Resumos
Estudos recentes têm renovado o esforço de chamar a atenção para a narrativa pseudo-histórica que descreve os resultados experimentais de Philipp Lenard sobre o efeito fotoelétrico como inexplicáveis e inconsistentes diante das predições da teoria ondulatória-eletromagnética clássica. No entanto, ao analisar o período de transição entre a rejeição e a aceitação da “hipótese de quantum de luz” de Albert Einstein, identificam-se pelo menos seis tentativas clássicas de interpretação do efeito fotoelétrico, as quais raramente são discutidas em livros didáticos ou textos acadêmicos. Neste primeiro artigo de uma série de três, são apresentadas quatro hipóteses clássicas de como o efeito fotoelétrico é produzido, formuladas, respectivamente, por Philipp Lenard (uma), Arthur E. Haas (uma) e por Joseph J. Thomson (duas). Os resultados fornecem subsídios para que professores e estudantes possam explorar aspectos conceituais, procedimentais e epistemológicos no contexto do desenvolvimento inicial da teoria quântica, a partir de uma visão problematizadora e histórica da atividade científica.
Palavras-chave: Ensino de Ciências; História da Ciência; Teoria Quântica; Efeito Fotoelétrico
Recent studies have renewed efforts to draw attention to the pseudo-historical narrative describing Philipp Lenard’s experimental results on the photoelectric effect as inexplicable and inconsistent with predictions of classical wave-electromagnetic theory. However, in examining the transition period between the rejection and acceptance of Albert Einstein’s “quantum of light hypothesis”, at least six classical attempts to interpret the photoelectric effect can be identified, rarely discussed in textbooks or academic texts. In this first article of a three-part series, four classical hypotheses on how the photoelectric effect is produced are presented, formulated respectively by Philipp Lenard (one), Arthur E. Haas (one), and by Joseph J. Thomson (two). The findings provide insights for teachers and students to explore conceptual, procedural, and epistemological aspects in the context of the early development of quantum theory, from a problematizing and historical perspective on scientific activity.
Keywords Science Education; History of Science; Quantum Theory; Photoelectric Effect
1. Introdução
“Uma nova verdade científica não triunfa por convencer seus oponentes e fazê-los ver a luz, mas sim porque seus oponentes eventualmente morrem, e cresce uma nova geração que está familiarizada com ela” [1].
Alguns trabalhos brasileiros têm procurado chamar a atenção para as narrativas pseudo-históricas relacionadas ao efeito fotoelétrico [2, 3, 4, 5, 6, 7]. Em particular, discute-se a forma e o conteúdo das observações experimentais publicadas por Philipp Eduard Anton von Lenard (1857–1894) entre os anos de 1889 e 1902. Os autores salientam que muitos relatos sustentam que os resultados das investigações de Lenard foram considerados, na época, como completamente inexplicáveis e inconsistentes frente às predições da teoria ondulatória-eletromagnética clássica. Em seguida, como principal argumento para a desconstruir essas explicações pseudo-históricas, exploram a proposta de “hipótese de gatilho” como uma tentativa clássica de interpretação do efeito fotoelétrico, formulada pelo próprio Lenard em 1902, e aceita pela comunidade científica por quase 10 anos.
Contudo, ao analisar o período de transição entre a rejeição e a aceitação da “hipótese de quantum de luz” de Albert Einstein (entre 1905 e 1925), é possível identificar, pelo menos, outras cinco interpretações clássicas alternativas para o efeito fotoelétrico. Em linhas gerais, essas interpretações combinam diferentes modelos atômicos com alguma espécie de ação ressonante entre a radiação eletromagnética e os elétrons no interior dos átomos das superfícies metálicas. Considerando a escassez de discussões históricas sobre a controvérsia científica (relacionada a essa temática na literatura brasileira de ensino de física), este primeiro artigo discute historicamente quatro hipóteses clássicas, enquanto tentativas de interpretação do efeito fotoelétrico. Elas foram propostas entre os anos 1902 e 1913, respectivamente, por Philipp Lenard (uma), por Arthur Erich Haas (uma) e por Joseph John Thomson (duas)1.
Na próxima seção, será feita uma breve contextualização histórica das investigações científicas de Philipp Lenard sobre o efeito fotoelétrico, antes de discutir sua “hipótese de gatilho”. O texto evidencia que essas investigações eram motivadas pela busca de uma solução técnico-experimental para produção dos catódicos lentos, ideais para estudar as forças eletromagnéticas no interior dos átomos.
2. Philipp Lenard e suas Investigações Científicas sobre o Efeito Fotoelétrico
Entre os anos de 1889 e 1902, o físico alemão Philipp Lenard, ex-assistente de Heinrich Rudolf Hertz (1857–1894) e um especialista reconhecido em raios catódicos, conduziu uma série de investigações científicas sobre a emissão fotoelétrica em superfícies metálicas. Seu objetivo principal era avaliar o uso desse fenômeno no estudo da propagação de raios catódicos em materiais sólidos e gasosos [8, 9, 10, 11]. Para atingir esse objetivo, era necessário obter raios catódicos em diferentes velocidades de propagação. Os tradicionais tubos de descarga elétrica, conhecidos como “Tubo de Crookes” e que utilizavam gás rarefeito, produziam raios com cerca de um terço da velocidade da luz, enquanto os raios catódicos gerados como subproduto do decaimento radioativo do elemento rádio, praticamente se igualavam à rapidez da luz. Obter raios catódicos “puros” (isto é, no espaço vazio e sem a interferências dos gases) com baixas velocidades era uma dificuldade técnico-experimental para a investigação de Lenard e de outros cientistas da virada do século XX [8–11]. Em suas palavras:
(. . .) os raios lentos, por outro lado, pareciam mais adequados para produzir informações sobre as forças dos átomos, a constituição da matéria. Durante muito tempo, no entanto, parecia impossível realizar testes puros em uma gama suficientemente ampla de velocidades, uma vez que o vidro do tubo de descarga não podia suportar as fortes tensões necessárias para os raios muito rápidos, e os raios lentos, embora fáceis de produzir dentro do tubo, não conseguiam emergir através da janela; eles eram muito absorvíveis [8, p. 120–121, tradução nossa].
A solução aparentemente foi anunciada em um trabalho do físico italiano Augusto Righi (1850–1920), publicado em 18902, o qual tinha mostrado que poderia haver uma correspondência entre a natureza da fotocorrente, gerada no efeito fotoelétrico em superfícies metálicas, e a corrente dos raios catódicos obtida nos “Tubos de Crookes”. De outro modo, os resultados de Righi levaram-no a inferir que os “raios fotoelétricos” (ou a fotocorrente) eram da mesma natureza elétrica dos, já há muito, conhecidos “raios catódicos”, embora ainda estivesse em disputa se essa natureza desses raios era ondulatória ou corpuscular.
Lenard percebeu que se a conclusão de Righi estivesse certa, ele poderia utilizar o efeito fotoelétrico, (um fenômeno que outros cientistas já consideravam como um pouco “fora de moda”), para produzir raios catódicos puros, a baixíssimas velocidades, em baixa pressão (cerca de 0,001 mmHg)3, ideais para seus propósitos de investigação [8–11]. Para isso, ele construiu o aparato experimental esquematizado na Figura 1.
