Open-access EM BUSCA DE UM LUGAR: DUAS FONTES POUCO EXPLORADAS DA HISTÓRIA DAS ARTISTAS MULHERES

SEARCHING FOR A PLACE: TWO LITTLE EXPLORED SOURCES OF THE HISTORY OF WOMEN ARTISTS

EN BUSCA DE UN LUGAR: DOS FUENTES POCO ABORDADAS DE LA HISTORIA DE LAS MUJERES ARTISTAS

RESUMO

Uma leitura atenta de Women Artists in all Ages and Countries (1859) e English Female Artists (1876) demonstra que Elizabeth Ellet e Ellen Clayton não se limitam a endossar categorias patriarcais sobre a produção artística feminina. Ao contrário, suas compilações biográficas problematizam algumas temáticas gerais, tais como condições de vida e de educação, existência de um estilo “feminino”, dentre outras. O panorama que tais obras oferecem é bem variado e contribui para trazer à luz muitos nomes pouco conhecidos e para celebrar o papel das mulheres na história da arte.

Elizabeth Ellet; Ellen Clayton; Biografias; Época vitoriana; Artistas mulheres

ABSTRACT

An accurate reading of Women Artists in all Ages and Countries (1859) and English Female Artists (1876) shows that Elizabeth Ellet and Ellen Clayton don’t restrict themselves to endorse patriarchal categories about female artistic production. On the contrary, their biographical compilations problematize some general issues, such as women’s life conditions and education, the existence of a “feminine” style, among others. The broad view offered by both books is very variegated and contributes to bring to light many names almost unknown and celebrate the role of women in the History of Art.

Elizabeth Ellet; Ellen Clayton; Biographies; Victorian Era; Women Artists

RESUMEN

Una lectura atenta de Women Artists in all Ages and Countries (1859) y English Female Artists (1876) muestra que Elizabeth Ellet y Ellen Clayton no se limitan a endosar categorías patriarcales a respecto de la producción artística femenina. Al contrario, sus compilaciones biográficas cuestionan algunos temas generales, tales como condiciones de vida y de educación de las mujeres, la existencia de un estilo “femenino”, entre otros. El panorama que tales obras ofrecen es muy variado y contribuye para sacar a la luz muchos nombres poco conocidos y para celebrar el rol de las mujeres en la historia del arte.

Elizabeth Ellet; Ellen Clayton; Biografías; Época vitoriana; Artistas mujeres

Num artigo publicado em janeiro de 1897, Henry James (1843-1916) cria uma associação estranha entre o estilo de George Frederic Watts (1817-1904) e a possibilidade de uma prática pictórica por parte das mulheres:

As suas composições, as suas alegorias e fantasias não são para mim; creio que são interessantes sobretudo como memento vivo de que na obra de arte nada pode substituir a representação de um quadro, nada pode substituir a pintura. A imaginação do senhor Watts dá a impressão de ser produtiva na exata medida da concretude do tema. Não há nada de mais concreto do que uma mulher fascinante ou um homem distinto; e são logo estes os casos em que, com os pés bem plantados no chão, ele se entregou, de maneira muito feliz, àquela emoção pictórica que foi sua nota característica, um caminho que o levou diretamente ao estilo. O estilo, para ele, foi a capacidade de sentir – e sentir como sente um poeta ou uma mulher – com admiração e respeito – o indivíduo interessante. Se as mulheres pintassem, suponho que pintariam exatamente como o senhor Watts. ( JAMES, 1993 , pp. 287-288)1

James sabia muito bem que as mulheres não só podiam pintar, como pintavam, tendo mencionado duas delas num artigo de julho de 1875: a aquarelista norte-americana Fidelia Bridges (1834-1923), especializada em temas naturais – flores, plantas e pássaros –, e a pintora pré-rafaelita inglesa Marie Spartali Stillman (1844-1927). Ao contrário do que afirmará em 1897, o escritor havia detectado elementos intelectuais nas produções das duas artistas. A obra da primeira tinha sido definida “refinada e intelectual, mas também limitada e monótona”. Colocada sob a égide de Edward Burne-Jones (1833-1898) e Dante Gabriel Rossetti (1828-1882), a segunda tinha recebido uma apreciação mais alentada, já que James apontava em seus quadros qualidades requintadas, apesar de “certas hesitações amadorísticas na execução”. Colorista “verdadeiramente profunda”, distinguia-se por “um fascínio intelectual: aquilo que, quando existe, parece sempre mais precioso do que outras qualidades, levando-nos a dizer, com efeito, que é o único elemento de uma obra de arte capaz de ser avaliado até o fim”. Herdeira, por uma “relação natural”, das tradições e do temperamento dos primeiros pré-rafaelitas, a senhora Spartali Stillman era finalmente considerada “uma pré-rafaelita espontânea, sincera e ingênua” (Ibidem, pp. 113-114).

Essa atitude errática, que leva o escritor a estabelecer critérios contrastantes para avaliar a produção artística feminina, nada mais faz do que realçar os obstáculos ainda enfrentados pelas artistas num momento em que sua presença no mercado de arte era cada vez maior e sua contribuição estava ganhando um recorte particular, centrado na especificidade de gênero. É, com efeito, na segunda metade do século XIX que a produção feminina passa a ser analisada como uma realidade à parte, fenômeno reportado por Patricia Mayayo à doutrina vitoriana das esferas separadas. A autora lembra que os textos específicos, cuja publicação se iniciava nesse momento, têm como elemento comum a caracterização das artistas mulheres como “um grupo homogêneo em virtude de seu sexo e radicalmente separado do universo dos criadores masculinos”. Surge, assim, o conceito de uma “arte feminina”, dotada de qualidades específicas como delicadeza e amadorismo, limitada à esfera doméstica e, por isso mesmo, diferente do “exercício público da ‘Arte’ com maiúscula, reservada ao sexo masculino” (MAYAYO, 2020, pp. 40-41).

A leitura de duas destas obras, significativamente escritas por mulheres, permitirá demonstrar que a questão é bem mais complexa e dialética do que faria supor o juízo taxativo de Mayayo. Embora diferentes em abrangência temporal e territorial, os livros Women Artists in all Ages and Countries (1859), de Elizabeth Ellet (1818-1877), e English Female Artists (1876), de Ellen Clayton (1834-1900), tomam a si a tarefa de reunir um vasto grupo de criadoras com o objetivo declarado de “mostrar o que a mulher faz em condições favoráveis ou desfavoráveis a suas realizações”. Ellet não tinha dúvidas de que, se fossem deixadas de lado a erudição e “frágeis indagações”, seria possível aprender muito com um panorama “das lutas e tentativas, da diligência persistente e dos sucessos merecidos das [mulheres] talentosas” (ELLET, 1859, p. VII). Clayton, por sua vez, acreditava que as artistas inglesas tinham deixado “pegadas fracamente impressas na areia do tempo”, não tendo alcançado o mesmo brilho de “suas irmãs de pena ou de palco”. E é justamente essa falta que motivou o livro, embora a autora soubesse das dificuldades a serem enfrentadas diante da inexistência de listas de obras originais e de “observações dispersas” sobre cópias de grandes mestres que essas artistas pudessem ter realizado (CLAYTON, 1876, v. 1, p. 2).

Escritoras profissionais, Ellet e Clayton concebem seus livros dentro de um gênero muito em voga na época, a biografia, o que explica a mistura de arte e vida, a inserção de diálogos, cartas, trechos de diários, a descrição do dia a dia, de viagens ou de acontecimentos inusitados numa narrativa regida por normas precisas em função do público ao qual se destinava. Também poetisa, tradutora, ensaísta e historiadora, a norte-americana Elizabeth Ellet já tinha se destacado pela publicação de The Women of the American Revolution (1848-1850), em que, baseada numa extensa pesquisa, resgatava o estímulo dado pela contribuição feminina à “infância da liberdade”. Exaltada como mãe e dona de casa, a mulher tinha reconhecidas algumas qualidades específicas que serviram de incentivo aos que lutaram pela libertação do jugo britânico – conduta heroica, sacrifícios patrióticos, empatia pelo sofrimento alheio –, numa abordagem histórica inovadora, voltada para o registro de vidas comuns e não de feitos militares ou políticos ( SCHOEL, 1992 ; ELLET).

A irlandesa Ellen Clayton (Eleanor Creathorne Clayton) fez sua formação em Londres, para onde se transferiu com a família em 1841. Escritora e desenhista, incluiu sua biografia em English Female Artists , fornecendo dados sobre sua trajetória nos dois campos de atuação ( CLAYTON, 1876 , v. 2, pp. 319, 324-329). Estimulada pelo exemplo do pai, escreveu e desenhou desde cedo e publicou suas primeiras histórias aos 14 anos. Como escritora, praticou diversos gêneros, mas se distinguiu enquanto biógrafa de figuras femininas em publicações como Notable Women. Stories of their Lives and Characteristics: A Book for Young Ladies (1860) e Queens of Songs (1863). Enquanto artista, Clayton dedicou-se ao desenho humorístico, gênero considerado por ela pouco adequado à mulher, que preferiria “o chiste, a zombaria, a malícia e, até mesmo, o sarcasmo” a uma manifestação próxima da vulgaridade. Além de trabalhar para revistas como London Society e Judy com peças humorísticas desenhadas diretamente na matriz de madeira, a artista criou aquarelas para firmas produtoras de calendários cômicos e diferentes tipos de cartões, para os quais escrevia também os versos. Clayton não é nada modesta em sua autoavaliação, pois assevera que esses pequenos desenhos eram portadores de “espírito, um olho para a cor e certa graça e encanto”.

