Resumo
O artigo apresenta a concepção de um projeto acústico para uma nova casa de ópera, denominada “O Guarani”, a ser implantada na capital federal, Brasília, com cerca de 1000 assentos. O foco principal do artigo é o condicionamento acústico da casa de ópera. São discutidos, inicialmente, os pressupostos básicos do ponto de escuta acústico que uma casa de ópera demanda. Os principais condicionantes, como o tempo de reverberação, devem contemplar tanto a música como a fala, o que é uma característica típica de uma casa do gênero. Definidos os materiais a serem utilizados e a concepção arquitetônica, parte-se, em seguida, para uma simulação computacional acústica, visando a determinação de parâmetros de qualidade acústica, como T 20, C 80 e D 50, para receptores distribuídos na plateia e balcões. Esses parâmetros se mostraram satisfatórios para o uso a que se destina o teatro proposto. Na sequência, é elaborada uma aurilização. Esta é preparada para uma ária da ópera “Don Giovanni”, de Mozart, a partir de uma gravação anecoica de uma soprano, interpretando o personagem D. Elvira, e dez instrumentos musicais acompanhantes. O resultado da aurilização - disponível em um link - parece evidenciar a boa qualidade sonora obtida pelo projeto acústico proposto.
Palavras-chave: Projeto arquitetônico; Acústica de casas de ópera; Parâmetros de qualidade acústica; Aurilização em salas
Abstract
The article presents the conception of an acoustic project for a new opera house, called “O Guarani”, to be implemented at the federal capital, Brasília, with about 1000 seats. The main focus of the article is the acoustic conditioning of the opera house. Initially, the basic assumptions from the acoustical point of view that an opera house demands are discussed. The main constraints, such as reverberation time, must take into account both music and speech which is a typical characteristic for a room of this kind. Once the architectural concept and the materials to be used have been defined, a computational simulation is carried out, aiming to determine acoustic quality parameters, such as T20, C80 and D50, for receivers distributed in the audience. These parameters proved to be satisfactory for the intended use of the proposed theater. An auralization is then conducted. This is prepared for an aria of the opera “Don Giovanni”, by Mozart, from an anechoic recording of a soprano, interpreting D. Elvira, and ten accompanying musical instruments. The result of the auralization - available at a link - seems to show the good sound quality obtained by the proposed acoustic project.
Keywords: Architectural project; Opera house acoustics; Acoustical quality parameters; Auralization in rooms
Introdução
Casas de ópera não são muito comuns no Brasil, possivelmente porque a audição desse gênero não está entre as atividades culturais mais difundidas entre nós. Todavia, isso não foi sempre assim. Por exemplo, o Teatro Amazonas que é amplamente considerado um dos mais belos teatros do mundo (Garrigues, 2021), inaugurado em 1896 visando atender uma elite amazonense importante durante o ciclo da borracha, foi tombado pelo patrimônio histórico em 1966 (IPHAN, 2023). As grandes metrópoles brasileiras dispõem de algumas casas de espetáculo voltadas para a execução de música dita erudita como, a título de exemplo, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro e a Sala Cecília Meireles, ambos na cidade do Rio de Janeiro, e a Sala São Paulo (Marco; Zein, 2001), na cidade de mesmo nome, esta já famosa por sua acústica variável devido a seu forro móvel (Tenenbaum; Oliveira; Müller, 2013).
Todavia, não há, nem mesmo nas grandes cidades do Brasil, casas dedicadas à execução de óperas, em particular na capital de nosso país, Brasília. A acústica exigida para uma casa de ópera é bastante distinta daquela ideal para uma sala de concertos (Cremer; Muller, 1978a, 1978b; Bistafa, 2011). Isso se deve, essencialmente, ao fato de que um programa de ópera mescla música sinfônica com a palavra cantada, o que exige, para uma boa compreensão do libreto por parte do público, uma maior inteligibilidade da fala e, consequentemente, um tempo de reverberação mais reduzido, além de outros aspectos do ponto de escuta acústico.
Este artigo discute um novo projeto para uma casa de ópera de pequeno porte - cerca de mil assentos - na cidade de Brasília, com foco em sua acústica interna. Além de seu projeto arquitetônico, discutem-se aqui aspectos importantes sobre sua concepção acústica, materiais de acabamento, bem como seus parâmetros de qualidade acústica. Os requisitos recomendados na literatura internacional sobre casas de ópera são discutidos e os resultados da simulação computacional são apresentados. Ao final, é realizada uma aurilização, ou seja, uma imersão do leitor no interior da sala, para alguns dos assentos, ouvindo uma ária da ópera “Dom Giovanni”, de W.A. Mozart.