Aparato experimental utilizado por Philipp Lenard para investigar o efeito fotoelétrico. Fonte: Adaptado e colorido para fins didáticos a partir da Ref. [8].
O ambiente interno, em cor cinza, está num vácuo completo. (U) representa a placa metálica a ser irradiada. A luz ultravioleta penetra na região interna do tubo após atravessar uma vedação transparente de quartzo (B). Os raios catódicos produzidos são emitidos a partir de (U), e um feixe estreito é formado ao passar por um pequeno orifício na contraplaca (E). Uma diferença de potencial (V) entre as placas é utilizada para acelerar ou frear os raios catódicos. Depois de atravessar a contraplaca (E), o feixe atinge uma pequena placa (α) que coleta a carga negativa transportada, indicando, assim, a existência dos raios catódicos (fotocorrente) no eletrômetro. Ao aproximar adequadamente um ímã ou uma bobina do tubo (linha pontilhada circular), é possível defletir os raios para a placa (β), em vez de (α), no final no percurso. Isso indica que o raio invisível é defletido pelo ímã e na direção apropriada para os raios catódicos, conforme as medidas realizadas por J.J. Thomson (1856–1940) em 18974 para relação carga/massa.
Com esse arranjo experimental, Lenard conduziu várias investigações cujos resultados foram compilados na publicação de um artigo de 51 páginas em 19025. Em primeiro lugar, mostrou que os raios catódicos podiam ser produzidos em um ambiente de baixa pressão, obtendo assim raios catódicos “puros”, algo até então impossível de se conseguir com tubos de descargas elétricas. Em segundo lugar, concluiu que, nessas condições, os raios catódicos eram emitidos com velocidades muito baixas, pois uma carga negativa de apenas alguns volts aplicada na contraplaca (E) era suficiente para reverter totalmente a fotocorrente [8]. Ele notou uma ligeira influência do tipo de radiação, mas não prosseguiu com o desenvolvimento de condições experimentais adequadas para investigar uma possível dependência do limiar fotoelétrico em relação ao valor da frequência da radiação eletromagnética incidente [8–11].
Contudo, o resultado mais importante foi a observação de que a intensidade da radiação ultravioleta incidente provocava alterações na magnitude da fotocorrente, isto é, na quantidade de portadores de eletricidade6, mas não em suas velocidades máximas. Ou seja, a velocidade de escape dos raios catódicos era independente da intensidade da radiação ultravioleta incidente [8–11].
Essa observação empírica, à primeira vista, parecia ser inconsistente e contraditória em relação ao que seria esperado pela teoria ondulatória-eletromagnética clássica7. Entretanto, foi dissipada por Lenard com a proposição de sua “hipótese de gatilho” no mesmo artigo de 1902. De fato, historiadores da ciência afirmam que, por aproximadamente 10 anos, essa hipótese foi considerada pela comunidade de físicos como uma explicação consistente para o efeito fotoelétrico; apoiada, naquela época, muitas vezes, pelos resultados de outras pesquisas sobre a natureza da matéria e da eletricidade [9, 11, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24].
3. Quatro Interpretações Clássicas para o Efeito Fotoelétrico
3.1. A “Hipótese de Gatilho” de Philipp Lenard (1902)
O anúncio da observação do efeito fotoelétrico, caracterizada pela emissão de partículas negativamente carregadas de superfícies metálicas devido à incidência de luz ultravioleta, suscitou interesse na comunidade científica no final do século XIX. De acordo com o historiador Bruce R. Wheaton, tem-se uma média anual de dezesseis artigos, nos três primeiros anos após a publicação do trabalho de Heinrich Hertz, sobre a influência da luz ultravioleta na produção de descargas elétricas em 1887, e sete artigos por ano nos primeiros dez anos [9, 11]. No contexto histórico-científico em questão, muitos físicos empenharam-se em interpretar o efeito fotoelétrico como um dos vários fenômenos inexplorados que demandavam explicação no âmbito do paradigma hegemônico da teoria ondulatória-eletromagnética clássica, sistematizada pelo físico escocês James C. Maxwell, por volta do ano de 1862.
Considerando a ação direta da luz ultravioleta sobre os átomos da placa metálica no aparato experimental, mostrado anteriormente (Figura 1), a teoria clássica permitiu a Lenard inferir que a luz desencadeava alguma forma de vibração ou perturbação no interior dos átomos. Essa hipótese já tinha sido antecipada pela teoria da dispersão, proposta pelo médico e físico alemão Hermann von Helmholtz (1821–1894) em 18938. Ademais, em 1897, o físico holandês Pieter Zeeman (1865–1943) observou que os átomos contêm eletricidade negativa suscetível à vibração, denominada à época como “quantum de eletricidade”, ou simplesmente “osciladores eletrônicos”9. Ao final do século XIX, tanto Lenard quanto outros físicos admitiam que “(. . .) se a co-vibração de um quantum negativo no átomo com as ondas de luz ultravioleta se torna demasiadamente violenta, um quantum pode escapar do átomo, produzindo um raio catódico” [8, p. 123, tradução nossa].
Ao considerar a confiabilidade dos dados experimentais e a ampla aceitação da teoria ondulatória-eletromagnética, as supostas contradições empíricas só existiam se, e somente se, fosse verdadeira a premissa de que ocorre efetivamente um processo de transferência de energia radiante na interação entre a luz e a matéria. Lenard argumentou que, naquele momento, em 1902, não havia evidências que corroborassem essa premissa. O físico alemão destacou, por exemplo, que o valor obtido experimentalmente para energia cinética dos quanta de eletricidade era muito grande para ser alcançado por algum processo de ação ressonante, em um intervalo de tempo tão reduzido [8, 10].
Assim, ao formular uma explicação para as recentes observações experimentais relacionadas ao efeito fotoelétrico, Lenard estava convencido de que a radiação eletromagnética, na faixa do ultravioleta, atuava como se fosse o “gatilho de uma arma”, cujo papel se limitava à liberação (disparo) dos quanta de eletricidade do interior dos átomos presentes nas superfícies metálicas. Em suas palavras:
[. . .] as velocidades iniciais dos quanta emitidos [fotoelétrons] não se originam da energia luminosa, mas de movimentos violentos já preexistentes dentro dos átomos antes da incidência de luz, de modo que os movimentos de ressonância desempenham apenas um papel insignificante [10, p. 170, tradução nossa].
Desse modo, Lenard assumiu que a energia cinética dos elétrons emitidos (agora denominados “fotoelétrons” na terminologia moderna) originava-se na “reserva de energia interna” que os próprios quanta de eletricidade já possuíam, quando ainda pertenciam à estrutura interna dos átomos constituintes da superfície metálica [8, 10]. De acordo com seu entendimento naquela época, algumas evidências experimentais indicavam essa conclusão:
Acho esta conclusão importante, pois dela aprendemos que não apenas os átomos do rádio – cujas propriedades estavam apenas começando a ser discernidas com mais detalhes naquela época – contém reservas de energia, mas também os átomos dos outros elementos; estes também são capazes de emitir radiação e, ao fazê-lo, talvez se decomponham completamente, correspondendo à desintegração e à rugosidade das substâncias em luz ultravioleta. Essa visão foi recentemente corroborada no Instituto Kiel por experimentos especiais que também mostraram que o efeito fotoelétrico ocorre com velocidades iniciais inalteradas mesmo na temperatura do ar líquido [8, p. 121, tradução nossa].