O fato de Ellet e Clayton se dedicarem a biografias de mulheres está em plena consonância com a feminização do gênero em termos de autoria e destinação. Escritas por mulheres para um público constituído por mulheres de todas as idades, as biografias conhecem um grande sucesso em meados do século XIX, pois são vistas como um antídoto a um passatempo considerado perigoso, a leitura de romances. De acordo com as teorias médicas e psicológicas então em voga, as garotas tinham predisposição a identificar-se com as heroínas da ficção, cabendo às biografias fornecer modelos de comportamento derivados da vida real. A crença no poder das biografias era tão difusa que elas eram vistas como presentes e prêmios adequados à juventude ( LASA ÁLVAREZ, 2020 , p. 39). A questão da exemplaridade do gênero é claramente explicitada no prefácio da obra de Ellet (1859 , p. VII):

Se a leitura atenta do livro inspirar com coragem e resolução toda mulher que aspire a superar dificuldades na obtenção de uma independência honrada, ou se ela levar a um respeito geral mais elevado pelas capacidades das mulheres e pelo lugar que lhes cabe no campo da Arte, meu objetivo terá sido atingido.

Tais palavras devem ser lidas com cautela, pois a autora estabeleceu claros limites à atuação das mulheres, como demonstra o primeiro dos capítulos dedicados ao século XIX. Ellet (1859 , pp. 209, 219-220) reconhecia que, nos últimos cinquenta anos, a mulher foi se libertando dos velhos preconceitos e restrições, que “tolhiam suas energias, tornavam extremamente difícil a aquisição do conhecimento científico e artístico e punham obstáculos no caminho de sua dedicação ao estudo e ao exercício de seus talentos”. A liberdade, porém, não se confunde com a emancipação, que “estimularia uma conduta antinatural e contrária à suavidade e à modéstia de seu sexo”. O significado dessa liberdade ganha um sentido mais evidente quando a escritora traça um perfil das artistas do presente. Mais seguras e habilidosas na profissão escolhida, as mulheres, via de regra, eram ainda “deficientes em força criadora”, mas exibiam “a mais alta excelência” em qualidades como o sensível, o gracioso, o patético, o ideal, a delicadeza e percepção rápida e a intuição. O momento atual era “oportuno à emulação de seus mais eminentes rivais do outro sexo, não pelo abandono da delicadeza feminil, mas por trabalhos totalmente coerentes com essa verdadeira modéstia, que será sempre o ornamento mais cativante do sexo”2.

Clayton, por sua vez, assumiu uma atitude um tanto ambígua em relação à aprendizagem do desenho pelas mulheres. Afirmava que este era considerado “uma triste perda de tempo”, dava exemplos de diversas artistas que sofreram a oposição das famílias para seguir a própria vocação, mas escrevia que, para a mulher média, o estudo do desenho era “prejudicial”. A autora fornece uma explicação para essa surpreendente assertiva:

A arte é uma tarefa severa e exige uma incessante labuta sedentária, dando apenas recompensas relutantes em troca de anos de lida árdua. Ser capaz de esboçar vistosamente é uma habilidade vantajosa, mas mesmo isso só é conquistado pelo conhecimento perspicaz dos meios empregados, para não falar dos talentos originais ( CLAYTON, 1876 , v. 2, pp. 70-71).

Apesar dessa nota cautelar, Clayton (1876 , v. 2, p. 71) lembrava que muitas jovens artistas estudaram “às escondidas ou de um modo erradio e semi-instruído”. É o caso de Mary Ann Alabaster (1805-1879), que levantava de manhã cedo para praticar a pintura a óleo, longe dos olhos da mãe; de Eliza Florence Bridell-Fox (1824-1903), cujo pai acreditava que não era necessário aprender nada para ser artista, bastando só a observação e uma prática constante; de Louise Jopling (1843-1933), impedida de cultivar o desenho, visto como “uma diversão egoísta”, e que só conseguiu estudar aos quarenta e dois anos; de Maria Eliza Burt (1841-1931), que só podia exercitar-se aos domingos, quando não havia afazeres domésticos (Ibidem, pp. 72, 81, 107-108, 251). Mary Ellen Edwards (1838-1934), ao contrário, conseguiu vencer a resistência da família, quando esta percebeu ser impossível contrastar “um gosto, poderíamos dizer um instrumento tão poderosamente enraizado”, mas que, assim mesmo, não recebeu uma educação artística regular por viver em lugares ermos (Ibidem, pp. 75-76).

A situação das artistas numa sociedade patriarcal como a vitoriana, que relegava a mulher ao espaço doméstico, enquanto destinava o universo público ao homem, entra no horizonte de Clayton por intermédio da irlandesa Wilhelmina Augusta Walker (ativa na Inglaterra entre 1870 e 1877). A ideia de que, na Irlanda, uma mulher dotada de talento artístico praticava uma ofensa contra “aquele déspota gigantesco – Sociedade”, é ampliada pela autora com uma peroração retórica:

No momento em que ousa cruzar o Rubicão que separa tão amplamente o artista profissional do amador elegante, ela abandona, mais ou menos, sua posição social, passando a ser apenas tolerada, quando não cortada de todo da sociedade, como consequência inevitável pelo desafio a suas leis e pela afronta a suas convenções seculares. Toda a fama do mundo não poderia recompensar uma família que possui ou carrega o fardo de semelhante membro. (e depois continua o resto) (Ibidem, pp. 152-153)3

Em sua cruzada contra os privilégios masculinos a autora atacava sem restrições a Real Academia que havia negado o ingresso a uma das artistas mais notáveis da Inglaterra, autora de obras “admiravelmente pintadas e tratadas com magnífico vigor”. Tratava-se da “irmã artista” Margaret Sarah Carpenter (1793-1872), cuja produção se caracterizava pela “verdade, firmeza de toque, habilidade para colorir”. Dando prosseguimento a uma crítica do Art Journal , que se tinha posicionado severamente contra a falta de visão da entidade, a autora escrevia:

Não se pode negar que, desde os tempos de Angelica Kauffman e Mary Moser [...], a Academia ignorou deliberadamente a existência de artistas mulheres, deixando-as trabalhar na fria penumbra do total esquecimento. Nem ao menos uma vez lhes foi dada qualquer assistência, nenhuma vez foi concedida a mais insignificante recompensa por alto mérito e diligência. Acidentalmente duas mulheres tornaram-se acadêmicas [...]. Um acidente abriu as portas a estudantes do sexo feminino – acidente ajudado pela coragem e pelo talento. [...] Na livre, imparcial, cavalheiresca Inglaterra [...], é só graças a etapas lentas e trabalhosas que as mulheres estão ganhando o direito de entrar de modo pleno nas listas, sendo então vistas com uma indulgência meio desdenhosa. ( CLAYTON, 1876 , v. 1, pp. 388-389)

O protesto de Clayton envolve três questões: a possibilidade de artistas do sexo feminino serem membros da Academia Real; o acesso das mulheres a uma educação artística; a participação em exposições promovidas pela instituição. Por gozarem de boa reputação, Kauffman (1741-1807) e Moser (1744-1819) tinham feito parte do grupo de artistas que dirigiu uma petição ao rei Jorge III para a criação de uma Academia Real de Pintura e Escultura (1768). Sua participação nas atividades da instituição, no entanto, era limitada, pois foram excluídas de reuniões e do jantar anual4, principais arenas de discussão das diretrizes acadêmicas, além de não poderem assistir às aulas de modelo vivo. Definido um “ícone da exclusão” por Angela Rosenthal, o quadro Os acadêmicos da Academia Real (1771-1772), de Johann Zoffany (1733-1810), representa 33 homens assistindo a uma aula de modelo vivo. Kauffman e Moser que, por motivos de decoro, não poderiam tomar parte na atividade, são evocadas por meio de dois retratos na parede direita5, levando Patricia Mayayo a escrever que elas “deixam de ser produtoras de obras de arte para converter-se em objetos artísticos ; seu destino acaba sendo o mesmo dos bustos e relevos de gesso que abarrotam a sala da Academia, o de transformar-se em fontes de prazer e inspiração para o olhar do artista” ( MAYAYO, 2020 , p. 25). Outro quadro, datado de 1795, Os acadêmicos reais na Assembleia Geral , de autoria de Henry Singleton (1766-1839), representa uma cena irreal, já que as duas pintoras aparecem no fundo da composição, atrás do trono do presidente, constituindo o ápice do grupo. Esta segunda obra problematiza a leitura de Mayayo, abrindo caminho para a relativização do papel subalterno representado por ambas. Sabe-se, por exemplo, que Kauffman conseguiu que o quadro O encantador , de Nathaniel Hone (1718-1784), fosse excluído da Exposição de Verão de 1775, por ridicularizar seu suposto relacionamento com Joshua Reynolds (1723-1792). Em 1780, a pintora recebeu a encomenda de quatro alegorias para o teto da sala do Conselho: Invenção, Composição, Desenho e Cor . Moser, por sua vez, recebeu o voto de Henry Fuseli (1741-1825) para a presidência da instituição (1803) e participou da Assembleia Geral em 1807. Depois de sua morte em 1819, porém, será necessário aguardar o século XX para novas admissões de mulheres na Academia: em 1922, Annie Swynnerton (1844-1933) é aceita como associada; em 1936, Laura Knight (1877-1970), que exalta o papel da antecessora na superação das “barreiras do preconceito”, é eleita membro pleno (BLUETT, 2021a; WICKHAM, 2018 ; VICKENY, 2016 ).

