Open-access O cuidado da criança com dor internada em uma unidade de emergência e urgência pediátrica

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor é um sintoma que acomete crianças em todas as idades e pode levar ao atendimento de emergência ou urgência. Visto que as crianças têm maneiras peculiares de manifestarem sua dor, o estudo objetivou conhecer os critérios utilizados pela equipe multiprofissional para avaliar e controlar a dor na criança internada em uma Unidade de Emergência e Urgência Pediátrica. MÉTODOS: Foi realizado um estudo qualitativo e descritivo em uma unidade de urgência e emergência que atende crianças de zero a 12 anos. Os sujeitos da pesquisa foram médicos e equipe de enfermagem da referida unidade, localizada na região sul do Rio Grande do Sul. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e a observação participante. A pesquisa teve uma questão norteadora: "Quais os critérios utilizados pela equipe multiprofissional para avaliar e controlar a dor na criança internada em uma unidade de urgência e emergência pediátrica?". RESULTADOS: Fizeram parte do estudo dois enfermeiros, dois pediatras e três técnicos em enfermagem. O tempo de atuação dos entrevistados em emergência e urgência pediátrica variou de dois a 20 anos. Dois temas emergiram da análise dos dados: critérios utilizados para avaliar um quadro de dor na criança; o tratamento e o controle da dor em uma emergência pediátrica. CONCLUSÃO: Os resultados inferem que a equipe de saúde valoriza a dor na criança, mas necessita aprimorar sua avaliação e manuseio.

Criança; Dor; Medição da dor; Serviços médicos de emergência


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Pain affects children of all ages and may lead to emergency or urgency assistance. Considering that children have unique ways of manifesting pain, this study aimed at understanding criteria used by the multiprofessional team to evaluate and control pain in children admitted to a Pediatric Emergency and Urgency Unit. METHODS: This is a qualitative and descriptive study in urgency and emergency unit assisting children from zero to 12 years of age. Research subjects were physicians and nursing team of the unit located in the Southern region of Rio Grande do Sul. Semi-structured interviews were carried out and participants were observed. The research had a core question: "Which are the criteria used by the multiprofessional team to evaluate and control pain in children admitted to a pediatric urgency and emergency unit?" RESULTS: Participated in the study two nurses, two pediatricians and three nursing technicians. Experience of respondents with pediatric emergency and urgency has varied from two to 20 years. Two themes have emerged from data analysis: criteria to evaluate pain in children, and; pain management and control in a pediatric unit. CONCLUSION: Results infer that the health team values pain in children, but have to enhance its evaluation and handling.

Children; Emergency medical services; Pain; Pain evaluation


ARTIGO ORIGINAL

O cuidado da criança com dor internada em uma unidade de emergência e urgência pediátrica *

Bruna GonçalvesI; Adriana Winter HolzII; Celmira LangeII; Samanta Bastos MaaghIII; Charlene Garcia PiresIV; Claudio Mairan BrazilII

IPrefeitura Municipal de São Marcos. São Marcos, RS, Brasil

IIUniversidade Federal de Pelotas. Pelotas, RS, Brasil

IIIUniversidade Católica de Pelotas. Pelotas, RS, Brasil

IVGrupo Hospitalar Conceição. Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondence

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor é um sintoma que acomete crianças em todas as idades e pode levar ao atendimento de emergência ou urgência. Visto que as crianças têm maneiras peculiares de manifestarem sua dor, o estudo objetivou conhecer os critérios utilizados pela equipe multiprofissional para avaliar e controlar a dor na criança internada em uma Unidade de Emergência e Urgência Pediátrica.

MÉTODOS: Foi realizado um estudo qualitativo e descritivo em uma unidade de urgência e emergência que atende crianças de zero a 12 anos. Os sujeitos da pesquisa foram médicos e equipe de enfermagem da referida unidade, localizada na região sul do Rio Grande do Sul. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e a observação participante. A pesquisa teve uma questão norteadora: "Quais os critérios utilizados pela equipe multiprofissional para avaliar e controlar a dor na criança internada em uma unidade de urgência e emergência pediátrica?".