Lenard argumentou que outros processos envolvendo a interação entre a radiação eletromagnética e a matéria também poderiam ser compreendidos a partir de sua “hipótese de gatilho”:
Não podemos considerar a ação da luz restrita apenas ao estado sólido de agregação. As moléculas, ou átomos de gases, sofrem um efeito completamente análogo sob a ação da luz ultravioleta. É razoável supor que os quanta [fotoelétrons] escapam deles, e o gás torna-se, assim, eletricamente condutor (. . .). Se o gás contém oxigênio como o ar, o ozônio é formado como subproduto. Essa mesma ação da luz (. . .) também está envolvida na fosforescência e, portanto, provavelmente também na fluorescência, talvez também em todos os efeitos fotoquímicos [8, p. 121, tradução nossa].
No que diz respeito à influência do tipo de radiação eletromagnética incidente, Lenard menciona que as recentes pesquisas conduzidas por Pierre Curie (1859–1906), Marie S. Curie (1867–1934), Georges Sagnac (1869–1928)10, e por Friedrich E. Dorn (1848–1916)11, sugerem que, analogamente à luz ultravioleta, os raios X também produzem raios catódicos quando incidentes sobre superfícies metálicas, sendo consistente com sua capacidade de tornar os gases eletricamente condutores e induzir efeitos fosforescentes e fotoquímicos [8, 10]. Contudo, isso não representava uma dificuldade para a “hipótese de gatilho”. Lenard afirmou que, ao considerar a existência de um processo de ressonância entre a radiação eletromagnética e o quantum de eletricidade no interior dos átomos, e admitindo a possibilidade de existirem quanta em diversas magnitudes de frequências de vibração, o quantum ejetado por meio da luz ultravioleta não seria o mesmo que o gerado pelos raios X. Portanto, as diferentes velocidades iniciais de escape provêm dos distintos movimentos vibracionais preexistentes do quantum dentro do átomo. A partir desse ponto, torna-se possível explicar a dependência do efeito fotoelétrico em relação ao tipo de radiação incidente, pois, segundo essa interpretação clássica de Lenard, as diferentes radiações eletromagnéticas (seja ultravioleta ou raios X) desempenham apenas o papel de “engatilhar”, ou seja, de selecionar os diferentes quanta que serão ejetados [8, 10].
Dado que o conhecimento científico sobre a estrutura interna do átomo ainda era um problema em aberto na virada do século XX12, a solução apresentada por Lenard pareceu razoável para maioria dos físicos da época. Isso se justifica pela eliminação das duas aparentes contradições com a teoria ondulatória-eletromagnética clássica, sem a necessidade de impor hipóteses ad hoc e excessivamente arbitrárias [9, 11, 20–24].
Em um ensaio publicado em 1918, Lenard observa que foi a partir de experimentos realizados e conduzidos por ele que J.J. Thompson adotou a ideia de “que todos os átomos são compostos por eletricidade positiva e negativa, [. . .] com um espaço atômico uniformemente preenchido com eletricidade positiva, no qual circula um número de quanta elementar negativo proporcional ao peso atômico” [25, p. 105, tradução nossa]. Entretanto, com base nos dados obtidos em 190313, sobre a propagação dos raios catódicos em materiais sólidos e gasosos, Lenard propôs um modelo científico alternativo para estrutura atômica. Nessa proposta, ele postulou a existência dos “dinamides”14 como os constituintes fundamentais da matéria. A Figura 2 esquematiza o modelo científico elaborado por Lenard para a estrutura atômica.
Ilustração do modelo atômico de Lenard para estrutura da matéria. Fonte: Elaborada pelos autores a partir de LEIFIphysik15.
De acordo com a proposta de modelo atômico de Lenard, os “dinamides” são extremamente pequenos, eletricamente neutros e estão em movimento (rotação e/ou oscilação) com uma certa energia cinética inicial. Essa dinâmica explicaria a manutenção das distâncias entre os quanta. Nessa perspectiva, os “dinamides” seriam pequenos dipolos-elétricos, em movimento constante, no interior dos átomos, fortemente ligados eletricamente, cuja massa total equivale à massa atômica. Consequentemente, a matéria sólida representaria somente uma fração mínima de todo o volume do átomo [8]. Em suas palavras:
A conclusão das medidas de absorção em todas as velocidades, [. . .] me levou a assumir que não só a eletricidade negativa, mas também a positiva dos átomos estão concentradas em um espaço muito pequeno, de modo que o volume atômico é preenchido pelos campos de força das duas quantidades. Como os dois tipos de eletricidade devem estar presentes em quantidades iguais no átomo eletricamente neutro, a coisa mais simples a fazer é assumir que um quantum elementar negativo e um positivo estavam unidos em um par, e estabelecer que todos os átomos são formados por tais pares que eu denominei de dinamides [25, p. 106, tradução nossa].
Apesar de o modelo atômico dos “dinamides”, proposto por Lenard, ter sido considerado vago, e tendo sido rejeitado em favor do modelo atômico de J.J. Thomson [28], principalmente entre os físicos e químicos do Reino Unido, a sua “hipótese de gatilho” como explicação para o efeito fotoelétrico manteve-se válida e aceita na comunidade científica até meados de 1911 [20, 21]16.
Em 1910, os novos resultados experimentais sobre a ionização fotoelétrica em gases rarefeitos por luz ultravioleta, obtidos pelo próprio Lenard com a colaboração de Carl Ramsauer (1879–1955)17, foram cruciais para insustentabilidade da “hipótese de gatilho”. Os dois cientistas observaram que essa ionização sempre era sucedida por uma absorção correspondente de energia luminosa, o que contradizia a premissa de interação não-energética sobre a qual a interpretação clássica de Lenard se fundamentava [19, 20]. Eles escreveram:
Tanto para gases quanto para sólidos e fluidos, o efeito fotoelétrico está correlacionado não apenas com a absorção [da luz], mas com uma absorção muito forte (metálica) no átomo interno; elas [observações] indicam muito mais que a luz incidente fornece a energia do que o contrário [26, p. 5–6, tradução nossa].
Conforme relatava Bruce R. Wheaton [9, p. 321, tradução nossa], “[. . .] em 1913, Philipp Lenard reconheceu que o efeito fotoelétrico era uma ‘dificuldade’ [para a hipótese de gatilho], a qual tornara-se intransponível após a aceitação da teoria de Bohr para a estrutura atômica”.
Esse contexto histórico-científico indica que, no período de 1910 a 1913, vivenciava-se uma crescente controvérsia científica em relação à explicação do efeito fotoelétrico na comunidade de físicos. Nesse intervalo, a “hipótese de gatilho” de Lenard havia sido refutada, porém, simultaneamente, ainda se rejeitava a audaciosa e radical “hipótese de quantum de luz” de Einstein [27]. Naturalmente, surgiram defensores de outras interpretações clássicas. Dentre eles, estavam Arthur Erich Haas (1884–1941), J.J. Thomson (1856–1940), Arnold Johannes Wilhelm Sommerfeld (1868–1951) e Owen Willans Richardson (1879–1959).
