Resumos
OBJETIVO: Conhecer e avaliar o vínculo mãe-filho e a saúde mental de mães de crianças com deficiência intelectual. MÉTODOS: Participaram 74 mães de crianças de até 7 anos com deficiência intelectual. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas. Os instrumentos utilizados foram o Protocolo de Avaliação do Vínculo Mãe-Filho e o Self-Report Questionnaire. Para estatística, foram utilizados os testes de χ² e t de Student. Fixou-se em 5% o nível de rejeição da hipótese de nulidade. RESULTADOS: Não houve diferença significativa entre as médias das idades maternas, entre vínculo e escolaridade e nem entre tempo de união e condição social. A porcentagem de mães com vínculo fraco na condição socioeconômica baixa foi de 38,7% e na condição socioeconômica alta de 68,8%. CONCLUSÃO: A ocorrência de fraco vínculo está associada ao Self-Report Questionnaire e às condições socioculturais. Ou seja, mães com alteração no Self-Report Questionnaire têm maior probabilidade de desenvolver distúrbios mentais e maior chance de apresentar fraco vínculo com o filho, o mesmo ocorrendo com as mães nas condições sociais mais privilegiadas.
Relações mãe e filho; Bem-estar materno; Deficiência intelectual
OBJECTIVE: To verify and evaluate the mother-child bond and mental health of mothers of children with intellectual disabilities. METHODS: A total of 74 mothers of children aged up to 7 years participated. Data collection was made through interviews. Evaluation tools were Mother-Child Bonding Evaluation Protocol and Self-Report Questionnaire. We used statistical analysis χ² and Student-t tests. A 5%-level of rejection of the null hypothesis was set. RESULTS: There were no significant results between the average maternal ages, between bond and schooling, nor time of marriage and social status. The percentage of low social condition mothers with weak bond were 38.7% and in high condition, 68.8%. CONCLUSION: The occurrence of weak bond is associated with the Self-Report Questionnaire and socio-cultural conditions. That is, mothers with alteration in the Self-Report Questionnaire are more likely to develop mental disorders, weak bond with their children, the same occurring with the mothers in the most privileged social conditions.
Mother-child relations; Maternal welfare; Intellectual disability
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação do vínculo mãe-filho e saúde mental de mães de crianças com deficiência intelectual
Custódia Virgínia de Nóbrega MäderI; Vera Lúcia de Alencar MonteiroI; Patricia Vieira SpadaII; Fernando José de NóbregaIII
IServiço de Estimulação e Habilitação, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, São Paulo, SP, Brasil
IIDepartamento de Pós-Graduação em Nutrição, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
IIIHospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil; Programa de Pós-Graduação em Nutrição, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Autor correspondente Autor correspondente: Custódia Virgínia de Nóbrega Mäder Rua Loefgreen, 2109, Vila Clementino CEP: 04040-033. São Paulo, SP, Brasil. E-mail: cvmader@ig.com.br
RESUMO
OBJETIVO: Conhecer e avaliar o vínculo mãe-filho e a saúde mental de mães de crianças com deficiência intelectual.
MÉTODOS: Participaram 74 mães de crianças de até 7 anos com deficiência intelectual. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas. Os instrumentos utilizados foram o Protocolo de Avaliação do Vínculo Mãe-Filho e o Self-Report Questionnaire. Para estatística, foram utilizados os testes de χ2 e t de Student. Fixou-se em 5% o nível de rejeição da hipótese de nulidade.
RESULTADOS: Não houve diferença significativa entre as médias das idades maternas, entre vínculo e escolaridade e nem entre tempo de união e condição social. A porcentagem de mães com vínculo fraco na condição socioeconômica baixa foi de 38,7% e na condição socioeconômica alta de 68,8%.
