Resumo:
Este estudo objetiva analisar o desenvolvimento municipal no Brasil a partir da concepção teórica de Karl Polanyi. Para tal fim, foi criado o índice de desenvolvimento municipal polanyiano (IDMP). Os resultados encontrados mostram os municípios brasileiros, em sua maioria, têm características multidimensionais incipientes e que existe uma relação direta e positiva entre a pluralidade econômica e os níveis de qualidade vida.
Palavras-chave:
desenvolvimento municipal; abordagem multidimensional; Karl Polanyi; economia plural
Abstract:
This paper analyzes the municipal development in Brazil from the theoretical design of Karl Polanyi. Methodologically, the Polanyi´s city development index of Polanyi (IDMP). The results show that according to the concepts analyzed, the Brazilian municipalities, in their majority, have multidimensional incipient features and that there is a direct positive relationship between economic pluralism and quality of life levels.
Key words:
development; city development; multidimensional approach; Karl Polanyi; plural economy
Résumé:
Cette étude vise à analyser le développement des municipalités du Brésil de la conception théorique de Karl Polanyi. A cet effet, l'indice de développement des municipalités ayant des caractéristiques de la théorie Polanyi (IDMP) a été créé. Les résultats montrent les municipalités, ont souvent de faibles caractéristiques multidimensionnelles et qu'il existe une relation directe entre la diversité économique et la qualité de vie.
Mots-clés:
developpement; developpement des municipalites; approche multidimensionnelle; Karl Polanyi; économie plurielle
Resumen:
Este estudio tiene como objetivo analizar el desarrollo municipal en Brasil desde la concepción teórica de Karl Polanyi. Con este fin, se creó el índice de desarrollo de los municipios con características de la teoría de Polanyi (IDMP). Los resultados muestran los municipios, en su mayoría tienen características multidimensionales bajas y que existe una relación directa entre la pluralidad económica y de calidad de vida.
Palabras clave:
desarrollo municipal; enfoque multidimensional; Karl Polanyi; economía diversa
1 INTRODUÇÃO
O processo de desenvolvimento econômico é um tema controverso e de pouco consenso na economia política. Karl Polanyi, para além de uma visão economicista, abre perspectiva para uma visão plural e multifacetada do processo de desenvolvimento. Em sua obra mais conceituada, "A grande transformação" (1944), Polanyi (2012a)POLANYI, K. A grande transformação: as origens de nossa época. Tradução de Fanny Wrabel. 2. ed. Ria de Janeiro: Elsevier, 2012a. narra o nascimento da sociedade de mercado e, cortejando com história das economias pré-capitalistas, o autor certifica que houve a alternância histórica entre o controle social da economia e o controle dos mercados sobre a sociedade. O mercado, que antes estava imerso na sociedade que o regulava, passou a ser o regulador.
Polanyi (2012a)POLANYI, K. A grande transformação: as origens de nossa época. Tradução de Fanny Wrabel. 2. ed. Ria de Janeiro: Elsevier, 2012a. não rejeita que o mercado tem um papel importante a desempenhar no processo de desenvolvimento, pelo contrário acha que ele é uma dimensão importante das sociedades humanas. Mas, na medida em que as forças de mercado passam literalmente a conduzir as decisões sobre a sociedade e do Estado, sem as imprescindíveis mediações, isso gera graves problemas de equilíbrio do próprio sistema, como as mazelas sociais e ambientais. Por isso esse processo de desenvolvimento econômico deve ser compreendido a partir da cultura e das instituições. Em regra, nas economias capitalistas mais bem-sucedidas houve uma evolução institucional no sentido de conformar as sociedades de mercado, com legislações sociais e ambientais fortes e que são enraizadas na própria sociedade.
O resgate da pluralidade do sistema tornou-se o grande anseio, e na atualidade já se desenvolvem teorias em prol dessa perspectiva, como a economia plural. O aporte teórico de Karl Polanyi é a principal referência dessa abordagem que classifica a economia como uma invariante história que admite uma pluralidade de formas de produzir e distribuir riquezas. A obra de Polanyi tem grande relevância para captar os problemas do estágio atual do sistema socioeconômico e ecológico; especialmente se vinculamos essa análise com a economia política, especialmente na vertente estruturalista.
Como a contribuição de Karl Polanyi pode ser resgatada no sentido de se pensar o desenvolvimento econômico da esfera global à local? Como introduzir o pensamento polanyiano nos estudos urbanos e regionais? Várias são as possibilidades e agendas de pesquisa que podem ser advindas da compreensão da economia como um processo plural e substantivo. Também, acredita-se que sua abordagem pode ser utilizada para refletir sobre o processo de desenvolvimento em escalas territorializadas. A dialética, exposta por Polanyi na "Grande Transformação" resume-se à tensão entre livre mercado e a sociedade, porém admite uma economia de mercado capitalista, dependendo de suas configurações institucionais, pode fornecer "melhorias", mas, insistindo em um caminho de desenraizamento do mercado da sociedade, pode levar a um preço alto que consiste em destruir o "habitat".
A crítica de Polanyi (2012aPOLANYI, K. A grande transformação: as origens de nossa época. Tradução de Fanny Wrabel. 2. ed. Ria de Janeiro: Elsevier, 2012a.; 2012bPOLANYI, K. (Org.). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012b.; 1947______. A nossa obsoleta mentalidade mercantil. Nova Iorque: George Dalton Editor, 1947. v. 3, p. 109-17.) ao paradigma centrado no mercado manifestava um desejo de restruturação social, de forma a recolocar o mercado sob o controle social. É evidente que, dentro da realidade econômica da sociedade moderna, torna-se improvável pensar ou visualizar um contexto em que o aspecto econômico esteja totalmente subjugado ao social, assim como fora outrora. A economia deveria voltar a ser controlada pela sociedade, mas numa forma moderna: não dentro de uma totalidade cultural tradicional, mas com base na vida social moderna racional, diferenciada, aberta, dinâmica e primordialmente, por meio de instituições permitam a liberdade dos indivíduos democraticamente instituídos.
