avaliação do efeito dos JCs expressos no constructo do craving (F2) e do RR expressos no constructo do craving (F1) e no Fator F2 não demonstrou resultado com significância estatística.
DISCUSSÃO
Quanto aos dados sociodemográficos, os participantes do estudo foram predominantemente do sexo masculino, solteiros, com ensino fundamental incompleto e idade média de 29 anos. Os achados corroboram com a Pesquisa Nacional sobre o uso de crack de 2014, que revelou que no Brasil os usuários de crack e/ou similares são, majoritariamente, adultos jovens, com idade média de 30,28 anos de idade, predominantemente do sexo masculino, solteiros, com baixa proporção de usuários que cursaram/concluíram o Ensino Médio4. Ferreira Filho18, em um estudo com dependentes de cocaína hospitalizados, apresentaram dados similares, tendo amostra com um grande número de adictos solteiros, do sexo masculino e baixa renda, pertencentes às classes sociais C, D ou E.
Ao analisar os resultados da presente pesquisa, foi identificado uma redução dos níveis de craving e ansiedade após a intervenção com os Jogos Cooperativos "Sanduiche Andante" e "Círculo Maluco". Os autores Alves e Araújo13, ao aplicar instrumentos de avaliação do craving e ansiedade antes e após ser realizada uma oficina com JCs, encontraram uma diferença significativa na redução do craving e sintomas de ansiedade. Corroborando, assim, com os achados do presente estudo e sugerindo a efetividade dos JCs na redução da intensidade do craving e da ansiedade em usuário de crack13.
Destacando-se que, enquanto atividade grupal, os JCs podem ser uma ferramenta de prevenção da recaída e de aproximação familiar. Essas estratégias são consideradas estímulos saudáveis que produzem a liberação de substâncias, como a β-endorfina, que produzem um efeito de bem-estar no organismo favorecendo a redução do craving e da ansiedade13.
Ao avaliar o efeito do Relaxamento Respiratório (RR) sobre o craving e ansiedade, é possível observar a redução dos níveis destas manifestações após a intervenção no grupo estudado, tal redução reforça a eficácia dessa técnica como estratégia complementar de tratamento e combate a recaída do uso do crack. Zeni e Araújo19, ao aplicar o RR como intervenção durante 10 minutos, em um estudo com dependentes de crack internados em uma unidade de desintoxicação, apresentou resultados satisfatórios na redução da ansiedade e minimização do craving após a técnica de RR.
Em um estudo desenvolvido com tabagistas submetidos a uma intervenção de respiração profunda controlada, foi evidenciado que este tipo de respiração contribuiu para o alívio dos vários sintomas de abstinência pelo tabaco20. Almeida et al.21 avaliaram os níveis de ansiedade-estado de mulheres em trabalho de parto, que foram submetidas a técnicas de respiração e relaxamento. A ansiedade-estado foi avaliada durante as contrações nas diferentes fases do trabalho de parto e no período expulsivo. Deste modo, os autores concluíram que as técnicas utilizadas promoveram a manutenção de baixo nível de ansiedade-estado no grupo experimental por maior tempo na parturição21.
A ansiedade provoca o aumento da frequência respiratória, que está relacionado a uma ativação do polo temporal e da amígdala em seres humanos22. Jerath et al.23 em um estudo de 2005 propoem que a ansiedade pode ser modulada pela respiração. Um indivíduo em estados de estresse e ansiedade está sobre ativação do sistema simpático, as técnicas de respiração e meditação podem mudar a dominância simpática através da ativação do sistema parassimpático, controlando os sintomas ansiosos. Os autores sugerem que as técnicas de respiração podem ser usadas como primeira linha de tratamentos suplementares para o estresse, ansiedade, depressão, e algumas desordens emocionais que usualmente são tratadas com medicamentos que afectam neurotransmissores no cerebro23.
As vias neurobiológicas de ativação da ansiedade e do craving estão intimamente ligadas, o que explica as intervenções citadas apresentarem resultados satisfatórios no controle dos dois eventos. O crack produz um aumento da concentração de dopamina no sistema de recompensa muito maior que os estímulos naturais, sensibilizando vias mesolímbicas e comprometendo outros sistemas neurobiológicos, entre eles, o sistema hipotalâmico-hipofisário-adrenal que é normalmente ativado durante abstinência e sua alteração está diretamente relacionadas a mudanças no estado de ansiedade e estresse24.