RESULTADOS: Fizeram parte do estudo dois enfermeiros, dois pediatras e três técnicos em enfermagem. O tempo de atuação dos entrevistados em emergência e urgência pediátrica variou de dois a 20 anos. Dois temas emergiram da análise dos dados: critérios utilizados para avaliar um quadro de dor na criança; o tratamento e o controle da dor em uma emergência pediátrica.

CONCLUSÃO: Os resultados inferem que a equipe de saúde valoriza a dor na criança, mas necessita aprimorar sua avaliação e manuseio.

Descritores: Criança, Dor, Medição da dor, Serviços médicos de emergência.

INTRODUÇÃO

A dor é um sintoma que pode acometer crianças em todas as idades e, dependendo da sua gravidade e associação com doenças ou traumas, pode levar a criança a necessitar de atendimento de emergência ou urgência. As crianças têm maneiras peculiares de manifestar a dor, portanto para avaliá-la e quantificá-la é necessário compreender os estágios de desenvolvimento e comportamentos próprios da infância, diferenciados nas variações de faixas etárias1.

Frente a um despreparo da equipe de saúde com situações que envolvam sofrimento e agressividade, a dor na criança pode ser potencializada2. Para o controle da dor, os profissionais da saúde, no cuidado de crianças enfermas, precisam ser capazes de entender o processo álgico, sua complexidade2,3 e acreditar na queixa do paciente, preservando o bom senso e a sensibilidade para compreender o momento de estresse e angústia nos quais o paciente e seu núcleo familiar estão envolvidos.

É fundamental que a dor em crianças seja adequadamente identificada, avaliada e, sobretudo, tratada, o que ainda é uma tarefa complexa para a equipe de saúde. Contudo, existe a necessidade de que os profissionais instrumentalizem-se para melhor tratar, cuidar e entender as crianças, afinal, elas possuem uma forma particular de perceber e demonstrar essa experiência.

A Associação Internacional para o Estudo da Dor define-a como uma experiência sensorial e emocional desagradável que se associa a algum dano tecidual real ou potencial4. A dor é subjetiva, de forma que cada um a expressa e a sente de forma única e pode comunicá-la por meio da linguagem verbal e não verbal. Para interpretar a comunicação não verbal da dor, faz-se necessária a utilização sistemática de métodos objetivos, por meio do emprego rotineiro de escalas de avaliação do fenômeno doloroso desenhadas para cada público específico5.

Diante da complexidade do fenômeno da dor, a equipe de saúde não raro recorre diretamente ao tratamento farmacológico. No entanto, deve-se conhecer a possibilidade do emprego de uma assistência não farmacológica aliada à farmacológica3, na qual se pode associar a utilização de técnicas de distração da criança e relaxamento, por meio do controle de ruídos, temperatura, luminosidade, do toque, do preparo para os procedimentos dolorosos, e ainda o estímulo para a participação da família nesse cuidado6.

A expressão dolorosa na criança pode ser afetada por múltiplos aspectos, como condições ambientais, sentimentos elaborados pela experiência e inclusive o comportamento emocional dos pais, que podem provocar sentimentos de ansiedade, tristeza, medo, angústia2, o que poderá elevar a sensação dolorosa. O contexto familiar é influente na expressão da dor pela criança.

Os parâmetros fisiológicos parecem úteis para avaliar a dor na prática clínica, mas não podem ser usados de forma isolada para decidir se o recém-nascido apresenta dor e se há necessidade do uso de analgésicos7.

Em função das limitações inerentes ao desenvolvimento da criança, estudos identificaram recursos que podem ajudar a criança a informar sua dor: as escalas, desenvolvidas a partir de 19888. Outra forma de se avaliar a dor nesse público é por meio das informações dos familiares, principalmente os pais9.