Como a questão da pluralidade econômica vem sendo tratada na atual literatura internacional? Uma boa contribuição é trazida por Hodgson (2001HODGSON, G. M. How economics forgot history. The problem of historical specificity in social science. London: Routledge, 2001.; 1999)______. Economics and utopia: why the learning economy is not the end of history. London: Routledge, 1999. que reforça a importância da concepção do 'edifício' polanyiano para a interpretação das sociedades contemporâneas. Primeiro chama a atenção que o chamado mainstream da ciência econômica contemporânea tem uma capacidade limitada para lidar com as questões envolvidas nas variedades de formas institucionais das organizações dos sistemas econômicos. Tanto a economia marxista quanto escola austríaca são cegas para compreender a variedade cultural e institucional dentro do próprio capitalismo.
Hodgson (1999)______. Economics and utopia: why the learning economy is not the end of history. London: Routledge, 1999. argumenta que é um equívoco compreender sistemas socioeconômicos como engrenagens perfeitas, não sujeitas a imprevisibilidades ou que não possam ser modificadas pelos atores sociais. História não tem caminho pré-ordenado ou objetivo de qualquer tipo. Não tem nenhum movimento necessário no sentido de um capitalismo liberal-democrático refinado, nem para um socialismo ou comunismo de qualquer variedade. O fato de que o atual sistema capitalista pode evoluir em um número de maneiras muito diferentes, é mostrado pela enorme variedade existente de economias capitalistas nacionais com instituições e organizações sociais distintas.
Então parte-se neste trabalho da hipótese de que, em escalas territoriais distintas, a presença da pluralidade das estruturas econômicas, especialmente da presença pró-ativa do Estado para garantir os direitos fundamentais e estimular as formas plurais da economia, gera um maior equilíbrio entre economia e sociedade e, por consequência um maior desenvolvimento humano. A escolha de analisar o desenvolvimento em escala territorial à luz da concepção teórica de Karl Polanyi visa oferecer uma nova forma de interpretar o fenômeno do desenvolvimento territorial brasileiro, a partir de uma análise multidimensional.
Assim, através da abordagem multidimensional foi estruturado o índice de desenvolvimento municipal polanyiano (IDMP), compilado a partir da expressividade das dimensões. A finalidade é permitir a visualização da organização econômica contemporânea, a partir da vertente plural da economia de inspiração teórica polanyiana. Na abordagem multidimensional, o desenvolvimento não é vinculado a nenhum aspecto ou evento especifico. É um processo amplo e multifacetado, não resulta apenas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), está estritamente relacionado à estrutura econômica não centrada apenas no mercado, tem sua ação centrada nas pessoas e vai além do domínio da economia identificado pelo progresso econômico.
O objetivo do trabalho é verificar se os territórios que possuem características mais plurais no processo de estruturação de suas economias têm melhores níveis de qualidade de vida. Assume-se que o processo de desenvolvimento é medido geralmente em seus resultados, em que o mais eminente mensurador é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM), apesar de não ser exatamente um consenso para os estudiosos de Policy Makers.
É sem dúvida, uma ousadia metodológica, buscar a mensuração de aspectos plurais em economias capitalistas e relacioná-las com os níveis de bem-estar vivenciados. Porém, possível e permanecendo fiel à gênese do pensamento de Polanyi, que nos provoca com ideia de variedades de sistemas de organização social e política, com efeitos sobre o bem-estar das sociedades. Este trabalho, quer apurar para a realidade brasileira se existem esses "achados" de pluralidade econômica presentes e em que medida podemos relacioná-los com os níveis de bem-estar vivenciados naquelas realidades territoriais recortadas.
2 DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
O desenvolvimento econômico, por muito tempo, foi pensado apenas como resultado de estratégia nacional, tendo como palavras-chaves: progresso material, modernização tecnológica e industrialização. A partir da década 1980, esse cenário começou a ser redesenhado; a expressão "territorial" ganhou relevo, e o desenvolvimento passou a ser visto também como fruto de dinâmicas regional e local. Palavras como cultura, empreendedorismo, cooperação, participação e potencialidade passaram para a ordem do dia nas discussões sobre políticas de desenvolvimento.
O desenvolvimento territorial nasce como uma proposta para incentivar o crescimento econômico com base nas características endógenas da comunidade, considerando suas interfaces multidimensionais e gerando sinergia na interação dos diferentes atores sociais (FISCHER, 2002FISCHER, T. Gestão do desenvolvimento e poderes locais: marcos teóricos e avalição. Salvador, BA: Casa da Qualidade, 2002.). É importante advertir que o "local" adquire uma conotação socioterritorial para o processo de desenvolvimento. O local pode ser entendido como um município, como parte de município, um conjunto de municípios, um estado (UF) ou mesmo uma região. Franco (2000) esclarece, no entanto, que, no Brasil em geral, quando se pensa em desenvolvimento territorial, faz-se referência a processos de desenvolvimento nos níveis municipal ou regional.
