Open-access Alterização, biologia humana e biomedicina

Otherness, human biology, and biomedicine

RESUMO

O presente artigo analisa processos de alterização na biologia humana e na biomedicina. A alterização é entendida aqui como o processo cultural de produção de alteridades por meio da delimitação, rotulação e categorização das formas possíveis de ser outro, desde um determinado marco de referência sócio-histórico. Ainda que a alterização faça parte de qualquer processo de delimitação de categorias de identidade no seio de uma cultura - e, nesse sentido, possa apresentar visões do outro tanto positivas quanto negativas -, aqui nos interessamos especificamente na alterização como fator de marginalização e exclusão social de diferentes grupos humanos. São analisados diversos processos de alterização operantes nos discursos e nas práticas das ciências biomédicas ao longo de sua história recente, os quais têm conduzido à exclusão social de diferentes categorias de outros, ou a tratá-los como inferiores, em pretendidas bases científicas, ou em função de determinadas práticas institucionalizadas dentro da comunidade científica. Exemplos típicos de grupos marginalizados pelas ciências ocidentais ao longo de sua história incluem as raças não europeias, as mulheres, os homossexuais e os "pobres". O principal objetivo do presente artigo é analisar, na história recente das ciências biomédicas, esses processos de alterização que têm conduzido à marginalização de tais grupos e a considerá-los como inferiores.

PALAVRAS-CHAVE: Alterização; Biomedicina; Biologia humana; Violência simbólica; Exclusão social; Marginalização; Ensino de ciências

ABSTRACT

This article analyzes processes of "othering" in human biology and biomedicine. Othering is understood here as the cultural process of production of otherness by means of the delimitation, tagging, and categorization of the possible ways of being "other" within a given socio-historical context. Although othering can be considered as a constitutive aspect of any process of delimitation of identities within a given culture - and in this sense it can present both positive and negative views of the "other" -, in the present article we are specifically interested in processes of othering that lead to the marginalization and social exclusion of different human groups. We will analyze processes of othering, which have operated in the discourses and practices of biomedical sciences throughout their recent history, that have led to the social exclusion of different categories of "others", or to treating them as inferior, and that have supposedly scientific bases or as a consequence of the institutionalization of certain practices within the scientific community. Typical examples of these "others", marginalized by the Western sciences throughout their history, are the non-European "races", women, gay and lesbian people, and the "poor". The main objective of this article is to analyze, in the recent history of the biomedical technosciences, these different processes of othering that have led to the marginalization of such "others" and to treating them as inferior.

KEYWORDS: Othering; Biomedicine; Human biology; Symbolic violence; Social exclusion; Marginalization; Science teaching

INTRODUÇÃO

A figura do outro como produto simbólico e, assim, a alteridade como forma cultural estão presentes em todas as sociedades e ao longo de toda a história humana (cf. Levinas, 1991). Porém, se nos for permitida uma metáfora, a "taxa de produção" de formas de ser outro parece ter sido incrementada exponencialmente nos tempos contemporâneos (cf. Baudrillard, 1995). De fato, vivemos tempos paradoxais em relação à diferença, em relação ao outro. De um lado, alguns aspectos da globalização nos conduzem a imaginar um mundo sem barreiras comunicativas entre os diferentes povos e coletivos, dando novas formas ao velho anelo universalista de unir todos os seres humanos como membros que possuem iguais direitos em uma mesma comunidade humana planetária (cf. Boff, 2002). De outro lado, determinados aspectos da globalização parecem contribuir para a criação de novas fronteiras entre os grupos humanos, os quais, por sua vez, modificam-se e adquirem continuamente configurações inéditas, levantando novas barreiras identitárias entre si. Assim, na contemporaneidade, os outros possuem características particulares, em virtude da fluida articulação das relações entre grupos humanos, comportadas pelos processos de globalização (cf. Bauman, 2007). Ainda que hoje sejam mais permeáveis as fronteiras que delimitam a identidade do outro - estabelecendo quem fica dentro e quem fica fora de um grupo hegemônico que produz os discursos e atribui as categorias da alteridade -, isso não impede que apareçam continuamente grupos, coletivos e comunidades constituídas como novos outros em relação ao referencial social dominante, desde o qual é gerado o padrão discursivo da normalidade e da alteridade. Aqui também estão incluídas as categorias classificatórias das ciências naturais, especialmente as da biologia humana e da biomedicina, que estabelecem quem fica em cada lado da fronteira entre os diferentes grupos humanos segundo critérios científicos históricos, tais como aqueles que delimitam normais de anormais, aptos de não aptos, sadios de doentes, primitivos de evoluídos etc. Esses critérios propiciam diferentes padrões de subjetivação e atribuição de funções e níveis nas hierarquias sociais dentro de cada cultura.

No âmbito acadêmico anglo-saxão, numerosos autores têm empregado durante as últimas décadas o termo "othering" - que aqui traduzimos como "alterização" - para referir-se ao conjunto dos processos simbólicos de geração e construção do perfil de identidade dos outros (cf. Weis, 1995; Grove & Zwi, 2006; Viruell-Fuentes, 2007). Os processos de alterização correspondem aos processos de identificar, nomear ou rotular aqueles que consideramos diferentes de nós mesmos, ou desse "nós" idealizado que conforma a identidade assumida coletivamente pela própria comunidade desde a qual são estabelecidas as categorias da identidade e alteridade (cf. Weis, 1995). Entendidos assim, os processos de alterização aparecem em todos os processos de criação de identidades e, nas suas variadas formas, podem apresentar visões do outro tanto positivas quanto neutras ou negativas. Aqui limitar-nos-emos a estudar aqueles processos de alterização que conduzem à delimitação precisa das diferenças de poder simbólico entre nós e os outros, diminuindo o poder destes últimos com relação aos primeiros. Nesses casos, a alterização resulta em um processo de legitimação das hierarquias sociais no campo simbólico que permeia e constitui cada cultura (cf. Bourdieu, 1989, p. 9-12). Dito de outro modo, os processos de alterização que levam à marginalização ou exclusão do outro implicam diferenças de poder entre o grupo hegemônico e os respectivos outros que surgem dentro do marco de referência simbólico, assim como outorgam o espaço próprio para cada grupo ou coletivo dentro das hierarquias que estruturam cada sociedade. Nesse sentido - e esta será aqui a nossa perspectiva de análise, considerando a relação desses processos com a biologia humana e o complexo das ciências biomédicas -, os processos de alterização podem contribuir para a exclusão, a marginalização e a subordinação do outro no quadro simbólico das hierarquias entre os diferentes grupos biossociais (cf. Hacking, 2006; Rabinow, 1996). Esses processos de violência simbólica (cf. Bourdieu, 1989, p. 11-2; 2002; Bourdieu & Passeron, 2001, p. 15-85) podem, por sua vez, legitimar a violência real dos sistemas biopolíticos de dominação contemporâneos (cf. Foucault, 1978, p. 139).

A título de exemplo, pensemos no caso do racismo instituído como "situação cultural" herdada do passado colonial na América Latina (cf. Fanon, 2008, p. 135). As redes simbólicas, que sustentam a violência estrutural das sociedades racistas e coloniais denunciadas por Fanon, estabelecem de forma inequívoca o lugar que o branco e o negro devem ocupar nas hierarquias;

em outras palavras, há uma constelação de dados, uma série de proposições que, lenta e sutilmente, graças às obras literárias, aos jornais, à educação, aos livros escolares, aos cartazes, ao cinema, ao rádio, penetram no indivíduo, constituindo a visão do mundo da coletividade à qual ele pertence (Fanon, 2008, p. 135).