Pela grande demanda de crianças que procuram atendimento em unidade de emergência e urgência pediátrica por quadros álgicos associados a traumas, queimaduras, fraturas ou patologias diversas, o estudo buscou conhecer os critérios utilizados pela equipe multiprofissional para avaliar e controlar a dor na criança internada no serviço.

Considera-se necessária a discussão desse tema em meios científicos, pois ainda existe uma diversidade na avaliação da dor em crianças que buscam atendimento nos serviços de emergência e urgência pediátrica, e, somado a esse fato, observa-se ainda uma lacuna na produção de conhecimento sobre o cuidado da criança com dor nesses serviços.

MÉTODOS

Estudo qualitativo, exploratório e descritivo desenvolvido em um pronto-socorro localizado em uma cidade ao sul do Rio Grande do Sul. O serviço funciona 24h por dia, atendendo uma demanda espontânea e referenciada de aproximadamente 22 municípios da região, exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A pesquisa teve como questão norteadora "Quais os critérios utilizados pela equipe multiprofissional para avaliar e controlar a dor na criança internada em uma unidade de urgência e emergência pediátrica?". Participaram do estudo os profissionais do serviço atuantes no turno da tarde, sendo dois médicos pediatras, dois enfermeiros e três técnicos de enfermagem, que atendem crianças de zero a 12 anos de idade na unidade de emergência e urgência. Os entrevistados foram identificados pela categoria profissional e número de ordem da entrevista.

Após o parecer favorável, os sujeitos foram convidados a participar da pesquisa, sendo esclarecidos quanto aos objetivos: não houve recusas e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

PPara a coleta dos dados, realizada no período de 15 de abril a 30 de maio de 2008, utilizou-se um roteiro semiestruturado. As entrevistas foram gravadas em áudio, com duração média de 30 minutos. Salienta-se que durante as entrevistas foi respeitada a privacidade dos sujeitos. Utilizou-se ainda a observação participante, na qual foram identificadas as formas de avaliação e de controle da dor na criança, aplicadas pelos sujeitos durante as práticas assistenciais. O período da observação totalizou 180 horas.

Os dados coletados foram transcritos de maneira fidedigna. O método utilizado para a análise e interpretação dos dados foi a Análise Temática de Minayo10. De acordo com a autora, a análise temática visa a descobrir os núcleos de sentido de uma comunicação. Desta forma, o tema está vinculado a uma afirmação sobre determinado assunto e pode ser graficamente apresentado por uma palavra, frase ou resumo.

Assim, a finalidade de utilizar esse tipo de análise é identificar os núcleos de sentido presentes nas falas dos sujeitos. Para isso, foram desenvolvidas três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Na primeira etapa, os dados obtidos foram organizados para uma análise profunda, realizando-se uma leitura flutuante do conjunto das comunicações. Na segunda etapa, foram verificadas as categorias, que são palavras ou expressões significativas que irão organizar o conteúdo das falas e dos registros. Na última etapa, a partir da organização dos dados, foram realizadas as interpretações, procurando os significados e as inter-relações com a teoria10.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, sob o nº 006/2008; obedecendo as normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Fizeram parte do estudo seis mulheres e um homem. Destes, dois enfermeiros, dois pediatras e três técnicos em enfermagem. O tempo de atuação na área da saúde variou de dois a 26 anos. Sendo que o tempo de atuação em emergência e urgência pediátrica variou de dois a 20 anos. Todos os profissionais com ensino superior apresentavam também pós-graduação.

Após a análise dos dados, emergiram dois temas: critérios utilizados para avaliar um quadro de dor na criança; o tratamento e controle da dor em uma emergência pediátrica.

DISCUSSÃO

Os sujeitos entrevistados, quando questionados sobre os métodos que adotavam para constatarem a dor na criança, elucidaram que utilizavam em recém-nascidos e crianças menores as alterações comportamentais, como a expressão facial, a postura e o choro, como se evidencia nas falas a seguir:

Conforme a face do bebê, nós aqui utilizamos as alterações que se sabe de dor, nos recém-nascidos o choro, enrugar a testa [...] (Pediatra 1).