O desenvolvimento territorial ressurgiu impulsionado pela globalização, reorganização produtiva; pela supressão dos regimes autoritários e o consequente processo de descentralização política; e o reconhecimento de novos atores sociais. Reis (2006)REIS, M. C. Desenvolvimento local e espaços sociais ampliados. 2006. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Seropédica, RJ, 2006. diz que a mudança de foco ocorreu em dois sentidos: o foco nas esferas nacionais e regionais se ampliou ou se deslocou para as esferas local e global; e o aspecto econômico passou a disputar espaço com os aspectos ambientais, sociais, culturais e político-institucionais.
No enfoque do desenvolvimento territorial, o espaço deixa de ser interpretado apenas como um suporte físico das atividades e dos processos econômicos e passa a ser visto como agente de transformação social. Da mesma forma, a sociedade local deixa de ser um agente passivo e torna-se protagonista de um do projeto de transformação em curso, a partir das particularidades territoriais, passa a desempenhar iniciativas próprias, com integração ao plano econômico, político, social e cultural.
As conceituações expostas mostram que a abordagem local do desenvolvimento traz em si características diferenciadoras. É possível extrair, no mínimo, três caraterísticas que convergem nas definições de Barquero (2001)BARQUERO, V. A. Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2001., Irving (2003)IRVING, M. A. Turismo como instrumento para desenvolvimento local: entre a potencialidade e a utopia. In: D'AVILA NETO, M. I.; PEDRO, R. M. L. R. (Org.). Tecendo o desenvolvimento. Rio de Janeiro: MAUAD/Bapera, 2003. p. 167-84. e Buarque (2008)BUARQUE, S. C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável. 4. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.. O desenvolvimento territorial é visto pelos três autores como um processo que: a) Busca mobilizar e explorar as potencialidades locais; b) evoca pela participação dos atores sociais; c) é um processo em que o econômico divide espaço com os aspectos ambientais, sociais, culturais.
Desse modo, fica entendido que a abordagem do desenvolvimento territorial não é apenas, um conjunto de projetos voltados ao crescimento econômico. É uma dinâmica cultural e política que busca a transformação social. Nessa perspectiva, Brandão (2004)BRANDÃO, C. A. Teorias, estratégias e políticas regionais e urbanas recentes: anotações para uma agenda do desenvolvimento territorializado. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n. 107, p. 57-76, jul./dez. 2004. diz que não se pode negligenciar a natureza das hierarquias imputadas. Qualquer diagnóstico territorial deve posicionar o munícipio no contexto regional e nacional, identificando seus nexos de complementaridade econômica e analisando sua inserção frente aos ritmos, diferenciados dos processos econômicos dos diversos territórios com os quais se relaciona em termos de conjuntura e estrutura.
Do mesmo modo, as políticas de desenvolvimento tradicionais elaboradas e aplicadas a partir da abordagem top down não perdem de todo sua vez. No entanto elas se mostram mais eficientes quando combinadas com uma ação sistêmica de desenvolvimento local e regional. É evidente que ações do governo federal impactam o local. Assim, o que deve existir é uma adequação, uma modulação para que essas políticas atinjam, de forma mais eficiente, o local.
É notório que o processo de descentralização política se converte em uma ferramenta determinante para o desenvolvimento territorial, à medida que facilita a criação de espaços de negociação estratégica como o local e com o regional. Nesse contexto, o Estado, no âmbito municipal, desempenha papel decisivo, porém ele não é o único ou o principal agente promotor do desenvolvimento e se configura como mais um dos ativos locais. O eixo central do desenvolvimento territorial é a sociedade organizada, é a capacidade de construir parcerias entre atores do Estado, do mercado e da sociedade para elaboração de estratégias eficientes e eficazes para os territórios.
3 KARL POLANYI E A NATUREZA PLURAL DA ECONOMIA
De acordo com a abordagem etnológica de Polanyi, nas sociedades pré-capitalistas, todos os sistemas econômicos conhecidos eram organizados segundo os princípios de redistribuição, reciprocidade, domesticidade, troca (mercado) ou ainda, por alguma combinação entre eles. Cada um dos princípios está associado a um modelo institucional de suporte identificados em qualquer sociedade como fatores de organização da produção e distribuição da riqueza.
A redistribuição é uma troca de natureza política, está ligada ao padrão de centralidade, em que o agente principal é representado por uma autoridade central responsável por administrar e redistribuir a produção. Em algumas sociedades, esse princípio implica a existência de um centro, onde a produção do grupo é armazenada para ser repartida de forma benéfica a todas (POLANYI, 2012bPOLANYI, K. (Org.). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012b.).
O segundo princípio, da reciprocidade, observa a relação estabelecida entre várias pessoas por meio da troca de natureza social, visando criar ou reforçar laços sociais. Está relacionada com a ajuda mútua, cooperação e solidariedade entre a sociedade. A reciprocidade é promovida pelo padrão institucional da simetria e está ligada à semelhança entre grupos; corresponde à relação estabelecida a partir da proximidade e da interação entre os atores (POLANYI, 2012bPOLANYI, K. (Org.). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012b.).
Já a domesticidade, o terceiro princípio, consiste na produção para consumo próprio; o princípio é a produção e armazenamento para satisfazer as necessidades de determinado grupo familiar, o modelo base de suporte é a autarquia, cujo conceito refere-se a uma sociedade que se basta a si mesma em termos econômicos. Esse modelo é caracterizado pelo grupo fechado local (POLANYI, 2012bPOLANYI, K. (Org.). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012b.).
O último princípio corresponde ao mercado (troca mercantil), lugar do encontro da oferta e da demanda de bens e serviços para fins de interesse, são as relações de troca em que o nexo monetário é o fundador das relações sociais. Nessa relação, segundo Polanyi, o que interessa são as relações econômicas utilitaristas, pois, ao contrário da reciprocidade e da solidariedade, esse sistema privilegia o lucro e o poder como elementos determinantes. O padrão de institucional do mercado é o próprio mercado (POLANYI, 2012bPOLANYI, K. (Org.). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012b.).