O craving e a ansiedade são variáveis importantes no tratamento do dependente de crack. A garantia da manutenção dessas variáveis em níveis controláveis pelo indivíduo é fundamental para minimizar possíveis recaídas para o uso da droga. A utilização de psicofármacos comprovadamente auxilia no manejo do craving, no entanto, ainda não há um medicamento considerado eficaz para o tratamento de dependência de crack11,25. Tratamentos psicossociais e cuidados continuados sugerem que modelos alternativos de cuidado são essenciais para o tratamento de dependentes químicos, pois são mais aceitáveis para os pacientes, produzindo resultados satisfatórios26. Diante desta evidência, é indispensável uma abordagem multidisciplinar e integral do usuário, utilizando técnicas que enfoquem, principalmente, as estratégias de prevenção de recaídas27.
A pesquisa apresenta como limitações a evidência do número de leitos reduzidos que são oferecidos pela unidade de desintoxicação em dependência química do Estado da Paraíba, o que dificultou a ampliação da amostra e criação de um grupo controle a fim de potencializar as comparações estatísticas. Novos estudos devem ser realizados, buscando respostas quanto à eficácia das técnicas a longo prazo e em cenários distintos de intervenção.
CONCLUSÃO
Os Jogos Cooperativos (JCs) e o Relaxamento Respiratório (RR) demonstraram eficácia na redução dos níveis do craving e da ansiedade em usuários de crack em situação de adicção, nas condições que o estudo foi desenvolvido. Sua utilização na prática clínica de cuidados de dependentes de crack constitui-se em tentativas benéficas de enfrentamento, adicionadas as já utilizadas, das manifestações que dificultam o abandono/controle da dependência. O seu uso possibilita uma aproximação entre as pessoas para visualização de suas potencialidades e para o entendimento da ludicidade como direcionador saudável da atividade física e mental.
REFERÊNCIAS
- 1 Pratta EMM, Branco CC, Santos MA. O processo saúde-doença e a dependência química: interfaces e evolução. Psic: Teor e Pesq. 2009;25(2): 203-11.
- 2 Migott AMB. Dependência química: problema biológico, psicológico ou social. Cad Saúde Pública. 2008; 24(3):710-11.
- 3 Formigoni MLOS. SUPERA: Sistema para detecção do uso abusivo e dependência de substâncias psicoativas: encaminhamento, intervenção breve, reinserção social e acompanhamento. Efeitos de substâncias psicoativas: Módulo 2. Brasília, Ministério da Justiça: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas; 2014. 6ª ed. 114 p.
- 4 Bastos FI, Bertoni N. Pesquisa Nacional sobre o uso de crack: quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas capitais brasileiras? Rio de Janeiro: Editora ICICT/FIOCRUZ; 2014. 224p [acesso em 2015 Abr 23]; Disponivel em: http://www.icict.fiocruz.br/sites/www.icict.fiocruz.br/files/Pesquisa%20Nacional %20sobre%20o%20Uso%20de%20Crack.pdf
- 5 Diehl A, Cordeiro, DC, Laranjeira R. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas públicas. Porto Alegre: Artmed; 2011.
- 6 Dias MSA, Silva LCC, Brito MCC, Silva AV, Rodrigues AB, Dias FAC. Repercussões biológicas e sociais do uso do crack: a voz dos familiares de usuários. Sanare. 2013;12(2):21-6.
- 7 Capistrano FC, Ferreira ACZ, Maftum MA, Kalinke LP, Mantovani MF. Impacto social do uso abusivo de drogas para dependentes químicos registrados em prontuários. Cogitare Enferm. 2013;18(3):468-74.
- 8 Peixoto C, Prado CHO, Rodrigues CP, Cheda JND, Mota LBT, Veras AB. Impacto do perfil clínico e sociodemográfico na adesão ao tratamento de pacientes de um Centro de Atenção Psicossocial a Usuários de Álcool e Drogas (CAPSad). J Bras Psiquiatr. 2010;59(4):317:21.
