Resumo:
Tomando como ponto de partida a primeira geração da Teoria Crítica e suas pesquisas sobre os fenômenos autoritários, o dossiê apresenta análises sobre as implicações atuais do problema. Também oferece artigos que procuram compreender contextos e realidades para além dos países centrais do capitalismo e da própria teoria crítica, destacando em que medida a imposição das relações sociais burguesas e a resolução de seus conflitos é acompanhada intrinsecamente de violência nos países da periferia do sistema. Assim, o dossiê procura contribuir para uma discussão sobre os atuais limites das formas democráticas contemporâneas e a relação dessas com manifestações autoritárias.
Palavras-chave: Teoria Crítica; Autoritarismo; Capitalismo; Democracia
Abstract:
Taking as its starting point the first generation of Critical Theory and its research on authoritarian phenomena, the dossier presents analyses on the current implications of the problem. It also offers articles that seek to understand contexts and realities beyond the central countries of capitalism and critical theory itself, highlighting the extent to which the imposition of bourgeois social relations and the resolution of their conflicts is intrinsically accompanied by violence in countries on the periphery of the system. Thus, the dossier seeks to contribute to a discussion about the current limits of contemporary democratic forms and their relationship with authoritarian manifestations.
Keywords: Critical Theory; Authoritarianism; Capitalism; Democracy
Resumen:
Tomando como punto de partida la primera generación de la Teoría Crítica y sus investigaciones sobre los fenómenos autoritarios, el dossier presenta análisis sobre las implicaciones actuales del problema. También ofrece artículos que tratan de comprender contextos y realidades más allá de los países centrales del capitalismo y de la propia teoría crítica, destacando hasta qué punto la imposición de las relaciones sociales burguesas y la resolución de sus conflictos va intrínsecamente acompañada de violencia en los países de la periferia del sistema. Así, el dossier pretende contribuir a una discusión sobre los límites actuales de las formas democráticas contemporáneas y su relación con las manifestaciones autoritarias.
Palabras clave: Teoría Crítica; Autoritarismo; Capitalismo; Democracia
Em meio a um período de grandes e agudas turbulências, o mundo capitalista descobriu estar rumando em direção a uma nova ordem sociopolítica. Junto a processos de mais longo prazo de precarização das relações de trabalho e a tendências mais recentes de aumento nos níveis de desigualdade social e outros efeitos da crise socioeconômica de 2007-2008, processos de recrudescimento autoritário se manifestam de modo intenso e quase sem constrangimentos tanto no centro quanto na periferia do sistema.
Muito embora os fenômenos associados a esses desdobramentos não se restrinjam a transformações no aparato estatal ou na fisionomia de movimentos e novas elites políticas que passaram a ocupar posições de comando, o crescimento de grupos e de partidos de extrema-direita é uma de suas facetas mais visíveis e desafiadoras. As fulgurantes performances eleitorais de figuras como Jair Bolsonaro, Donald Trump, Matteo Salvini, Viktor Orbán, Rodrigo Duterte, Narendra Modi e tantos outros mostram em que medida manifestações de intolerância, ódio e perseguição contra minorias não apenas são abertamente defendidas no interior de democracias liberais, como também têm desempenhado papel de destaque para a ascensão dessas e de lideranças semelhantes ao centro do poder político nos mais diversos contextos nacionais.
Todavia, conquanto a preocupação com tais desdobramentos tenha se fortalecido nos últimos tempos, a confluência entre manifestações abertas de autoritarismo e as sociedades capitalistas não é um fenômeno novo. Embora não faltassem correntes do pensamento social que se esmeraram em tentar convencer sobre o avanço da liberdade, da igualdade e da fraternidade mesmo nos períodos históricos mais sombrios, também é verdade que as vertentes críticas das ciências sociais não deixaram de diagnosticar a reprodução de opressões, a agudização de desigualdades e a exacerbação da não liberdade nas diferentes fases do capitalismo. Usualmente, aquelas e aqueles que não se furtam em denunciar que o estado de exceção é a regra partilham, ao menos, a invisibilidade que sempre se pretendeu impor sobre sujeitos subalternizados, grupos marginalizados e classes exploradas. Contudo, malgrado essas recorrentes tentativas de silenciamento e outras perseguições, essas indagações e reflexões críticas constituem complexos e instigantes conjuntos de teorias, conceitos, categorias e perspectivas de interpretação mais aptos, conforme nosso ponto de vista, a perscrutar o capitalismo moderno em suas altas e baixas marés de crises e turbulências.