Esses princípios formam a base legitimadora da natureza plural da economia, na qual Polanyi evidencia, através de uma análise histórica, que a economia sempre permitiu uma pluralidade de formas. A discussão atual que se constrói sobre a economia plural se coloca em termos de revisão dos pressupostos habituais de explicação do caráter e da natureza da atividade econômica, particularmente daquele que a reduz à ideia ao princípio de mercado.
A economia plural é uma abordagem da economia real que parte do pressuposto de que as relações entre os produtores e entre estes e a natureza são regidas por princípios econômicos plurais e assumem formas institucionais diversas (LAVILLE, 2009LAVILLE, J. L. Solidariedade. In: PEDRO, H. et al. Dicionário internacional da outra economia. Coimbra, Portugal: Centro de Estudos Sociais, 2009.). De acordo com Sauvage (1996)SAUVAGE, P. Synthèse. In: OCDE. Réconcilierl' économique etle social - vers une économie plurielle. Paris: OCDE, 1996. a intenção da abordagem plural não é, em absoluto, apresentar um paradigma que represente a antítese do mercado, mas sim, ampliar essa noção redutora que coloca o mercado ou a economia, acima dos interesses da sociedade. Segundo o autor, a noção de economia plural remete a uma abordagem aberta, não dicotômica, enquanto a economia atual utiliza classificações dualistas (economia mercantil/não mercantil, formal/informal, pública/privada etc.).
Na perspectiva estruturada por França Filho e Laville (2004)FRANÇA FILHO, G. C.; LAVILLE, J. Economia solidária: uma abordagem internacional. Porto Alegre: UFRGS, 2004., os quatros princípios identificados por Polanyi se reagrupam em três formas de economia complementares e, simultaneamente, produtoras e consumidoras de riqueza: a) Economia mercantil, fundada no princípio do mercado autorregulado. É um tipo de troca marcada pela impessoalidade e pela equivalência monetária, limitando a relação a um registro puramente utilitário; b) Economia não mercantil, baseada no princípio da redistribuição. Marcada pela verticalização da relação de troca e pelo seu caráter obrigatório; c) Economia não monetária, estabelecida a partir dos princípios da reciprocidade e domesticidade.
Andion (2005)ANDION, C. A Gestão no campo da economia solidária: particularidades e desafios. RAC, v. 9, n. 1, p. 79-101, jan./mar. 2005. estabelece correspondentes institucionais que representam cada forma de economia, onde a economia mercantil é representada pela esfera mercado, a economia não mercantil corresponde à esfera Estado, e a economia não monetária é representada pela esfera sociedade civil. Com essa estruturação, a autora ilustra a interação entre as esferas sociais (mercado, Estado, sociedade civil). A interação entre essas esferas abre espaço para a formação de parcerias e redes, sendo que a combinação entre os três polos resulta em uma pluralidade de iniciativas sociais de caráter econômico, que geram riqueza, empregos e fortalecem a coesão social.
Burawoy (2003)BURAWOY, M. For a sociological marxism: the complementary convergence of Antonio Gramsci and Karl Polanyi. Politics & Society, v. 31, n. 2, p. 193-261, jun. 2003. nos alerta que, no "edifício" teórico polanyiano, a relação entre mercado e sociedade não é exatamente harmônica; pelo contrário, com a ascensão do mercado, como o modo dominante de regulação econômica, sociedade se molda ao mercado, torna-se assim um canal de suas tensões e contradições. Em vez de economia, sendo incorporada nas relações sociais, as relações sociais são incorporadas no sistema econômico. E isto pode trazer uma série de problemas de natureza social e ambiental, que pode também inviabilizar as próprias sociedades de mercado. Nesse sentido, a forma pela qual a sociedade civil e o Estado se articulam determina as diversas trajetórias históricas que podem ser seguidas.
Dessa forma, na concepção polanyiana, os três principais fatores de produção ‒ terra, trabalho e dinheiro ‒ devem ser protegidos contra a mercantilização. O trabalho deve ter um tratamento legislativo privilegiado nos sistemas capitalistas, que consiga equilibrar a evolução da produtividade e da competitividade com o bem-estar dos trabalhadores. O mercado de terras deve estar associado a regulações específicas que preservem seu caráter de recurso comum, fornecedor de bens agrícolas e serviços ambientais, em especial a agricultura familiar, que merece um tratamento diferenciado por parte da sociedade e do Estado. Finalmente, o próprio processo de mercantilizar excessivamente o dinheiro é para criar tais incertezas quanto a pôr em risco o próprio processo de troca.
Porém, em uma sociedade capitalista, existe uma tendência exatamente contrária, age no sentido de reduzir os custos trabalhistas, flexibilizar o mercado de terras, abrandar a legislação ambiental e, principalmente, facilitar as condições para os investimentos financeiros. É na verdade, a evolução das instituições, e sua capacidade de lidar com essas contingências, que faz de uma variedade de capitalismo com trajetórias históricas diferentes de outras, sem esquecer a natureza incerta e contingencial dessas mesmas trajetórias.
É importante assinalar que Polanyi não hierarquiza os princípios econômicos em qualquer período, o que sugere que o mercado, independente do período, pode conviver com os outros princípios econômicos, desde que ele (mercado) seja devidamente conformado aos interesses da sociedade. Logo, no sistema multidimensional, não há predominância de força entre as dimensões. Dado que o modo como elas se equilibram, segundo Polanyi, constituem diferentes sistemas. Quando existe a predominância do princípio de troca de mercado, o mercado liberal desincrustado seria um exemplo de instituição dominante. No caso do princípio de redistribuição dominante, o Estado de Bem-Estar Social seria uma possibilidade de instituição dominante; se existir dominação do princípio da reciprocidade, a economia solidária se destaca como forma de produção, consumo e distribuição de riqueza.
