Resumo
A ultrassonografia vascular com Doppler é um método não invasivo útil no diagnóstico e planejamento terapêutico da doença oclusiva das artérias podais. A artéria pediosa dorsal é a continuação direta da artéria tibial anterior e tem trajeto retilíneo no dorso do pé, dirigindo-se medialmente ao primeiro espaço intermetatarsiano, onde dá origem a seus ramos terminais. A artéria tibial posterior distalmente ao maléolo medial se bifurca e dá origem às artérias plantar lateral e plantar medial. A plantar medial apresenta menor calibre e segue medialmente na planta do pé, enquanto a plantar lateral é mais calibrosa, seguindo um curso lateral na região plantar e formando o arco plantar profundo, o qual se anastomosa com a artéria pediosa dorsal através da artéria plantar profunda. A avaliação das artérias podais pode ser realizada de maneira não invasiva com exame de eco-Doppler, com adequado nível de detalhamento anatômico.
Palavras-chave: ultrassonografia Doppler; artérias da tíbia; procedimentos cirúrgicos vasculares
Abstract
Vascular Doppler ultrasound is a noninvasive method that can help in diagnostic and therapeutic planning in case of pedal arterial obstructive disease. The dorsalis pedis artery is the direct continuation of the anterior tibial artery and follows a straight course along the dorsum of the foot, leading medially to the first intermetatarsal space, where it gives off its terminal branches. The posterior tibial artery forks distal to the medial malleolus and gives rise to the lateral plantar and medial plantar arteries. The medial plantar artery has a smaller caliber and runs medially in the sole of the foot, while the lateral plantar artery is of larger caliber, following a lateral course in the plantar region and forming the deep plantar arch, which anastomoses with the dorsalis pedis artery via the deep plantar artery. The arteries of the foot can be assessed noninvasively with Doppler, providing an adequate level of anatomical detail.
Keywords: Doppler ultrasonography, duplex; tibial arteries; vascular surgery procedures
INTRODUÇÃO
A isquemia crítica de membro inferior é o estágio final da doença arterial periférica (DAP), quando a perfusão arterial não é suficiente para atender às demandas metabólicas basais, sendo caracterizada clinicamente por dor ao repouso ou presença de lesão trófica1,2. O tratamento da isquemia crítica do membro inferior pode ser realizado tanto por revascularização cirúrgica quanto por tratamento endovascular, com o tratamento endovascular se destacando por ser minimamente invasivo e com melhora das opções de materiais3,4.
Apesar do uso rotineiro do eco-Doppler (ultrassonografia vascular com Doppler, duplex scan) para a avaliação do sistema arterial no contexto de isquemia crítica e DAP, a adequada caracterização das artérias podais [artéria pediosa dorsal (APD), artérias plantares e arco plantar profundo] com o eco-Doppler ainda não é realizada de forma habitual, sendo a avaliação arterial podal muitas vezes ainda delegada à arteriografia1,5-7. Porém, com os avanços tecnológicos dos equipamentos e a melhora no treinamento dos ultrassonografistas vasculares, a avaliação das artérias podais ao eco-Doppler pode ajudar tanto no planejamento cirúrgico e endovascular4,8 quanto no seguimento do paciente pós-tratamento6. As artérias podais ainda podem ser usadas como via de acesso arterial retrógrado via punção distal para recanalizações tibiais ou femoropoplíteas9,10. Para todas essas aplicações, é indispensável o conhecimento da anatomia ultrassonográfica das artérias podais. Neste artigo de revisão, serão descritas a anatomia ultrassonográfica e a técnica para a avaliação das artérias podais ao eco-Doppler.
ANATOMIA11
A. Região dorsal
A APD é a continuação direta da artéria tibial anterior (ATA) após cruzar a articulação tibiotalar. Tem como ramos principais as artérias tarsal lateral e arqueada. No nível do primeiro espaço intermetatarsiano, a APD dá origem a seus ramos terminais, que são a artéria plantar profunda e a artéria metatarsiana dorsal do hálux.
B. Região plantar
A artéria tibial posterior (ATP) distalmente ao maléolo medial se bifurca e dá origem às artérias plantar lateral (APL) e plantar medial (APM) (Figura 1). A APM apresenta menor calibre e segue medialmente na planta do pé, enquanto a APL é mais calibrosa, segue um curso lateral na região plantar e forma o arco plantar profundo (APP), o qual se anastomosa com a APD através da artéria plantar profunda, no nível da base do primeiro espaço intermetatarsiano.
A artéria tibial posterior se bifurca distalmente ao maléolo medial e dá origem às artérias plantar lateral e plantar medial.
Técnica de exame ultrassonográfico
Para facilitar a localização dos vasos, foi realizada a marcação cutânea dos trajetos vasculares arteriais podais. Foram realizadas imagens ao modo B, colorido e espectral das artérias podais utilizando transdutores lineares multifrequenciais do aparelho Philips Affiniti 70 (Philips Healthcare, Eindhoven, Holanda).