A seguir, discutiremos a hipótese de Arthur Haas e, na sequência, exploraremos outras duas hipóteses de J.J. Thomson, formuladas entre 1910 e 1913, com destaque para a última. Isso se deve ao fato de que J.J. Thomson conseguiu derivar uma equação linear entre a energia cinética dos fotoelétrons emitidos e a frequência da radiação incidente, assemelhando-se à equação fotoelétrica de Einstein, de 1905.
3.2. A hipótese de Arthur Erich Haas (1910)
O principal registro da defesa do físico neerlandês Hendrik Antoon Lorentz (1853–1928) de uma hipótese clássica para explicar o efeito fotoelétrico – ou, ao menos, frequentemente citado por historiadores da teoria quântica –, é derivado de uma série de seis palestras ministradas na Universidade de Göttingen, Alemanha, entre 24 e 29 outubro de 1910. O objetivo do evento era discutir os “velhos e novos problemas na física” [18–21]. Essas palestras foram posteriormente editadas por Max Born (1882–1970), físico e matemático alemão, e publicadas na revista científica Physikalische Zeitschrift18. Em um trecho, Max Born comenta: “[. . .] Lorentz não nega o valor heurístico dessa hipótese [quantum de luz], mas quer defender a velha teoria [ondulatória-eletromagnética clássica] pelo maior tempo possível” [28, p. 1250, tradução nossa].
A hipótese clássica defendida publicamente por Lorentz, durante a conferência na Universidade de Göttingen, em 1910, não era de sua própria autoria. Ela foi desenvolvida seis meses antes, pelo físico austríaco Arthur Erich Haas (1884–1941) [29, 30].
No início de 1909, “Haas estava explorando a ‘literatura mais recente de física’ com o objetivo de escolher um tema de pesquisa para sua tese de doutorado” [29, p. 90, tradução nossa]. Isso era um dos pré-requisitos para a escolha do cargo pretendido por ele de “Privatdozent”19 no campo da História da Física, na Faculdade de Filosofia da Universidade de Viena. Como parte do processo de avaliação, submeteu um manuscrito intitulado “A História do Princípio da Conservação da Energia”. Entretanto, a banca examinadora, composta pelos físicos Franz Serafin Exner (1881–1947) e Victor von Lang (1838–1921), indeferiu a nomeação de Haas. Sugeriram que ele deveria elaborar um estudo na área da Física, e não apenas um trabalho de natureza histórica; para submetê-lo com a complementação do primeiro trabalho apresentado [29].
Naquela época, os estudos mais atuais da Física abrangiam os trabalhos de Wilhelm Wien (1864–1928), Max Planck, “3◦ Barão” Lorde Rayleigh (John William Strutt, 1842–1919), James Hopwood Jeans (1877–1946), Albert Einstein (1879–1955) e Hendrik Lorentz (1853–1928). Esses trabalhos estavam relacionados à teoria termodinâmica da radiação de corpo negro, abordando a questão da distribuição da energia em função do comprimento de onda e da temperatura. Embora a corroboração empírica da “lei de Planck” não estivesse em dúvida, muitas discussões e debates surgiram quanto ao significado físico da constante de Planck (h), a qual Planck denominou de “quantum de ação elementar”. Segundo Haas20:
Das teorias que tratam dessa questão, a de Planck deve ser definitivamente considerada a mais importante. (. . .) E, no entanto, como o próprio autor enfatiza repetidamente, a teoria de Planck não pode, de forma alguma, ser considerada perfeita. Porque, nela, é essencial uma constante universal, a que Planck deu o nome de “quantum de ação elementar”, cujo significado físico ainda está envolto em completa escuridão; e, como o próprio Planck explica, a termodinâmica da radiação não pode chegar a uma conclusão totalmente satisfatória até que essa “constante h” seja reconhecida em sua plena universalidade – e especialmente em seu significado eletrodinâmico [30, p. 119–120, tradução nossa].
Havia duas perspectivas em discussão. Por um lado, alguns cientistas defendiam que a estrutura atômica era uma consequência direta da constante de Planck (h), enquanto outros sustentavam a visão oposta, ou seja, que a interpretação mais adequada era que a constante de Planck (h) fosse uma consequência direta da estrutura atômica [29].
Nesse contexto de controvérsia científica (em relação ao significado físico da constante de Planck (h)), o físico alemão e historiador Armin Hermann, em seu livro “A Gênese da Teoria Quântica (1899–1913)”, afirmou que “Haas foi um dos primeiros a tentar aplicar o ‘quantum de ação elementar’ de Planck à constituição do átomo” [29, p. 90, tradução nossa]. Segundo o autor, o objetivo de Haas era derivar a relação E = h.v a partir de princípios eletrodinâmicos bem estabelecidos ou, ao menos, mostrar a compatibilidade dessa lei com esses princípios, buscando, assim, compreender a natureza do “quantum de ação elementar” de Planck.
Além do trabalho de Planck como referencial teórico, a hipótese clássica de Haas levava em consideração as características do modelo atômico de J.J. Thomson [31] assim como os estudos de espectroscopia atômica e as propriedades de ressonância ondulatória entre a radiação eletromagnética incidente e os elétrons ligados aos átomos da superfície metálica [18–21, 29]21.
No início da introdução de seu artigo, datado de fevereiro de 1910, Haas apresentou seus objetivos da seguinte forma:
No presente trabalho, será realizada uma tentativa de interpretação eletrodinâmica do “quantum de ação elementar” de Planck. O objetivo é estabelecer uma fórmula que relacione a constante (h) com as grandezas fundamentais da teoria do elétron e, como será demonstrado, com a fórmula espectral de [Johann Jakob] Balmer. Além disso, essa abordagem permitirá um cálculo mais preciso de duas importantes propriedades físicas que, até o momento, têm sido consideradas como constantes ainda desconhecidas: o quantum elétrico elementar [carga elétrica] e o raio do átomo de hidrogênio [30, p. 120, tradução nossa].
E acrescentou ao final da introdução:
Na investigação a seguir, o modelo de J.J. Thomson para o átomo de hidrogênio será considerado como um caso especial de um ressonador óptico [oscilador hertziano idealizado] e uma conexão será buscada por meio da aplicação simultânea da teoria do elétron e da teoria da radiação de Planck ao mesmo problema” [30, p. 121, tradução nossa].
De acordo com a interpretação de Haas, dentro da esfera positivamente carregada da estrutura atômica proposta por J.J. Thomson [31], os muitos elétrons imersos estão localizados em diferentes regiões, alguns mais internos e outros mais próximos à fronteira externa. Todos eles em movimentos circulares uniformes concêntricos (oscilando harmonicamente)22. Neste caso, a rapidez de cada elétron é função do raio orbital. Ao serem atingidos por uma radiação eletromagnética, esses elétrons devem ganhar um incremento, tanto na energia cinética quanto no raio orbital, devido às propriedades de ressonância ondulatórias e, consequentemente, também na energia potencial [18–21, 29, 30].
A partir dessas considerações iniciais, e tomando o átomo de hidrogênio com apenas um elétron como objeto de estudo – o mais simples e idealizado possível –, Haas analisou o caso específico de um determinado elétron, de massa (m) e carga elétrica elementar (e), movendo-se em órbita circular de raio (r = a), próximo à fronteira externa da esfera positiva. Portanto, nessa situação particular, considera-se que o elétron está na iminência de ser ejetado do interior do átomo, mas ainda está eletricamente ligado à esfera positiva devido à ação do campo elétrico. Caso o elétron absorva uma quantidade de energia radiante, suficiente para romper o limiar energético, ele será emitido da esfera positiva. Simultaneamente, de acordo com a Lei de Conservação da Energia, uma quantidade discreta de energia deve ser abstraída da radiação incidente [18–21, 29, 30].