O local escolhido para a implantação do teatro se encontra na SGAS 605, no bairro Asa Sul, em Brasília. Um dos principais motivos para a escolha é a oportunidade cultural que o teatro pode gerar na região. O fato de o maior teatro da cidade, o Teatro Nacional, estar fechado há mais de oito anos fez com que surgisse a oportunidade de trazer uma nova opção de lazer e atividade cultural para a capital do país. Com uma boa acessibilidade, estando a uma pequena distância do ponto de ônibus mais próximo que passa na movimentada rua L2 Sul e a aproximadamente 1,5 quilômetros da estação do metrô da 102 Sul e da 108 Sul.
O nome escolhido para o teatro foi “O Guarani”, claramente uma homenagem a Antônio Carlos Gomes, considerado o maior dentre os compositores de ópera do Brasil, principalmente do estilo romântico. Sua obra mundialmente mais famosa “Il Guarany”, é baseado no romance “O Guarani” de José de Alencar. O conceito do projeto partiu dessa obra musical, tendo como base a cultura do povo autóctone Guarani, e o partido adotado é a casa de reza, construção muito comum entre os povos Guaranis, considerada o coração da aldeia, com as formas sinuosas, cores e materiais encontrados na natureza.
O artigo está estruturado como se segue. Na Seção 2 é apresentado o referencial teórico, onde os condicionantes acústicos para uma casa de ópera são apresentados e discutidos. Na Seção 3, apresenta-se o método utilizado no trabalho, detalhando alguns aspectos do projeto arquitetônico, bem como os critérios utilizados para se estabelecerem os parâmetros acústicos, o material de acabamento interno da sala, assim como os software utilizados. Na Seção 4 são apresentados os principais resultados e discussões, sendo indicados os resultados das simulações computacionais, particularmente os tempos de reverberação da sala e demais condicionantes acústicos adequados a uma sala de ópera. Finalmente, na Seção 5 são estabelecidas as principais conclusões do trabalho.
Referencial teórico
Para a concepção de projetos em arquitetura, os pilares do conforto ambiental (térmico, lumínico e acústico) devem ser observados para, além da estética, oferecer aos usuários espaços adequados ao bem-estar. Em se tratando de conforto acústico, duas vertentes principais costumam ser observadas: o isolamento acústico, em que o sistema construtivo do espaço em questão é calculado de forma a minimizar a transmissão sonora entre ambientes (Carvalho, 2010), e o condicionamento acústico, que consiste no estudo para a correta determinação de materiais e formas que irão compor o interior desse ambiente, de maneira a adequá-lo ao tipo de atividade que ali será realizada (Long, 2006; Kuttruff, 2009; Brandão, 2016). No caso do projeto aqui apresentado, apenas o condicionamento acústico é discutido, uma vez que esse é o condicionante mais delicado e sutil e que, afinal, irá determinar se o teatro é acusticamente adequado à atividade fim.
O estudo que envolve o condicionamento acústico é um processo fundamental sobretudo em salas performáticas, como teatros, em que um suporte adequado é necessário para o sucesso de apresentações diversas (Meyer, 1986; Rêgo, 2013). O formato e a composição da superfície diante da qual a frente de onda se choca intervêm diretamente na forma como cada porção de energia será redirecionada (Barron; Lee, 1988). Tendo isso em vista, a geometria da sala em questão também ditará, com prevalência, seu bom ou mau desempenho. Segundo Brandão (2016), por exemplo, em salas cuja prioridade de uso é a música, as reflexões laterais são mais importantes, o que torna salas de formato retangular mais agradáveis ao ouvinte (Barron; Marshall, 1981; Borish, 1984; Cremer, 1989). Contudo, para salas orientadas à fala é importante observar que as primeiras reflexões carregam o conteúdo mais relevante, fazendo com que uma maior proximidade entre o palestrante e o ouvinte seja um alvo a perseguir (Bradley; Soulodre, 1995; Bradley, 1986). Assim, salas em formato de leque para esse segundo tipo de uso são mais recomendadas, desde que as paredes do fundo não sejam côncavas (Figura 1). Em casas de ópera, observamos o uso voltado tanto para a música como para a fala, já que a intensidade e a presença da voz na música é algo importante a ser considerado (Barron, 1993; Sugden, 1994; Beranek, 1996; Hidaka; Beranek, 2000).