A exclusão das mulheres do ensino artístico oferecido pela Academia é posta em xeque em 1860 por um ardil de Laura Herford (1831-1870). A jovem, que tinha participado das aulas de modelo vivo nu oferecidas pela escola noturna de Bridell-Fox, enviou ao júri acadêmico desenhos assinados apenas com as iniciais L. H. Aprovada, a jovem teve a inscrição aceita, possivelmente em consequência dos esforços continuados de Bridell-Fox junto a alguns acadêmicos simpáticos à sua iniciativa. Clayton, ao contar tal fato na biografia desta, afirmava num tom triunfal que o episódio Herford podia ser considerado “a primeira abertura importante para que as mulheres partilhassem os privilégios da educação artística concedidos a seus irmãos” (CLAYTON, 1876, v. 2, pp. 83-84). Com efeito, entre 1861 e 1863, mais 12 alunas conseguem inscrever-se na escola, mas a iniciativa é suspensa até 1867, sob a alegação de que não havia espaço para um número maior de estudantes. A ab-rogação dessa medida traz de volta as mulheres para o ensino acadêmico, mas inicialmente elas só têm acesso a aulas de desenho a partir de moldes antigos e de pintura com modelo vestido. Em 1878, as alunas apresentam uma petição, que será rejeitada, reclamando o direito de “estudar a partir da figura”, ou seja, do modelo semivestido. Uma nova tentativa será feita em 1883, alegando motivos econômicos e profissionais: quase todas as estudantes confiavam que o trabalho escolhido lhes proporcionasse “o futuro sustento” e, por isso, reivindicavam igualdade de direitos numa disciplina considerada tão essencial para o sucesso profissional de artistas do sexo masculino. O pedido acaba gerando uma solução de compromisso: os acadêmicos deliberam que o modelo deveria vestir traje de banho e tanga. Finalmente, em 1893, as mulheres conseguem o direito de desenhar modelos seminus ( STRICKLAND, 2013 , p. 129; BLUETT, 2021b).

Atualmente, o ardil de Herford é inserido numa campanha feminista pelo direito de a mulher ter acesso a uma educação qualificada e a uma participação mais efetiva nas exposições de arte. Clayton não citou em seu livro a reivindicação da Sociedade de Artistas Femininas, fundada em 1857, que pleiteava uma maior presença de mulheres nas mostras em geral, mas destacou uma iniciativa de Herford, que abriria caminho para a admissão de alunas na Academia ( CLAYTON, 1876 , v. 2, pp. 2-3). Tomando como pretexto um discurso de Lorde Lyndhurst (1772-1863), o qual, num jantar da Academia, tinha afirmado que suas escolas estavam abertas a “ todos os súditos de sua Majestade”, a jovem escreveu-lhe uma carta desmentindo a assertiva. Enviada a Charles Lock Eastlake (1793-1865), presidente da instituição, a carta era acompanhada de uma petição, datada de 19 de abril de 1859. Assinada por 38 mulheres, dentre as quais Clayton, Herford, Barbara Leigh Smith e Bridell-Fox, a petição reivindicava o direito de estudarem com professores qualificados ( STRICKLAND, 2013 , p. 128; BLUETT, 2021b). Além de ser entregue a todos os acadêmicos, a peça foi divulgada publicamente na edição do dia 30 da revista The Athenaeum ( The Royal Academy, 1859 , p. 581). Lembrando que 120 mulheres haviam participado das mostras da Academia nos últimos três anos, num indício de que a profissão deveria ser considerada aberta a elas, as signatárias reclamavam a possibilidade de adquirir “um conhecimento completo do Desenho em todos os seus ramos, pois é nesse aspecto que suas obras são consideradas invariavelmente deficientes”. Essa reivindicação geral é seguida por considerações de ordem econômica: o estudo do Antigo e da Natureza, que constituía o cerne de uma boa educação artística, era fornecido gratuitamente pela Academia a seus alunos. Ao contrário, muitas mulheres que não dispunham de meios financeiros para estudar adequadamente, ingressavam na profissão sem o preparo necessário, o que não lhes permitia alcançar “a posição para a qual seu talento poderia qualificá-las”. É para pôr fim a “essa grande desvantagem” que o grupo solicitava a admissão de alunas na Academia, assegurando às mulheres as mesmas oportunidades das quais os acadêmicos já se tinham valido. A partir do estudo do fraseado usado por mulheres que sabiam gerenciar a própria carreira, Adrienne McKenna (2016) afirma que as signatárias jogam de maneira ambígua com os estereótipos femininos, apelando para a razão, mas não abdicando da emoção, para conseguir o próprio objetivo. O resultado dessa campanha bem orquestrada é o ingresso de Herford na Academia.

Excluídas de uma educação artística de qualidade, as mulheres podiam, no entanto, participar das Exposições de Verão, promovidas pela Academia desde 1769. Entre essa data e 1797, Kauffman expôs 79 obras: Moser foi mais discreta, pois, até 1802, participou das mostras com 36 quadros. As exposições eram bastante procuradas pelas artistas, como provam os casos da “miniaturista” Eliza Cook, que divulgou sete obras entre 1777 e 1786, e da “pintora” Mary Bertrand, que se destacou com dez quadros entre 1772 e 1800. O sucesso obtido numa mostra podia abrir as portas da Academia a um candidato considerado qualificado, mas essa regra não será aplicada a Elizabeth Thompson (1846-1933), apesar do entusiasmo despertado por A chamada na edição de 1874. Clayton, que dedica seu livro à pintora, “como testemunho de admiração por seu gênio”, debruçou-se sobre a sensação provocada pela obra – descrita como “‘uma maravilhosa imagem ‘militar’” –, antes mesmo da abertura da exposição ao público. Controvérsias, anedotas, biografias fantasiosas da autora circulavam pelas redações dos jornais; dois príncipes da mais alta estirpe demonstraram interesse por esse quadro “patético e finamente trabalhado”; para organizar o enorme fluxo de pessoas foi necessária a presença de policiais; foi feita uma tiragem em gravura para uma maior circulação (CLAYTON, 1876, v. 2, pp. 140-142). Encomendado pelo industrial Charles Galloway, que depois o cedeu à rainha Vitória, o quadro representava um episódio da Guerra da Crimeia (1854-1856) – as consequências da batalha de Inkerman (5 de novembro de 1854) –, tendo como foco principal a resistência e a bravura dos soldados rasos. Exibida em diversas cidades, a obra transformou a pintora numa celebridade, mas isso não foi suficiente para sua admissão na Academia: em 1879, sua candidatura foi rejeitada por uma diferença de dois votos ( WICKHAM, 2018 ; The Roll Call).

Outra demonstração do empenho de Clayton em promover a presença da mulher no espaço público pode ser localizada na biografia da paisagista Barbara Leigh Smith Bodichon (1827-1891), apresentada não apenas como uma “artista acabada”, mas igualmente como uma filantropa, isto é, “uma daquelas mulheres corajosas e nobres que dispendem vigorosas energias para lutar contra a maré do vício e da miséria e para sanar as injustiças sofridas por muitas irmãs indefesas”. Filha (ilegítima) do político radical Benjamin Leigh Smith, interessou-se desde cedo por questões sociais. Dentre suas iniciativas, a escritora destaca a petição para assegurar às mulheres o direito à propriedade e ao dinheiro ganho com o próprio trabalho, no caso de “casamentos infelizes” (inverno 1855-1856); a criação de uma escola a preços módicos para crianças da classe média baixa e das camadas inferiores da sociedade; a fundação do Girton College, a primeira instituição da Inglaterra a oferecer às mulheres a mesma educação dispensada aos homens nas universidades (1869); a contribuição ao English Woman’s Magazine (1858-1864), uma das primeiras revistas dedicadas a temas femininos, “impressa e mantida” por ela ( CLAYTON, 1876 , v. 2, pp. 167-173, 175). María Begoña Lasa Álvarez mostra que a autora é seletiva na apresentação das causas defendidas pela artista, deixando de lado seu engajamento na promoção do sufrágio feminino. No tratado Reason of the Enfranchisement of Women (1866), Bodichon solicitava explicações para a “anomalia” representada pela exclusão das mulheres das eleições dos representantes do povo, ao mesmo tempo que “eram consideradas cidadãs responsáveis, eram elegíveis para muitos cargos públicos e obrigadas a pagar todos os impostos”. Quando o livro de Clayton é publicado, o movimento sufragista havia começado na Grã-Bretanha, e uma petição havia sido apresentada ao Parlamento em 1866. Depois de lembrar que a autora tinha dedicado um texto no livro sobre as mulheres guerreiras a Madame Ronniger, uma célebre sufragista, Lasa Álvarez aventa a hipótese de que, em 1876, ela evitou referir-se ao tema por motivos econômicos. Além de tratar-se de uma encomenda, o livro podia constituir-se num presente para garotas e a inclusão de uma “informação demasiado radical” ameaçava torná-lo indesejável aos olhos dos pais e dos conselhos das escolas ( LASA ÁLVAREZ, 2020 , pp. 42-43).