A situação física analisada por Haas é similar ao problema clássico de um elétron em movimento circular uniforme, no qual o módulo da força elétrica é numericamente igual ao módulo da força centrípeta (|Fe| = |Fcp|). Logo, num primeiro momento, sua análise e interpretação são equivalentes às realizadas por Ernest Rutherford (1871–1937) na mesma época, quando este último propôs o modelo atômico nuclear [21, 30].
De acordo com a condição inicial fundamental de Haas, nessa situação física idealizada e de iminência de fotoemissão do elétron, a energia potencial máxima do elétron (quando r = a) deve ser calculada pela igualdade com o “quantum de ação elementar” de Planck. Matematicamente, |Ep(máx)| = e2/r = e2/a = h.ν, onde (h) é a constante de Planck e (ν) é a frequência de revolução orbital (no sistema CGS de unidades de medidas). Na visão de Haas, essa condição teórica expressa o significado físico da constante de Planck (h), ou seja, (h) representa fisicamente a energia potencial máxima que um elétron pode armazenar dentro da estrutura atômica antes de ser emitido23.
Com base nessas premissas, assumindo que ω = 2πν, isto é, que existe uma relação entre a frequência (ν) e a frequência orbital do elétron (ω), Haas demonstrou que a constante de Planck (h) e o raio da esfera atômica estavam relacionados da seguinte forma:
Com base nos estudos do espectro de emissão do átomo de hidrogênio e na equação (versão resumida) da série do físico e matemático suíço Johann Jakob Balmer (1825–1898)24, Haas complementou a sua equação (1) com a hipótese de que a frequência (ν) está em concordância com ν = ν∞(1 − 4/n2), onde ν∞ é a frequência limite na série de Balmer, com n1 = 2 e R∞ = 4/λ∞, sendo R∞ denominada constante de Rydberg, cujo valor aceito na época era R∞ = 109677 cm−1.
Usando a equação (1) resolvida para o raio da esfera atômica (r = a), e que nesse momento vale a condição inicial fundamental |Ep(máx)| = e2/a = h.ν∞, Haas derivou uma expressão para a medição da constante de Rydberg (R∞) do espectro do átomo de hidrogênio, que interrelacionava os valores massa (m), da carga elétrica elementar (e) e da constante de Planck (h):
Com base nessas duas equações matemáticas, Haas observou que a ordem de grandeza dos resultados estimados para a energia potencial máxima (e para o “quantum de ação elementar”) era consistente com os valores experimentais aceitos na época. De fato, foi somente no ano seguinte, em 1911, que o físico norte-americano Robert A. Millikan publicou os resultados de suas investigações com a técnica experimental de “gota-de-óleo”, tornando possíveis valores consideravelmente mais precisos para a carga elétrica elementar (e).
Na mencionada conferência na Universidade de Göttingen em 1910, Lorentz concluiu: “Portanto, temos à nossa frente uma estrutura [atômica] que só pode absorver certas quantidades finitas de energia, isto é, elementos discretos de energia” [28, p. 1246, tradução nossa]. Ele ainda destacou que as recentes aplicações da hipótese de Arthur Haas ao estudo de ionização do gás argônio, com o objetivo de determinar o limiar energético para a estrutura atômica, forneciam um valor que correspondia à mesma ordem de grandeza teoricamente estimada para a constante de Planck (h).
Contudo, Lorentz também ressaltou que a hipótese de Haas era criticada naquele momento, principalmente, devido às pressuposições arbitrárias de seu propositor. Em primeiro lugar, alguns críticos argumentavam que essa hipótese tinha sido construída combinando duas áreas da Física até então separadas: os estudos de linhas espectrais (ramo da óptica) com a teoria quântica em “fase embrionária” (ramo da termodinâmica) [18]. Em segundo lugar, afirmava-se que Haas utilizou como referência as características do modelo atômico mais simples possível – o átomo de hidrogênio, com um único elétron movendo-se na superfície da esfera positiva, proposta por J.J. Thomson – tornando sua hipótese apenas uma aproximação, quando aplicada aos átomos das superfícies metálicas [21]. Conforme afirmou Lorentz, “[. . .] nesses átomos, vários elétrons teriam que ser emitidos da esfera positiva, o que resultaria em valores de energia ligeiramente diferentes para cada elétron e, consequentemente, nessa situação, a constante de Planck (h) só poderia representar um valor médio” [28, p. 1247]. Outros físicos, como Arnold Sommerfeld (1868–1951) e Niels Bohr (1885–1962), rejeitaram a ideia de que a constante de Planck (h) fosse derivada de estruturas atômica particulares. Em vez disso, argumentavam que ela deveria ser deduzida de uma teoria geral e independente do campo elétrico do átomo [18, 21, 29].
Segundo o historiador da ciência Armin Hermann [29], Arthur E. Haas escreveu, em sua autobiografia não-publicada, que sua hipótese clássica foi recebida com desdém e, até mesmo, ridicularizada pelos demais cientistas na Universidade de Viena:
Quando eu apresentei meus estudos durante o encontro da Sociedade de Físicos e Químicos de Viena, Ernst Lecher, o diretor do Instituto de Física na Universidade de Viena, considerou-os uma piada de carnaval; e quando Laurenz Müller questionou [Friedrich] Hasenöhrl a meu respeito, foi informado de que eu não poderia ser levado a sério, uma vez que ingenuamente misturei e confundi campos científicos completamente desconexos, como a teoria quântica (associada à termodinâmica) e a espectroscopia (associada à óptica). É compreensível que eu tenha ficado completamente desanimado diante dessa situação [citado por ref. 29, p. 96, tradução nossa].
Embora a hipótese clássica de Arthur Haas não tenha sido aceita pela comunidade científica, isso não significa que tenha sido totalmente ignorada ou eventualmente deixada de ser debatida. Durante o I Congresso de Solvay em 1911, realizado em Bruxelas, na Bélgica, o físico alemão Arnold Sommerfeld (que também estava presente nas palestras de H. Lorentz na Universidade de Göttingen em 1910) fez uma referência explícita ao recente artigo científico de Haas, publicado na revista Physikalische Zeitschriflm. Ele considerou-o uma contribuição importante para o desenvolvimento de sua própria interpretação clássica para o efeito fotoelétrico – posteriormente designada como a “hipótese h” de Sommerfeld-Debye [18, 19].
É relevante destacar que o resultado da equação (2) possui a mesma ordem de grandeza que os dados empíricos. Contudo, é exatamente oito vezes maior que o valor derivado por Niels Bohr, em 1913, a partir da quantização do momento angular do elétron [21]. Para que houvesse uma concordância entre os resultados teóricos estimados e os dados empíricos, Haas teria de assumir, de maneira ainda mais arbitrária, que a energia potencial máxima do elétron corresponderia ao dobro do “quantum de ação elementar” de Planck (2hv).