Além do formato da sala, a forma escolhida para cada superfície influencia a distribuição sonora no ambiente. Superfícies convexas em auditórios são um recurso muito útil, sobretudo em situações em que uma superfície plana poderia trazer efeitos indesejáveis. Por outro lado, as superfícies côncavas são particularmente perigosas por concentrarem o som. Estas eram relativamente comuns em salas de teatro e concerto do século XIX, contudo, muitas vezes constituem sua principal falha (Beranek, 1996).
A composição das superfícies internas do ambiente também irá contribuir no resultado sonoro encontrado no espaço. Na Figura 2, extraída e adaptada de Ballou (2008), é possível observar a diferença na interação de uma frente de onda com uma superfície absorvedora, reflexiva e difusora. Na Figura 2a, pode-se observar que a porção de energia inicial apresentada no gráfico temporal como “som direto” é em grande parte absorvida pelo material, apresentando-se em um segundo momento em menor intensidade. Na Figura 2b, a maior parte da energia que entra em contato retorna como reflexão especular, sendo refletida de maneira concentrada e direcional. Na Figura 2c, é possível observar que a reflexão ocorre de forma distribuída no tempo e sem que haja um ângulo predominante indicando direção. Entender a característica acústica dos materiais é fundamental para que sejam utilizados de forma adequada. Os materiais absorvedores são importantes para o controle da reverberação, os refletores colaboram no reforço sonoro e os difusores garantem uma melhor distribuição do som no espaço. Cabe ao projetista utilizar esses recursos com sabedoria, sempre realizando os estudos e testes necessários, visando a qualidade final do projeto (Cox; D’Antonio, 2004). Uma métrica importante é a observância do coeficiente de absorção dos materiais, geralmente fornecidos pela literatura e/ou por fabricantes confiáveis de materiais acústicos, onde os valores dos coeficientes são usualmente dados por bandas de 1/1 oitavas, com variação entre 0 (nenhuma absorção) e 1 (absorção total).
Considerando aplicações geométricas elementares é possível demonstrar que o raio sonoro refletido pode ser considerado como originário da imagem espelhada da fonte (Rindel, 1992), como observado na Figura 3 (a). A distância da imagem ao refletor é a mesma que a da fonte ao refletor. De tal forma, é possível determinar o som refletido por elementos criados para esse fim, como observado na Figura 3 (b).
Outra questão de importante discussão é a determinação do tempo de reverberação (TR) e demais parâmetros, ideais para o uso em casas de ópera. A Figura 4, adaptada de Barron (1993), apresenta um gráfico do TR médio em função do volume de casas de ópera consagradas, onde um marcador referente ao projeto em questão foi incluso e será melhor discutido posteriormente. Tempos de reverberação mais curtos são encontrados em casas que possuem um uso voltado ao teatro, como podemos observar, por exemplo, na Buxton Opera House, o que não é o ideal para a música. Por outro lado, um TR de 1,8 segundos é considerado ideal para música orquestral, mas é improvável que a fala seja inteligível. Sendo assim, Barron (1993) destaca que tempos de reverberação para ópera entre 1,3 e 1,8 segundos parecem ser os mais apropriados.
É importante que medidas específicas sejam respeitadas, encontradas em grande parte das casas de sucesso do ponto de vista acústico, para que o processo de concepção do projeto seja pautado sob tais premissas e alcance os parâmetros adequados esperados para salas do gênero. Dessa forma, na Figura 5 podem ser observadas algumas dessas diretrizes, como as medidas esperadas para o fosso da orquestra e altura e profundidade das galerias superiores (Barron, 1993).
O referencial apresentado fez parte da pesquisa realizada para a concepção do projeto da Casa de Ópera “O Guarani” e são informações importantes a serem buscadas para projetos do gênero.