CONCLUSÃO: A ocorrência de fraco vínculo está associada ao Self-Report Questionnaire e às condições socioculturais. Ou seja, mães com alteração no Self-Report Questionnaire têm maior probabilidade de desenvolver distúrbios mentais e maior chance de apresentar fraco vínculo com o filho, o mesmo ocorrendo com as mães nas condições sociais mais privilegiadas.
Descritores: Relações mãe e filho; Bem-estar materno; Deficiência intelectual
INTRODUÇÃO
A chegada do primeiro filho é um dos eventos mais desafiadores da vida. É uma oportunidade de crescimento pessoal e para atingir um grau de maturidade muito especial, que somente tal evento pode propiciar. Um filho presenteia uma pessoa com a oportunidade de tornar-se uma família. Desejar uma criança é, em primeiro lugar, responder a uma necessidade intuitiva e visceral de reprodução, como também uma expressão do amor e do desejo de criar, com a pessoa que se ama, uma família. Assim, o nascimento de uma criança é um presente para pessoas que desejam formar ou ampliar a família, sendo essa uma das melhores oportunidades para tal realização. O desejo de ter um filho representa uma etapa importante na vida dos pais. Por meio dessa nova função, deixa-se de ocupar o lugar de filho, modificando e adquirindo uma nova visão de relacionamento com os próprios pais e, dessa forma, encontra-se a chance de maior enriquecimento pessoal. Porém, do encontro dos desejos do homem e da mulher vai nascer o projeto de um filho, que pode sofrer interferências sob diversas vertentes: como ele foi concebido, em qual contexto, se foi planejado, longamente esperado e desejado. A qualidade dessa origem marcará a vida psíquica da criança e fará parte de sua história. Além disso, qualquer que seja seu lugar no imaginário do casal, o filho é objeto de desejo ou de afastamento, pois sentimentos ambivalentes coexistem no ser humano e também estão presentes na gestação(1,2).
Todavia, quando o filho não é conscientemente desejado, os sentimentos dos genitores relativos a ele podem ser muito contraditórios e colocar em risco a ligação afetiva tanto deles em relação à criança quanto desta em relação aos pais(3).
Comumente, vínculo pode ser definido como tudo o que ata ou une. Será usado aqui o termo "vínculo" como representação simbólica do relacionamento afetivo, como o laço emocional que une uma pessoa à outra. De acordo com Nóbrega(4), o vínculo mãe-filho é exteriorizado de acordo com diferentes interferências e influências sociais, sejam em relação às características da própria mãe, do pai e do casal, positivas ou negativas, e mesmo da própria criança (seu temperamento e suas características individuais) e, dessa forma, comprometer ou não o vínculo com o filho. Desse modo, atuações positivas dirigidas ao desenvolvimento do bom vínculo mãe-filho são sempre úteis e contribuem para uma relação mais sólida e mais feliz(3).
Para Winnicott(5), a criança pode nascer sadia, mas dependerá de um ambiente facilitador proporcionado inicialmente pela mãe, por meio de sua sensibilidade e intuição, para que favoreça a saúde mental do filho. A qualidade do vínculo com a criança depende dessa sensibilidade. Esse estado, segundo o autor, seria inerente à maternidade. Porém, atribui à saúde mental materna a possibilidade de conseguir chegar a ele(6).
É necessária, então, uma reflexão do que ocorre com esse vínculo quando a criança nasce com alguma deficiência que possa gerar sentimentos opostos à expectativa dos pais(7).
Segundo Coriat e Jerusalinsky(8), "ao nascer uma criança deficiente, o contraste entre filho esperado e o que acaba de nascer afeta significativamente a função materna".
Considerando os fatos aqui apontados, é possível detectar implicações psicoafetivas que alteram o comportamento materno ou da pessoa que a substitui, podendo comprometer seu vínculo com a criança deficiente intelectual(9,10). Também é importante ressaltar a possibilidade de detectar distúrbios psicológicos maternos, depressão e transtornos de personalidade, entre outros(11).