O propósito do dossiê “Teorias críticas sobre o autoritarismo contemporâneo” foi reunir contribuições de autoras e autores que buscam lançar novas miradas sobre essa renovada onda de recrudescimento autoritário. Tomamos como referência inicial a primeira geração de autores que se congregaram a partir dos anos 1930 no Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt. Desde os primeiros trabalhos de Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Walter Benjamin – apenas para citar os mais célebres – era central a preocupação com as escaladas autoritárias na Europa em seus diferentes representantes do fascismo. Na composição de seus respectivos diagnósticos de época, esses autores se concentraram em mostrar, cada um à sua maneira, como a sociedade moderna tendia a moldar indivíduos e relações baseadas na violência, a despeito de suas promessas de emancipação, liberdade e autonomia. O fascismo não seria propriamente um desvio das normas burguesas, mas expressão acentuada de suas tendências imanentes.
Notoriamente, um dos pontos altos da teoria crítica foi a sugestão de que as relações sociais capitalistas tendem a produzir sujeitos intolerantes, violentos e pouco afeitos à reflexão, exame que perdurou desde os “Estudos sobre autoridade e família” dirigidos por Horkheimer, até os textos de Marcuse nos anos 1970 sobre a contrarrevolução e a derrota dos movimentos de 1968, passando pelos não menos famosos estudos sobre a personalidade autoritária de Adorno. Tendo em vista essa longa sequência de estudos, podemos afirmar com segurança que a teoria crítica nos legou modelos de análise das sociedades contemporâneas.
Contudo, o dossiê não se restringiu a uma simples continuidade com a assim chamada primeira geração da teoria crítica. Como evidenciam os artigos aqui reunidos, as reflexões e as análises sobre o autoritarismo em diversas circunstâncias e modalidades remetem a autores e autoras para além do círculo de Frankfurt. Nesse sentido, as autoras e autores dos artigos remetem a figuras como Marx e Gramsci, mais próximos da teoria crítica, mas também a intelectuais como Ruy Mauro Marini, Guillermo O’Donnell e Lélia Gonzalez. Estes não fazem referência explícita à teoria crítica, mas apresentam novos problemas, na tentativa de compreender (e transformar) uma realidade social distinta. Ou seja, eles tratavam de problemas que ou não foram devidamente examinados pela teoria crítica, como é o caso das relações entre o centro e a periferia do sistema capitalista, ou não se apresentaram à realidade dos autores no momento em que viveram. A persistência e o retorno de autoritarismos continuam a ser entendidos em termos da configuração global da sociedade capitalista, mas devem responder às particularidades dos fenômenos e suas realidades locais.
De toda forma, é possível inserir os artigos incluídos neste dossiê como “teorias críticas do autoritarismo” porque todos buscam compreender e analisar os nexos internos aos fenômenos do autoritarismo, em particular a relação intrínseca entre a constituição e o desenvolvimento da sociedade burguesa e as formas violentas pelas quais seus conflitos e contradições foram moldados. Assim, o dossiê aponta não apenas para a necessidade de continuar e atualizar as análises da teoria crítica, agora em circunstâncias bastante diversas em face do desenvolvimento do capitalismo nas últimas décadas. As autoras e autores aqui reunidos também nos mostram que o esforço de compreensão da sociedade burguesa precisa lidar com os problemas internos à teoria, até que possamos de fato falar em uma sociedade de indivíduos livres e autônomos.