O que aqui nos interessa é a relação dos discursos e das práticas das ciências biomédicas com essas redes simbólicas que legitimam a exclusão dos outros. Por exemplo - e para não abandonar o caso do racismo como paradigma de alterização conducente à exclusão do outro -, pensemos no caso das teorias raciais poligenistas desenvolvidas pela biologia humana ocidental, que tiveram uma ampla aceitação científica entre os séculos XVIII e XX. O poligenismo defendia a tese de que o caucasiano era uma espécie humana diferente do resto das raças, tão distinta delas quanto o lobo (Canis lupus, L.) é distinto do cachorro (Canis familiaris, L), ou o cavalo (Equus caballus, L.), do jumento (Equus asinus, L.). Assim, para a antropologia poligenista, os "outros raciais" - definidos por ela mesma em termos científicos aparentemente neutros e objetivos - deixaram de ser percebidos como autênticos sujeitos humanos para constituírem-se, no campo simbólico da ciência ocidental, como simples objetos de pesquisa, similares, desde a perspectiva poligenista, ao resto das espécies animais não humanas (ou, no mínimo, não tão humanas quanto os europeus). Partindo da premissa poligenista da essencial desigualdade zoológica, moral e intelectual das raças não caucasianas em relação à pretendida espécie superior constituída pelo Homo europeaus, boa parte da biologia humana dos séculos xviii e xix conseguiu exercer um grau enorme de violência simbólica, que refletia, legitimava e reforçava os sistemas de dominação racial contemporâneos, como o escravismo ou o imperialismo colonial.

O exemplo pode servir para compreender que os fatores que influem nas relações entre os processos simbólicos de alterização conducentes à marginalização e exclusão, de um lado, e os discursos e as práticas científicas, de outro, aparecem inseridos em uma matriz complexa de relações simbólicas profundamente influenciadas por forças ou tendências históricas, sócio-econômicas, políticas e ideológicas, quase nunca explicitadas nos discursos científico-naturais. Assim, os processos de alterização que conduzem à inferiorização ou exclusão de determinados grupos humanos podem atuar tacitamente, permeando os discursos e as práticas científicas mesmo quando os fatores ideológicos que sustentam esses processos não são facilmente discerníveis pelos próprios cientistas, especialistas, ou demais atores implicados (cf. Browne, 2007).

Mas, de uma perspectiva situada no plano das ciências contemporâneas, quais grupos humanos seriam esses outros marginalizados ou excluídos na atualidade? Quais seriam hoje as normas, o ponto zero, o modelo padrão (standard), a partir do qual nos diferenciamos dos outros? Como se delimitam cientificamente as fronteiras que distinguem a normalidade da anormalidade, do patológico, que colocam de um lado os estados naturais desejáveis, de outro, os indesejáveis? E como se decide quem fica por cima e por baixo dessas linhas, ou dentro e fora? Que metodologias científicas criam e reproduzem as diferenças contemporâneas? Como e quem fabrica os nossos próprios outros? Sem dúvida, são questões que exigem uma resposta complexa. De qualquer modo, neste universo variável de limites impermanentes, em contínua metamorfose, as fronteiras identitárias com o outro nunca são só físicas, nem só tecnológicas, econômicas ou políticas; essas fronteiras são, antes de qualquer coisa, e fundamentalmente, fronteiras simbólicas. Nesse sentido, cabe ressaltar que atualmente, assim como no passado, nós, membros da comunidade científica contemporânea, continuamos criando signos e símbolos identitários, rótulos, etiquetas e categorias simbólicas de todas as classes para proceder à identificação e, em certas ocasiões, à exclusão de novos outros. Continuamos inventando razões e discursos, por vezes, com a mais séria aparência científica, para poder considerar a esses "outros" como essencialmente diferentes de nós. Em alguns casos, seguimos utilizando as categorias científicas como "razões da alteridade" para marginalizar, estigmatizar e legitimar ações que afetam especialmente determinados grupos sociais, os quais ficam expostos a situações de vulnerabilidade ou de exclusão social.

As formas desses novos outros e as características das próprias relações sociais, por meio das quais eles são rotulados como pertencentes a determinada categoria ou classe identitária, são mediadas e condicionadas pelas categorias conceituais segundo as quais pensamos as diferenças. Em muitas ocasiões, como nos processos de alterização científica que serão aqui nosso objeto de análise, as categorias classificatórias dos grupos humanos são dadas nos discursos e nas teorias dominantes em cada período e cultura. Entre as categorias com que pensamos a nós mesmos e aos outros nas sociedades ocidentais, aquelas propiciadas pela ciência têm desempenhado um papel importante em muitos contextos sociais durante os últimos séculos. Nesse sentido, os discursos e as teorias científicas têm delimitado algumas das fronteiras da alteridade mais marcantes da história recente, transformando-se em instrumentos de dominação biopolítica decisivos no suporte de ideologias como o racismo, o sexismo, o pensamento eugênico etc.

Mas, para entender como as ciências podem participar na definição das fronteiras da alteridade, não podemos limitar-nos a investigar simplesmente as categorias conceituais presentes nos discursos e teorias científicas. Muitos desses processos de alterização mediados pelas ciências são demarcados a partir da circulação de novos dispositivos tecnológicos e de novos circuitos sociais associados a novas tecnologias ligadas à pesquisa científica. Nesse sentido, falamos aqui de processos de alterização tecnocientíficos, para indicar que a ciência básica e as tecnologias aplicadas funcionam em uma relação dialética em que ambas constituem, ao mesmo tempo, tanto as condições de produção quanto o resultado uma da outra (cf. Lacey, 2012). Assim, o âmbito tecnológico mostra-se, ao longo dos últimos três séculos, um importante campo de produção simbólica dos outros, cuja diferença fica estabelecida por causas naturais ou como resultado de processos técnicos. No campo da biologia humana e da biomedicina, por exemplo, não é difícil encontrar exemplos históricos de dispositivos tecnocientíficos que, colocados em funcionamento dentro das engrenagens da maquinaria social, serviram para definir e excluir as diferentes formas de outros nas sociedades ocidentais. É o caso das políticas públicas eugênicas desenvolvidas por numerosos estados ocidentais, até alcançar o século XXI. Negros, indígenas, ciganos, mulheres, homossexuais etc., cada um desses grupos humanos tem sido alterizado com as categorias ou com o instrumental mais confiável da ciência ocidental, em diferentes períodos históricos. Assim, a história recente da biologia humana, da antropologia física e da biomedicina são extraordinariamente ricas em exemplos de desenvolvimento de dispositivos de alterização inovadores, os quais têm funcionado durante décadas e inclusive séculos (como no caso do racismo científico, por exemplo, apoiado por todo o instrumental antropométrico) como ferramentas tecnocientíficas de dominação biopolítica. Nesse sentido, se o outro é sempre susceptível de padecer de diferentes formas de exclusão social e privação de poder (cf. Grove & Zwi, 2006), na contemporaneidade, isso acontece muitas vezes como resultado de processos sustentados e legitimados por discursos científicos ou pelos circuitos socioeconômicos de reprodução das tecnologias ligadas às práticas científicas.

Nas páginas que seguem, focaremos nossa análise em uma parcela reduzida do complexo tecnocientífico contemporâneo, a saber, o campo da definição tecnocientífica das categorias classificatórias de grupos humanos em função da sua natureza ou constituição natural, assim como pelo seu estado de saúde. Limitaremos a análise, por meio de alguns exemplos, à importância que os processos tecnocientíficos de alterização, tal como foram definidos aqui, adquiriram nas ciências biológicas, na biologia humana, na antropologia física, na medicina, na epidemiologia, na farmacologia e na assistência sanitária. Alguns dos dispositivos tecnocientíficos de alterização que surgiram em diferentes momentos da história desses campos acadêmicos (aos quais aqui nos referiremos de forma geral como "tecnociências biomédicas", incluindo dentro do complexo a biologia humana) têm sido utilizados como instrumentos para legitimar e criar novas formas simbólicas de marginalização e exclusão de diferentes tipos de outros na história recente. Os exemplos dos quais trataremos aqui fazem referência a diferentes tentativas de legitimar sistemas de dominação de gênero, de raça ou de classe social por meio de discursos e práticas tecnocientíficas, organizando e identificando os grupos dominantes e dominados em função de categorias pretensamente naturais, ou como resultado de atividades tecnocientíficas pretensamente neutras, cuja cientificidade ou caráter técnico oculta sua dimensão ideológica no terreno histórico dos sistemas de dominação social.