3.3. As duas hipóteses clássicas deJ.J. Thomson (1910 e 1913)
O físico britânico Joseph John Thomson (1856–1940) propôs duas hipóteses clássicas como explicação para o efeito fotoelétrico entre os anos de 1910 e 1913. Embora ambas sejam construídas com base em modelos distintos de estrutura atômica, a explicação pressupõe, mais uma vez, uma ação ressonante entre as frequências da radiação eletromagnética incidente e de vibração (revolução e/ou oscilação) do elétron no interior dos átomos das superfícies metálicas.
A primeira hipótese de Thomson25 [32] foi publicada alguns meses antes das palestras, anteriormente mencionadas, de Hendrik Lorentz na Universidade de Göttingen. Thomson tomou como ponto de partida os controversos resultados experimentais do físico alemão Erich Ladenburg (1882–1952), publicados em 190726 [33]. Ao investigar o efeito fotoelétrico sobre superfícies metálicas de platina, cobre e zinco, decorrente da incidência de luz ultravioleta em uma pequena faixa de comprimento de onda (220 nm < λ < 270 nm), Ladenburg observou que a energia cinética máxima dos elétrons emitidos era independente da intensidade de radiação, variando muito pouco em relação à natureza do material irradiado. No entanto, essa quantidade de energia era proporcional a . Ou seja, os resultados sugeriam que a velocidade máxima (e não a energia cinética máxima) do elétron emitido era diretamente proporcional à frequência da radiação eletromagnética incidente. Em suas conclusões, ele defendeu que seus recentes resultados experimentais indicavam, na verdade, um apoio à “hipótese de gatilho” de Philipp Lenard [10]27.
Em 1910, J.J. Thomson mantinha um ceticismo considerável tanto em relação à “hipótese de gatilho” de Lenard (1902) quanto à “hipótese de quantum de luz” de Einstein (1905). Sobre a primeira, argumentou que a existência de um contínuo de velocidades aumentando linearmente com a frequência de radiação incidente, conforme sugerido por Ladenburg [33], implicava em um número grande de elétrons no interior de cada átomo. Isso resultaria em movimentos oscilatórios distintos para cada elétron, mesmo entre os átomos de um mesmo elemento químico, o que seria improvável e conflitante com as evidências espectroscópicas de homogeneidade atômica [11]. Por outro lado, com relação à segunda, ele indagou: “Por que uma unidade de luz, ao passar sobre um corpúsculo [elétron], deve ser obrigada a transferir-lhe toda a sua energia, ou nenhuma?” [29, p. 244, tradução nossa]. Para ele, somente respostas arbitrárias seriam possíveis diante dessa pergunta.
Em busca de uma explicação clássica alternativa às interpretações de Lenard e de Einstein para o efeito fotoelétrico, Thomson postulou a existência de “dupletos-elétricos” no interior dos átomos das superfícies metálicas.
Na verdade, Thomson já tinha sugerido a ideia de “dupletos-elétricos” como constituintes da matéria três anos antes28. Discutida anteriormente em 1907, a “teoria da radiação em corpos quentes” foi retomada tendo em vista que a radiação eletromagnética se originaria a partir do impacto de um corpúsculo negativamente carregado (elétron) com as moléculas do “corpo quente”. De acordo com seu modelo teórico, a quantidade de radiação emitida é função do intervalo de tempo de colisão. No entanto, para evitar contradições com a Segunda Lei da Termodinâmica, ele teve de assumir que as forças repulsivas exercidas durante a colisão deveriam variar de modo inversamente proporcional ao cubo da distância, como uma força centrífuga ordinária. Segundo ele, “[. . .] forças desse tipo poderiam ser exercidas [sob os corpúsculos] por “dupletos-elétricos” de momento constante com suas extremidades apontando para os corpúsculos” [32, p. 239, tradução nossa]. Portanto, o postulado fundamental do modelo científico de Thomson é a existência de “dupletos-elétrico” de momento M, dispersos no interior dos átomos de uma superfície metálica fotossensível. De acordo com sua perspectiva, um “dupleto-elétrico” poderia ser representado da seguinte forma:
Se AB é um “dupleto” com a extremidade positiva em B, e P é um corpúsculo [elétron], então é possível ter um estado de movimento constante, quando P descreve um círculo em volta de AB como eixo, o plano da órbita sendo perpendicular a AB e o centro da órbita no prolongamento de AB [32, p. 244, tradução nossa].
A Figura 3 representa esquematicamente o “dupleto-elétrico” anteriormente descrito.
Representação de um “dupleto-elétrico” proposto por J.J. Thomson. Fonte: STUEWER [35, p. 52].
Thomson assumiu que somente alguns poucos “dupletos-elétrico” deveriam ter um elétron girando abaixo da extremidade positiva com uma frequência angular (ϕ). Nessa situação, o movimento orbital poderia ser descrito por um vetor (r) traçado a partir da posição do elétron, formando uma superfície cônica de ângulo (θ) com o ponto-médio da distância AB [32, 35]
Considerando as equações clássicas para dinâmica do movimento do elétron e as condições iniciais adotadas, Thomson estimou que a distância entre as cargas do “dupletos-elétrico” deveria ser de, aproximadamente, 4,0 × 10−9 e que [32]. Ele demonstrou que, a partir desse modelo, havia uma proporcionalidade direta entre energia cinética do elétron e sua frequência angular de rotação (ϕ), com uma constante de proporção da mesma ordem de grandeza que a constante de Planck (h), calculada por meio da seguinte expressão:
Em que (M) é o momento do dipolo-elétrico, (m) é a massa e (e) é a carga elétrica elementar, (θ) é o ângulo da superfície cônica formada pelo vetor (r) e (ϕ) é a frequência angular.
Com base nesse modelo de estrutura atômica constituído por “dupleto-elétricos”, Thomson explicou as observações empíricas que indicavam uma ampla variedade de frequências orbitais e de energias cinéticas dos elétrons emitidos, mesmo com um número pequeno de elétrons no interior dos átomos das superfícies metálicas. Segundo ele, a força repulsiva exercida sobre o corpúsculo é inversamente proporcional ao cubo da distância (Fe ∼ 1/r3), o que implica que tanto o plano orbital quanto a rapidez do movimento não permanecerão constantes e não serão iguais para todos os elétrons, mesmo em átomos do mesmo elemento químico [32]. Em sua perspectiva, o efeito fotoelétrico ocorria porque, quando uma radiação eletromagnética de frequência (ν1) é irradiada sobre a superfície metálica, ela encontrará, pelo menos, um corpúsculo (elétron) orbitando um “dupleto-elétrico” com frequência angular idêntica à da radiação (ν1 ≈ ν2). Isso inicia uma ação ressonante que provocará uma perturbação cada vez maior no equilíbrio dinâmico do movimento do elétron, até que ele seja lançado para fora do átomo [32].
Em suas considerações finais, Thomson argumentou que sua hipótese de “dupleto-elétricos” explicava, de forma mais simples, os resultados de Ladenburg [33] e, ao mesmo tempo, demonstrava que não era necessária a aplicação da “hipótese de quantum de luz” de Einstein [27]. Segundo ele, a hipótese de Einstein, mesmo considerando-a somente de natureza heurística, dificilmente poderia ser consistente com as explicações bem-sucedidas dos fenômenos óticos de difração e interferência. Em suas palavras:
Assim, a energia dos corpúsculos ejetados [fotoelétrons] pela luz seria, nesta visão, proporcional à frequência da luz, quer a energia da onda de luz fosse composta de diferentes unidades ou não; de modo que não podemos considerar as experiências de Ladenburg como uma prova da estrutura unitária da luz [32, p. 246, tradução nossa].