-
9 Rocha C. Crack, a pedra da morte - desafios da Adicção e violência instantâneas. Brasília (DF): Câmara dos 3 Poderes, 2010. [Acesso em 2015 Abr 26] Disponível em: http://www2.camara.gov.br/documentos-epesquisa/publicacoes/estnottec/tema21/2010_8122.pdf
» http://www2.camara.gov.br/documentos-epesquisa/publicacoes/estnottec/tema21/2010_8122.pdf - 10 Araujo RB, Oliveira MS, Pedroso RS, Miguel AC, Castro MGT. Craving e dependência química: conceito, avaliação e tratamento. J Bras Psiquiatr. 2008;57(1):57-63.
- 11 Associação Brasileira de Psiquiatria. Abuso e dependência: crack. Rev Assoc Med Bras. 2012;58(2):138-40.
- 12 Zeni TC, Araujo RB. Relação entre o craving por tabaco e o craving por crack em pacientes internados para desintoxicação. J Bras Psiquiatr. 2011;60(1):28-33.
- 13 Alves GSL, Araujo RB. A utilização dos jogos cooperativos no tratamento de dependentes de crack internados em uma unidade de desintoxicação. Rev Bras Med Esporte. 2012;18(2):77-80.
- 14 Valença AM, Falcão R, Freire RC, Nascimento I, Nascentes R, Zin WA, et al. The relationship between the severity of asthma and comorbidites with anxiety and depressive disorders. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28(3):206-8.
- 15 Sussner BD, Smelson DA, Rodrigues S, Kline A, Losonczy M, Ziedonis D. The validity and reliability of a brief measure of cocaine craving. Drug Alcohol Depend. 2006;83(3):233-7.
- 16 Araujo RB, Castro MGT, Pedroso RS, Santos PL, Leite L, Rocha MR, et al. Validação psicométrica do Cocaine Craving Questionnaire-Brief - Versão brasileira adaptada para o crack para dependentes hospitalizados. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):233-9.
- 17 Biaggio AMB, Natalício L. Manual para o inventário de ansiedade traço-Estado (IDATE). Rio de Janeiro: Centro Editor de Psicologia Aplicada (CEPA);1879.
- 18 Ferreira Filho OF, Turchi MD, Laranjeira R, Castelo A. Perfil sociodemográfico e de padrões de uso entre dependentes de cocaína hospitalizados. Rev Saúde Pública. 2003;37(6)751-9.
- 19 Zeni TC, Araujo RB. O relaxamento respiratório no manejo do craving e dos sintomas de ansiedade em dependentes de crack. Rev Psiquiatr RS. 2009;31(2):116-9.
- 20 McClernon FJ, Westman CE, Rose JE. The effects of controlled deep breathing on smoking withdrawal symptoms in dependent smokers. Behav Addict. 2004; 29(4):765-72.
- 21 Almeida NAM, Sousa JT, Bachion MM, Silveira NA. Utilização de técnicas de respiração e relaxamento para alívio de dor e ansiedade no processo de parturição. Rev Latino Am Enfermagem. 2005;13(1):52-8
- 22 Masaoka Y, Onaka Y, Shimizu Y, Sakurai S, Homma I. State Anxiety Dependent on Perspiration during Mental Stress and Deep Inspiration. J Physiol Sci. 2007;57(2):121-6.
- 23 Jerath R, Crawford MW, Barnes VA, Harden K. Self-regulation of breathing as a primary treatment for anxiety. Appl Psychophysiol Biofeedback. 2015,40(2):107-15.
- 24 Kapczinski F, Quevedo J, Izquierdo I. Bases biolo´gicas dos transtornos psiquia´tricos: uma abordagem translacional. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2012.
- 25 Laqueille X. Addiction aux substances et traitements pharmacologiques. Annales Médico-Psychologiques. 2009;167(7):508-12.
- 26 Rodrigues VS, Horta RL, Szupszynski KPDR, Souza MC, Oliveira MS. Revisão sistemática sobre tratamentos psicológicos para problemas relacionados ao crack. J Bras Psiquiatr. 2013;62(3):208-16.
- 27 Kessler F, Pechansky F. Uma visão psiquiátrica sobre o fenômeno do crack na atualidade. Rev Psiquiatr RS. 2008;30(2):96-98.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Sep-Oct 2016
Histórico
-
Recebido
12 Ago 2015 -
Aceito
21 Jul 2016