No artigo que abre o dossiê, Caio Vasconcellos traz uma reconstrução crítica das interpretações de Adorno a respeito da permanência de tendências fascistas nas nascentes democracias de massas. Refletindo sobre a ameaça de uma nova recaída à barbárie após a derrota militar dos países do eixo, o artigo aborda inicialmente o parentesco interno entre o fenômeno do antissemitismo moderno e o conceito de pensamento ticket, aspecto central do diagnóstico da Dialética do esclarecimento (Adorno e Horkheimer 1985) sobre a dinâmica concorrencial dos partidos políticos no imediato pós-guerra. Concentrando-se em aspectos do pensamento tardio de Adorno, Vasconcellos se debruça então em um ensaio ainda pouco debatido do frankfurtiano sobre o radialista e pastor Martin Luther Thomas (Adorno 1975), mas que se recobre de um inconteste interesse contemporâneo. Ao reconstruir a crítica adorniana sobre as estratégias discursivas e a mecânica de sedução de um agitador fascista estadunidense dos anos 1930, o artigo ressalta as tendências sociais-objetivas e os aspectos individuais-subjetivos que, aos olhos do frankfurtiano, tornariam o fascismo uma força política imanente – e não meramente uma ameaça externa – ao capitalismo tardio. Contrapondo-se às leituras hegemônicas sobre o pensamento de Adorno, Vasconcellos chama atenção para uma intrincada dialética de elementos de continuidade e de ruptura entre a ameaça fascista nas democracias e a barbárie do nazifascismo. Mais do que uma simples historiografia das ideias, o artigo propõe ainda apontar para aspectos da crítica do frankfurtiano que podem lançar novas luzes sobre as constelações de fenômenos vinculadas à ascensão de líderes e de movimentos de direita radical contemporâneos.
Contrastando conceitos e interpretações de Erich Fromm e Max Horkheimer, o artigo de Fábio De Maria se envereda em uma instigante discussão sobre o fenômeno do autoritarismo. Diferentemente das leituras hegemônicas que identificam uma série de continuidades entre a apropriação da psicanálise feita por Fromm e Horkheimer nos anos 1930, o artigo se dedica a explorar as diferenças teóricas e metodológicas entre ambos os autores a partir das nuances de suas respectivas interpretações a respeito do processo de integração do proletariado à ordem capitalista. Enquanto Fromm (1987) constrói a sua tipologia das “estruturas de caráter” para tentar mensurar a possibilidade de adesão dos trabalhadores alemães ao nazismo, Horkheimer (1987) mobiliza outro arsenal conceitual e, ademais, formula de maneira bastante distinta os princípios metodológicos que animariam as pesquisas empíricas a serem realizadas pelo Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt.
Após essas reflexões mais detidas sobre autores da teoria crítica, o dossiê avança para uma discussão com base nas possibilidades e nas limitações do uso de seus conceitos e análises para a compreensão de realidades além da Europa e dos Estados Unidos de meados do século 20. O artigo de Fernando Neves detém-se em dois autores latino-americanos que pensaram os fenômenos autoritários no continente e seus vínculos com o desenvolvimento do capitalismo: Guillermo O’Donnell e Ruy Mauro Marini. Embora não se filiem à teoria crítica, suas análises têm um ponto em comum e central com as obras de Adorno, Horkheimer, Benjamin e Marcuse, entre outros. Tanto O’Donnell quanto Marini tomam a exposição de Marx sobre o capital, e a tentativa de compreender os nexos internos de nossas sociedades, para entender como os países dependentes manifestam a necessidade de se voltar ao uso de práticas autoritárias para a reprodução da acumulação capitalista. Evidentemente, há diferenças substanciais no tratamento dessas questões por parte dos autores argentino e brasileiro – ponto importante do artigo de Neves. Se em ambos há uma tentativa de se compreender o papel do estado nas ditaduras e governos autoritários da América Latina, como mostram os conceitos de “Estado burocrático-autoritário” (O’Donnell 1982) e “estado de contrainsurgência” (Marini 1975), o resultado de suas investigações é bastante distinto. Como aponta Neves, as formulações do argentino baseiam-se na ideia de uma autonomia do estado em relação às classes sociais, uma vez que ele consistiria no garantidor das condições gerais da produção. Por outro lado, Marini sustenta, com base na teoria marxista da dependência, que a autonomia do aparato estatal era apenas relativa. Assim, quanto menos as classes burguesas de um país forem capazes de levar a cabo sua dominação, mais elas precisariam da mão forte do estado. Para Marini, a compreensão do lugar do estado nas sociedades latino-americanas e dos processos autoritários a ele ligados requer analisar o contexto mais amplo do capitalismo dependente, isto é, a “inserção subordinada no mercado mundial”. A partir da tensão entre essas abordagens, Neves procura delinear a atualidade dos conceitos mobilizados por cada uma delas.