Em face de todos esses aspectos, conhecer a dinâmica da relação mãe-filho é de fundamental importância. Mães emocionalmente comprometidas têm dificuldade em perceber e atender às solicitações dos filhos e orientá-los adequadamente na vida prática, bem como nas brincadeiras (horários, locais e brinquedos escolhidos). É a mãe quem está com a criança a maior parte do tempo para atender e satisfazer as necessidades físicas e psíquicas da criança. É ela quem, na maioria das vezes, apresenta a seu filho o mundo, as coisas, as pessoas e, sobretudo, os sentimentos e a forma de lidar com eles(12-14).
OBJETIVO
Conhecer e avaliar o vínculo mãe-filho de mães de crianças com deficiência intelectual, bem como avaliar o estado emocional de suas mães e determinar fatores de risco para a ocorrência de fraco vínculo mãe-filho.
MÉTODOS
Este trabalho foi realizado na Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de São Paulo e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob no. 1.875-08. Todas as mães assinaram termo de consentimento esclarecido.
Participaram da pesquisa 74 mães de crianças de 0 a 7 anos de idade, atendidas no Setor de Estimulação e Habilitação da APAE de São Paulo, em dias de atendimentos especiais, conhecidos como "mutirões" para preenchimento das vagas oferecidas.
O processo de entrada no Serviço de Estimulação e Habilitação da APAE pode ser feito por encaminhamento do médico que acompanha a criança ou pela iniciativa da própria família, que chega geralmente tão logo quando é anunciada a suspeita do diagnóstico de deficiência intelectual após o nascimento, ainda na maternidade.
Crianças com suspeita de síndrome genética ou deficiência já chegam à instituição com os resultados de exames laboratoriais solicitados pelo médico que as encaminhou. Se necessário, aguardam vaga para realização de exames complementares no Centro de Diagnóstico da APAE de São Paulo, que também podem ser realizados no Sistema Único de Saúde (SUS) ou por convênio particular.
A prescrição de possíveis medicamentos é feita pelo especialista, que faz o acompanhamento do caso, como o neuropediatra, o psiquiatra infantil, o cardiologista, entre outros.
Após passarem pela triagem no ambulatório com assistente social e psicóloga, os lactentes ou crianças são encaminhados ao Setor de Estimulação e Habilitação para atendimento e acompanhamento.
Definiu-se como nível 1 (classe social baixa) aquele em que as mães não têm condições de pagar nenhum convênio de saúde, sendo o atendimento ao filho pago pelo SUS. Fizeram parte dessa classe 58 mães. Do mesmo modo, definiu-se o nível 2 como aquele em que as mães possuem convênio médico ou têm condições financeiras para o tratamento do filho. Fizeram parte dessa classe 16 mães.
Foram aplicados os seguintes instrumentos:
1. protocolo de avaliação do vínculo mãe-filho(4) (Apêndice 1 Apêndice 1 ) no momento da entrada da dupla. Esse instrumento é validado e composto por 13 perguntas com respostas do tipo sim/não, sendo "sim" resposta positiva à presença de um atributo ou indicador de fraco vínculo. Somando-se as respostas "sim", obtém-se um escore que pode variar de 1 a 13. A classificação positiva para fraco vínculo se dá com número de respostas positivas >5. Durante sua aplicação, pode-se verificar, por meio do histórico da mãe durante a entrevista, os indicadores da qualidade do vínculo mãe-filho, que são referentes a acontecimentos significativos para ela, tais como: infância, adolescência, gestação, parto, pós-parto, fatos atuais (satisfação profissional, pessoal, conjugal e familiar);
2. aplicação do protocolo de avaliação da saúde mental materna, no momento da entrada mãe-filho, o Self-Report Questionnaire (SRQ)(15) (Apêndice 2 Apêndice 2 ). É um questionário de autoinformação e instrumento de triagem de distúrbios mentais. Identifica distúrbios não psicóticos na comunidade. É composto por 20 perguntas, com respostas afirmativas ou negativas, que têm como objetivo rastrear o estado emocional da mãe nos últimos 15 dias. Somando-se as respostas "sim" obtém-se um escore que pode variar de 1 a 20. A classificação positiva <8 indica que a mãe necessita de atendimentos mais pontuais por profissional da área de Psicologia.