Nos menores a gente olha a fisionomia, feição, face... tu introduz uma agulha e já vê a mudança... o choro, os movimentos dela. (Enfermeiro 1).

Os relatos demonstraram que as mudanças comportamentais são importantes e comuns indicadores de dor nas crianças que ainda não têm competência de verbalizar o que sentem, assim como as alterações dos parâmetros fisiológicos6,11.

Recomenda-se que as alterações de mímica facial, movimentação corporal e principalmente o choro, embora muito utilizados pelos profissionais e por leigos como referência para dor, não devam ser empregados isoladamente, pois a criança pode apresentá-los também por outros motivos: fome, medo ou desconforto.

Embora como uma forma de avaliação da dor, as alterações comportamentais não trazem informações a respeito da qualidade ou da intensidade do fenômeno doloroso. Para uma avaliação mais precisa da intensidade da dor, o ideal é a utilização de escalas de dor direcionadas para a faixa etária. Os instrumentos recomendados para avaliação de dor em neonatos são o Neonatal Facial Coding System (NFCS), Premature Infant Pain Profile (PIPP) e o Neonatal Infant Pain Scale (NIPS)12.

Para crianças maiores, capazes de se comunicar verbalmente, os sujeitos apontaram o relato da criança como norteador para a avaliação da dor, conforme descrito a seguir:

[...] as maiores vão dizer: "Tia, está doendo a barriga...". (Téc. de Enfermagem 1).

[...] se a criança é grande ela vai dizer, uma criança de quatro anos vai saber se referir onde tem a dor, onde não tem, o que está incomodando... (Téc. de Enfermagem 3).

[...] pelo relato. (Enfermeiro 2).

Considerando-se que o autorrelato se baseia na habilidade do paciente de comunicar seus sintomas, este é considerado um indicador confiável de ocorrência de dor e de sua intensidade9.

Os profissionais do serviço levavam em consideração o autorrelato da dor dos pacientes, o que ficou comprovado no dia a dia por meio das observações realizadas, em que o Enfermeiro 1 interligava o exame físico ao relato de um menino para ver se estava ou não com dor. Fato que torna a ação positiva e correta, pois possibilitou à criança colaborar com o seu tratamento por meio da valorização de seu relato, levando a uma avaliação mais precisa e sem dúvida mais humana.

A partir dos dois anos de idade, a criança tem a capacidade de expressar sua dor de forma mais exata, descrevendo à equipe o local e a sua intensidade. No entanto, o autorrelato pode ser limitado, especialmente nos menores, sendo importante a participação dos pais e/ou cuidadores na avaliação da dor9, junto a instrumentos com essa finalidade adaptados à faixa etária11.

Foi possível perceber que os sujeitos utilizavam as formas qualitativas para avaliar a dor em todas as faixas etárias, desde o recém-nascido até o pré-adolescente. Em nenhum momento os sujeitos mencionaram o conhecimento a respeito de escalas e a possibilidade de usá-las. Com essa forma de avaliação pode-se identificar que a criança está com dor, mas não é possível quantificar sua intensidade, o que pode gerar uma avaliação errônea e dificuldade de decidir sobre a necessidade de analgesia em momentos oportunos.

Estudo realizado com pacientes que sofreram acidentes de transporte atendidos em um pronto-socorro cirúrgico também constatou a não utilização de instrumentos objetivos para aferir as queixas álgicas13.

A Agência Americana de Pesquisa e Qualidade em Saúde Pública e a Sociedade Americana de Dor descrevem a dor como o quinto sinal vital, que deve sempre ser registrado ao mesmo tempo e no mesmo ambiente clínico em que também são avaliados os outros sinais vitais14.

A escala analógica visual (EAV) é uma forma de avaliação da dor na emergência, em pacientes conscientes, tanto adultos quanto pediátricos, dentre outras15. A escala para crianças é representada por cinco faces, sendo a primeira sorrindo para "sem dor", até a última face chorosa, para "piora da dor".