1 OS OUTROS NA HISTÓRIA DA BIOLOGIA HUMANA E DA BIOMEDICINA

A produção de fronteiras e hierarquias simbólicas entre nós e os outros como resultado de discursos científicos (normais/anormais; aptos/não aptos; eugênicos/disgênicos, sãos/insanos, primitivos/evoluídos, heterossexuais/homossexuais; homens/mulheres etc.) tem sido um dos eixos na constituição do que Michel Foucault denominou "bio-tecno-poder", para referir-se à prática dos estados modernos de explorar numerosas técnicas para subjugar os corpos e controlar a população, "fazendo do conhecimento-poder um agente de transformação da vida humana" (Foucault, 1978, p. 139). As tecnociências biomédicas têm sido especialmente férteis nessa produção simbólica de outros, nas suas diferentes tentativas, ao longo dos séculos, de oferecer uma delimitação científica do significado de natureza, de normalidade e do que constitui a saúde física e mental da espécie humana. Certamente, nos tempos atuais ninguém esperaria, por exemplo, que um cientista respeitado sugerisse ou promovesse a exibição de indígenas em um zoológico, com o fim de mostrar suas semelhanças e diferenças evolutivas em relação a outras espécies de primatas. Mas algo parecido aconteceu regularmente na história de muitos países ocidentais durante décadas (cf. Sánchez-Arteaga & El-Hani, 2010). Por exemplo, esse foi o caso do pigmeu Ota Benga, levado em 1906 ao zoológico do Bronx, em Nova York, para ser ali exposto com esse intuito junto a um símio, por sugestão direta do curador do American Museum of Natural History, Henry Bumpus (cf. Saaman, 2013, p. 451). Durante a segunda metade do século XIX e ao menos até findarem as três primeiras décadas do século XX, esse tipo de popularização do saber científico, por meio de exposições antropológicas de nativos, constituiu uma prática comum na difusão das novas teorias da antropologia física. Para alguns dos melhores biólogos humanos do período, muitos dos grupos étnicos que povoavam o planeta não podiam ser considerados como humanos com propriedade, isto é, de acordo com uma análise científica rigorosa (cf. Sánchez-Arteaga & El-Hani, 2012, p. 620-1). Para muitos daqueles cientistas, esses nativos podiam ser publicamente expostos em museus ou zoológicos, porque podiam ser descritos cientificamente como criaturas que unicamente contavam com a forma e a aparência física do homem. Foi assim que Ladislau Netto (1882), primeiro diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, descreveu os botocudos brasileiros exibidos na Exposição Antropológica Brazileira, realizada naquele ano na Quinta da Boa Vista (cf. Sánchez-Arteaga & El-Hani, 2010). Tratava-se, segundo Netto, de indivíduos cuja "absoluta privação de uma língua modulativa", capaz de expressar seu pensamento, cujos gestos rudes e "costumes simiescos", revelavam muito do caráter dos animais com os quais conviviam "em completa promiscuidade" (Netto, 1882, p. iii).

Segundo os critérios aceitos pela ciência da época, aquelas pessoas eram radicalmente outros. Consequentemente, a exibição pública de tais indígenas não constituía um problema para muitos cientistas, nem sequer quando esses nativos eram exibidos em zoológicos junto a outros animais, como no mencionado caso do pigmeu Ota Benga. Esta forma de disseminação do saber científico a respeito da natureza humana foi considerada uma prática altamente instrutiva e valorizada por alguns dos melhores especialistas no estudo naturalista de nossa espécie (cf. Sánchez-Arteaga, 2007; Sánchez-Arteaga & El-Hani, 2012). Mas as exibições de nativos no final do século XIX e começo do XX constituem apenas um entre muitos exemplos que poderiam ter sido escolhidos para ilustrar a relevância da alterização - no caso considerado, racial - na história das ciências biomédicas. Resultaria igualmente ilustrativo se tivéssemos escolhido citar outros claros exemplos históricos de marginalização de determinadas comunidades humanas em termos naturalizados, desde uma perspectiva científica; por exemplo, as numerosas tentativas de demonstrar a superioridade intelectual dos homens sobre as mulheres a partir de estudos biomédicos das diferentes configurações do crânio (cf. Sánchez-Arteaga, 2008a), ou a história da eugenia no século XX (cf. Bashford & Levine, 2010). Como é bem sabido, até o final da década de 1940, centenas de milhares de pessoas sofreram, tanto na Europa como em diferentes países das Américas, radicais práticas de marginalização, exclusão e, inclusive, eliminação, seguindo princípios eugênicos. Em muitos países, durante décadas, práticas de marginalização e exclusão extrema foram justificadas com base em uma concepção pretensamente científica acerca do que constituiria a "qualidade genética" da natureza humana, assumindo-se que se podia dar uma definição biológica exata da aptidão ou inaptidão em meio à variabilidade natural dos corpos humanos. Lembremos, por exemplo, o que a própria Constituição Brasileira de 1934 estabelecia, no seu artigo 138. "Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: (...) estimular a educação eugênica" (Brasil, 1934, art. 138). Fora do Brasil, e nos seus casos mais extremos, as práticas de alterização variaram desde a esterilização até a execução direta, como no caso das mais de 250.000 pessoas assassinadas durante o período do Nacional Socialismo na Alemanha, em função de políticas construídas a partir do que era considerado como um conhecimento científico válido, naquelas circunstâncias históricas (cf. Hansen, Janz & Sobsey, 2008).

O que se pretende aqui, ao mencionar tais exemplos históricos de alterização científica, é sugerir que a marginalização de diferentes comunidades humanas em bases supostamente científicas tem sido um fator bastante significativo na história recente das ciências biomédicas. Essas práticas de alterização no passado científico recente tiveram consequências muito dolorosas para numerosas comunidades humanas em numerosos países. Não podemos esquecer esses exemplos históricos de (ab)usos ideológicos das ciências biomédicas, se pretendemos ter um entendimento amplo, profundo e crítico do desenvolvimento do discurso científico sobre a natureza humana (cf. Sánchez-Arteaga, 2008b).

2 PROCESSOS DE ALTERIZAÇÃO, BIOLOGIA HUMANA E BIOMEDICINA NA CONTEMPORANEIDADE

Hoje em dia, fatos como os que acabamos de mencionar seriam considerados radicalmente alheios às práticas científicas contemporâneas e, aparentemente, ninguém poderia proporcionar nenhum tipo de justificativa biomédica para a marginalização social de grupos humanos em função da cor de sua pele, de seu gênero, ou de qualquer tipo de peculiaridade biológica. Tais pretensões seriam automaticamente consideradas anticientíficas. No entanto, poderíamos sentir-nos seguros de que os riscos de alterização (por meio de naturalização de diferenças com importantes componentes sociais) desapareceram completamente da biomedicina de nossos dias? É apropriado não tratar dessas questões na formação dos futuros investigadores e profissionais do campo biomédico? Ou, pelo contrário, deveríamos tomar todas essas questões em alta consideração?