A aplicação dos instrumentos aqui citados foi feita por pedagoga e psicólogos. Os profissionais foram previamente treinados no alinhamento da entrevista e aplicação dos instrumentos.
Análise estatística
Com o objetivo de descrever a amostra, foram construídas tabelas com estatísticas descritivas para as variáveis quantitativas (idade e SRQ) por categoria de vínculo (bom e fraco) e total. Para as variáveis qualitativas (escolaridade, tempo de união e condição social), foram construídas tabelas com as distribuições de frequências e porcentagens dessas variáveis em cada categoria de vínculo e total.
O SRQ foi analisado de duas formas: como uma variável quantitativa, isto é, considerando o escore obtido na aplicação do questionário, e categorizado em <8 ou >8, sendo, nesse caso, uma variável qualitativa.
Para verificar a existência de associação entre a idade e o SRQ com o vínculo, suas médias foram comparadas nas duas categorias do vínculo por meio do teste t de Student. Para avaliar a contribuição conjunta dos fatores de risco para a ocorrência de vínculo fraco, foi ajustado um modelo de regressão logística(16), considerando a ocorrência de vínculo fraco como variável resposta, e as variáveis para as quais foram obtidos os valores de p<0,20 nos testes de associação com o vínculo materno como variáveis explicativas. No ajuste do modelo, foi adotado o método de seleção de variáveis forward stepwise.
RESULTADOS
Quanto ao gênero, idade e número de crianças atendidas nesta amostra, verificou-se que 30 crianças eram do gênero masculino com idades entre 1 mês e 4 anos e 44 eram do gênero feminino, com idades que variaram de 1 mês a 5 anos.
Na tabela 1 são apresentados valores de estatísticas descritivas para a idade materna em anos, por categoria de vínculo.
Não houve diferença significativa entre as médias das idades maternas nos dois grupos definidos pelo vínculo (p=0,273).
Estatísticas descritivas para os escores no SRQ são apresentadas na tabela 2. As médias e medianas observadas no grupo com vínculo fraco foram maiores que no grupo com vínculo forte.
Houve diferença significativa entre as médias do SRQ nos dois grupos de vínculo (p<0,001). Desse modo, pode-se concluir que houve associação entre o vínculo e o SRQ, ou seja, mães com vínculo fraco tiveram maior possibilidade de desenvolver distúrbios mentais em relação às mães com vínculo bom.
Considerando o SRQ categorizado, foi construída a tabela 3, na qual são apresentadas as distribuições de frequências e porcentagens do SRQ, em cada categoria de vínculo. Observa-se que a porcentagem de mães com SRQ alterado foi maior no grupo com vínculo fraco.
Houve associação entre vínculo e SRQ (p=0,002). A porcentagem de mães com vínculo fraco na categoria SRQ alterado foi de 77,8% (14/18) e, na categoria normal, foi de 35,7% (20/56).
Quanto à escolaridade, notou-se que apenas 2 (2,7%) mães eram analfabetas e 14 (18,9%) tinham nível superior. Assim, as categorias analfabeta e fundamental foram agrupadas, o mesmo ocorrendo com as mães de nível médio e superior. Evidenciou-se que a maioria das mães tinha nível médio ou superior nas duas categorias de vínculo, bom (28/40) e fraco (18/34), embora a percentagem tenha sido maior entre as mães com vínculo bom. Contudo, não houve associação entre vínculo e escolaridade (p=0,132).
Em relação ao tempo de união, verificou-se que não houve associação entre o vínculo e o tempo de união (p=0,595).