Acredita-se que a aplicação de escalas pode facilitar o trabalho da equipe multiprofissional na avaliação e mensuração da dor pediátrica, pois traria informações reais, sendo um parâmetro confiável, rápido e de fácil uso no controle da dor. Entretanto, é necessário que os profissionais demonstrem interesse e disponibilidade para efetuarem capacitações quanto aos métodos e dediquem-se à aplicação de escalas de dor e também ao desenvolvimento de protocolos para analgesia nos setores de emergência.

Outro parâmetro de grande valia na abordagem de avaliação da dor infantil são as informações fornecidas pela mãe, afinal, geralmente é ela a cuidadora principal e tem uma estreita relação com a criança, e, sem dúvida, merece e precisa ser inserida neste contexto da avaliação e alívio da dor16. Isso pôde ser notado no serviço, conforme se apresenta, na fala de Téc. Enfermagem 3:

[...] pra mãe pergunto o que ocorreu antes de chegar aqui. A gente sempre pergunta a história, como foi que caiu, com quem estava, se a mãe viu, se a mãe não viu [...] (Téc. de Enfermagem 3)

Na fala de Téc. Enfermagem 3, a família, na maioria dos casos representada pela mãe, é útil para situar a equipe sobre o que ocorreu com a criança, mas não diretamente para participar da avaliação e mensuração da dor. A inserção da mãe no contexto do cuidado explicando o motivo que levou a criança ao serviço de emergência foi importante, mas ela poderia e deveria participar ativamente na avaliação da dor.

Nota-se que a equipe caminha a passos lentos no que diz respeito ao incentivo à família na avaliação e manuseio da dor. Além de solicitarem o relato do que ocorreu com a criança, os profissionais precisam incentivar e oportunizar os pais a participarem do processo.

De um modo geral, as práticas farmacológicas em emergência pediátrica foram as mais enfatizadas pelos sujeitos para o controle da dor, conforme explanado pelas falas que se seguem:

Se o pediatra já prescreveu eu administro, senão peço para prescrever novamente, porque a criança continua com dor. (Téc. de Enfermagem 1).

Vai direto na prescrição, vê o que o pediatra prescreveu, tu vê que tipo de dor. Se é forte, peço para o pediatra dar outra medicação. (Téc. de Enfermagem 2).

[...] peço para que seja feita alguma medida para evitar a dor, antes de qualquer procedimento, por exemplo, numa redução de fratura sempre procuro atuar analgesia com sedação, em outros casos pode ser usado só analgesia. (Pediatra 1).

Nesse sentido, a atuação continua sendo em decorrência da clínica do corpo, da qual o médico é o protagonista. O modelo biomédico de atenção à saúde é fator prevalente nas organizações dos serviços de saúde, a assistência prestada está voltada a queixa-conduta, nesse sentido, a atuação da enfermagem acaba apenas ratificando as práticas médicas e constituindo-se um trabalho complementar na hegemonia médica17.

É notória, nas falas de Téc. Enfermagem 1 e Téc. Enfermagem 2, a preferência dada mais ao fármaco do que as práticas não farmacológicas, elas acreditam que a dor da criança possa ser sanada somente ou basicamente com o uso de fármacos. Contudo, sabe-se que o cuidado prestado a pacientes com dor deve associar ambas as práticas. Também, por meio dos relatos, ficou explícito o modelo medicocêntrico, em que todas as ações voltadas para o controle da dor emergem do pediatra, e o restante dos profissionais apenas cumpre o que está prescrito, limitam-se ao trabalho técnico.

Das observações realizadas, concluiu-se que raras vezes a dor da criança não era aliviada por analgésicos ou opioides. Isso comprova a preocupação da equipe em não permitir que a criança sinta dor, o que é desejável, humano e ético. Mas, por outro lado, evidencia a preferência pela abordagem farmacológica, ficando a não farmacológica para um segundo momento, o que vem ao encontro das falas de Téc. Enfermagem 2 e Téc. Enfermagem 1:

[...] aqui não se tem tempo para brincar nem conversar com a criança... (Téc. de Enfermagem 2).