As principais críticas em relação ao modelo de “dupleto-elétricos” de J.J. Thomson referiam-se à estrutura dinamicamente instável do átomo. Embora ele tenha argumentado que uma estabilidade, a longo prazo, era desnecessária para o sucesso de sua teoria, a maioria dos físicos considerou-a improvável e de caráter especulativo [19].
Contudo, tais críticas aparentemente nunca foram totalmente desconsideradas por Thomson. Em 1913, ele apresentou um novo modelo de estrutura atômica [36]29. Essa segunda tentativa de interpretação clássica engloba as diversas classes de propriedades atômicas que obedecem à lei de Planck [E = h.ν]. A fotoemissão elétrica foi explicitada por ele como uma dessas importantes propriedades.
A premissa fundamental no novo modelo Thomsom foi postular que as forças elétricas existentes nos átomos podem não ter, exatamente, as mesmas características daquelas das leis ordinárias da eletrostática. Segundo ele, em virtude do grande número de corpúsculos eletricamente carregados no interior do átomo, peculiaridades tendem a desaparecer. O efeito resultante seria apenas uma “média aparente” das forças elétricas individuais exercidas. Ele afirmou: “[. . .] é possível que a força exercida por uma única carga atômica [elétrica] não se propague uniformemente em todas as direções, mas esteja concentrada ao longo de certas linhas ou cones30” [36, p. 793, tradução nossa].
Em síntese, nessa segunda tentativa clássica de interpretação do efeito fotoelétrico, Thomson sugeriu que a força exercida por uma carga elétrica individual não preenche uniformemente todo o espaço ao redor dela, mas permanece confinada em estreitos “tubos de força elétrica”, em formato de superfícies cônicas, cujos efeitos do lado externo são nulos. Ele ainda argumentou que o único critério que se impunha era a necessidade de que as propriedades preditas por esse novo modelo deveriam ser correspondentes àquelas já conhecidas para a estrutura atômica em sua época [36].
Com base nesse novo modelo científico, Thomson afirmou que tal correspondência seria possível se as forças elétricas agindo sobre os elétrons fossem:
(1) Uma força repulsiva radial, variando inversamente com o cubo da distância a partir do centro da carga elétrica, difundindo-se ao longo de todo átomo, combinada com; (2) Uma força atrativa radial variando inversamente, como quadrado da distância a partir do centro da carga elétrica, confinada a um número limitado de tubos radiais no átomo [36, p. 793, tradução nossa].
Na introdução de seu artigo de 1913, Thomson ressaltou que não discutiria detalhes ou considerações sobre a origem dessas forças, limitando-se a postular a existência delas e deduziria seu modelo de estrutura atômica como uma consequência direta [36].
A partir dessas considerações iniciais, Thomson analisou o caso especial de um elétron submetido simultaneamente a ambas as forças, atrativa e repulsiva, oscilando harmonicamente em equilíbrio estável dentro do “tubo de forçaselétricas”, numa determinada posição r = a, quando descolado radialmente por uma distância x. Aplicando a Segunda Lei de Newton, ele demonstrou que quando x → ∞ (x tende ao infinito), o trabalho (W) realizado pela força repulsiva sobre o elétron é dado por:
em que (C) é uma constante da força repulsiva, (e) é o valor da carga elétrica elementar, (m) é a massa e (v) é a frequência de oscilação.
Assumindo (de forma ad hoc) que o trabalho (W) realizado é diretamente proporcional à frequência de oscilação (W = h.v), conforme estabelecido pela lei de Planck, Thomson obteve a seguinte expressão para a constante de Planck (h):
Usando esse novo modelo científico, Thomson interpretou classicamente o efeito fotoelétrico da seguinte maneira: uma luz de frequência (v1) atinge um determinado átomo no qual existe algum elétron em equilíbrio estável, em movimento oscilatório harmônico de frequência angular idêntica (ν1 ≈ ν2), possibilitando uma ação ressoante entre a luz e o elétron, com transferência de energia radiante para energia cinética. Para que o elétron seja ejetado para fora do “tubo de forças elétricas”, é necessário a realizar um trabalho externo mínimo (W1), em oposição à força atrativa que está agindo sobre o elétron. Ou seja, é necessária uma quantidade mínima de transferência de energia radiante. No entanto, ao sair do “tubo de forças elétricas”, a energia cinética do elétron será nula. Se o elétron estiver sujeito apenas à força repulsiva, sua energia cinética irá aumentar progressivamente à medida que se afasta do centro do tubo. A energia cinética máxima do elétron, portanto, após ser ejetado do átomo, é numericamente igual ao trabalho realizado pela força repulsiva quando a distância tende ao infinito (x → ∞), a partir da posição de equilíbrio. Portanto, tem-se W = h.v. Dessa forma, Thomson concluiu: “Assim, observamos que a energia cinética com a qual o corpúsculo [elétron] é ejetado é proporcional à frequência da luz e é igual à frequência multiplicada pela constante de Planck (h). Essa é a conhecida lei da fotoeletricidade” [36, p. 796, tradução nossa].
Thomson ainda explicou que existe outro meio pelo qual o elétron pode ser ejetado nas mesmas condições iniciais: sob a ação de uma força magnética em ângulo correto, cuja direção coincide com aquela em que o corpúsculo estava se movendo. Nesse caso, o elétron será defletido de sua trajetória de oscilação e sua velocidade radial diminuirá, enquanto sua velocidade tangencial aumentará, mantendo sua energia cinética total constante. Segundo ele, “(. . .) um átomo desse tipo só absorverá energia radiante de frequência v por múltiplos de hv” [36, p. 796, tradução nossa].
Ao recordar a pergunta apresentada no artigo de 1910 – “Por que uma unidade de luz, ao passar sobre um corpúsculo [elétron], deve ser obrigada a transferir-lhe toda a sua energia ou nenhuma?” [32, p. 244, tradução nossa] – Thomson argumentou que, a menos que o elétron seja deslocado para fora do “tubo de forças elétricas”, no qual, inicialmente, está se movimentando harmonicamente, nenhuma absorção real de energia radiante ocorrerá. Sendo assim, qualquer pequena quantidade de energia radiante absorvida pelo elétron será reemitida como espalhamento de ondas elétricas (luz), sem absorção líquida. Em contrapartida, quando a ação luminosa é suficiente para deslocar o corpúsculo para fora do “tubo de forças elétricas”, há uma absorção real direcionada a cessar o movimento oscilatório inicial e a superar as forças atrativas. Nesta perspectiva, “[. . .] a energia está sendo absorvida em unidades, o que corresponde exatamente à quantidade de energia necessária para liberar um corpúsculo [elétron] de seu tubo de forças” [36, p. 796, tradução nossa].