A. Artéria pediosa dorsal
Inicia-se a avaliação pela artéria tibial anterior distal na região do tornozelo, localizada anteriormente à tíbia, documentando perviedade e padrão de curva espectral. Prossegue-se distalmente na região dorsal do pé, insonando a APD e ajustando a frequência do transdutor e a profundidade, pois a APD é de pequeno calibre e muito superficial. A APD tem trajeto retilíneo no dorso do pé, dirigindo-se medialmente ao primeiro espaço intermetatarsiano, onde dá origem a seus ramos terminais. Deve-se, na anatomia topográfica, imaginar o trajeto da APD indo em direção ao primeiro espaço interdigital (Figura 2).
B. Artérias plantares e arco plantar profundo
Em seguida, identifica-se a ATP na altura do maléolo medial, documentando perviedade e padrão de curva espectral. Utilizando cortes transversais da ATP, prosseguir distalmente até o rebordo medial do pé até observar a bifurcação da ATP nas APM e APL (Figura 3).
A APM é o ramo de menor calibre, tendo trajeto com sentido apontando mais diretamente em direção ao hálux. Imagens longitudinais da APM são obtidas com o transdutor apontado na direção do hálux a partir da porção mais proximal do pé (Figura 4).
Imagens longitudinais da artéria plantar medial são obtidas com o transdutor apontado na direção do hálux a partir da porção mais proximal do pé.
A APL é o ramo lateral, mais calibroso e com trajeto em direção à base do quinto metatarso (Figura 5). A base do quinto metatarso é um importante marco topográfico para avaliação da APL, pois, nessa região, a APL dá origem ao APP. A APL está localizada cerca de 2,5 cm medialmente à base do quinto metatarso (Figura 6).
A artéria plantar lateral é o ramo lateral e mais calibroso que a plantar medial, apresentando trajeto em direção à base do quinto metatarso.
Localização da artéria plantar lateral, cerca de 2,5 cm medialmente à base do 5º metatarso.
Para a caracterização do APP, novamente deve-se utilizar a base do quinto metatarso como reparo anatômico. Identifica-se a APL, e o transdutor é, então, orientado com seu maior eixo em direção ao primeiro espaço intermetatarsiano, para se obter cortes longitudinais do APP (Figura 7). É importante notar que o APP está localizado mais profundamente em relação à fáscia plantar do que a artéria plantar lateral quando analisado a partir da face plantar, pois vai se anastomosar com a pediosa dorsal. Para posicionar o transdutor em direção ao primeiro espaço intermetatarsal, é preciso imaginar uma linha paralela unindo as cabeças do 2º ao 5º metatarsos, sendo o transdutor posicionado junto à base do 5º metatarso (Figura 7).
Corte longitudinal do arco plantar profundo, obtido seguindo-se a artéria plantar lateral e, então, orientando o transdutor com seu maior eixo em direção ao primeiro espaço intermetatarsiano.
Tendo em vista o que foi exposto, podem-se ponderar os seguintes fatos. O eco-Doppler é o método não invasivo de escolha para a avaliação do sistema arterial dos membros inferiores, obtendo-se excelente correlação com a arteriografia (padrão-ouro), se realizado por profissionais experientes6,7. Porém, na prática diária, o eco-Doppler apresenta-se muito aquém à arteriografia na avaliação das artérias podais, talvez pela não familiaridade do ultrassonografista vascular com a anatomia ultrassonográfica arterial do pé. Com a melhora de resolução dos aparelhos de ultrassonografia, a caracterização ultrassonográfica das artérias podais é factível e reprodutível e, com treinamento adequado, não demanda muito tempo para a realização.
A avaliação do arco plantar pode ter valor prognóstico, já tendo sido documentado que a presença de um arco plantar pérvio é preditivo de perviedade de reconstruções e cicatrizações em lesões tróficas12,13. Existe também uma correlação entre a gravidade de insuficiência renal crônica (queda na taxa de filtração glomerular) e a perviedade do arco plantar13.
Em casos de isquemia grave, a arteriografia digital pode ter dificuldade de detectar fluxo nas artérias tibiais distais14, sendo que, nesses casos, o ultrassonografia com Doppler pode revelar vasos pérvios que se prestam a revascularização, com aumento das taxas de salvamento de membro7,8,15,16. Na arteriografia é feita rotineiramente a avaliação das artérias podais, com incidência em perfil do pé, em que é possível caracterizar a APD, a APL e o arco plantar.
Com a utilização do eco-Doppler, pode-se realizar essa avaliação de forma rápida e não invasiva, tanto para diagnóstico quanto para seguimento pós-tratamento. Conclui-se que a avaliação das artérias podais pode ser realizada de maneira não invasiva com exame de eco-Doppler, com excelente nível de detalhamento anatômico.
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Como citar: Takahashi LA, França GJ, Del Valle CE, Ferreira LRC. Avaliação das artérias podais ao eco-Doppler. J Vasc Bras. 2020;19:e20200068. https://doi.org/10.1590/1677-5449.200068
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Fonte de financiamento:
Nenhuma.
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O estudo foi realizado no Hospital de Clínicas (HC), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
11 Dez 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
21 Nov 2019 -
Aceito
12 Ago 2020