Lembremos, por exemplo, dos comentários polêmicos do prêmio Nobel James Watson (cf. Blue, 2007) a respeito de uma suposta inferioridade intelectual dos africanos, passível de explicação em termos biológicos. Em uma entrevista concedida ao jornal inglês Sunday Times, Watson afirmou que "todas as nossas políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles [dos negros] é igual à nossa, apesar de todos os testes dizerem que não", bem como que "pessoas que já lidaram com empregados negros não acreditam que [a igualdade de inteligência entre as raças] seja verdade". Ele afirmou, além disso que "não há uma boa razão para crer que as capacidades intelectuais de pessoas geograficamente separadas evoluam de maneira idêntica" (cf. Dávila, 2007; Blue, 2007). Contudo, este não seria tão somente um caso isolado e irrelevante entre nossos cientistas, uma desafortunada gafe cometida por uma velha estrela da biologia conhecida há muito por seus comentários controversos? Neste artigo, sustentamos que, embora possivelmente extremo, este não é um caso excepcional ou isolado, mas um exemplo de um uso potencial e, por vezes, concreto das tecnociências biomédicas como fonte de justificativas para a alterização, a marginalização e a exclusão de grupos humanos. Diante disso, interessa-nos particularmente argumentar a favor da pertinência de educar cientistas, médicos e outros produtores e consumidores de tecnologias biomédicas sobre os riscos potenciais de marginalização presentes nos discursos, nas teorias e nas práticas biomédicas contemporâneas. Não se trata de propor um estado ideal em que não haveria qualquer relação entre conhecimento e alterização. Não pensamos que seja possível desvincular totalmente conhecimento de poder, de modo que o conhecimento jamais fosse usado para justificar relações de poder e dominação. Trata-se antes de conceber maneiras de formar indivíduos que, envolvidos com as tecnociências biomédicas, sejam capazes de refletir de modo crítico e informado sobre os vínculos destas com os processos de alterização e, assim, de situar-se de modo mais reflexivo nas teias de poder nas quais suas próprias práticas profissionais estão inseridas.

Comecemos analisando um exemplo famoso no âmbito da biologia humana das últimas décadas. Nos anos 1980, alguns investigadores, entre os quais se destacavam Stephen Jay Gould, Richard Lewontin e Steven Rose, sentiram-se compelidos a distanciarem-se publicamente de algumas das pretendidas conclusões científicas da sociobiologia (cf. Rose et al., 1984), uma disciplina inaugurada pelo trabalho de Wilson, que gozou de enorme sucesso e prestígio acadêmico nos anos 1970 e 1980. A crítica era de natureza puramente ideológica e concernia aos supostos usos inapropriados da ciência com fins políticos por parte dos defensores da sociobiologia. Nas palavras de Rose - coautor, juntamente com Lewontin e Leon J. Kamin, de um influente livro (cf. Rose et al., 1984) -, desde finais dos anos 1970, "o reducionismo da sociobiologia tinha expandido as suas fronteiras até afirmar que a agressividade, a ânsia de possessão, a territorialidade, o racismo e a supremacia dos homens sobre as mulheres estavam todas elas programadas nos genes (...). Segundo Wilson, os fatos da biologia transcendiam os nossos desejos de transformação da ordem capitalista" (Rose & Rose, 1979, p. 332).

De um lado, é preciso reconhecer que, sem dúvida, a sociobiologia revolucionou nossa forma de compreender cientificamente o comportamento animal. Por exemplo, muitas das ideias desenvolvidas por cientistas como William Hamilton, Robert Trivers, John Maynard Smith ou o próprio Edward Wilson, enriqueceram notavelmente nossos discursos sobre a etologia de numerosas espécies, assim como levaram a avanços em relação a alguns dos principais problemas conceituais do pensamento evolutivo de sua época, como aqueles, por exemplo, relacionados ao selecionismo ingênuo de grupos que ainda estava em voga na década de 1970 (cf. Laland & Brown, 2002; Wilson & Wilson, 2007; Wilson, 2012) Porém, essa inegável contribuição da sociobiologia ao evolucionismo e ao pensamento biológico não impediu que a aplicação de seus princípios à explicação do comportamento das sociedades humanas gerasse rapidamente uma das maiores controvérsias científicas da segunda metade do século xx, em relação ao ônus ideológico da biologia humana e, por fim, da ciência em geral. Numerosos pesquisadores proclamaram, então, que a sociobiologia humana não só estava desprovida de rigor científico em muitas de suas asserções relativas ao comportamento social das comunidades humanas, mas também que, juntamente com isso, tendia a oferecer uma justificativa genética para a marginalização social de determinados grupos humanos, contribuindo assim para a perpetuação de desigualdades sociais, justificadas cientificamente em função de supostas diferenças naturais de gênero, orientação sexual e raça (cf. Laland & Brown, 2002).

Com ou sem o conhecimento consciente ou a aquiescência dos sociobiólogos, o potencial da sociobiologia para a legitimação científica de determinadas práticas discriminatórias foi rapidamente sentido. Por exemplo, grupos neonazistas incorporaram aos seus ideários algumas das afirmações sociobiológicas sobre a natureza humana como base científica para defender sua ideologia racial (cf. Rose & Rose, 1979; Dawkins, 1981). Em 1979, a publicação Spearhead, oficialmente ligada de 1867 a 1980 ao partido político de ultradireita National Front, que tem vínculos com células neo-nazistas, publicou um artigo de R. Verrall (1979), um dos principais teóricos dessa formação política. Neste artigo, Verrall se apoiava na sociobiologia para defender biologicamente a inevitabilidade das desigualdades raciais e de gênero, que seriam determinadas geneticamente, condenando à esterilidade qualquer forma de defesa da igualdade entre brancos e negros, assim como a luta feminista contra o patriarcado (cf. Rose & Rose, 1979, p. 332-3).

Além da sociobiologia, há outros exemplos contemporâneos, ainda mais recentes, que podem levar a concluir que há uma potencialidade para a legitimação de discursos e práticas de alterização dentro da biomedicina do século XXI. Os processos de alterização têm variadas naturezas, podendo decorrer, por exemplo, de barreiras culturais, econômicas ou geográficas que acarretem menor acesso de uma determinada etnia, por exemplo, a serviços de saúde. Nesse sentido, é importante ressaltar a relação entre alguns dos mais importantes determinantes sociais das doenças e os processos sociais de alterização que aqui consideramos. Além de constituírem-se como fatores decisivos nos processos de alterização, o gênero, a renda, a classe social e a etnicidade, por exemplo, podem ser considerados determinantes sociais do estado de saúde de um indivíduo, ou seja, representar causas originárias que aumentam sua vulnerabilidade às doenças (cf. OMS, 2008; Lynam & Cowley, 2007). Na biomedicina contemporânea, persiste um acesso desigual à assistência médica ou farmacológica entre os diferentes grupos humanos que podem ser classificados atendendo a essas categorias (cf. Kitchin, 1998; Flowers, 2001; Kang et al., 2003; Phillips & Drevdahl, 2003; Johnson et al., 2004; Grove & Zwi, 2006). A marginalização relativa desses grupos implica menores redes sociais de proteção, menor autoestima do indivíduo, menores chances de obtenção de trabalho e menores salários.