(a) Relação entre a fonte e sua imagem com a reflexão especular e (b) corte simplificado de um auditório mostrando a área de influência de um refletor
Gráfico do tempo de reverberação médio das frequências de 500 Hz e 1 kHz em função do volume, em diferentes casas de ópera ocupadas pelo público
(a) Proporções base a serem utilizadas para concepção do fosso da orquestra e (b) relação entre profundidade e altura de galerias superiores
Método
A partir das considerações apontadas na seção anterior, a forma do teatro (paredes, balcões e guarda-corpos) foi pensada em benefício do alcance do campo acústico ideal. A angulação, tamanho e forma desses elementos foram estudados (Figuras 6 e 7), buscando otimizar a distribuição sonora, sobretudo as reflexões iniciais, contribuindo com a inteligibilidade necessária para o espaço (Barron, 1993; Beranek, 1996; Ballou, 2008). A utilização de formas convexas nas laterais, fundo, balcões e guarda-corpos também foram projetadas com esse intuito.
No processo de concepção desse estudo preliminar, questões ergonômicas e legislativas foram levadas em consideração, pautadas por normas regulamentadoras como NBR 9050 (ABNT, 2015), NBR 9077 (ABNT, 2001), além do código de obras e o plano de uso e ocupação do solo da cidade, onde questões como medidas mínimas fundamentais para áreas de circulação, máxima inclinação para rampas de acessibilidade, disposição de assentos com curva de visibilidade adequada, entre outras decisões projetuais foram tomadas com os regimentos em observação. Sendo este um projeto desenvolvido para um concurso estudantil de acústica, o trabalho é aqui descrito com foco nesse sentido, contudo, algumas dessas questões também foram apontadas e podem ser observadas na Figura 7. A luminotécnica inclusa nas ilustrações foi posta de forma a ilustrar as imagens apresentadas. Para fases posteriores, é sabido que cálculos e compatibilizações para essa e outras disciplinas são necessários para o andamento do projeto executivo.
As medidas adotadas para os balcões e fosso da orquestra seguiram as recomendações básicas da literatura, sobretudo Barron (1993) e Beranek (1996), onde algumas medidas determinadas podem ser observadas na Figura 8.
Para o desenvolvimento do projeto arquitetônico, concepção e detalhamento técnico à renderização, o software Revit Architecture® foi utilizado. Posteriormente, um modelo volumétrico simplificado, com 770 faces, foi criado no programa de modelagem SketchUp® (Figura 9), para a importação nos simuladores acústicos utilizados.
Os programas de simulação acústica de salas utilizados foram o Odeon®, na Versão 11, e o RAIOS®, na Versão 7.
Simulação acústica e aurilização
A predição acústica em fase de projeto evoluiu com o avançar da tecnologia, tornando-se um processo muito mais rápido e confiável. Apesar de não revelar uma completa expressão da verdade, alguns dos programas existentes conseguem imprimir um senso de realidade virtual a partir da possibilidade de geração de aurilizações.
Estudo da forma dos refletores acústicos (a) e refletores acústicos distribuídos sobre a plateia da sala (b)
Aplicando-se o cálculo da frequência de Schroeder, Equação 1, obtém-se o valor de 17,4 Hz. Portanto, a sala contempla os condicionantes da Acústica Geométrica (GA) e não se faz necessária a análise de seu comportamento modal.
Diferentes métodos de cálculo são utilizados para o desenvolvimento dos algoritmos, onde o objetivo é encontrar a melhor maneira de simular um campo acústico. Existem vantagens e limitações em cada um deles. O software Odeon® é um programa comercial desenvolvido inicialmente a partir de uma cooperação entre a Universidade Técnica da Dinamarca e um grupo de empresas de consultoria. Seu método de cálculo é descrito como uma combinação entre os métodos das fontes virtuais, espalhamento precoce, traçado de raios e radiosidade. As configurações atribuídas encontram-se no Quadro 1.
O software RAIOS® foi utilizado para a geração das aurilizações da sala, onde os dados de entrada estão apresentados no Quadro 2. Acrônimo de Room Acoustics Integrated and Optimized Software, o RAIOS® é um programa implementado por pesquisadores brasileiros que vem sendo desenvolvido desde o final da década de 1990, estando atualmente em sua Versão 7. Conforme indicado por Tenenbaum et al. (2007) e Tenenbaum, Taminato e Melo (2018), a simulação é baseada em um método híbrido, onde as reflexões especulares são obtidas por uma técnica aprimorada de traçado de raios e as reflexões difusas são calculadas usando o método de transição de energia.