Uma questão central nos livros de Ellet e Clayton abarca os campos nos quais se desenvolve a criatividade feminina e as características que a definem. No primeiro capítulo de sua obra, a escritora norte-americana estabelece uma relação intrínseca entre a preeminência do objeto e a prática artística feminina, concluindo que os gêneros mais afeitos à mulher eram o retrato, a paisagem e a pintura de flores e animais. Muitas artistas destacaram-se na gravura e na miniatura, mas os temas históricos e alegóricos não estiveram muito a seu alcance, possivelmente por requererem longos anos de estudo para alcançar a excelência necessária. Ellet busca uma razão social para explicar a preferência feminina por determinados gêneros: eles podiam ser “exercidos na completa reclusão do lar, à qual a promissora estudante era destinada pelo hábito e pelo sentimento público. Eles também não se chocavam com os laços de amizade e amor aos quais se ligava sua natureza meiga”. Esta problemática voltará a ser abordada num dos capítulos dedicados ao século XVIII, tendo como ponto nevrálgico a Inglaterra. Citando um autor cujo nome não menciona, Ellet reafirma a ideia de que a pintura parecia “particularmente conveniente a uma mulher”, pois não exigia “o sacrifício da modéstia da donzela, nem da reserva matronal”. À diferença da atriz, constantemente exposta ao público, que “esquece a mulher na artista”, a pintora podia ficar a maior parte do tempo em casa, ao pé da lareira e perto dos entes queridos. A arte, no entanto, requeria uma devoção absoluta, um trabalho e um estudo “severos, contínuos e ininterruptos”, o que leva Ellet a concluir que essa “verdade dupla” explicava o incremento no número de artistas mulheres e “o fracasso de muitas em alcançar a distinção a que aspiravam” (ELLET, 1859, pp. 2, 145).

Em seu levantamento geral, a autora discorre sobre as particularidades da produção feminina em diversos momentos históricos. Embora “mera escrava e brinquedo do seu dono”, a mulher da antiguidade apresentou ideias que se desenvolveram em ações independentes, as quais constituem a “origem eterna da arte”: fiação, tecelagem e ornamentação. Os aspectos ideais e sobrenaturais da arte medieval parecem adequados ao desenvolvimento do gosto e do talento feminino, caracterizados pela “pureza e profundidade de sentimento”. Uma vez que esses aspectos foram deixados de lado no século XV em prol de um novo sentimento da natureza, a arte tornou-se “incompatível com os talentos peculiares das mulheres”. O que era convencional foi substituído por “demonstrações mais precisas da individualidade, da ação e das paixões humanas”; a representação do sentimento tomou o lugar das “serenas criações religiosas” anteriores. As dificuldades para elaborar essas novas concepções e os estudos de anatomia, indispensáveis para alcançar a perfeição no desenho da forma, excluíram, em grande medida, as mulheres do exercício da arte. Diversas artistas, no entanto, destacaram-se nesse momento, e Ellet demonstra como várias delas foram capazes de compreender o gênero mais apropriado à mulher. Marietta Tintoretta (1554?-1590), por exemplo, escolheu o retrato, mais simples do que a pintura histórica, a qual requeria “muito estudo e dedicação”, além de ser “cansativa” pela exigência de pintar “figuras nuas imitando a antiguidade”. A pintura de retratos, na qual a artista se mostrou excelente pelo “gosto extraordinário”, pelo “toque delicado e gentil” e pela “habilidade cromática”, oferecia ainda a vantagem de um sucesso mais imediato (Ibidem, pp. 3, 11, 13, 25-26).

O século XVII foi particularmente problemático para as realizações femininas. O predomínio do legado de Caravaggio (1571-1610), que levava os artistas a preferirem “o lado mais negro e violento da humanidade”, tinha criado um clima nada favorável ao desenvolvimento do talento feminino. As composições dos seguidores do mestre não tinham nenhum “daqueles elementos puros e sagrados, que parecem uma genuína inspiração na arte”. Ao contrário, os aspectos “melancólicos e apaixonados, expressos em seus quadros, apareceram muito frequentemente também em seus caracteres e ações”, tendo um exemplo paradigmático no assassinato da pintora Annella De Rosa (1602-1643) pelo marido6. No mesmo período, os Países Baixos ofereciam três exemplos de gêneros artísticos aos quais as mulheres poderiam ou não se dedicar. O “caráter apaixonado e, amiúde, intensamente dramático da obra de Rubens e seus discípulos, e a dimensão física de suas figuras nuas eram, de fato, pouco adequados ao estudo feminino”. Se o artista flamengo não encontrou seguidoras em sua época, Ellet detecta a continuidade de seu estilo numa pintora de retratos do século XIX, Madame O’Connell, que imitava “sua plenitude de vida e sua vivacidade de colorido”. Por sua “gravidade, profundidade e intensidade”, a arte de Rembrandt também não parecia corresponder às concepções femininas, particularmente interessadas “em representações agradáveis de uma emoção mais superficial do que na concentração dos sentimentos mais profundos da natureza”. O novo gênero de pintura que se desenvolve na Holanda depois da revolução política e religiosa, ao contrário, oferecia “um campo vasto ao exercício da energia e do gênio femininos”. Centrada nos aspectos mais miúdos da vida cotidiana, a pintura de gênero demonstrava ser apropriada às mulheres por sua “exatidão cuidadosa” e pela delicadeza de detalhes que constituía seu encanto particular, tornando-se, cada vez mais, “o viveiro do talento feminino”. Nesse mesmo período, a pintura de flores atingiu um alto grau de perfeição e duas de suas representantes – Constantia van Utrecht (1611-1657) e Angelica Pakman – podem ser enumeradas entre “as pioneiras dessa bela arte – essa realização verdadeiramente feminina” ( ELLET, 1859 , pp. 55-58, 75-77, 83).

Enquanto na primeira metade do século XVIII as mulheres não realizaram nada de “novo ou notável”, a situação modificou-se no período sucessivo quando elas ajudaram “a difundir e aprofundar o desenvolvimento de muitas ideias”. As artistas “esforçaram-se para nobilitar o sistema eclético com uma maior pureza de tom e um estudo mais ardente do antigo”. Se Angelica Kauffman se distinguiu nesse estilo, a maior parte das artistas dedicava-se à miniatura, ao retrato em pastel e à pintura sobre esmalte, que requeriam “menos estudo e aplicação do que outros ramos da arte” Ellet estabelece um paralelo entre a miniatura e o pastel, “adaptados de maneira peculiar às mãos femininas pela delicadeza e pela execução límpida”, e a pintura de flores e paisagens, que “parece apresentar objetos e cenas de uma beleza congenial ao gosto do sexo” (Ibidem, pp. 113-114, 117-118).

Clayton, por sua vez, não dedica muito espaço à definição de uma arte feminina, mas lamenta o fato de as artistas inglesas levarem vidas “tranquilas e monótonas”, mantendo-se dentro dos limites do ateliê e pensando eventualmente nas poucas possibilidades de expor as próprias obras (CLAYTON, 1876, v. 1, p. 1). Na biografia de Adelaide Claxton (1841-1927), a autora volta a expor essa condição, que define um dos paradoxos “mais desconcertantes” dos tempos modernos: a existência prosaica levada pela maior parte das artistas, pouco importando se elas eram pessoas “belas e graciosas, ou estranhas e excêntricas” (Ibidem, v. 2, p. 41). O motivo de tal desassossego é finalmente explicitado na abertura da biografia de Margaret Gillies (1803-1887), em que se torna evidente uma concepção romântica da figura do artista. Por sua condição de “irmã enclausurada”, uma artista do século XIX não podia viver as aventuras de uma femme du monde qualquer. E, no entanto, seria fascinante poder conhecer a vida de uma dessas “mulheres talentosas, que criaram figuras e cenas que nos encantam e que poderiam fazer parte de nossa existência”. Discordando de William Hazlitt, um dos maiores críticos contemporâneos, que atribuía o interesse pela vida dos pintores ao fato de eles falarem uma linguagem diferente daquela das demais pessoas graças a “signos ocultos e maravilhosos”, Clayton assevera que a curiosidade por essas biografias era determinada pela sensação de que existia “um elo divino de afinidade espiritual entre nós e o criador de um quadro nobre ou belo”, visto como um “irmão”, cuja mão o público gostaria de poder tocar (Ibidem, v. 2, pp. 87-89). Se não define uma arte feminina, porém, a autora estabelece um rol de gêneros dominantes entre as criadoras do século XIX, no qual inclui pintoras de figuras, de paisagens, de naturezas-mortas, flores e frutas, de animais, retratistas e miniaturistas, desenhistas de humor e artistas decorativas, além de algumas amadoras. Clayton parece aceitar como um fato natural a prática desses tipos de pintura pelas mulheres, pois só mostra certa preocupação com a escassez de pintoras de animais e de desenhistas de humor. Rosa Bonheur era “apenas uma esplêndida exceção para uma regra enigmática”, já que poucas mulheres se destacavam nesse gênero em termos de “força ou mesmo habilidade moderada na pintura de pássaros, animais ou peixes” (Ibidem, v. 2, p. 309).

Em diferentes momentos, as duas escritoras usam atributos como delicadeza, graça, suavidade, encanto para descrever o estilo de algumas artistas, incorporando qualidades consideradas “femininas” pela ideologia patriarcal. Ellet lança mão desses termos para definir o estilo de uma das primeiras escultoras ocidentais, a espanhola Luisa Roldán (1656-1704), cujas pequenas figuras e grupos eram “desenhados e executados com delicadeza e graça”; da miniaturista francesa Élisabeth Sophie Chéron (1648-1711), que se distinguia por “um tom refinado, um gosto apurado, harmonia de desenho e panejamentos elegantemente arranjados”; da retratista holandesa Adriana Spilberg (1652-1700), a qual executava suas obras com uma “semelhança exata”, “destreza e diligência”, além de colori-las com delicadeza; da miniaturista suíça Anna Wasser (1678-1714), que infundia uma “grande ingenuidade” em composições acabadas com “uma delicadeza extraordinária” ( ELLET, 1859 , pp. 67, 70, 78, 109).