Isso reforça a importância do tratamento de questões relativas à alterização e suas implicações sociopolíticas na formação de profissionais biomédicos. Apesar de toda nossa preocupação contemporânea com o igualitarismo e os abusos de poder, isso não implica que, na prática, tenham sido superadas as barreiras da injustiça ou da desigualdade quanto às possibilidades de acesso social ao conhecimento ou a determinadas tecnologias biomédicas. Pelo contrário, parece que determinadas configurações emergentes nos discursos e nas práticas biomédicas modernas exercem seus efeitos em novos contextos sociais particulares, nos quais proliferam novas formas de desigualdade (cf. McConaghy, 2000). Por exemplo, pode-se encontrar na literatura recente numerosos trabalhos a respeito dos efeitos da exclusão social, alterização e racialização na assistência sanitária (cf. Kitchin, 1998; Flowers, 2001; Kang et al., 2003; Phillips & Drevdahl, 2003; Johnson et al., 2004; Grove & Zwi, 2006). Alguns desses estudos mostram que a saúde média das populações indígenas é notavelmente menor do que os padrões de saúde médios da população em geral dos países onde se encontram, inclusive em países ricos como Canadá, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia (cf. Marmot, 2006). Em todos esses casos, a distância entre os grupos indígenas e o resto da população é substancial. Assim, o fato de ser indígena representa, ao mesmo tempo, um determinante do estado de saúde e um fator de alterização e marginalização ao nível da sociedade e dos serviços sanitários. Na Nova Zelândia, por exemplo, evidenciou-se que, dentro de cada estrato socioeconômico, os maoris apresentam uma mortalidade média muito superior ao das pessoas brancas que pertencem ao mesmo estrato econômico e social (cf. Tobias & Cheung, 2003; Marmot, 2006). Por sua vez, nos Estados Unidos, as populações nativas têm uma expectativa média de vida muito inferior à do resto da população (cf. Bramley et al., 2005). Do mesmo modo, no Canadá, os aborígenes representam o grupo populacional menos saudável do país, com as mulheres nativas suportando um desproporcionado ônus de insalubridade com respeito tanto aos homens de sua mesma etnia, quanto ao resto das mulheres canadenses (cf. Browne, 2007).

Também podemos encontrar desigualdades biomédicas baseadas em concepções de raça e etnicidade no que diz respeito ao acesso a serviços de saúde por imigrantes e refugiados em numerosos países desenvolvidos. Isso pode indicar que tais sistemas de saúde pública mostram-se discriminatórios em decorrência de processos de alterização. Normalmente, tanto imigrantes como refugiados precisam cobrir necessidades sanitárias específicas, dado que, em muitos casos, são submetidos a um elevado risco de exposição a doenças e condições insalubres durante suas viagens até os países que os recebem. No entanto, longe de promover um atendimento específico a essas necessidades especiais, os imigrantes são tratados em muitos sistemas de saúde pública como uma ameaça epidemiológica. Alguns autores destacam que muitos países que recebem fluxos migratórios situam o problema da saúde dessas pessoas precisamente em relação ao risco para o resto da população, decorrente de sua entrada no país (cf. Grove & Zwi, 2006). Certamente, os movimentos migratórios e o encontro entre populações diferentes podem levar ao contato com agentes infecciosos diferentes em populações sem imunidade específica. O que é problemático é o fato de tais discursos parecerem estabelecer em algumas ocasiões uma ligação direta entre imigrantes, de um lado, e epidemia, de outro, conjurando imagens de ameaça associadas aos estrangeiros e alimentando o temor do contágio. Desse modo, podem ser justificadas políticas de isolamento e quarentena que terminam por contribuir, em determinados casos, para uma suposta legitimação científica da detenção e segregação de imigrantes ilegais (cf. Koutroulis, 2003).

Além disso, o crescente desejo dos países ricos ocidentais, em um contexto de crise econômica como o presente, de apresentarem-se como uma opção de residência indesejável para potenciais futuros imigrantes e refugiados está fazendo com que o problema da exclusão em seus sistemas de saúde pública aumente cada vez mais. A generalização de discursos contrários aos direitos da população imigrante de acesso à atenção médica está contribuindo para uma progressiva redução da acessibilidade aos serviços de saúde pública por parte dessas comunidades, o que, contrariamente aos fins desejados, não implica maior proteção sanitária para a população em geral (cf. Grove & Zwi, 2006). E isso tem ocorrido apesar de os imigrantes serem geralmente jovens, sobretudo se imigram por questões econômicas, e apesar da utilização que fazem dos serviços sanitários no país de acolhida ser, em geral, notavelmente inferior ao uso que faz a população em geral (cf. Ku & Bruen, 2013), com exceção de determinados serviços, como urgências e maternidade.

Poder-se-ia argumentar, de um ponto de vista bem contrário àquele que defendemos, que os profissionais da biomedicina pouco ou nada teriam a ver com o que deveria ser considerado uma simples falta de vontade política para criar e aplicar políticas públicas que garantissem um acesso igualitário às tecnologias biomédicas e farmacêuticas, bem como aos serviços de assistência sanitária. No entanto, existem razões para pensar que essa opinião pode não resultar tão bem fundamentada como poderia parecer à primeira vista. Determinados preconceitos étnicos ou raciais permeiam as práticas cotidianas de alguns dos provedores de assistência sanitária, como médicos e enfermeiras, em diferentes contextos sociais. Decerto, tais práticas de alterização entram em contradição com o manifesto compromisso de neutralidade e equidade da maioria dos profissionais da biomedicina. No entanto, preconceitos inadvertidos ou inconscientes podem irromper em situações clínicas rotineiras, trazendo à tona padrões de poder em relação ao gênero, à etnia, ou à posição social dos pacientes. A título de exemplo, um estudo recente mostrou como, dentro de um hospital canadense, determinados preconceitos étnicos com relação às mulheres de grupos nativos do país influenciavam as enfermeiras em sua condução de determinadas práticas médicas pós-operatórias (cf. Browne, 2007). Os pedidos de calmantes pós-operatórios por parte de mulheres indígenas eram ocasionalmente interpretados pelas enfermeiras de modo diferente da interpretação dada a pedidos de pacientes brancas, refletindo claramente determinados preconceitos a respeito da propensão dos nativos para o abuso e dependência de drogas psicoativas. Isso ocorria não obstante o compromisso filosófico com ideais de igualitarismo que regem o sistema de saúde no Canadá. Como Browne discute, várias enfermeiras reconheceram que era difícil para elas não ver as pacientes indígenas como diferentes. Como uma enfermeira explicou, "você tenta não fazer uma distinção, mas às vezes você realmente vê, isto é, a primeira coisa que você vê é que elas são nativas" (Browne, 2007, p. 2170).

De modo similar, os editores da prestigiosa revista The Lancet: Infectious Diseases alertaram recentemente para o efeito potencial de preconceitos étnicos ou raciais de alguns dos responsáveis por programas de assistência médica para enfermos de AIDS na África. Eles faziam referência à perigosa aceitação, por parte desses profissionais, de preconceitos que tendem a atribuir o fracasso de tais programas assistenciais a uma suposta incapacidade das populações africanas para seguir o tratamento, ao menos com a mesma seriedade que os pacientes europeus ou norte-americanos. O editorial advertia que tais noções não podem ser usadas como desculpa para justificar a falta de acesso aos serviços de saúde por essas populações afetadas pela epidemia, em especial em condições como as atuais, nas quais apenas 28% da população mundial afetada pela AIDS recebe medicação e assistência médica (cf. Morris, 2008; Improving, 2008).

Fica claro, então, que devemos considerar a alterização como um importante problema relacionado às tecnociências biomédicas contemporâneas. Ela não é meramente um problema do passado, que teria sido superado pelos avanços da ciência e não teria, pois, qualquer coisa que ver com as tecnociências atuais. Tampouco este problema pode ser tratado como apenas um subproduto secundário, um efeito colateral das tecnociências biomédicas, uma consequência infeliz de um campo de investigações e aplicações tecnológicas neutras, que são apropriadas por sistemas sociopolíticos desiguais e imperfeitos. Ao contrário, esse não parece ser um problema alheio às pesquisas e ao trabalho das tecnociências biomédicas nos dias de hoje.