4 METODOLOGIA
4.1 Elaboração do índice de desenvolvimento municipal polanyiano (IDMP)
O Índice de Desenvolvimento Municipal Polanyiano (IDMP)2 2 O IDMP foi calculado para 5565 municípios brasileiros; não foi possível calcular para os municípios que foram constituídos em 1º de janeiro de 2013 por falta de dados para a composição de alguns indicadores. Os municípios para os quais o IDMP não foi calculado são: Pescaria Brava e Balneário em Santa Catarina, Mojuí dos Campos no estado do Pará; Pinto Bandeira no estado do Rio Grande do Sul: Paraíso das Águas em Mato Grosso do Sul. foi elaborado a partir da expressão das dimensões que compõem a abordagem multidimensional, tem como objetivo avaliar o desenvolvimento municipal a partir da visão multidimensional e de economia plural inspirada em Karl Polanyi.
As dimensões são as perspectivas da realidade que o índice vai observar, também podem ser vistas como os grandes campos do desenvolvimento da abordagem multidimensional, que, nesse caso são: Estado, mercado, solidariedade e economia familiar. As dimensões são representadas pelos indicadores dimensionais compilados a partir de um conjunto de indicadores básicos que melhor traduza o conceito da dimensão dentro da abordagem multidimensional.
A média aritmética simples das três dimensões forma o IDMP. Os dados de forma geral que compõem os indicadores básicos foram tratados de forma estratificada, ou seja, divididos em grupo (estratos) com base em fatores apropriados. A estratificação ocorre para que a comparação seja feita entre municípios com mesmas características demográficas. Dentro de cada estrato, são tomados os valores dos extremos; cada variável observada tem limiares mínimos e máximos, definidos pelo critério de pior resultado (mínimo) e melhor resultado (máximo), em que o máximo se torna 1 e o mínimo se torna zero. Assim, as variáveis convertem-se em indicadores básicos de zero a 1.
Depois de calculado, os municípios foram classificados de acordo com o valor calculado das dimensões, para essa classificação foi utilizado uma escala de valores fixa que varia de zero (valor mínimo) a 1 ponto (valor máximo), quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento do município segundo os conceitos analisados. A escala é dividida em cinco categorias: IDMP Muito Alto (resultados >0,8); IDMP Alto (resultados >0,6 e até 0,8); IDMP Regular (resultados > 0,4 e até 0,6); IDMP Baixo (resultados >0,2 e até 0,4) e IDMP Muito baixo (resultados até 0,2). Estabelecido os critérios gerais de formação IDMP, o passo seguinte é traçar de forma específica os procedimentos metodológicos que foram utilizados na constituição dos indicadores dimensionais e básicos.
Neste trabalho, o cálculo do índice se fez para apenas para o ano de 2013, mesmo sabendo que o desenvolvimento é, no mínimo, um processo histórico. Isto foi feito, pois trata-se de um primeiro e pioneiro esforço metodológico de se criar um índice de economia plural no Brasil, a partir de dados secundários, para todos os municípios do país. Na medida em que esse esforço se consolide, é bastante recomendável que outros trabalhos tentem realizar essa mensuração em período histórico mais ampliado.
a) Indicador Dimensional Estado (IDE)
A dimensão Estado na interpretação de Polanyi está relacionado ao poder político e à função legítima de redistribuir e organizar o contexto social. De forma sucinta, é dever do Estado assegurar à população condições de vida, através de uma administração pública eficiente e eficaz; criar novas oportunidades e proteger a sociedade face aos desequilíbrios estruturais da economia de mercado.
Buscando traduzir de forma coerente o Estado de inspiração polanyiana, o indicador dimensional Estado foi estruturado a partir de três de indicadores básicos, cada um procurando atender um aspecto particular do conceito que são: indicador básico gestão fiscal, indicador básico ações de desenvolvimento e indicador ações de estímulo aos pequenos negócios3 3 Neste trabalho o termo Pequenos Negócios é utilizado referenciando ao que a Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, conceitua como microempresa (ME) e empresa de pequeno porte (EPP). e economia familiar.
O indicador básico gestão fiscal tem como objetivo visualizar a forma como os recursos municipais são administrados pelas prefeituras, levando em consideração que a literatura diz que este é saúde fiscal do munícipio, assim suas prioridades no tocante à destinação dos recursos influencia diretamente no desenvolvimento do munícipio.
O indicador básico ações de desenvolvimento buscou verificar o protagonismo do poder público local com relação ao processo de desenvolvimento, conferir se a postura adotada pelo poder público é condizente com o processo de transformação a médio e longo e prazo. Esse indicador foi construído a partir dos objetivos de desenvolvimento do milênio4 4 Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) são um conjunto de metas pactuadas pelos governos dos 191 países-membros da ONU com a finalidade de tornar o mundo um lugar mais justo, solidário e melhor para se viver. Cerca de 70% das atividades relacionadas a esses objetivos, no Brasil, são de responsabilidade das autoridades locais. (ODM).
Os objetivos do desenvolvimento do milênio foram avaliados classificados em três categorias, por meio de perguntas dicotômicas foram colhidas informações de natureza não quantitativa que foram pontuadas5 5 Os itens analisados tinham duas respostas e pontuação possíveis, que são respectivamente: não (zero pontos) e sim (1 ponto). para que a quantificação se torne possível. A pontuação total atingida pelo município em cada aspecto é dividida pela quantidade total de assertivas analisadas, assim é obtido um valor compreendido entre zero e 1 que corresponde ao padrão estabelecido neste trabalho para os indicadores dimensionais, básicos e o próprio IDMP.