Para o estudo do modelo foram definidos cinco receptores e seis fontes, onde apenas a primeira fonte (F1, sobre o palco) foi considerada para o cálculo e avaliação dos parâmetros objetivos de qualidade acústica (T 20, D 50 e C 80). As demais fontes foram utilizadas para a geração das aurilizações da sala em conjunto com a primeira. Na Figura 10 pode ser observado um corte volumétrico com os pontos de fonte (em vermelho) e recepção (em amarelo) demarcados, assim como suas coordenadas cartesianas (x em laranja, y em verde e z em azul). Os pontos onde estão localizadas as fontes sonoras são em número de seis, sendo F1 localizado no palco (cantora) e as demais distribuídas no fosso da orquestra. Já os receptores, em número de cinco, estão distribuídos entre as diversas seções da plateia e dos balcões.
Marcação dos pontos de fonte e recepção utilizados para as simulações, com suas coordenadas, em metros
Materiais atribuídos
Os materiais foram atribuídos inicialmente considerando as recomendações encontradas na literatura e comumente utilizados em casas de sucesso e são facilmente encontrados para uso no mercado nacional. A Figura 11 apresenta os materiais apontados. Os coeficientes de absorção e espalhamento adotados foram extraídos de laudos acústicos fornecidos por fabricantes, bancos de dados confiáveis (Brinkmann et al., 2021) e normas técnicas relevantes (ABNT, 1992), e podem ser observados na Tabela 1.
Para um melhor ajuste dos parâmetros acústicos da sala, a fim de uma resposta mais plana na faixa de frequência em análise, foram criados painéis com alta absorção em frequências nas bandas de 1/1 oitava de 63 e 100 Hz. O método utilizado para averiguar a potencial absorção das placas é composto por uma matriz de transferência com código em Python desenvolvido e validado por Petrolli, Zorzo e D’Antonio (2021).
Os painéis desenvolvidos contam com: placa com perfurações de 10 mm de diâmetro e espessura de 10 mm, material poroso de 100 mm de espessura, resistividade ao fluxo de 15.845 rayls e câmara de ar de 140 mm. Foram utilizadas duas configurações, alterando-se apenas a distância entre eixos dos furos nas placas, a primeira com frequência de ressonância em 63 Hz e distância de 110 mm entre os eixos, e a segunda centrada em 100 Hz com distância de 90 mm. Um esquema das configurações pode ser observado na Figura 12.
Resultados
Os resultados apresentados a seguir são da simulação da sala com sua geometria definida e os coeficientes de absorção e espalhamento de todos os materiais nela inseridos.
Concepção projetual
A estética do projeto seguiu o conceito e o partido da casa de reza, e as imagens renderizadas podem ser observadas nas Figuras 13, 14 e 15. O material predominantemente utilizado foi a madeira, em duas tonalidades, fazendo marcações em formas orgânicas que remetem a formas encontradas nos troncos das árvores. Assim como o verde do carpete, cortinas, e poltronas, compõem a referência às florestas, em harmonia com a temática proposta. A Figura 13 exibe os refletores dispostos na parte superior, sobre a plateia e o fosso de orquestra, conforme indicado por Halmrast, Buen e Ihlen (2003).
Painéis absorvedores desenvolvidos para o atendimento à necessidade de absorção em baixas frequências
Parâmetros de qualidade acústica
Os resultados calculados dos parâmetros acústicos que serão apresentados a seguir foram simulados para um ponto de fonte (F1) e cinco pontos de recepção (R1, R2, R3, R4 e R5) e seguem, para cada receptor, as cores da Figura 16. São calculados segundo a norma ISO 3382-2 (ISO, 2008) a partir das respostas impulsivas simuladas para cada receptor.
Com um volume total de 17.183,74 m³, e uma plateia constituída por 1.003 espectadores, os tempos de reverberação por bandas de 1/1 oitava obtidos constam da Figura 17.
Os parâmetros D 50 e C 80 se prestam à análise da energia inicial e final da resposta impulsiva (RI) (Figura 18). O D 50 avalia a razão entre a energia inicial no intervalo de 0 a 0,50 ms e a energia total da RI. Valores maiores do que 0,5 são desejados para o D 50 em salas cuja a prioridade de uso é a fala, traduzindo uma maior energia nas reflexões iniciais, necessária para uma maior inteligibilidade. O C 80 avalia a razão entre a energia inicial no intervalo de 0 a 0,80 ms e a energia subsequente, convertida em escala logarítmica. Para o C 80, valores entre -1 e 5 dB foram relatados como preferidos em salas voltadas para o uso da música (Beranek, 1996).
