A complexidade que envolve a doença venosa pode ser observada na multiplicidade de siglas e conceitos utilizados. O termo doença venosa crônica (DVC) abrange os diversos sinais e sintomas da doença venosa1,2. Já insuficiência venosa crônica (IVC) remonta a doença de maior gravidade, quando a classificação CEAP está entre C3-C6, desde o edema até a ulceração1,2. No entanto, alguns autores utilizam o termo IVC apenas quando há alterações de pele e tecido subcutâneo, considerando IVC as classes entre C4 e C63. Para estudar melhor a doença venosa, seu diagnóstico, tratamento e acompanhamento, foram propostas algumas classificações. A classificação CEAP, revisada em 2004, inclui os diversos sinais de comprometimento venoso e traz as dimensões C (clinical signs); E (etiologic classification); A (anatomic distribution) e P (pathophysiologic dysfunction)4,5 (Tabela 1). Os autores discutem o termo “doença”, propondo que as classificações iniciais do CEAP sejam denominadas desordens venosas crônicas (chronic venous disorders)5. O Venous Clinical Severity Score (VCSS), revisado em 2010, é utilizado para acompanhar os sintomas e mensurar a gravidade da DVC e não inclui no escore telangiectasias e veias reticulares6,7 (Tabela 2). As classificações clínicas da DVC são utilizadas para nortear a investigação diagnóstica, acompanhar a evolução da doença e avaliar os resultados do tratamento. No entanto, um doente classificado como CEAP 5 pode, apesar da sua melhora clínica, manter-se na mesma classificação inicial após o tratamento. Pensando na complexidade da doença venosa, percebemos a multiplicidade de situações em que precisamos de outros critérios para avaliar a evolução da doença. A literatura propõe a utilização conjunta do VCSS e do CEAP, e sugere que sejam associados questionários de qualidade de vida (QV)7. Seja desordem, doença ou insuficiência, o termo aplicado, os sintomas e sinais decorrentes do comprometimento do sistema venoso influenciam na QV das pessoas8,9. A preocupação com aspectos relacionados à QV vem crescendo nas discussões do campo da saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu QV como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”10. Sendo assim, além das classificações mencionadas, quais seriam os questionários de QV propostos para a doença venosa? A QV em saúde pode estar relacionada a condições gerais, estudadas por meio de questionários genéricos, ou a algumas doenças, avaliada por meio de instrumentos específicos8,9,11. Os questionários World Health Organization Instrument to Assess Quality of Life (WHOQOL) e 36-item Short-Form Health Survey (SF-36) são instrumentos genéricos para estudar a QV, enquanto o Chronic Venous Insufficiency Questionnaire (CIVIQ), o Venous Insufficiency Epidemiological and Economic Study/Quality of Life-Symptoms (VEINES/QoL-Sym), o Aberdeen Varicose Vein Questionnaire (AVVQ) e o Charing Cross Venous Ulceration Questionnaire (CXVUQ) são específicos para a QV na DVC8,9,12,13 (Tabela 3). O WHOQOL-100 contém 100 questões distribuídas em seis domínios: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais10,12,14. O SF-36 é um questionário genérico que avalia capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental, além de comparar a saúde atual e há 1 ano15,16. A partir dos questionários genéricos, foi identificada a necessidade de avaliar o impacto de doenças específicas na QV. Os questionários específicos para a doença venosa são: CIVIQ, VEINES, AVVQ e CXVUQ8,9. O CIVIQ e o VEINES/QoL-Sym avaliam a doença venosa de maneira geral, e o AVVQ e o CXVUQ tratam de aspectos específicos da DVC8,9. O CIVIQ-20 enfoca as dimensões física, psicológica, social e dor, com perguntas que incluem atividades diárias, sono, dor e irritabilidade8,9,17. O questionário VEINES/QoL-Sym é composto de dois escores: o VEINES-QoL, que trata da QV na DVC, e o VEINES-Sym, que diz respeito aos sintomas de DVC18, tendo sido traduzido e adaptado no Brasil11. O AVVQ foi desenvolvido para avaliar a QV em doentes com varizes e conta com um diagrama dos membros inferiores, para que o paciente as desenhe8,9,19,20. O CXVUQ é voltado para avaliar a QV em doentes com úlcera venosa ativa21,22. Questionários específicos fornecem informações mais detalhadas quando utilizados em conjunto com os genéricos8. Embora aplicar uma classificação clínica, acrescentando um questionário de QV genérico e um específico, possa dificultar o uso rotineiro desses instrumentos, conhecer as diferentes classificações e questionários nos permite avaliar qual adotar em benefício da nossa prática. Atualmente, as classificações clínicas são as mais utilizadas quando se discute DVC, mostrando associação com a QV8. No Brasil, questionários específicos de QV foram traduzidos, adaptados e validados. Se pensarmos em utilizar esses instrumentos, o questionário de QV pode ser respondido pelo doente enquanto aguarda o atendimento, e durante a consulta já aplicamos uma das classificações clínicas. Ou seja, temos a possibilidade de acompanhar a doença venosa, que tratamos na nossa rotina, conhecendo o impacto que ela tem no dia a dia dos nossos pacientes.
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Fonte de financiamento: Nenhuma.
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O estudo foi realizado no Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (UFBA), Salvador, BA, Brasil.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Nov 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
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Recebido
23 Ago 2019 -
Aceito
05 Set 2019