O indicador básico ações de estímulo aos pequenos negócios e economia familiar buscou alcançar o esforço do município em incentivar essas atividades, para isso o indicador foi estruturado de forma a captar esses estímulos na área urbana e na área rural. Na área urbana, o indicador leva em consideração a efetiva implementação da lei geral das micro e pequenas empresas (Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006) e, na área rural, é considerada a operacionalização do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que é um programa que tem como objetivo incentivar a agricultura familiar.
O indicador foi construído tendo como base o monitoramento da Lei Geral realizado pelo SEBRAE, no qual ele analisa a efetiva implementação da lei nos municípios brasileiros. O monitoramento permite acompanhar e pontuar as evidências apresentadas pela administração municipal que visa efetivar a participação dos pequenos na dinâmica local. Ele utiliza indicadores para avaliação qualitativa dos municípios no tocante à implementação da lei com foco nos seguintes temas: desburocratização do processo de legalização de empresas; participação das MPE nas licitações municipais; atuação do agente de desenvolvimento local.
Esses temas são organizados em quadro eixos: uso do poder de compra, desburocratização, empreendedor individual e agente do desenvolvimento. O valor máximo (10) atribuído pelo SEBRAE em cada um dos eixos é igualado a 1, a partir de então, são feitas as relações com as notas obtidas pelos municípios em cada eixo. Logo os valores encontrados ficam compreendido entre zero e 1 que correspondem aos valores mínimo e máximo. No PAA o cálculo basicamente leva em consideração a produção total da agricultura familiar e o valor do PAA do município normalizado pelo maior valor encontrado no estrato correspondente, conforme quadro 2.
A média aritmética dos três indicadores básicos forma a dimensão Estado, quadro abaixo mostra como foram calculados os indicadores básicos.
b) Indicador Dimensional Mercado (IDM)
Para formar o indicador da dimensão mercado, foi-se levando em consideração a expressividade do setor privado (participação) na economia do município, que evidencia o grau de dependência financeira dos municípios dos recursos públicos, e a dispersão do mercado, ou seja, a diversificação. Ao indicador dispersão foi atribuído o peso 2 por ser um conceito chave no modelo de mercado da abordagem multidimensional. Para avaliar a dispersão foi utilizado a massa salarial das micro e pequenas empresas 6 6 As micro e pequenas empresas, neste indicador básico, são classificadas de acordo com número de empregados. De acordo com esse critério as empresas são classificadas em microempresa, pequena empresa, média empresa e grande empresa em função do número de pessoas ocupadas e dependendo do setor de atividade econômica investigado. O indicador levou em consideração as micro e pequenas empresas do setor de comércio e serviço, que são aquelas que têm até 49 pessoas ocupadas (SEBRAE, s.d.). por entender que estas constituem-se matriz diversificadora da economia local. Assim, a dimensão mercado é composta através da seguinte equação:
(1)
E os indicadores básicos foram construídos conforme mostra o quadro:
c) Indicador Dimensional Solidariedade e Economia Familiar (IDSEF)
Na abordagem multidimensional, os princípios reciprocidade e domesticidade formam a dimensão solidariedade e economia familiar. O trabalho estabelece correspondência a partir de uma relação de similaridade aos princípios sendo assim, a solidariedade é analisada a partir da economia solidária que, segundo Laville (2009)LAVILLE, J. L. Solidariedade. In: PEDRO, H. et al. Dicionário internacional da outra economia. Coimbra, Portugal: Centro de Estudos Sociais, 2009., constitui uma troca de natureza híbrida à medida que não atua exclusivamente sob o princípio da reciprocidade; mas recorre também a recursos monetários.
E a domesticidade é analisada levando em consideração a agricultura familiar que, apesar de não expressar fielmente as características do conceito de domesticidade, é o segmento que melhor retrata uma forma de produção gerenciada por família com predominância de mão de obra familiar que busca garantir inicialmente autossuficiência familiar, com destino acessório a mercado, o que não descaracteriza a essência da domesticidade como afirma Polanyi (2012a)POLANYI, K. A grande transformação: as origens de nossa época. Tradução de Fanny Wrabel. 2. ed. Ria de Janeiro: Elsevier, 2012a..
Nesse contexto, a dimensão solidariedade e economia familiar é formada por três indicadores básicos, o primeiro leva em consideração a economia solidária, o segundo abarca as cooperativas que praticam a heterogestão, e o terceiro está relacionado à subsistência e leva em consideração a agricultura familiar. Em todos os indicadores básicos entende-se que quanto maior o coeficiente, em geral, maior é a influência econômica gerada por esses estabelecimentos no município.
A média aritmética simples dos três indicadores básicos forma a dimensão solidariedade e economia familiar.
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
5.1 A expressão multidimensional do desenvolvimento municipal brasileiro
O IDMP como índice de desenvolvimento municipal sintetiza uma série de características no intuito de perceber a inclinação dos municípios em desenvolverem-se através de uma estrutura econômica plural. Aplicando o IDMP nos municípios, é possível certa concentração; 93,9% dos municípios brasileiros encontram-se na faixa de IDMP regular e baixo; apenas 5,6% atingiram a classificação de IDMP alto e muito alto. O resultado expressa um pequeno percentual (0,5%) de municípios na faixa de muito baixo.