3 OS OUTROS E A GENÉTICA HUMANA MODERNA

A conscientização, por meio de uma educação científica crítica, sobre o potencial de as modernas tecnociências gerarem processos de alterização resulta pertinente para os estudantes e futuros profissionais de numerosas áreas de investigação biomédica, para além da sociobiologia ou da saúde pública. A genética humana é mais um desses campos que envolve riscos de criação de potenciais outros em bases naturalistas. Com a melhoria das tecnologias de investigação na biologia molecular, desenvolveu-se nos últimos anos o campo da epidemiologia genética, que estuda os determinantes genéticos das doenças e de suas distribuições na população (cf. Burton, Tobin & Hopper, 2005). Nesses estudos, os grupos populacionais são em geral diferenciados segundo a ancestralidade, ou seja, seu background genético, para melhor compreender a predisposição ou vulnerabilidade a diferentes doenças (cf. Cooper, 2003). Isso cria uma verdadeira intersecção entre identidade étnico-racial, genes e saúde. A história da racialização de determinadas doenças inclui, por exemplo, a anemia falciforme, em cujo caso a literatura médica gerou historicamente uma identificação das comunidades afro-americanas (mais afetadas pela doença) com o estigma de corpo doentio, disgênico, inapto ou inferior em relação ao ideal do "corpo caucasiano" (cf. Tapper, 1999). Outro exemplo é o da polêmica mais recente sobre a aprovação do Bidil como remédio exclusivo de hipertensos negros nos Estados Unidos (cf. Duster, 2005). Esses casos mostram que tais interfaces ou zonas de fronteira entre identidade genética e saúde mostram-se muito suscetíveis a processos de alterização, no mínimo controversos. Um artigo recentemente publicado por The Lancet, sobre as relações entre os conceitos raciais contemporâneos, a medicina e a genética moderna, alertava sobre o risco de que os estudos genéticos sejam utilizados exclusivamente em benefício das camadas mais ricas da população mundial, bem como sobre o risco de uso desses dados para fornecer justificativas científicas a determinados discursos preconceituosos sobre o valor intrínseco ou a suposta "aptidão genética" de diferentes tipos humanos (cf. Hardy, 2008). Contudo, essas práticas de marginalização científica sobre supostas bases genéticas não estão limitadas unicamente à racialização ou discriminação em função da etnia.

Pode-se mencionar o caso de que, apesar de as velhas teorias eugênicas terem aparentemente desaparecido dos debates científicos contemporâneos, problemas similares aos colocados com o desenvolvimento dos velhos programas eugênicos estejam aparecendo, sob novas formas, no século XXI. Alguns dos aspectos mais problemáticos da moderna genética humana têm a ver com seu potencial de utilização para legitimar a marginalização e o estigmatizar de determinados grupos humanos, mesmo que tomando como base argumentos cientificistas espúrios. Oferecer uma suposta definição ideal do que seria a aptidão genética humana, bem como trazer à tona determinadas pretensões de atingir uma espécie de otimização genética em função de determinados padrões biológicos ideais, continuam sendo objetivos de numerosos discursos e práticas da moderna genética de reprodução. De outro lado, podem-se estabelecer claros vínculos históricos entre o desenvolvimento das velhas teorias eugênicas e a aparição do moderno aconselhamento genético. Durante a década de 1940, muitos líderes do movimento eugênico impulsionaram o desenvolvimento em todo mundo de uma "nova eugenia", como resultado da rejeição frontal às políticas científicas de matiz racial da Alemanha nazista, as quais se baseavam em princípios eugênicos estabelecidos por cientistas britânicos e norte-americanos. De acordo com alguns autores, nos Estados Unidos, esse processo inaugurou a reformulação da antiga eugenia sob uma nova etiqueta científica, bem mais correta politicamente e, sobretudo, bem mais lucrativa, porque deixava de ser aplicada no âmbito público, passando ao âmbito da iniciativa privada. Esta foi a origem do aconselhamento genético norte-americano (cf. Hansen et al., 2008). Alguns geneticistas proeminentes de nossos dias falam inclusive do possível desenvolvimento de um novo movimento eugênico no século XXI (cf. Hansen et al., 2008). Alguns dos mais influentes autores de bioética contemporâneos, como Allen Buchanan (membro em 1983 da Comissão Presidencial sobre Ética Médica dos Estados Unidos, e membro entre 1996 e 2000 do Conselho Consultivo do Instituto de Investigação do Genoma Humano desse mesmo país), argumentam que as políticas eugênicas do passado não eram inerentemente más, apenas foram aplicadas de uma forma errada e perniciosa (cf. Buchanan et al., 2000; Lynn, 2001). De fato, o próprio Buchanan tem defendido, por exemplo, que não se deveria investir na proteção dos direitos humanos de pessoas com determinadas deficiências físicas ou mentais hereditárias, em contraste com o que sucede com a diversidade étnica, de orientação sexual ou de gênero, ou com outras formas de diversidade humana protegidas por políticas públicas de inclusão social e de direitos humanos.

Há uma diferença fundamental entre as limitações de oportunidades que resultam de ser surdo e aquelas que resultam de ser gay ou afro-americano. As limitações que uma pessoa gay ou negra sofre são injustiças em um sentido que dificilmente admite controvérsia; são formas de discriminação. As pessoas surdas e outras com deficiência certamente também sofrem discriminação, mas elas continuariam tendo poucas oportunidades, mesmo se não houvesse discriminação contra elas. Essa diferença é significativa, porque tem uma implicação importante sobre como devemos considerar os custos de eliminação das limitações em oportunidades que resultam de ser surdo em oposição àquelas que resultam de ser gay ou negro (Buchanan et al., 2000, p. 284).

Na mesma obra, os autores afirmam que

muitas pessoas acreditam que existem algumas deficiências tão graves que tornam a vida algo que não vale a pena viver. E pode ser que algumas das intervenções para evitar as deficiências provenham dessa crença (Buchanan et al., 2000, p. 273).

Caberia perguntar-nos então se não estaríamos aqui diante de uma versão nova de exclusão eugênica, baseada em motivos de diversidade genética. Alguns autores inclusive entendem que poderiam ser estabelecidas claras similitudes entre determinadas formas de argumentar dos velhos discursos eugênicos da Alemanha nazista - por exemplo, em relação aos conceitos de "vida de qualidade", "parasitas inúteis", ou "vidas que não valem a pena ser vividas" etc. -, e algumas das ideias defendidas por influentes profissionais da biomedicina atual em debates a respeito de certas incapacidades hereditárias, nos quais se defende a existência de uma espécie de "escala de valores da vida humana" (Hansen et al., 2008). Alguns autores, sensíveis a tais problemas, alertam que a simples tranquilidade com que se discute na academia sobre a extensão ou não de determinados direitos humanos fundamentais para os portadores de determinadas doenças genéticas resulta, desde uma perspectiva ética, em um verdadeiro insulto para tais pacientes (cf. Hansen et al., 2008).

Muitos pesquisadores acreditam na necessidade de levar em consideração esses aspectos éticos, bem como filosóficos, históricos e políticos, da moderna genética humana, como um assunto altamente relevante para a ciência e a biomedicina moderna (cf. World Medical Association, 2000). Desde essa perspectiva, vários aspectos implícitos nos testes empregados pela epidemiologia molecular, ou das práticas estabelecidas comumente no aconselhamento genético, deveriam responder quanto ao seu potencial para a marginalização de determinadas comunidades. As aplicações práticas da biomedicina contemporânea deveriam ter sempre em conta o risco potencial de favorecer a criação de novos outros em função de sua diversidade genética, bem como de proporcionar uma justificativa científica para novos apartheids biológicos.