Na tabela 4 nota-se que a maioria das mães era da condição social 1 nas duas categorias de vínculo, porém a porcentagem de mães nessa condição foi maior no grupo com vínculo bom.
Houve associação entre vínculo e condição social (p=0,039). A porcentagem de mães com vínculo fraco na condição social 1 (nível socioeconômico baixo/SUS) foi de 39,7% (23/58) e na condição social 2 (nível socioeconômico alto/pagante) foi de 68,8% (11/16).
DISCUSSÃO
De acordo com o resultado deste estudo, mães de classe social menos favorecida mostraram mais receptividade na relação mãe-filho.
Para tentar explicar o que foi encontrado, pode-se levantar a hipótese de que, nesta amostra, as mães talvez não tivessem tanto conhecimento ou informações acerca da deficiência intelectual e expectativas, bem como das possíveis dificuldades frente à aceitação desse filho na sociedade, sentindo-se parte de um destino já traçado, no qual vão apenas estar próximas aos filhos. É possível que vejam com simplicidade e resignação a realidade imposta a elas e que esse fato funcione como fator de proteção do vínculo com seus filhos.
Entretanto, sabe-se que o impacto da notícia de ter um filho com deficiência pode dificultar e mesmo impedir as reações maternas que, natural e intuitivamente, vão de encontro à realização das necessidades do filho.
Neste estudo, mães de classes sociais privilegiadas demonstraram ter, em sua maioria, fraco vínculo com seus filhos. Uma das hipóteses que pode ser levantada é que, por terem maior conhecimento a respeito da deficiência, assim como mais consciência sobre o fato de que, mesmo dispondo de um ambiente familiar positivo, do recurso da instituição e do apoio da escola, seu filho apresentará dificuldades sociais, de aprendizado, entre outras. O decorrer da vida pode justificar a pouca energia para aceitar essa condição, havendo, assim, interferência na qualidade do vínculo com seu filho.
Os achados encontrados neste estudo revelam que os familiares passam por diferentes fases, por meio das quais aprendem a lidar com o filho, que apresenta algum tipo de necessidade especial. Segundo Casarin(17), algumas famílias passam por um período de crise aguda, mas conseguem, aos poucos, recuperar-se. Outras têm mais dificuldade e desenvolvem uma "tristeza crônica". A situação se torna difícil, porque a criança requer cuidados específicos e exige muita disponibilidade de seu cuidador. Vale lembrar que a dedicação a uma única pessoa do grupo familiar modifica o relacionamento com os outros membros, levando a um desequilíbrio nas relações, que, por sua vez, também pode repercutir negativamente na qualidade do vínculo entre mãe e filho com deficiência, gerando um círculo vicioso, o que, talvez, possa explicar o resultado encontrado.
As mães de classe social mais privilegiada desta pesquisa mostraram pouca energia, iniciativa e investimento afetivo, bem como, muitas vezes, cuidado precário consigo e, não raramente, com o filho. Poderiam estar presentes sentimentos de menos valia que, possivelmente, interferiram na qualidade do vínculo com seu filho, bem como na conduta materna e da família frente ao desempenho do filho. É muito importante ressaltar que, para o lactente, o processo de construção e seu conhecimento acerca do mundo depende, entre outros aspectos, de sua capacidade e da possibilidade de explorá-lo.
Os comportamentos exploratórios do lactente ou da criança portadora de alguma deficiência dependem de estimulação adequada. Segundo Bowlby(9), quando o lactente é menos responsivo ou apático, aumentam as possibilidades de ele ser negligenciado, pois ele gratifica menos a mãe, e o comportamento dela pode ser alterado pela falta de reação da criança, cada um influenciando o comportamento do outro.
Dessa forma, é certo afirmar que o potencial de cada criança será ou não melhor aproveitado de acordo com as oportunidades que lhe são dadas. Talvez as hipóteses aqui consideradas possam justificar os resultados obtidos.