Aqui tu não tens tanto afeto porque não tem como, a demanda é alta, tem poucos profissionais, não é causa da gente, tu faz a prática como dá... (Téc. de Enfermagem 1).

Entende-se, pelos relatos de Técnicos de Enfermagem 1 e 2 que os motivos para eles não associarem as práticas de conforto ao cuidado à criança com dor eram o pouco tempo e a alta demanda de pacientes. Acredita-se que tempo é uma questão de organização, de elencar prioridades e prezar por elas, não motivando a falta de interação com a criança.

Ao contrário das falas anteriores de Técnicos de Enfermagem 1 e 2, o Enfermeiro 1 acreditava que por meio das práticas de conforto pode-se criar uma relação de empatia com criança e dessa forma facilitar o cuidado prestado:

Se utiliza as práticas para ter uma empatia com criança, ter ela mais do nosso lado (Enfermeiro 1).

Também a fala de Téc. Enfermagem 3 vem ao encontro do Enfermeiro 1, quando diz que é possível aplicar as práticas de conforto na unidade de emergência e que estas trazem benefício ao paciente:

Os métodos de conforto são possíveis [...] questão de queimado mesmo, antes de chegar o médico a gente usa soro e gaze estéril pra aliviar, porque o soro esfria, o soro é geladinho. Eles dizem: "Tá me tirando a dor com a mão." (Téc. de Enfermagem 3).

As técnicas não invasivas podem ser iniciadas antes mesmo da prescrição médica. Pensa-se que, se os profissionais utilizassem em suas práticas terapias não invasivas no cuidado às crianças, os atendimentos dos episódios de dor seriam menos estressantes, tanto para o profissional quanto para o paciente, e assim mais bem conduzidos. Ainda, a não dependência da prescrição médica para o tratamento da dor reduz o período em que a criança permanece com dor.

Na perspectiva de associação de terapia farmacológica e não farmacológica, o Enfermeiro 1 aborda que no serviço são utilizadas as duas práticas, conforme exposto a seguir:

Procuramos diminuir as causas da dor. Quando é uma pancada, por exemplo, procuramos um gelo, um pano com água, entramos em contato com o médico para dar uma medicação para a dor. (Enfermeiro 1).

A eficácia dos métodos não farmacológicos para o alívio da dor está comprovada e uma de suas vantagens sobre os métodos farmacológicos é a rara ocorrência de efeitos adversos18. É relevante salientar que as medidas não farmacológicas associadas às farmacológicas constituem-se numa alternativa no tratamento e na minimização da dor infantil2.

Salienta-se, pela fala do Enfermeiro 1, que nenhuma prática é 100% eficaz se aplicada isoladamente. Saber avaliar um quadro álgico e associar medidas de controle da dor é o método mais eficaz para o seu manuseio.

Outra forma que Téc. Enfermagem 3 utilizava para controlar a dor era o diálogo, o que possibilita acalmar a criança, explicando a situação, como aparece na fala:

[...] se está deitado com o braço embaixo do corpo, tiro o braço de baixo, se possível. Se não for uma fratura, muda de posição. Mas, mais, é conversando mesmo, tentando acalmar, dizendo que precisa melhorar a dor [...] que a gente está aqui é para ajudar no possível [...] (Téc. de Enfermagem 3).

A necessidade da equipe de conversar com a criança é uma característica que se evidenciou durante os períodos de observação, ficando claro o interesse entre os profissionais em inserir a criança na avaliação da sua dor por meio de seu relato e de suas expressões corporais.

Outros sujeitos trouxeram as práticas de conforto que conheciam voltadas para crianças menores, isto é, neonatos e lactentes, como a sucção não nutritiva, pegar no colo, calor e frio local, conforme as falas:

[...] posiciona bem a criança, colo da mãe, calor local, frio local... (Téc. de Enfermagem 1).