Por sua vez, novos outros genéticos poderiam ser marginalizados por causa de um acesso desigual às aplicações sociais das tecnologias genéticas, ou por uma possível discriminação em seleções para empregos ou perante companhias de seguro de saúde (que têm lutado para poder usar dados genéticos), entre outras possibilidades (cf. Leufkens & van Delden, 2005). Essas formas de discriminação por motivos biológicos ou, mais especificamente, genéticos poderiam estender-se também a outras comunidades além das pessoas portadoras de deficiências genéticas. Por exemplo, alguns autores advertem sobre as reiteradas e insistentes tentativas de encontrar bases genéticas e, mais recentemente, epigenéticas (cf. Rice, Friberg & Gavrilets, 2012) para a homossexualidade. Nos anos 1990, causas biológicas que seriam decisivas para o desenvolvimento da homossexualidade foram apresentadas como "descobertas científicas" nos controvertidos trabalhos de LeVay (1991) e de Hamer e colaboradores (1993), mas foram rapidamente questionadas por outros cientistas (cf. Pool, 1993; Rice et al., 1999; Wickelgren, 1999). Alguns autores assinalam que estudos como os de Le Vay ou Hamer poderiam promover a identificação da homossexualidade como uma espécie de doença genética, o que, por sua vez, abriria mercados que renderiam benefícios às companhias ou indivíduos dedicados à cura da homossexualidade.

A suposta existência de bases biológicas determinantes da homossexualidade, embora defendida por cientistas como Wilson (1975), carece até o momento de uma base empírica que a sustente de modo adequado e suficiente (cf. Rose et al., 1984; Laland & Brown, 2002). Contudo, isso não elimina a potencialidade para a marginalização da comunidade homossexual que decorre do interesse por tais bases biológicas. De fato, como destaca Flowers (2001), a marginalização biomédica dos homossexuais constitui um dos mais claros exemplos de alterização na história da biomedicina contemporânea. Nos primeiros estudos sobre a expansão da epidemia da AIDS nos Estados Unidos (cf. Auerbach et al., 1984), tendeu-se a responsabilizar exclusivamente os homossexuais como causadores da tragédia, em decorrência de suas práticas sexuais, o que reforçou a marginalização coletiva dos gays. Culpabilizar inicialmente a comunidade gay pela emergência da epidemia da AIDS teria sido um instrumento político esgrimido para afastar do público em geral a preocupação sobre a epidemia, bem como para facilitar a gestão dos riscos dentro dessa nova comunidade de outros biomédicos. Desde o momento em que se responsabilizou a comunidade gay como causadora da emergência da epidemia, dado que permitiu a associação da AIDS com o fato de ser gay, essa comunidade deixou de ser considerada como exposta a um risco, para passar a considerar-se a si mesma como um risco para a população (cf. Flowers, 2001). Essa transferência de uma posição "de risco" até a posição de constituir "um risco" lembra-nos o já mencionado caso dos imigrantes e refugiados excluídos dos sistemas de saúde pública em alguns países desenvolvidos (cf. Grove & Zwi, 2006).

4 GÊNERO E ALTERIZAÇÃO NA BIOLOGIA HUMANA E NA BIOMEDICINA

A análise da potencialidade para gerar processos de alterização nas tecnociências biomédicas pode ser também estendida às questões de gênero e ao estudo da dominação masculina (cf. Bourdieu, 2002) nas sociedades contemporâneas. Poderia resultar óbvio afirmar que a biologia contemporânea liberou-se completamente das velhas pretensões científicas em relação a uma absoluta superioridade intelectual dos homens sobre as mulheres. Essas são ideias contra as quais lutaram, desde a academia e desde a ciência, cientistas pioneiras como Antoinette Blackwell (1875), Clémence Royer (1870) e muitas outras mulheres em séculos passados. Porém, ainda hoje podem encontrar-se numerosos debates controvertidos sobre a marginalização científica das mulheres em alguns discursos e práticas biomédicas contemporâneas. Por exemplo, podemos recordar que, apenas alguns anos atrás, Edward Wilson afirmou que, entre as características que definem o que poderia considerar-se aproximadamente como "a natureza humana", deveria incluir-se um "domínio masculino universal" (Wilson, 1980, p. 183). Nessa mesma obra, Wilson defendia que, em determinadas sociedades, o costume do infanticídio feminino, ou a transmissão de maior riqueza aos filhos do que às filhas, poderiam estar baseados, ao menos parcialmente, em causas biológicas (cf. Wilson, 1980, p. 66).

Em resposta, numerosas pesquisadoras do campo da primatologia e da biologia evolucionista, longe de aceitar essa naturalização da dominação masculina nas sociedades humanas, insistem em que historicamente existiu sempre uma subestimação do papel cumprido pelas mulheres, tanto nos estudos sobre o comportamento de nossa espécie como no que concerne à evolução humana (cf. Fedigan, 1986; Haraway, 1989; 1991; Hubbard, 1979; Landau, 1991; Querol, 2001). Tais autoras alegam que a suposta passividade feminina tem sido artificialmente naturalizada de várias formas, introduzindo-se em numerosos debates contemporâneos sobre a biologia de nossa espécie. Importantes primatologistas das últimas décadas, como Sarah Hrdy mostraram, pelo contrário, que as mulheres e, em geral, as fêmeas primatas exercem um papel enormemente ativo e influente nas dinâmicas das sociedades primatas (cf. Hrdy, 1981, 1999), enfrentando, assim, a visão predominante na qual as fêmeas aparecem como indivíduos social e sexualmente passivos dentro dos grupos dominados por machos. De um modo parecido, a antropóloga e pré-historiadora espanhola María Ángeles Querol argumenta, depois de uma extensa análise do papel outorgado à mulher na evolução humana ao longo da história, que os textos educativos sobre evolução humana sistematicamente relegam a mulher a um obscuro segundo plano, se compararmos seu papel na evolução com aquele outorgado aos homens. Segundo Querol, ao longo da história da biologia evolutiva humana, os homens têm sido caracterizados sistematicamente como os principais agentes evolutivos no processo da hominização, como caçadores, líderes sociais e experientes no manejo das tecnologias (cf. Querol, 2001). Ignora-se, assim, que a invenção da agricultura parece ter origem nas mulheres de nossa espécie e, em termos mais gerais, que a invenção de ferramentas nas sociedades primatas é usualmente um feito das fêmeas.

A marginalização das mulheres por parte da biomedicina poderia ter consequências bem mais práticas e trágicas em outras áreas científicas, tais como a epidemiologia. De acordo com alguns autores (cf. Lewis, 2005; Marmot, 2006), não se pode esperar sucesso nos programas de saúde que combatem a AIDS na África sem ter em conta a situação particular das mulheres nesse continente, onde, em muitos casos, encontram-se especialmente vulneráveis ao estupro e à violência sexual, ao casamento forçado e prematuro, à falta absoluta de acesso à educação, à privação de poder econômico, bem como de direitos para possuir ou herdar legalmente terra ou propriedades. De acordo com esses autores, os programas para o combate da AIDS na África deveriam ter em conta todos esses fatores, ao menos na mesma proporção em que são considerados os fatores puramente médicos ou tecnobiológicos na batalha contra a epidemia (cf. Lewis, 2005; Marmot, 2006). Esses aspectos não deveriam ser considerados tão somente como objetivos desde um ponto de vista ético, mas como genuínos componentes de qualquer sistema de atendimento sanitário nas referidas comunidades africanas. Segundo esses autores, qualquer programa epidemiológico contra a AIDS na África que ignore tais aspectos do problema tem poucas ou nulas possibilidades de sucesso (cf. Marmot, 2006).