Discussão dos resultados
O tempo de reverberação encontrado para a sala, aproximadamente 1,3 segundos em 1 kHz, apresentou valores globais aceitáveis levando-se em consideração o apontado por Barron (1993) e ligeiramente abaixo do recomendado pela normativa NBR 12179 (ABNT, 1992). Observando isoladamente, para cada par fonte-receptor, os valores encontrados mostraram-se similares, indicando um tempo de reverberação uniforme.
A definição (D 50) encontrada para os receptores 1 e 5, apresentou resultados iguais ou superiores a 0,50, que indica uma melhor inteligibilidade. Para os demais receptores, valores entre 0,2 e 0,4 foram encontrados. Para a clareza (C 80), os resultados mostraram-se alinhados com o adequado para espaços em que ocorrerão apresentações musicais, apresentando valores entre 6 e -2 dB.
Observando-se a multidisciplinaridade devido ao tipo de apresentação que uma ópera compõe, os valores obtidos em simulação para a sala “O Guarani” apresentam um balanço entre o recomendado para fala e música, com resultados mais favoráveis à música.
Cores apresentadas nos gráficos dos parâmetros acústicos calculados referentes a cada receptor
Aurilização
Uma ária da ópera Don Giovanni, com música de Wolfgang Amadeus Mozart e libreto de Lorenzo da Ponte foi escolhida para a aurilização da sala. O libreto trata de um personagem - o poderoso D. Giovanni - que é um abusador de mulheres. Há três protagonistas femininas conduzindo a cena: Dona Anna (traída, no passado, por D. Giovanni); Dona Elvira (que não consegue se libertar de D. Giovanni, no presente) e Zerlina (uma camponesa, que não se submeterá aos abusos de D. Giovanni, no futuro). A ária selecionada (3’42”) é cantada por Dona Elvira. Os instrumentos acompanhantes são dez: dois violinos, viola, violoncelo, contrabaixo, clarinete, fagote, flauta e duas trompas. Os instrumentos foram agrupados dois a dois, perfazendo cinco fontes sonoras distribuídas no fosso da orquestra (F2, F3, F4, F5 e F6) mais a soprano, representada pela fonte central (F1), à frente do palco, observadas na Figura 10.
As respostas biauriculares foram geradas no software Odeon®, e as aurilizações foram geradas no código computacional RAIOS®. A mixagem das seis fontes sonoras para cada um dos receptores também foi realizada no software RAIOS®. Os cinco arquivos de áudio correspondem à audição da ária nos cinco receptores selecionados, indicados de R1 a R5 na Figura 10, e podem ser ouvidos por meio do linkhttps://soundcloud.com/gabriel-b-r-sampaio/sets/teatro_guarani.
Considerações finais
Este trabalho apresentou o processo utilizado para o desenvolvimento de uma casa de ópera, sobretudo para o alcance do campo acústico adequado ao espaço. Simulações foram realizadas em dois programas de acústica de salas (Odeon® e RAIOS®), em que os principais parâmetros de qualidade acústica foram analisados. O maior desafio observado foi o equilíbrio dos valores calculados para os parâmetros de forma a satisfazer o tipo de uso esperado para sala, em que a música e a voz são coparticipantes. Todavia, a aurilização da sala, para os cinco receptores espalhados na plateia e nos balcões, demonstrou que a solução adotada, resultante das formas utilizadas e dos materiais selecionados para o acabamento das superfícies resultou em um bom equilíbrio entre a reverberação desejável à apreciação da música e a inteligibilidade necessária para o bom entendimento do libreto, tão necessários a uma boa casa de ópera.
O projeto em questão participou do II Concurso Estudantil de Acústica Conrado Silva de Marco (II CACS), que ocorreu no XII Congresso Iberoamericano de Acústica e XXIX Encontro da Sociedade Brasileira de Acústica, tornando-se o vencedor dessa edição do Concurso.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq -bolsa n◦ 140771/2023-9), e a FIPE SENIOR CT 2023 (Fundo de Incentivo à Pesquisa Senior do Centro de Tecnologia - projeto 053573: REALIDADE VIRTUAL ACÚSTICA E SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE CAMPO ACÚSTICO EM SALAS), pelo apoio financeiro parcial a esta pesquisa.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Abr 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
06 Set 2023 -
Aceito
06 Nov 2023