Sucção não nutritiva, calor local tu pode fazer [...] (Pediatra 2).

Conheço a sucção não nutritiva, pegar no colo... Eu só conheço nos menores, nos maiores não saberia o que seria (Pediatra 1).

Tais relatos retomam que as medidas não farmacológicas são bastante eficazes no controle da dor2,18.

No período das observações, embora os sujeitos do estudo afirmassem conhecer técnicas como a sucção não nutritiva e a aplicação de compressas de calor e frio, não foram presenciadas essas intervenções. A medida adotada pela equipe em crianças menores foi o colo da mãe antes e/ou após o procedimento doloroso. Esse dado explicita a ideia de que os profissionais necessitam ser mais capacitados para aplicar em crianças as práticas de conforto, principalmente entre recém-nascidos e lactentes.

Pediatra 1, quando afirma que não saberia dizer quais seriam as técnicas de conforto aplicáveis em crianças maiores, representa o reflexo da precariedade de conhecimentos sobre o tratamento da dor com terapias complementares.

Sobre a aplicação de práticas não farmacológicas, Enfermeiro 2 e Téc. Enfermagem 3 trazem que as práticas eram aplicadas na unidade, porém poderiam ser empregadas com maior frequência:

Eu acho que deveria fazer mais, falar mais com o paciente, entender a dor do paciente, explicar o que está fazendo, isso ou aquilo, não simplesmente fazer. Não vejo em todas as situações, deveria ter mais (Téc. de Enfermagem 3).

Eu acho que as medidas de conforto são possíveis aqui no PS... Eu acho que falta é abrir a cabeça das pessoas, ter mais motivação dos profissionais. (Enfermeira 2).

Pelos relatos descritos, refletiu-se que, para desenvolver as terapias de conforto, é necessário que os profissionais se disponibilizem a percebê-las como algo a mais para a criança em situações extremas de dor. Durante as observações, poucas vezes as crianças estavam em situação de emergência, não justificando, portanto a falta do diálogo, do afeto, do toque, do cuidado mais qualificado e humanizado.

Incorporar práticas farmacológicas e não farmacológicas é uma forma de tornar o atendimento infantil mais humano e sensível, não voltado apenas para o trabalho técnico de preparar uma dose de analgésico, mas envolvendo o comprometimento da equipe e o convite e abertura para que os pais e familiares também participem no cuidado da criança com dor.

CONCLUSÃO

Para amenizar o desconforto álgico na criança em uma emergência ou urgência pediátrica, a equipe utilizava prioritariamente a prática farmacológica, sendo pouco frequente a associação com práticas não farmacológicas, que potencializariam a analgesia, conforme referido na literatura e nos relatos dos sujeitos.

O trabalho evidenciou que a equipe multiprofissional utilizava como critério de avaliação da dor em crianças as alterações de comportamento: mímica facial, postura e principalmente o choro para crianças menores, que são incapazes de comunicar-se verbalmente. Nas crianças maiores, com capacidade cognitiva para verbalizá-la, a dor era avaliada por seus relatos. As terapias de conforto aplicadas foram: o colo dos pais, antes e após procedimento para crianças em idade não verbal, e conversa com a criança e incentivo ao familiar, sobretudo à mãe, para ficar próximo da criança e acalmá-la, para aquelas em idade verbal.

De forma geral, a equipe multidisciplinar preocupava-se em minimizar a dor do paciente pediátrico e conhecia algumas formas de avaliação e manuseio. Os profissionais avaliavam a dor qualitativamente, o que é positivo, mas poderiam ser capacitados e incentivados a adotar métodos precisos que possibilitem sua quantificação, como as escalas, inserindo-as no seu cuidado junto com as práticas de conforto que acentuam a eficácia dos analgésicos.

Apresentado em 03 de maio de 2013.

Aceito para publicação em 05 de setembro de 2013.