5 PROCESSOS DE ALTERIZAÇÃO, BIOMEDICINA E CLASSE SOCIAL

Por último, podemos estender a análise da potencialidade da biomedicina para a alterização de determinados grupos humanos até uma perspectiva puramente socioeconômica. Atualmente, mais de um bilhão de pessoas - aproximadamente, um sexto da população mundial - sofre as consequências das chamadas "doenças negligenciadas". No entanto, o financiamento para a investigação sobre essas doenças é relativamente reduzido, em comparação com as doenças que atingem as camadas mais abastadas da sociedade, pela simples razão de que as pessoas afetadas por elas pertencem, sobretudo, às populações mais empobrecidas ou marginalizadas do planeta. Consequentemente, os benefícios que as grandes companhias farmacêuticas poderiam esperar de seus investimentos nessas doenças são bastante limitados (cf. O'Connell, 2007). Por sua vez, existe um grupo mais amplo de doenças ligadas à pobreza, que recebem um financiamento em termos de pesquisa consideravelmente inferior às doenças ligadas à opulência e ao estilo de vida ocidental. Essa situação é conhecida como "10/90 gap", ou seja, 10% da pesquisa em saúde é direcionada às doenças que são responsáveis por 90% da carga total de doenças no mundo (cf. Stevens, 2004) e, consequentemente, 90% dos recursos são destinados a doenças que respondem por uma carga total de 10%. Embora essa situação possa ser explicada, em grande parte, como uma simples decorrência de uma economia de mercado, talvez valha a pena considerar, desde a educação e a formação científica, a responsabilidade da comunidade científica com relação a essa injusta realidade. Nesse sentido, periódicos como Nature têm publicado trabalhos nos quais se responsabilizam as universidades por não se associarem a companhias farmacêuticas não tradicionais, bem como pela sua relutância em apoiar pesquisas das quais não possam derivar patentes e licenças que gerem benefícios econômicos (cf. Chokshi, 2005). Autores como Chosky (2005) e O'Connel (2007) apontam para uma direta responsabilidade da comunidade de pesquisadores das ciências biomédicas em relação à tragédia que hoje em dia constituem essas doenças negligenciadas. Segundo esses autores, o problema somente é piorado por uma cultura acadêmica que valoriza e recompensa tão somente as publicações de alto impacto e a criação de riqueza através de direitos comerciais, em detrimento da busca por contribuir para todas as populações humanas e, em especial, para aquelas mais necessitadas (cf. O'Connell, 2007).

Nos inícios do desenvolvimento da saúde pública estatal, no século XVIII, a influência do meio ambiente e do meio social era considerada como um elemento chave na análise dos processos patológicos das populações (cf. Menéndez, 2000). Depois de um longo período de controvérsias, a aceitação geral das causas microbianas das doenças infecciosas, no final do século XIX, e o subsequente desenvolvimento formidável da indústria farmacêutica privada foram debilitando progressivamente a ideia da medicina ou da epidemiologia como ciências eminentemente sociais, reforçando dessa maneira a concepção biomédica moderna, caracterizada pelo peso outorgado às análises e soluções técnicas de tipo biológico, eliminando-se ou negligenciando-se os fatores socioculturais, históricos, econômicos ou políticos dos processos de saúde/doença/atendimento (cf. Menéndez, 2000). Se considerarmos as desigualdades sociais no acesso ao conhecimento biomédico, bem como as aplicações tecnológicas da biomedicina contemporânea (incluindo fármacos e assistência médica), não se pode negar que atualmente se dá uma exclusão radical dos grupos sociais mais pobres em todo o mundo. Como é bem sabido, existem na atualidade imensas distâncias no que se refere à susceptibilidade de contrair doenças, ao acesso a tecnologias médicas seguras e eficazes, bem como a fármacos e serviços de saúde, entre as distintas camadas sociais (cf. World Medical Association, 2000; Leufkens & van Delden, 2005). De modo similar, nos países ricos, a taxa de mortalidade é substancialmente mais elevada entre as camadas mais pobres da sociedade (cf. Marmot, 2006).

Podemos, talvez, sentir-nos confiantes de que jamais ocorrerá, nos nossos tempos, a exibição de um nativo africano no zoológico público de uma grande cidade, como sucedeu com Ota Benga, em Nova Iorque, no início do século XX. No entanto, ainda hoje em dia, os pobres - majoritariamente negros em muitas cidades norte-americanas - continuam sendo alterizados e marginalizados, assim como em muitos outros países, em função de um acesso desigual à medicina e à assistência médica, o que causa enormes diferenças em saúde e mortalidade entre a população negra e o restante da população. Em uma cidade como Washington, por exemplo, existe uma diferença de 20 anos de espectativa de vida entre os bairros ricos, onde moram quase exclusivamente brancos, e os bairros negros a uma distância de uma estação de metrô apenas (cf. Murray et al., 1998; Marmot, 2006). Os processos econômicos e políticos continuam sendo hoje em dia determinantes principais da distribuição dos indicadores de saúde no mundo e, como tais, a medicina não pode ignorá-los (cf. Coburn, 2000; Navarro & Shi, 2001). Nesse sentido, não podemos deixar de mencionar que os processos de alterização podem chegar a ter uma conotação mais positiva, pelo menos do ponto de vista pragmático, quando grupos populacionais considerados como mais em risco de contrair determinadas doenças - muitas vezes, as camadas mais pobres da população - são priorizados como alvo exclusivo de algumas intervenções de saúde pública. Pode-se fazer um uso político, então, da alterização para a proposição de ações que não somente melhorem suas condições de vida, mas reduzam as desigualdades em saúde na população (cf. Gwatkin, 2000; Rasella et al., 2013). Esses esforços de redução das desigualdades sociais ou sanitárias têm crescido nos últimos anos, mas muito tem de ser ainda feito para chegar-se a uma situação mais igualitária (cf. OMS, 2008). Esse uso, por assim dizer, positivo da alterização não deve implicar, todavia, que ela escape ao crivo crítico, que é continuamente necessário para que a construção de identidade de determinados grupos não leve necessariamente à discriminação e à subjugação daqueles entendidos como outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando em conta os diversos processos de alterização operantes nos discursos e nas práticas das tecnociências biomédicas em sua história recente, discutidos ao longo deste artigo, é proveitoso promover, na formação de cientistas e outros atores sociais envolvidos com as tecnociências biomédicas, uma análise crítica da potencialidade da biologia humana e da biomedicina contemporâneas para a alterização de determinadas comunidades humanas. Estudantes e profissionais envolvidos com a biologia humana e a biomedicina necessitam de uma formação científica crítica e sensível a esses problemas (cf. Sánchez-Arteaga, Sepúlveda & El-Hani, 2013). Isso supõe proporcionar ferramentas analíticas para enfrentar criticamente essas questões no exercício de suas atividades cotidianas. Tanto o estudo da história das justificativas científicas da alterização, marginalização e subjugação de grupos e indivíduos humanos no passado, como o uso de outras aproximações filosóficas, antropológicas ou sociológicas ao problema da alterização podem ter papel importante na formação de estudantes, pesquisadores e outros profissionais nessas áreas. A reflexão sobre os riscos potenciais da alterização tecnocientífica é particularmente importante em determinadas áreas das tecnociências biomédicas contemporâneas, como as ciências do comportamento, a genética humana, a medicina, a psicologia, a farmacologia e a investigação em saúde pública. Em todas essas disciplinas e campos profissionais, a potencialidade para a criação de fronteiras excludentes de diferentes grupos humanos resulta, como temos tentado mostrar neste artigo, particularmente significativa.

Agradecimentos

Juanma Sánchez-Arteaga agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (proc. nº DCR0008/2013). Charbel El-Hani foi apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (proc. n. PNX 0016_2009 e proc. n. 301259/2010-0). Os autores agradecem a Renata Souza pela revisão do texto e aos revisores de Scientiae Studia pelas várias sugestões e comentários que levaram ao aprimoramento do artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Sep 2015
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