Seria injusto, porém, deter a análise nesse tipo de visão, pois Ellet demonstra ter uma percepção mais variegada das possibilidades artísticas das mulheres. Em alguns momentos, a autora não se furta a destacar que qualidades “femininas” conviviam com atributos compositivos próprios da pintura em geral. Uma das primeiras artistas a buscar uma fusão de elementos aparentemente antitéticos foi Sofonisba Anguissola (c. 1531-1625), cujos quadros eram “notados pela audácia e liberdade; em alguns deles as figuras parecem quase respirar. Alguns são cômicos; e esse ramo da arte, na pintura como na literatura, requer audácia de concepção, espontaneidade de movimento e delicadeza de toque”. A holandesa Rachel Ruysch (1664-1750), que levou a pintura de flores a “uma perfeição nunca antes alcançada”, combinava em suas obras “uma suavidade, uma leveza e uma delicadeza de toque com certa grandeza no arranjo e efeitos poderosos, que são motivo de reconhecimento universal de um espírito varonil e de uma nobreza de sentimento”. Algo semelhante é destacado na britânica Mary Beale (1632-1699), em cujas obras “um desenho vigoroso e um colorido fresco” vinham acompanhados de “uma grande pureza e delicadeza” (Ibidem, pp. 31, 88, 102).

Outro desdobramento significativo dessa problemática faz-se presente no livro de Ellet, a qual reconhece que, em determinados momentos históricos, certas qualidades não eram exclusivamente “femininas”. Atributos como “graça, facilidade de ação e frescor cromático”, que eram uma marca distintiva de Teodora Danti (c. 1498-c. 1573), foram derivados de seu mestre Pietro Perugino (1450-1523); elementos negativos como “certa secura na forma e pobreza de panejamento”, ao contrário, eram próprios de seu estilo. Lavinia Fontana (1552-1614), por sua vez, é comparada com Guido Reni (1575-1642) por exibir em seus quadros “doçura, suavidade e ternura”. Pela “delicadeza de toque” e pela “rara habilidade em capturar a semelhança”, ela foi objeto de apreciações e honrarias “raramente concedidas ao mérito feminino” (Ibidem, pp. 23, 41). A situação inverteu-se na França setecentista, na qual a voga do “terno e emocional”, propagada por pintores como Jean-Baptiste Greuze (1725-1805) e Jean-Honoré Fragonard (1732-1806), demonstrava adaptar-se à perfeição “ao gosto e ao sentimento das mulheres”, como comprova Marguerite Gérard (1761-1837), autora de cenas domésticas pintadas com “muita graça e dignidade”. Pouco antes, ao contrário, Chéron tinha se tornado “chefe da hoste de artistas franceses” que se tinham especializado nas técnicas da miniatura e da pintura sobre esmalte pela perfeição alcançada em suas obras refinadas e elegantes. (Ibidem, pp. 70, 177).

Um raciocínio semelhante pode ser aplicado a Clayton, que detecta nas obras das irmãs Louisa (1798-1843), Eliza (1796-1874) e Mary Ann (1802?-1867) Sharpe qualidades como “fantasia poética, graça e acabamento”, associadas à promoção do “moderno estilo arrojado do desenho em aquarela” britânico. Outra artista a ir além dos limites convencionais é Helen Cordelia Angell (1847-1884), a qual, depois de distinguir-se pela “extrema exatidão de acabamento”, imprimiu a suas obras “uma força e uma amplidão nem sempre perceptíveis no trabalho de uma senhora”. Seria difícil “superar seus belos quadros de flores ou frutas por luminosidade, verdade delicada e precisão”. Um argumento decisivo em favor da excelência da pintora reside no fato de William Holman Hunt (1827-1910) considerá-la seu único sucessor, sem que ela – como esclarece Clayton – imitasse seus temas e seus métodos (CLAYTON, 1876, v. 2, pp. 263, 380). Se Angell iguala um artista renomado, o mesmo acontece com Marie Duval, pseudônimo de Isabelle Emilie de Tessier (1847-1890), apresentada pela autora como desenhista de humor do mesmo quilate de Charles Keene (1823-1891) e William Brunton (1833-1878). “Humorísticas até o grotesco”, suas figuras exibiam um desenho frequentemente incorreto, mas esse defeito era explorado de maneira criteriosa para realçar o burlesco. A autora justifica essa negligência pela formação autodidata da artista e se pergunta se, às vezes, ela não seria intencional, pois muitos dos croquis assinados Noir eram “muito graciosos” (Ibidem, pp. 332-333). O exemplo mais acabado de combinação de qualidades femininas e masculinas é representado por uma amadora, a marquesa de Waterford. Nascida Louisa Anne Stuart (1818-1891), a artista infundia em suas obras “a amplitude e fogo de um gênio masculino”, combinado com “uma graciosa fantasia de mulher”. Dotada de “uma força de imaginação ilimitada e de uma sensibilidade profunda em relação à paisagem”, tinha também um talento cromático particular, “a mais rara e preciosa qualidade na arte. Sua cor era cálida, rica, harmoniosa e cheia de um sentimento refinado” (Ibidem, pp. 339-340).

Como os dois livros têm uma função didática, em diversas biografias as escritoras sublinham comportamentos femininos exemplares e virtudes morais notáveis. Se não se conhecem episódios desabonadores no caso de Clayton, bem diferente é a situação de Ellet, cuja personalidade estava cindida entre a autora que estimulava a consciência moral de seus contemporâneos, e a pessoa, caracterizada por um estilo de vida “destrutivo, autocentrado e venenoso”. Enquanto nos livros exaltava a bondade, a probidade e a conduta excelente das biografadas, em sua vida particular demonstrava qualidades totalmente opostas. Impulsionada por um desejo de vingança, lançou mão da calúnia, da difamação e da coqueteria para acabar com a reputação de Edgar Allan Poe no mundo literário, revelando “inocentemente” a alguns periódicos de Nova York o caso que o escritor estava tendo com Frances Sargeant Osgood e acusando-o de sofrer de “febre cerebral” e de insanidade temporal (meados de 1846). Enquanto estava escrevendo Women of the American Revolution , estreitou amizade com o editor nova-iorquino Rufus Wilmot Griswold, mas passou a caluniá-lo depois que este tinha depreciado publicamente suas poesias (dezembro de 1848). Além de outros episódios escusos, foi ainda acusada de plagiar obras de outros autores ( SCHOEL, 1992 , pp. 7-12). Enquanto autora, Ellet elogia Chiara Varotari (1584-1663) por usar seu talento para cuidar dos doentes, distinguindo-se num campo em que a coragem feminina podia atingir o heroísmo. Luisa Roldán é lembrada por cuidar com eficiência da casa e do ateliê paterno, vigiando as atividades das criadas e dos aprendizes. De Ruysch escreve que conseguiu tornar-se “excelente” em sua arte, apesar de não dispor de muito dinheiro e ter que educar dez filhos. Além de distinguir-se por um estilo delicado e cálido e por cabeças dotadas de “uma expressão graciosa de verdade e natureza”, Rosalba Carriera (1673-1757) foi notável por seu comportamento. Apesar de ter nascido em Veneza, a “cidade mais luxuriosa e licenciosa da Europa”, seu caráter sério e melancólico “manteve-a afastada do contato com o vício”. Isso fez com que “sua pureza moral” e seu trabalho fossem “universalmente reconhecidos assim como seu gênio” ( ELLET, 1859 , pp. 61, 67, 87, 202-203).

Clayton também se debruça sobre a questão das virtudes femininas, buscando exemplos paradigmáticos em Mary Beale, definida “uma artista talentosa, uma esposa impecável e uma mãe excelente”; e na ilustradora botânica Elizabeth Blackwell (1707-1758), “mulher paciente e conformada” ( CLAYTON, 1876 , v. 1, pp. 45, 93), cujo trabalho cuidadoso despertou interesse por conseguir prover ao sustento da família enquanto o marido estava preso por dívidas. É curioso deparar-se com tais elogios, pois a autora manifestava sérias reservas em relação ao casamento e à maternidade, como mostram os casos de Julia Bouvier (século XIX) e Louise Jopling. Talento promissor, desenvolvido numa família de artistas, a primeira, “como muitas outras mulheres, abandonou a prática artística ao se casar, mesmo já tendo uma boa reputação como pintora de pássaros”. O mito da maternidade é sumariamente liquidado na biografia da segunda com a observação “Bebês, esse verdadeiro embaraço feminino” (Ibidem, v. 2, pp. 34,108). Outras duas artistas podem ser destacadas nessa temática. Irmã mais nova do famoso Joshua, Frances Reynolds (1729-1807) é um exemplo de têmpera moral. Decidida a tornar-se miniaturista, foi desencorajada pelo irmão com “opiniões desdenhosas”, mas demonstrou uma grande persistência, trabalhando quase em segredo e executando possivelmente catorze retratos. Clayton reconhece que a jovem não tinha muita originalidade nem aquele talento que “deslumbra e consegue uma admiração respeitosa”, mas a considera “uma trabalhadora cuidadosa e diligente”, capaz de conferir um “caráter decidido” aos modelos. Achando que a arte era uma “tarefa dura para uma seguidora tão tímida”, Reynolds decidiu dedicar-se à literatura, escrevendo versos e o tratado An Enquiry Concernig the Principles of Taste and the Origin of our Ideas of Beauty . Embora o amigo Samuel Johnson (1709-1784) a aconselhasse a não divulgar suas ideias, em 1784, a artista lançou uma edição particular de seu tratado e, em 1790, publicou a coletânea de poemas Melancholy Tale , em mais uma demonstração de firmeza de propósitos (Ibidem, 1876, v. 1, pp. 153-154, 227-230). Conhecida por dotar suas obras de “uma profunda poesia”, Margaret Gillies procurava fazer da arte “um ministério para os sentimentos mais elevados e nobres da humanidade”. Suas associações eram calculadas de maneira “a elevar não apenas sua mente, mas os intelectos de todos os que entravam no círculo de influência de seu puro espírito” (Ibidem, v. 2, p. 93).