Conflito de interesse: Nenhum.

* Recebido da Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, RS.

Referências bibliográficas

  • 1. Dias FM, Afonso M, Sá TSB, et al. A criança vítima de queimadura e sua dor no momento da realização de procedimentos diários: uma revisão bibliográfica. Janus. 2008;5(8):33-43.
  • 2. Silva EA, Corrêa Neto JL, Figueiredo MC, et al. Práticas e condutas que aliviam a dor e o sofrimento em crianças hospitalizadas. Comun Ciênc Saúde. 2007;18(2):157-66.
  • 3. Waterkemper R, Reibnitz KS. Cuidados paliativos: a avaliação da dor na percepção de enfermeiras. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(1)84-91.
  • 4. International Association for the Study of Pain. IASP Taxonomy. Pain Terms [Internet]. Seattle; 2012 [citado 2012 maio 23]. Disponível em:http://www.iasp pain.org/AM/Template.cfm?Section=Pain_Defi...isplay.cfm&ContentID=1728
  • 5. Balda RCX, Almeida MFB, Peres CA, et al. Fatores que interferem no reconhecimento por adultos da expressão facial de dor no recém-nascido. Rev Paul Pediatr. 2009;27(2):160-7.
  • 6. Guimarães ALO, Vieira MRR. Conhecimento e atitudes da enfermagem de uma unidade neonatal em relação à dor no recém-nascido. Arq Ciênc Saúde. 2008;15(1):9-12.
  • 7. Guinsburg R. Avaliação e tratamento da dor no recém-nascido. J Pediatr. 1999;75(3):149-60
  • 8. Rossato LM, Angelo M. Utilizando instrumentos para avaliação da percepção de dor em pré-escolares face a procedimento doloroso. Rev Esc Enf USP. 1999;33(3):236-49.
  • 9. Correia LL, Linhares MBM. Avaliação do comportamento em situações de dor: revisão da literatura. J Pediatr. 2008; 84(6):477-86.
  • 10. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10ª ed. São Paulo: Hucitec; 2007. p. 406.
  • 11. Kanai KY, Fidelis WMZ. Conhecimento e percepção da equipe de enfermagem em relação à dor na criança internada. Rev Dor. 2010;11(1):20-7.
  • 12. Linhares MBM, Doca FNP. Dor em neonatos e crianças: avaliação e intervenções não farmacológicas. Temas em Psicologia. 2010;18(2):307-25.
  • 13. Calil AM, Pimenta CAM. Importância da avaliação e padronização analgésica em serviços de emergência. Acta Paul Enferm. 2010;23(1):53-9.
  • 14. Sousa FAEF. Dor: o quinto sinal vital. Rev Lat-Am Enfermagem. 2002;10(3):446-7.
  • 15 Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor. Hospital sem dor: diretrizes para implantação da dor como 5º sinal vital [Internet]. São Paulo; 2012 [citado 2012 junho 06]. Disponível em: http://www.dor.org.br/profissionais/5_sinal_vital.asp
  • 16. Beck ARM, Lopes MHBM. Tensão devido ao papel de cuidador entre cuidadores de crianças com câncer. Rev Bras Enferm. 2007;60(5):513-8.
  • 17. Erdmann AL, Fernandes JV, Melo C, et al. A visibilidade da profissão de enfermeiro: reconhecendo conquistas e lacunas. Rev Bras Enferm. 2009;62(4):637-43.
  • 18. Francischinelli AGB, Modena T, Morete MC. Conhecimento dos profissionais de enfermagem quanto às medidas não farmacológicas para o alívio da dor nos pacientes pediátricos. Rev Dor. 2009;10(1):19-24.
  • Endereço para correspondência:
    Adriana Winter Holz
    Av. Praça Vinte de Setembro, 904/303 - Centro
    96015-360 Pelotas, RS
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      03 Maio 2013
    • Aceito
      05 Set 2013
    location_on
    Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: dor@dor.org.br
    rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
    Acessibilidade / Reportar erro