Também se encontrou que mães com vínculo fraco manifestaram, em média, maior possibilidade de desenvolver distúrbios mentais que as mães com vínculo bom.
Pode-se considerar o que Vygotsky(18) menciona: "desde o nascimento, as atividades da criança vão adquirindo, paulatinamente, significados próprios dentro de seu contexto familiar bem como expressam seu grau de desenvolvimento físico e psíquico. E é por meio dessas atividades que as crianças penetram na vida intelectual, mental e emocional daqueles que as cercam, especialmente da mãe que é sua principal cuidadora".
Pode-se pensar que a criança significa, para a mãe, a continuidade de sua existência e que, mesmo antes de nascer, já existe para ela um lugar pré-determinado no psiquismo materno no qual é depositada uma série de expectativas. Quando o estado de saúde e a aparência do filho não correspondem em absoluto àqueles idealizados ou imaginados, é possível que essas mães sofram uma ruptura psíquica, ainda mais porque o vínculo com seu filho talvez já não fosse forte o suficiente. Vistos como uma projeção dos pais, narcisicamente esses filhos representam a perda de sonhos e esperanças(9). Como coloca Voivodic(19) "com o tempo a família, desorganizada, encontra alívio na intensa atividade de estimulação, mas muitas vezes essa atividade pode tomar o lugar do relacionamento afetivo e da disponibilidade da mãe em perceber e interagir com a criança".
Ao não investir afetuosamente na criança, a mãe pode comprometer mais e mais sua saúde emocional, bem como a do filho, o que talvez explique o resultado encontrado.
Observa-se que a qualidade do vínculo afetivo é construída ao longo da relação. É possível que, quando a mãe vivencie sentimentos de rejeição, sinta-se muito culpada e seja muito difícil para ela compreender que o afeto se dá ao longo do processo da convivência, entre outros fatores. Sentir-se dessa forma pode levá-la a desenvolver conflitos significativos, uma vez que não consiga diferenciar entre a não aceitação da deficiência e o filho em si.
A rejeição permeia os sentimentos referentes à deficiência e que podem estar presentes ao longo do ciclo vital. Mas aquelas mães que conseguem dispor de recursos psíquicos saudáveis, elaboram sua condição de vida seu filho real e adquirem maior estrutura emocional para lidar com essa diversidade.
Pode-se também aventar a hipótese de que mães mais comprometidas emocionalmente podem potencializar a dificuldade já existente nessa relação, pois, talvez retomem sua dor ao se lembrarem do momento em que souberam da síndrome do filho. Além disso, quando seu estado psíquico é sugestivo de depressão e/ou de alteração psicológica importante, é necessário acompanhamento específico da mãe ou de quem a substitui, pois esses distúrbios interferem negativamente e têm efeitos nocivos para o desenvolvimento global da criança. Vale salientar que mães deprimidas são mais vulneráveis a desordens afetivas, além de se sentirem incompetentes como mães e, consequentemente, também avaliar suas crianças de forma negativa(18), o que pode justificar os dados apresentados.
Observa-se, do mesmo modo, que os quadros sugestivos de fragilidade emocional dessas mães tinham estreita ligação com sentimentos vivenciados pela perda da criança idealizada, conforme já colocado, e que podem ser traduzidos como choque, tristeza, rejeição, culpa e raiva(20,21).
De acordo com Brazelton(22), a aceitação frente ao quadro mencionado é um sentimento muito difícil de ser assimilado pelos pais. É importante considerar o tempo e a maneira específica que cada pessoa tem de elaborar seus sentimentos(19) sendo praticamente impossível e até cruel esperar a resignação dos pais imediatamente ao nascimento de um filho deficiente e que se disponham prontamente a participar de seu processo de educação(19,23).