A análise dos dois livros não pode deixar de abordar a questão das “heroínas”, daquelas artistas que se sobressaem não apenas por seus talentos, mas também por desafiar ou superar, em alguns casos, preconceitos arraigados. Ellet admira, sem dúvida, Elisabetta Sirani (1638-1665), definida “uma artista completa: não igualada por nenhuma de seu sexo em fertilidade de invenção, na capacidade de combinar partes num conjunto nobre, no conhecimento do desenho e do escorço e nos detalhes precisos que contribuem para a perfeição de um quadro”. Embora se inspirasse em Guido Reni, conferia a suas obras “um vigor e uma energia raros numa mulher”, o que permite afirmar que, se não tivesse morrido prematuramente, “teria igualado qualquer pintor de seu tempo” ( ELLET, 1859 , p. 48). Para falar de Maria Sibylla Merian (1647-1717), Ellet não hesita em recorrer a um pleonasmo, pois a define “heroína heroica e diligente”, estimulada por “um desejo inextinguível de conhecer tudo o que podia ser aprendido” sobre a história natural. Ao escrever que essa mulher extraordinária, “cujos trabalhos tanto contribuíram para o progresso e o embelezamento da história natural dos insetos, foi pouco favorecida por dons de beleza ou graça pessoal” (Ibidem, pp. 97-99), a autora estabelece um paradoxo, pois usa como parâmetro (possivelmente inconsciente) a ideia de que uma heroína dos contos de fada deveria ser “‘a mais bela de todo o reino’, a ‘mais angelical já vista’” ( SHOWALTER, 2021 , p. 14). Mulher “enérgica, consciente de si e determinada”, Rosa Bonheur (1822-1899) é apreciada por Ellet por “sua vigorosa originalidade, seu perfeito domínio das qualidades técnicas e dos detalhes mecânicos de sua arte” e pelo “encanto de um estilo ao mesmo tempo fresco e simples, e profunda e poeticamente verdadeiro” (ELLET, 1859, pp. 242, 250).

Por mais que a autora admirasse essas figuras, nenhuma delas se comparava a Angelica Kauffman, “a pérola de todas as artistas” de seu tempo, a qual preservou “as formas do antigo em seu estilo delicado, elegante e encantador”, usando seu poder “com tão graciosa doçura que todos os que a observavam eram obrigados a prestar-lhe a homenagem de uma admiração sincera”. Embora reconheça que a pintora suscitou avaliações bastante dicotômicas, sua visão pessoal pode ser resumida na ideia de que ela contribuiu para “o progresso da arte moderna sem desfazer-se de nenhuma fração de sua reserva feminina e de sua pureza. Junto com os escritos de Mengs, seus quadros ajudaram a pintura a libertar-se da escola exclusiva de Carlo Maratta” (1625-1713). Se se inspirou no estilo de Anton Raphael Mengs (1728-1779), diferenciava-se dele por “uma graça suave e encantadora, que só poderia ter sido derivada de seus dotes naturais e da indulgência livre de seus gostos” (Ibidem, pp. 122, 135). Não é dessa maneira que Kauffman será vista por Clayton (1876 , v. 1, pp. 265-266), que estabelece uma diferença entre a retratista e a criadora de figuras poéticas e clássicas, “graciosas, com um ar de pureza, ternura e refinamento”, e a pintora de deuses, heróis e homens, “efeminados e insípidos”. Por ter uma ideia pré-concebida da beleza clássica, não conseguia materializar com “simples verdade os contornos claros da forma colocada diante de si”. Seus agrupamentos eram “precisos”, seus panejamentos, “elegantes”, mas suas “poses preferidas careciam de energia”. Enquanto suas figuras femininas eram “inanidades angélicas”, as masculinas não passavam de “garotas disfarçadas”. Seu gosto era “refinado e delicadamente puro”, mas devedor em demasia da “rapidez fatal” com a qual trabalhava, que a levou a cair num “lamentável maneirismo”.

As heroínas da autora irlandesa são outras. É com entusiasmo que Clayton apresenta Elizabeth Thompson, pois nenhuma artista “desde os dias de Angelica criou um interesse tão vívido. Nunca nenhuma ingressou na linha de frente em tão pouco tempo, ou alcançou na Inglaterra um grande renome com tão pouca idade”. Eleanor Brown (nascida em 1829) é apreciada pelas qualidades exibidas em dois formatos de paisagem. As obras maiores destacavam-se pelo “estudo cuidadoso” e pela “amplitude de tratamento”; as menores caracterizavam-se por “uma delicada exatidão de detalhes, com um efeito agradável”. Mas o argumento decisivo para ingressar em seu panteão particular parece residir na ideia expressa por alguns críticos de que a pintora poderia ser colocada no mesmo nível dos melhores paisagistas britânicos ( CLAYTON, 1876 , v. 2, pp. 139, 182-183). Na pintura de gênero, poucos artistas se equiparam a Emma Walter (ativa entre 1855 e 1891) “pela luminosidade do colorido ou pelo frescor orvalhado de seus grupos florais. Pode-se dizer que ocupa um lugar próprio em termos de delicadeza e pureza de colorido”. Outra heroína, Margaret Sarah Carpenter, autora de obras “admiravelmente pintadas e tratadas com força brilhante”, é o estopim das críticas de Clayton à Academia Real, que tinha ousado não aceitá-la em seus quadros, apesar de ser uma das mais eminentes retratistas da Inglaterra (Ibidem, v. 2., pp. 303, 386).

Sobre todas, porém, avulta a figura de Artemisia Gentileschi (1593-1654), que Clayton (1876 , v. 1, pp. 21, 25-27, 29) lamenta ser estrangeira7 por sua qualidade de “mulher de talento incomum e muito brilhante”. Artista “bela, talentosa e muito admirada”, Gentileschi trabalhou durante dois anos na corte de Carlos I da Inglaterra. Dona de um estilo “arrojado e vigoroso”, próximo daquele de Caravaggio, um pintor “notável por seus efeitos estranhos, poderosos, não raro surpreendentes”, Artemisia mostrou ser igual ao pai Orazio (1563-1639) na pintura histórica, mas “o superou de longe” nos retratos. Digna heroína de um romance de George Sand (1804-1876), a artista era uma mulher madura quando chegou a Londres, mas era ainda “suficientemente bonita para realizar novas conquistas e provocar comentários escandalizados”. Uma dessas conquistas foi Nicholas Lanier (1588-1666), que se supõe ter tido “um sentimento muito terno” por ela8. As informações fornecidas por Clayton são um tanto confusas, a começar pela data da temporada inglesa de Gentileschi, que se estendeu de 1638 a 1640, e não de 1635 a 1637, como se lê no livro. A autora refere-se também a duas temporadas da artista em Bolonha; durante a primeira, ela conheceu “o gentil, modesto, amável Guido [Reni]”, que foi seu mestre depois do pai. Ela também estudou “com diligência as obras de Domenichino”9. Ao que tudo indica, Clayton confunde o “tom bolonhês” de alguns quadros de Artemisia com estadias na cidade, mas o contato com obras de Reni, Domenichino (1581-1641) e Annibale Carracci (1560-1609) ocorreu em Roma em 1620. Apesar dessa confusão, o que importa reter da biografia é a visão que a escritora transmite a suas leitoras, isenta de qualquer juízo moral: a vida dessa “brilhante artista não é edificante; nem serve de advertência, pois ela foi sempre próspera, sempre esteve bem consigo mesma e com os outros, ganhando muito dinheiro, vivendo como uma princesa, admirada, cortejada, favorecida pelo Papa e pelo rei, por príncipes e por grandes mestres”. Mais uma vez, trata-se de informações não de todo corretas, que dão a ver uma leitura possivelmente apressada da bibliografia existente sobre a artista. Para apresentar aquele que considera o melhor quadro de Gentileschi, Judite decapitando Holofernes (1620), Clayton lança mão dos juízos de Luigi Lanzi, que tinha destacado o impacto provocado pela cena de terror, e da senhora Jameson, a qual o havia definido um quadro “horrível”, que mostrava, ao mesmo tempo, o gênio da autora e “sua atroz desorientação”. As mesmas apreciações já haviam sido divulgadas no livro de Ellet (1859 , p. 47), que não tinha o mesmo entusiasmo de Clayton pela pintora romana. Assim mesmo, tenta responder à censura da senhora Jameson com a alegação de que talvez o tema não tivesse sido escolhido pela artista, não podendo ser então censurada, e louva dois outros quadros, Susana e os anciões 10 e O nascimento de São João Batista (1633-1635), marcado por uma “liberdade natural” e por “certa ousadia que indica familiaridade com a vida e com os melhores modelos”.