Os municípios que alcançaram os melhores resultados foram os municípios de Guarulhos, SP, com resultado de 0,9527; São Gonçalo, RJ, com resultado de 0,9459. Florianópolis, capital do estado brasileiro de Santa Catarina, na região Sul do país, é a capital que atingiu o melhor coeficiente (0,8740) entre suas congêneres, as demais capitais ficam divididas nas faixas de IDMP alto ou regular.
A figura a seguir mostra os municípios segundo classificação do IDMP.
Considerando um ranking dos 500 municípios com melhor classificação no IDMP; 64,0% são pertencentes à região Sul do Brasil. A região Sul é nacionalmente conhecida como a região que apresenta os melhores indicadores nacionais em educação, saúde e qualidade de vida além de deter a segunda melhor renda per capita, inferior apenas ao Sudeste. É uma região onde as práticas cooperativistas desenvolveram-se de forma bem intensa e todo esse conjunto de variáveis são relevantes na composição no IDMP.
Depois da região Sul, a Sudeste é a que apresenta o maior percentual entre as melhores pontuações com 20,8%. A região Sudeste também apresenta indicadores sociais elevados, sua economia é a mais desenvolvida e industrializada dentre as economias das cinco regiões brasileiras, nela se concentra mais da metade da produção nacional. As regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste apresentam respectivamente 4,0%; 2,8% e 8,4% dos municípios com os melhores resultados.
Adotando o mesmo procedimento e levando em consideração os 500 municípios com os piores resultados no IDMP, 57,2% estão na região Nordeste. Historicamente a região Nordeste é associada ao atraso, por apresentar resultados dos indicadores sociais insatisfatórios, tais como: altas taxas de mortalidade infantil e analfabetismo, baixa renda per capita e baixa expectativa de vida. Seguindo a região Nordeste aparece a região Sudeste com 23%; a região Norte com 11%; a região Centro-Oeste com 7,0% e a Sul com um pequeno percentual de 1,8%.
Em nível regional, o índice apresentou um resultado bem condizente com o perfil regional traçado tradicionalmente, principalmente quando aponta a região Sul e Sudeste como as que alcançaram os melhores resultados, e a região Nordeste como a que apresenta os resultados mais insatisfatórios. O quadro abaixo mostra de uma forma geral onde se encontra a maioria dos municípios por região.
Analisando o panorama nacional, levando em consideração o que se buscou em termos de desenvolvimento no Brasil ao longo da história e o que o IDMP como índice se propõe a visualizar, os resultados encontrados são compatíveis com os esforços realizados historicamente. O IDMP como índice busca alcançar iniciativas que somente há pouco tempo começaram a ser incentivadas no Brasil. Durante a história brasileira, a implantação de relações capitalistas modernas na produção agropecuária em que o modelo econômico privilegia os grandes latifundiários e a intensa mecanização das atividades rurais enfraqueceu os pequenos produtores do campo, nesse mesmo cenário as empresas de grande porte foram desejadas como sendo as matrizes do desenvolvimento.
Atualmente é que se trilha um novo caminho, buscando despertar práticas ainda embrionárias no país. Nesse curso, a agricultura familiar ganha importância e vem sendo incentivada pelo poder público através de políticas públicas como Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf) criado na década de 1990, e programas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que buscam fortalecer atividades do agricultor familiar, integrá-lo à cadeia do agronegócio, aumentar sua renda, melhorar o uso da mão de obra familiar e agregar valor ao produto e à propriedade.
Outro fator pertencente à conceituação de desenvolvimento na abordagem multidimensional que vem aflorando no Brasil é protagonismo local, tanto dos agentes civis quanto do poder público. O Estado passa a ter presença ativa como forma de fornecer as condições favoráveis à superação de dificuldades na busca de novas estratégias de desenvolvimento. Nessa perspectiva, consolidar instituições e criar as condições necessárias ao aumento da produtividade e da pluralidade econômica é o grande desafio, estabelecendo um modelo de desenvolvimento com maior acesso aos mercados e propiciando melhores condições de vida a toda a sociedade.
5.2 Abordagem multidimensional e o desenvolvimento humano
A natureza do IDMP com índice, amplamente voltado para a estrutura municipal e as ações que conduziriam a um processo de desenvolvimento, manteve durante o trabalho o seguinte questionamento: Como IDHM se manifesta nos municípios com fortes caraterísticas polanyianas, impressas através das dimensões que compõem a abordagem multidimensional?
Para responder a esse questionamento, os municípios foram agrupados em conjunto, considerando a classificação da renda7 7 É adotada a escala de classificação de renda utilizada pelo IDHM, onde resultados de 0 a 0,499 expressam renda muito baixa; de 0,500 a 0,599 baixa; 0,600 a 0,699 média; 0,700 a 0,799 alta; 0,800 a 1 muito alto. e do IDMP; para cada conjunto é calculado o IDHM médio. O quadro abaixo mostra a média do IDHM em grupos formados através da classificação da renda e do IDMP.
Através da média do IDHM de cada grupo, é possível ver que, à medida que a classificação do IDMP aumenta, o IDHM médio dos grupos também cresce. Essa é uma oscilação relevante, pois mostra que os municípios com características econômicas mais plurais apresentam o desenvolvimento humano mais alto, o que procria um ambiente no qual aspectos relacionados ao conceito de qualidade de vida estão presentes de forma intensa.
O resultado regional reafirma que os conjuntos de municípios com IDMP melhor apresentam também o IDHM médio maior, o que retrata um ambiente mais favorável em torno de aspectos relacionados ao conceito de desenvolvimento humano. O quadro abaixo mostra de forma detalhada os IDHM´s médios dos grupos levando em consideração as regiões.