O artigo seguinte, de Stefan Klein, faz uma comparação pouco usual, mas carregada de significado, entre a Dialética do esclarecimento (Adorno e Horkheimer 1985), e a obra de Lélia Gonzalez (2020). Pouco usual, posto que não se costuma associar a teoria crítica com autoras brasileiras que falam sobre a centralidade do racismo na configuração da sociedade brasileira moderna. Significativa, uma vez que Klein nos mostra tanto a riqueza dos três autores para se analisar o autoritarismo quanto às possibilidades de atualização, complementação e transformação da teoria crítica a partir das particularidades do contexto sócio-histórico brasileiro. Se o artigo se detivesse apenas no resgate de Gonzalez, ele já mereceria destaque. Contudo, a intenção do autor vai além da simples comparação. Na primeira parte do texto, Klein mostra em que medida a teoria crítica pode servir à reflexão sobre contextos de violência e repressão, como o vivenciado na Alemanha nazista. Os conceitos dos frankfurtianos aparecem como uma forma de expressão das próprias contradições da sociedade burguesa, o que aponta para as possibilidades de resistência às suas formas de dominação e às possibilidades de sua superação – algo na contramão das ideias correntes que se fazem da teoria crítica como uma reflexão enredada em aporias. Na segunda parte, Klein resgata a obra ainda pouco conhecida de Gonzalez e faz uma exposição acerca das possibilidades para compreender e transformar as relações autoritárias em um contexto como o brasileiro, no qual o racismo é parte intrínseca das relações de dominação. As análises e os conceitos da autora nos permitiriam alcançar um ponto de vista que abrangeria fenômenos até então pouco captados, a partir de sujeitos marginalizados na sociedade, como as mulheres negras. Para tanto, Klein se vale da noção outsider within, da intelectual norte-americana Patricia Hill Collins (2016). Além disso, o autor sublinha a maneira pela qual Gonzalez relaciona os processos de classificação e submissão racial, particulares ao contexto nacional, aos nexos globais do capitalismo, com destaque para as formas ideológicas que atravessam a constituição e a expansão da sociedade burguesa em nossas terras.
Por fim, há outra pequena inflexão que agrupa os últimos dois artigos do dossiê. Por meio de um denso diálogo entre Hegel (1998), Marx (1997) e Gramsci (2007), Luciana Aliaga e Hélio Ázara formularam uma instigante interpretação do autoritarismo brasileiro contemporâneo, e conceitualiza o chamado bolsonarismo como a forma política de uma restauração reacionária neoliberal no Brasil. No intuito de fundamentar em bases sólidas as proximidades e os afastamentos do bolsonarismo com relação à experiência do fascismo italiano, o artigo traz uma rica discussão sobre o problema da repetição na história, contrastando aspectos da filosofia hegeliana, da crítica marxiana e das interpretações de Gramsci. Wendy Brown (2019) é também mobilizada para construir uma ponte entre essas discussões e o momento sócio-histórico atual, marcado por processos de desdemocratização e nova hegemonia neoliberal. Todavia, mais do que simplesmente replicar esses conceitos e categorias, Aliaga e Ázara estabelecem um profícuo diálogo a partir das particularidades locais do bolsonarismo, chamando atenção, entre outros fenômenos, para o papel de destaque desempenhado pela longa tradição histórica do autoritarismo nacional representada, sobretudo, pelos militares – na construção de uma resposta, na visão do artigo, provisória e precária – para a corrente a crise da hegemonia burguesa em um momento de acumulação neoliberal.