A leitura de Women Artists in all Ages and Countries e de English Female Artists demonstra que a problemática da análise da produção visual feminina no século XIX não pode ser reduzida à ideia dos dois campos de atuação proposta por Mayayo e, muito menos, à definição de qualidades específicas. A questão é muito mais complexa, pois Ellet e Clayton operam, sem dúvida, com muitos conceitos da sociedade patriarcal, mas, ao mesmo tempo, mostram exemplos de insubordinação a normas estabelecidas, reclamam direitos e conseguem perceber que determinadas categorias artísticas devem ser inseridas numa moldura histórica precisa. As duas autoras não foram pioneiras na criação de antologias dedicadas exclusivamente à contribuição feminina às artes visuais, pois foram antecedidas por Die Frauen in der Kunstgeschichte , publicado em 1858 pelo professor alemão Ernst Guhl, num momento em que a história da arte estava redefinindo seus objetivos e seus métodos. Não se pode, contudo, deixar de destacar que o fato de os livros de 1859 e 1876 terem sido escritos por mulheres é de grande importância para a causa feminina, pois eles permitiam demonstrar, por meio de exemplos concretos, que as artistas constituíam um contingente nada desprezível ao longo dos séculos e que estavam prontas a ocupar um lugar de relevo na sociedade contemporânea. Mesmo entre hesitações e contradições, as mulheres destacadas por Ellet e Clayton punham em xeque o que uma escritora contemporânea como Dinah Maria Mulock Craik (1826-1887) afirmava sobre a profissão de artista. Dentre as quatro profissões reservadas ao sexo feminino – ensino, pintura ou arte, literatura e entretenimento –, a segunda era “a mais difícil – [e] em sua forma mais elevada, talvez quase impossível para as mulheres”, por envolver o desenho com modelo vivo e a dissecação anatômica. A autora inglesa lembra que as mulheres que se dispusessem a entrar no campo artístico deviam “persistir nos cânones mais rigorosos da arte” para não rebaixarem o gosto público, não tomarem o lugar de outro competidor e não provocarem danos à sociedade. O alerta de que a vocação requeria uma “aplicação fervorosa e, às vezes, a devoção total de uma existência”, “grandes sacrifícios”, além de estar repleta de “milhares de interpretações errôneas, dificuldades e tentações”, é seguido por uma pergunta: a mulher não teria uma vida “mais natural e, portanto, provavelmente mais feliz” se se dedicasse a profissões femininas, abdicando do papel de gênio que ilumina o mundo? ( CRAIK, 1859 , pp. 44, 50, 52, 55-56).

Incitar as artistas a lutar por seus direitos, como faz sobretudo Clayton, não é de pouca conta num momento em que mais e mais mulheres adentravam um campo considerado pouco congenial a suas possibilidades, levando James a emitir a opinião de 1897, ou a fazer pouco, alguns anos depois, da escultora norte-americana Harriet Hosmer (1830-1908) com a qual Ellet (1859 , p. 340) encerrava Women Artists in all Ages and Countries , asseverando que seu sucesso era decorrência de “talento, combinado com diligência e energia”. Em William Wetmore Story and his Friends (1903), o romancista reconhece que Hosmer tinha um “temperamento forte, vigoroso e interessante”, mas atribui sua fama à capacidade de estabelecer relações de amizade com os possíveis clientes ( JAMES, 1903 , pp. 257-258)11.

Diante de um panorama semelhante, agrupar as mulheres que haviam se destacado nas artes visuais não implicava separá-las da história da arte e de seus protagonistas masculinos. A operação era mais sutil, pois ia além do campo artístico. Sendo o público ao qual as biografias se dirigiam preferencialmente feminino, este poderia estabelecer uma relação de empatia com as artistas retratadas, pois partilhava com elas a condição de “vítima de uma sociedade patriarcal e de suas leis”. Estendendo a Ellet as considerações de Lasa Álvarez sobre Clayton, pode-se dizer que as biografias mostravam como as artistas conseguiram superar os obstáculos que se interpunham entre elas e seu desejo de realização profissional, estimulando as leitoras a participar de uma “comunidade de mulheres real ou imaginária, todas irmãs com aspirações artísticas, mas também com importantes responsabilidades sociais e políticas” (LASA ÁLVAREZ, 2020, p. 43). Isso talvez explique o tratamento seco dado por Ellet (1859 , p. 211) a Constance Mayer (1775-1821), “renomada por seus retratos”. Situada no rol das artistas que pintavam “à maneira de Greuze” e que, posteriormente, foi “discípula e amiga de Prud’hon” (1758-1823), Mayer tem ocultado o suicídio, muito explorado no século XIX pela ideologia de gênero como exemplo de um fracasso amoroso e como confirmação de que o desejo final de toda mulher era construir uma vida familiar ( HAFERA, 2015 , pp. 115-117). Se o recato requerido da mulher oitocentista explicaria a ausência de qualquer menção ao estupro sofrido por Gentileschi em 1611, é mais provável ainda que as duas escritoras não estivessem a par do episódio. De fato, ele só havia sido comentado por Giovanni Battista Passeri (1772), de maneira mais explícita, e por Alessandro da Morrona (1812), por meio de um eufemismo, e, ao que tudo indica, eles não constavam das fontes consultadas por ambas (FABRIS, 2020b).

Em termos artísticos, mesmo não sendo especialistas, Ellet e Clayton conseguem deixar algumas lições para as historiadoras feministas dos séculos XX e XXI. A primeira percebe que determinadas categorias estilísticas consideradas “femininas” podem ser encontradas no léxico de diversos artistas ou caracterizar um período como o século XVIII. Nesse sentido, suas observações podem servir de contraponto à assertiva de Rozsika Parker e Griselda Pollock (1982, p. 9) de que Giorgio Vasari (1511-1574) só conseguia ver na obra da escultora Properzia de’ Rossi (1590-1630) qualidades como “sutileza, polimento e uma maneira delicada”, sem levar em conta que o biógrafo estava usando categorias maneiristas e que atributos semelhantes estavam amplamente presentes em obras de artistas de sexo masculino12. As duas autoras oitocentistas ajudam também a contrastar certas afirmações categóricas de Germaine Greer, que coloca sob o signo da “ilusão do sucesso” avaliações elogiosas de obras femininas, pois isso nada mais fazia do que desarmar as mulheres que competiam com os homens num terreno hostil, transformando-as em anomalias (GREER, 1979, pp. 68-69, 72). Mais uma vez, a questão é bem mais complexa, pois o uso de certas categorias indica, ao contrário, um reconhecimento da excelência profissional das artistas e de suas capacidades de negociação e de inserção num universo absolutamente masculino. O caso de Sirani analisado por Greer e presente no livro de Ellet permite demonstrar que a pintora bolonhesa alcançou a designação de “mestra” junto a seus contemporâneos, que reconheceram em sua pintura qualidades consideradas masculinas como “engenho” e “invenção”, chegando a ser denominada “Pintor” pelo talento e pelo domínio profissional ( MODESTI, 2018 ).

Outro episódio envolvendo Sirani – a acusação de que não havia pintado obras a ela atribuídas – é tratado com certo distanciamento por Ellet. Usando como fonte o livro Felsina pittrice: vite de’ pittori bolognesi (1678), em que Carlo Cesare Malvasia (1616-1690) desmentia calúnias segundo as quais o verdadeiro autor de suas obras era o pai – pois, conforme se dizia, este “astutamente [...] as próprias coisas a ela atribuía para torná-las mais raras e admiradas, como operação de mulher” ( MALVASIA, 1841 , t. 2, p. 402) –, a autora toma o partido da pintora e lembra um episódio particular: na presença de ilustres visitantes, Sirani “desenhou e sombreou temas escolhidos por cada um com tamanha agilidade que os incrédulos ficaram confusos” ( ELLET, 1859 , p. 49). Greer (1979 , pp. 102-103), ao contrário, confere um tom dramático ao episódio, definindo a exibição pública “o meio mais seguro de acabar com tal calúnia”. A razão, porém, está do lado de Ellet, pois foi provado que Sirani adquiriu grande reputação na década de 1660 graças ao trabalho promocional do pai, de Malvasia e de outros dois fidalgos bolonheses e que as sessões de pintura na presença de pessoas ilustres faziam parte dessa estratégia. Além disso, ela doava obras “em gesto diplomático” para potenciais clientes, confiando que dessa “generosidade” poderiam advir futuras encomendas ( MODESTI, 2018 , p. 134; WHITE, 2019 , pp. 18-19).

Estes poucos exemplos parecem ser suficientes para demonstrar que, em vez de depreciar o trabalho de autores oitocentistas com generalizações, cabe aos historiadores atuais a tarefa de aprofundar a leitura dessas coletâneas, pois elas permitem retificar uma realidade distorcida e consolidar aspectos da criatividade feminina dispersos em antologias biográficas e tratados, a começar por Plínio, o Velho (23-79). No caso específico de Ellet e Clayton, não se pode esquecer que ambas se insurgem contra o principal meio de manutenção da subordinação feminina: a falta de conhecimento das mulheres sobre a própria história de luta e conquistas. Afinal, como enfatiza Gerda Lerner, para as mulheres o ingresso na história ocorre no século XIX, enquanto os homens tinham esse direito assegurado desde o terceiro milênio a.C., graças ao “ato de registrar, definir e interpretar o passado” (LERNER, 2019, pp. 276-277). Parker e Pollock (1982 , pp. 10-13) atribuem a Ellet um maior senso histórico em relação à ideologia dominante na sociedade vitoriana, pois ela teria reconhecido que valores sociais e não biológicos estariam na base das formas artísticas mais praticadas pelas mulheres. Clayton, por sua vez, ao lado de autores como Clara Clement ( Women in the Fine Arts, from the Seventh Century b.C. to the Twentieth Century , 1904) e Walter Sparrow (organizador de Women Painters of the World: From the Time of Caterina Vigri 1413-1467 to Rosa Bonheur and the Presente Day , 1905), incumbe-se do registro da presença de mulheres nas artes visuais, reconhecendo as dificuldades enfrentadas em termos institucionais e sociais. Tais livros demonstram que

as mulheres na arte têm uma história, embora diferente das normas aceitas, em virtude de sua relação particular com estruturas oficiais e modos de produção artística predominantemente masculinos. Pois, as mulheres artistas não atuam fora da história cultural, como muitos comentadores parecem acreditar, mas foram antes obrigadas a atuar por dentro, a partir de um lugar diferente daquele ocupado pelos homens. (PARKER, POLLOCK, 1982, pp. 13-14)13