Regionalmente o grupo que obteve o melhor resultado foi o de IDMP muito alto e renda muito alta da região Sudeste com o coeficiente de 0,8350; na outra ponta, o que obteve o menor resultado foi o grupo de IDMP muito baixo e renda baixa da região Norte com 0,4530.
Desse modo, pautado nos resultados acima evidenciados, parece ser convincente responder ao questionamento dizendo que, em um contexto geral, os municípios com fortes caraterísticas polanyianas, impressas através das dimensões que compõem a abordagem multidimensional e que formam o IDMP, apresentam um IDHM melhor. Este estudo, no entanto, pode ser aprofundado de forma a entender melhor a relação entre os conceitos fundamentais e os aspectos que os compõem ambos os índices e, fundamentalmente, estabelecer comparações históricas.
6 CONSIDERAÇOES FINAIS
Karl Polanyi nos trouxe uma grande contribuição no campo da economia política, que abandona a primazia do econômico em detrimento do social; o autor reconhece a existência de sistemas econômicos que não obedecem apenas ao princípio mercado; propõe uma abordagem que identifique os diversos princípios econômicos, de modo a clarificar as relações de complementaridade e de contraposição existentes entre eles. Com essas observações ele amplia as dimensões de análise, recoloca os problemas das causas da geração e distribuição da riqueza e abre novas oportunidades para pensar estratégias de promoção do desenvolvimento.
O objetivo geral do trabalho foi analisar o desenvolvimento municipal no Brasil a partir da concepção teórica de Karl Polanyi, o IDMP foi o recurso metodológico criado e utilizado para fazer tal análise, o índice foi estruturado a partir das dimensões que compõem a abordagem multidimensional. Os resultados encontrados também apontam para uma relação direta e positiva entre IDMP e o IDHM, os municípios que atingem as melhores faixas do IDMP apresentam também um IDHM mais fortalecido, o que mostra que pluralidade econômica de certo modo influencia em características sociais consideradas desejáveis e esperadas do processo de desenvolvimento humano, ou ao menos naquelas que o IDHM abarca. A região Sul do Brasil foi aquela em que houve maior presença de elementos da economia plural e substantiva.
É evidente que o IDMP como índice possui suas limitações conceituais e metodológicas. As limitações conceituais decorrem antes de tudo da subjetividade que envolve a leitura e a interpretação do constructo teórico de Karl Polanyi. Já as limitações metodológicas advêm de um conjunto de fatores, como por exemplo, da carência de indicadores que possam retratar a realidade municipal com periocidade anual, como também da combinação de dados e indicadores básicos para a formatação dos indicadores dimensionais de forma a atender o conceito que o sustenta. Apesar de todas as limitações, o IDMP parece ser uma alternativa inicial real de pensar e analisar o desenvolvimento, sustentado por um conceito de desenvolvimento que prima pela pluralidade econômica, como uma forma de pensar a estrutura territorial que gera os níveis diferenciados da qualidade vida, para muito além da renda.
Finaliza-se o trabalho com a convicção de que repensar as questões conceituais do desenvolvimento econômico permite reflexões sobre a busca de um novo modelo de desenvolvimento que associe o crescimento da produção com melhoria na distribuição e utilização dos bens e serviços, em um ritmo que contribua para uma melhor qualidade de vida. Aqui se buscou construir uma possibilidade fundada em algumas contribuições da obra de Polanyi, sem evidentemente esgotá-la, mas atendo-se aos elementos pertinentes aos objetivos deste trabalho, o qual possui méritos e limitações.
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O IDMP foi calculado para 5565 municípios brasileiros; não foi possível calcular para os municípios que foram constituídos em 1º de janeiro de 2013 por falta de dados para a composição de alguns indicadores. Os municípios para os quais o IDMP não foi calculado são: Pescaria Brava e Balneário em Santa Catarina, Mojuí dos Campos no estado do Pará; Pinto Bandeira no estado do Rio Grande do Sul: Paraíso das Águas em Mato Grosso do Sul.
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Neste trabalho o termo Pequenos Negócios é utilizado referenciando ao que a Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, conceitua como microempresa (ME) e empresa de pequeno porte (EPP).
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Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) são um conjunto de metas pactuadas pelos governos dos 191 países-membros da ONU com a finalidade de tornar o mundo um lugar mais justo, solidário e melhor para se viver. Cerca de 70% das atividades relacionadas a esses objetivos, no Brasil, são de responsabilidade das autoridades locais.
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Os itens analisados tinham duas respostas e pontuação possíveis, que são respectivamente: não (zero pontos) e sim (1 ponto).
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As micro e pequenas empresas, neste indicador básico, são classificadas de acordo com número de empregados. De acordo com esse critério as empresas são classificadas em microempresa, pequena empresa, média empresa e grande empresa em função do número de pessoas ocupadas e dependendo do setor de atividade econômica investigado. O indicador levou em consideração as micro e pequenas empresas do setor de comércio e serviço, que são aquelas que têm até 49 pessoas ocupadas (SEBRAE, s.dSEBRAE. Monitoramento da Implementação da Lei Geral nos Municípios Brasileiros. [s.d.]. Disponível em: <http://app.pr.sebrae.com.br/leigeralnacional/VisualizarRankingEstados.do?acao>. Acesso em: jun. 2014.
http://app.pr.sebrae.com.br/leigeralnaci... .). -
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É adotada a escala de classificação de renda utilizada pelo IDHM, onde resultados de 0 a 0,499 expressam renda muito baixa; de 0,500 a 0,599 baixa; 0,600 a 0,699 média; 0,700 a 0,799 alta; 0,800 a 1 muito alto.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2018
Histórico
-
Recebido
10 Abr 2017 -
Revisado
17 Maio 2017 -
Aceito
08 Jun 2017