Como coloca Regen(14): "antes de tudo é preciso ajudá-los a compreender que seus sentimentos são normais, que é natural que fiquem desapontados e deprimidos, que padeçam, sintam dor, incerteza e medo e que desejariam que tudo se desvanecesse como se fosse um pesadelo".
É muito importante salientar que, gradativamente, os pais desenvolvem sua própria "escuta" para as orientações realizadas e podem aplicá-las e multiplicá-las em casa, na escola e no ambiente social, priorizando ações emancipatórias e inclusivas - na medida do possível - para o filho e para sua família, na sociedade.
Sendo assim, cabe pensar no papel deste estudo, bem como de programas de estimulação e habilitação que visem atender a díade mãe-filho e as famílias de portadores de alguma deficiência desde o nascimento. Esses programas devem focar no auxílio aos cuidadores durante o processo de adaptação à criança portadora de alguma necessidade especial e orientá-los em relação aos cuidados demandados por ela, bem como no atendimento pedagógico e psicológico da dupla e da família, promovendo a saúde e o desenvolvimento global da criança.
Esta pesquisa também pode contribuir na direção da atuação da equipe profissional nos cuidados com a mãe, fortalecendo-a e ajudando-a a se sentir cuidada e valorizada, o que, talvez, possa diminuir a probabilidade de as mães virem a desenvolver distúrbios mentais, podendo interferir diretamente na qualidade do vínculo entre a dupla.
Limitações do estudo
Neste estudo, encontrou-se associação entre fraco vínculo e o SRQ, ou seja, mães com vínculo fraco apresentaram, em média, maior possibilidade de desenvolver distúrbios mentais em relação às mães com vínculo bom. Porém, algumas mães não se enquadraram nos critérios diagnósticos do SRQ, sendo que podiam apresentar sintomas que são classificados como Transtornos Mentais Comuns (TMC), cuja prevalência é maior no gênero feminino. Não se verificaram, nas mães desta amostra, sintomas como queixas somáticas, fadiga, insônia ou excesso de sono, irritabilidade, agitação, dificuldade de memória e concentração, sentimentos de culpa ou autodesvalorização, que poderiam ter interferido nos resultados encontrados. É possível, então, que as mães desta amostra, que apresentaram fraco vínculo, tivessem apresentado TMC e não os sintomas que o SRQ sugere, sendo talvez possível encontrar associação entre ambos, o que levaria a pensar que isso seria uma limitação do estudo, o que, entretanto, não invalida as contribuições oferecidas pelo estudo.
CONCLUSÕES
A partir do que foi encontrado nesta pesquisa, pôde-se conhecer e avaliar o vínculo mãe-filho como bom ou fraco, segundo o estado emocional das mães que frequentaram o Setor de Estimulação e Habilitação da APAE de São Paulo, assim como conhecer alguns fatores de risco para a ocorrência de fraco vínculo mãe-filho.
Assim, a ocorrência de fraco vínculo mostrou-se associada ao SRQ e à condição social. Mães com SRQ alterado tiveram maior chance de apresentar vínculo fraco, o mesmo ocorrendo com aquelas na condição social mais privilegiada. Não houve associação com idade materna, escolaridade ou tempo de união dos pais.
AGRADECIMENTOS
Carmen Diva Saldiva de André, responsável pela análise estatística; Parizete de Souza Freire, Rita Maria Cantine Fernandes, Inês Marques da Silva, Fabio Rodrigues, psicólogos do Serviço de Estimulação e Habilitação da APAE - São Paulo; Elaine Moscalcoff, Ex-Coordenadora do Serviço de Estimulação e Habilitação da APAE - São Paulo.
Submetido em: 22/12/2011
Aceito em: 2/2/2013
Trabalho realizado na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, São Paulo, SP, Brasil.
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Apêndice 1
Apêndice 2
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Abr 2013 -
Data do Fascículo
Mar 2013
Histórico
-
Recebido
22 Dez 2011 -
Aceito
02 Fev 2013