No último artigo do dossiê, Patrícia da Silva Santos e Ricardo Pagliuso Regatieri nos trazem uma arguta reflexão sobre os fenômenos de autoritarismo e desdemocratização contemporâneos, ressaltando a centralidade de uma discussão sobre o capitalismo colonial para a compreensão desses processos deslindados em escala global. O artigo recobre com competência uma ampla e variada literatura sobre a vaga autoritária contemporânea e a analisa criticamente ao apontar para a ausência de uma problematização acerca da divisão geopolítica mundial que presidiu o advento da democracia moderna – ou, tal como posto por Santos e Regatieri, lançar luzes sobre o lado oculto que sempre se buscou ofuscar pela decantada luminosidade das sociedades modernas. Para tanto, o artigo articula um sofisticado diálogo entre a primeira geração da teoria crítica, aspectos do pensamento de Florestan Fernandes (2019) e das reflexões de Achille Mbembe (2003). O autoritarismo e a violência política não aparecem, nesse sentido, como um contraponto às democracias liberais, mas sim como os seus pressupostos e como os seus produtos. Emergindo sem disfarces, esse corpo noturno da democracia faz parte da reflexão sociológica do norte global se dar conta de processos e fenômenos que marcaram e marcam a experiência sócio-histórica em territórios e populações colonizadas.
O dossiê termina com a tradução de um texto inédito em português, “Autoritarismo global – reflexões e questões”, de Alex Demirović. Ainda pouco conhecido no Brasil, em que pese algumas traduções de seus textos, Demirović pode ser descrito como um herdeiro da teoria crítica de Adorno e Horkheimer. Desde suas atividades políticas como estudante na Alemanha dos anos 1970 até suas publicações mais recentes sobre autoritarismo, o autor se destaca não apenas por dar continuidade aos esforços analíticos e emancipatórios da teoria crítica. Tão importante quanto é a maneira como Demirović é capaz de mobilizar temas e conceitos de diferentes vertentes, tanto dentro do marxismo quanto fora dele.
Assim, partindo de uma descrição a respeito da ascensão mais recente das direitas e suas práticas e ideias autoritárias, o ensaio traduzido neste dossiê procura entender como essas práticas são organizadas de maneira específica, tendo em vista os contextos particulares, e como elas estão entrelaçadas aos desafios impostos pelas mudanças da sociedade capitalista nas últimas décadas. Em particular, Demirović ressalta a perplexidade das classes dominantes com a crise múltipla que temos vivenciado desde 2007. Como não há uma saída imediata à vista desse processo conturbado – a não ser uma saída para além da sociedade burguesa – as burguesias de todo o mundo passam a aderir cada vez mais a práticas autoritárias. Certamente, isso não se faz sem contradições, o que explica que aquela adesão também encontre resistências no campo dos dominadores. Para entender tal conjuntura, Demirović resgata parte da teoria do estado de Nicos Poulantzas, sobretudo seu conceito de “estatismo autoritário”. Mediante essa reabilitação, Demirović aponta para o caráter híbrido do atual estágio do autoritarismo. Por um lado, muitos países ainda mantêm suas constituições e eleições. Por outro lado, eles optam cada vez mais pelo uso de aparato militar e policial, acompanhado de mudanças no âmbito jurídico e legislativo, que almejam impedir qualquer forma de crítica, resistência e transformação radical. Apresentamos esse ensaio não apenas pelas possibilidades que ele abre no que diz respeito aos debates sobre “desdemocratização”, bastante em voga nos dias atuais. Além disso, o texto de Demirović também nos faz pensar que o que ocorre em países como o Brasil é não apenas resultado da própria expansão da sociedade burguesa, como também propicia uma crítica à própria forma que os processos políticos assumem em nossas sociedades. Ou seja, o autoritarismo não pode ser pensado em uma simples oposição à democracia liberal, mas como seu elemento interno e contraditório.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Jun 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
06 Dez 2021 -
Aceito
07 Dez 2021 -
Publicado
16 Maio 2022