Uma leitura atenta e despida de preconceitos de tais obras, às quais podem ser acrescentados outros títulos – Les femmes dans l’art (1893), de Marius Vachon, Women Artists in Europe and America (1903) e Women in the Fine Arts (1906), de Clement e The Women Artists of Bologna (1907), de Laura Ragg –, talvez não avalize de todo o diagnóstico de Parker e Pollock, pois, em alguns momentos, seus autores dão a impressão de confundir história com natureza e sociologia com biologia. Ellet, por exemplo, defende a existência de qualidades femininas “naturais” e não deprecia as virtudes domésticas, parecendo confirmar, por vezes, a doutrina patriarcal da “esfera específica da mulher”. Isso, porém, não lhe impede de denunciar a opressão feminina baseada em relações de domínio e hierarquia e de mostrar como a mulher foi capaz de desenvolver a própria criatividade em condições adversas. Clayton, por seu lado, não deixa de partilhar certas ideias correntes, mas dá a impressão de ser mais assertiva na denúncia da “assimetria sexual”, isto é, da atribuição de papéis e tarefas diferentes a mulheres e homens, tida como “natural” por estar alicerçada em fatores biológicos ( LERNER, 2019 , pp. 42-43, 54). Seu desassossego com o casamento e a maternidade como elementos que tolhem a criatividade da mulher seriam indícios dessa visão menos condicionada aos padrões contemporâneos.

Os livros de Ellet e Clayton fornecem respostas indiscutíveis às perguntas formuladas por Parker e Pollock no século XX:

Existiram artistas mulheres? Em caso positivo, o que criaram? Por que fizeram o que fizeram? Que fatores condicionaram suas vidas e obras? Que dificuldades encontraram as mulheres, e como superaram discriminação, desabono, desvalorização, rejeição, na tentativa de ser artista numa sociedade que, desde o Livro do Gênesis, associa o direito divino da criatividade apenas com os homens? ( PARKER; POLLOCK, 1982 , p. 1)14

Embora, em diversos momentos, as duas autoras enveredem pela questão de um estilo “feminino”, é indubitável que, em outros, mostram ter plena consciência de que as artistas estavam mais próximas das realizações de seus contemporâneos, com os quais partilhavam um idioma formal e expressivo, do que de eventuais antecessoras. Clayton, no fundo, não está muito distante da pergunta formulada por Linda Nochlin em 1971, pois ela cita um rol de motivos que estorvavam as realizações femininas no campo artístico, dentre os quais a exclusão do ensino acadêmico e a falta de incentivo e reconhecimento por parte da família e das instituições oficiais ( NOCHLIN, 2001 , pp. 21-24, 28-29).

Ellet reconhece explicitamente a dívida que tem com o livro de Guhl e com outras fontes como Vasari e The Englishwoman’s Journal 15, mas o fato de sua obra, bem como a de Clayton, não trazerem abordagens originais, em nada desmerece sua contribuição a uma visão mais articulada das realizações artísticas das mulheres, que deixam de ser vistas por um prisma vitimário para se tornarem “sujeitos e agentes da história”. De maneira direta e indireta, as duas autoras apontam aspectos centrais do sistema patriarcal que tolhem a liberdade feminina: doutrinação de gênero, carência educacional, negação do conhecimento da própria história. Embora presa às convenções vitorianas, Clayton nem sempre se deixa levar pela ideia de que a atividade sexual cria uma discriminação entre “respeitabilidade” e “desvio” ( LERNER, 2019 , pp. 29, 267), como comprova sua suspensão de juízo sobre a vida nem tão exemplar de Gentileschi. Entre avanços e recuos, os mosaicos biográficos construídos pelas duas escritoras merecem a atenção dos historiadores contemporâneos, que podem confirmar com eles o caráter histórico de todo e qualquer relato, longe de categorias restritivas e pré-concebidas. Dotados de um caráter problemático, os dois livros podem ser vistos como um convite a repensar sua historicidade, sua materialidade e suas circunstâncias de produção e circulação, a fim de não incorrer em leituras estáticas. As críticas que podem ser feitas a suas autoras deveriam abrir os olhos para a necessidade de verificar as contribuições feitas desde a década de 1970, marcadas por construções ideológicas necessariamente instáveis e provisórias e por outros tipos de preconceitos e interpretações discutíveis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • WHITE, Heather Elizabeth. Sirani, Iole and Protofeminism in Early Modern Bologna . Provo: Brigham Young University, 2019.

NOTAS

  • 1
    . Exceto quando indicado o contrário, todas as traduções são da autora deste texto.
  • 2
    . Como esclarece Gerda Lerner, o conceito de emancipação envolve três aspectos: liberdade das restrições biológicas e sociais impostas pelo sexo; autodeterminação, isto é, ser livre para definir o próprio destino, o próprio papel social e para determinar o uso do próprio corpo; autonomia, ou seja, independência financeira, escolha do próprio estilo de vida e plena vivência da própria orientação sexual. Tudo isso, conclui a autora, “sugere uma transformação radical de valores, teorias e instituições existentes”. Cf. LERNER (2019, p. 287).
  • 3
    . O fato de os preconceitos contra as mulheres serem mais arraigados na Irlanda do que na “mais prática Inglaterra” era consequência do predomínio do tripé família-educação-religião, que criava sérios estorvos à participação feminina na vida pública. Num livro publicado em 1879, Female Warriors. Memorials of Female Valour and Heroism, from the Mythological Ages to the Present Era , Clayton investe decididamente contra o preconceito popular que via na mulher uma personalidade “necessariamente tímida” por ser “uma criatura pobre, fraca, crédula e facilmente influenciável”. Quando os fatos desmentem essa ideia, ela é “censurada por ser masculina”, o que equivale a mandá-la de volta para tarefas típicas de seu sexo como bordar e tocar alaúde. Cf. LASA ÁLVAREZ (2020 , pp. 41-42).
  • 4
    . A exclusão dos jantares só será abolida em 1967, depois da campanha promovida pela gravadora Gertrude Hermes (1901-1983). Cf. WICKHAM (2018) .
  • 5
    . Ao referir-se à obra, Linda Nochlin escreve que ela representa seu “único membro feminino, a renomada Angelica Kauffman, a qual, em nome da decência, se encontra presente apenas em imagem, com seu retrato pendurado na parede”. Cf. NOCHLIN (2001, p. 31).
  • 6
    . Desde 1951, sabe-se que De Rosa não foi assassinada pelo marido por suspeita de adultério.
  • 7
    . Em diversos momentos, a autora manifesta certo desconforto com o fato de algumas artistas não serem nativas da Grã-Bretanha. Escreve, por exemplo, que Susannah Horenbout (1503-c.1554) e Levina Teerling (1520-1576), “infelizmente não são inglesas”. Na biografia de Marie Spartali Stillman, lamenta outra circunstância: “É um pouco estranho e, talvez um tanto mortificante, constatar que tão poucas de nossas artistas são de ascendência inglesa direta”. Cf. CLAYTON (1876 , v. 1, p. 5; v. 2, p. 135).
  • 8
    . Para dados ulteriores sobre a relação entre Gentileschi e Lanier, ver FABRIS (2020b).
  • 9
    . Na correspondência com o amante Francesco Maria Maringhi, a artista manifesta a intenção de sair de Florença (1620) e dirigir-se a Bolonha, em busca de “melhor sorte”. Endividada, ela se mira na fama adquirida por Lavinia Fontana junto à aristocracia da cidade. Cf. TEDESCO (2018 , p. 99).
  • 10
    . Não é possível saber a qual das versões do tema a autora está se referindo, pois Gentileschi pintou quatro quadros com este título: 1610, 1649, 1650 e 1652.
  • 11
    . O escritor menciona malevolamente outras duas escultoras neoclássicas norte-americanas: uma que tinha conquistado a fama em virtude do contraste entre a cor da pele e seu material plástico (a mestiça Edmonia Lewis, 1844-1907) e outra que conseguia encomendas por seu aspecto físico (Vinnie Ream, 1847-1914).
  • 12
    . Para dados ulteriores, ver FABRIS (2020a).
  • 13
    . Sparrow, na realidade, busca definir as peculiaridades de um estilo feminino, tendo como parâmetros aspectos expressivos e a preferência por certos temas. Artistas como Gentileschi e Cecilia Beaux (1855-1942) obrigam-no, porém, a reconhecer a existência de características pessoais, nem sempre condizentes com a ideia de uma natureza feminina.
  • 14
    . O Livro do Gênesis mostra Jeová como único criador do universo, sem aliança ou laços familiares com alguma deusa. Criação e procriação deixam, assim, de estar ligadas. A simbolização da criatividade confere ao sopro divino o poder criador, cabendo ao ato humano de nomear atribuir significado e ordem às coisas. “Mãe” da mulher, o homem tem autoridade sobre ela, em virtude do ato criador de Deus e de seu poder de nomear, que é igualmente uma manifestação de criatividade. Cf. LERNER (2019 , pp. 225-227).
  • 15
    . O livro de Ellet servirá de fonte para Women in the Fine Arts, from the Seventh Century b. C. to the Twentieth Century (1904), de Clara Clement. Cf. GARRARD (1980/1981, p. 59).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2021
  • Aceito
    26 Maio 2021
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