De acordo com R.H. Stuewer [19, 35], embora as duas hipóteses clássicas de J.J. Thomson tenham atraído a atenção de alguns físicos e, até mesmo, estimulado algumas investigações experimentais, o consenso era de que muitas de suas suposições eram ad hoc, ou seja, de caráter arbitrário. O autor menciona, por exemplo, que a segunda hipótese foi alterada pelo próprio J.J. Thomson, apenas dois meses após sua publicação, quando percebeu a insustentabilidade dinâmica das superfícies cônicas como “tubos de forças elétricas”. Em uma carta aos editores da revista Philosophical Magazine, em 08 de novembro de 1913, p. 1044 (tradução nossa), ele escreveu:
Caros senhores. Em meu artigo sobre a Estrutura do Átomo (Phil. Mag. Out. 1913), supus que as regiões nas quais as forças elétricas dentro do átomo deveriam estar confinadas eram delimitadas por superfícies cônicas. Descobri em investigações posteriores que, com tais superfícies, o período de um corpúsculo dentro da região aumentaria à medida que sua energia aumentasse, e o corpúsculo deixaria de estar em uníssono com a luz antes de adquirir energia suficiente para escapar da região de força elétrica. Se, no entanto, os limites dessas regiões forem cilíndricos em vez de cônicos, o período será independente da energia cinética do corpúsculo, e este último estará em ressonância com a luz até que adquira energia suficiente para escapar da região. Assumindo contornos cilíndricos em vez de cônicos, os resultados apresentados no artigo podem ser aplicados sem modificações adicionais. Atenciosamente, J.J. Thomson.
Conforme enfatizado por Stuewer [19], o ponto central das tentativas clássicas de interpretação do efeito fotoelétrico, em oposição a “hipótese de quantum de luz” de Einstein, mesmo que tenham sido rejeitadas, deve ser compreendida em maior profundidade. Tanto a “hipótese de gatilho” de Philipp Lenard (1902) quanto a de Arthur Haas (1910), bem como as duas hipóteses de J.J. Thomson (1910 e 1913), tinham como objetivo mostrar que era possível a partir de modelos particulares de estrutura atômica, explicar as observações empíricas sobre o efeito fotoelétrico, compreendendo a interação entre a radiação e a matéria por meio das propriedades clássicas de ressonância ondulatória.
Para finalizar essa subseção, é pertinente comentar sobre outro modelo científico formulado por J.J. Thomson, também importante na história não linear da compreensão científica do fenômeno do efeito fotoelétrico. No entanto, diferentemente dos modelos anteriores, não se trata de um modelo da estrutura da matéria, mas do éter-luminífero. Esse modelo, denominado “teoria das cordas-de-éter”, havia sido formulado por volta de 1903.
Na sua “teoria das cordas-de-éter”, Thomson tentou reconciliar as observações experimentais, aparentemente conflitantes, com a teoria ondulatória-eletromagnética, postulando a existência de uma estrutura fibrosa no éter. Nela, a energia se propagaria ao longo das linhas de força de Faraday, concebidas como cordas reais, que se estenderiam por todo o espaço [29, 35]. Nessa concepção, o éter-luminífero seria análogo a uma teia de aranha infinita que preencheria todo o universo.
No artigo publicado por Robert A. Millikan em 1916, ele afirmou que a “teoria das cordas-de-éter” possuía, em certa medida, alguma semelhança com a teoria quântica de Einstein. Para ele, em ambas, a energia, depois de deixar o corpo emissor, permanece localizada no espaço e, quando absorvida, é absorvida como um todo. No entanto, Millikan enfatizou que, ainda assim, tratava-se, em essência, de uma teoria ondulatória-eletromagnética do éter, pois nela, a velocidade de propagação da radiação é determinada pelas propriedades do meio, independente da natureza ou condição da fonte emissora [34, 37].
A “teoria das cordas-de-éter” merece esses breves comentários porque continuou sendo defendida por Millikan, até 1921, ou seja, cerca de cinco após a realização de sua série de experimentos sobre o efeito fotoelétrico31. Vale lembrar que Millikan obteve uma correspondência empírica muito precisa para a equação de Einstein (portanto, uma lei científica), contribuindo para o encerramento da controvérsia científica a respeito da linearidade ou não da energia cinética máxima dos fotoelétrons em relação à frequência da radiação. Entretanto, assim como outros físicos da época – A. Haas, H. Lorentz, J.J. Thomson, A. Sommerfeld e O.W. Richardson –, ele esperava que a “lei fotoelétrica” de Einstein pudesse ser deduzida a partir das teorias clássicas, não sendo necessário adotar a teoria quântica da radiação.
Em seu livro “The Electron” de 1917, ao discutir, no Capítulo X, a “Natureza da Energia Radiante”, Millikan afirma que, dentre todas as observações empíricas conflitantes com a teoria ondulatória-eletromagnética, somente as propriedades de interferência ondulatória, que são inexplicáveis em termos da teoria quântica da radiação, ainda permaneciam inexplicáveis à luz da “teoria das cordas-de-éter”. Entretanto, ele insistiu:
“[. . .] ninguém ainda demonstrou que a sugestão de Thomson é reconciliável com os fatos da interferência, embora, até onde eu saiba, sua irreconciliabilidade também não tenha sido absolutamente demonstrada [. . .] A teoria semicorpuscular de Thomson-Einstein está, nesse momento, lamentavelmente incompleta e nebulosa” [37, p. 222, 238, tradução nossa].
4. Considerações Finais
O efeito fotoelétrico é um dos primeiros temas abordados em disciplinas introdutórias de Física Quântica. Entretanto, uma breve análise de alguns livros didáticos empregados em cursos universitários revela uma narrativa pseudo-histórica, a qual sugere que as primeiras observações experimentais desse fenômeno eram inexplicáveis com base na teoria ondulatória-eletromagnética clássica. Além disso, a interpretação quântica de Einstein é, muitas vezes, apresentada como inevitável, unicamente possível e até mesmo natural [13, 14, 15, 16, 17].
Assumindo que a propagação e a perpetuação dessas narrativas pseudo-históricas são favorecidas em um ambiente onde há pouca discussão histórica sobre o assunto, neste primeiro trabalho, foram exploradas as características de quatro diferentes tentativas clássicas de interpretação do efeito fotoelétrico, propostas na primeira década do século XX, respectivamente por Philipp Lenard (1902), Arthur Hass (1910) e J.J. Thomson (1911 e 1913).
A compreensão dessas hipóteses possibilita que professores e estudantes analisem o período de rejeição da “hipótese de quantum de luz” Albert Einstein de forma menos anacrônica. Tal entendimento pode contribuir para a construção de uma visão histórica mais bem-informada, que, entre outras coisas, reconhece as complexidades daquele contexto histórico-científico e do processo de construção do conhecimento científico.
Nos dois trabalhos subsequentes serão enfatizadas a “hipótese-h” de Sommerfeld-Debye (1912) e a “teoria da ação fotoelétrica” de Owen W. Richardson (1914), ampliando nossa discussão histórica sobre o desenvolvimento inicial da teoria quântica e do efeito fotoelétrico.
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-
1
Em tempo, outras duas interpretações remanescentes, propostas respectivamente por Arnold Sommerfeld (uma) e Owen W. Richardson (uma), serão apresentadas separadamente em dois trabalhos subsequentes.
-
2
A. Righi, Atti della Reale Accademia dei Lincei – Rendiconti, S. IV, 6 (1890).
-
3
Segundo Roth [12 p. 204] as bombas de mercúrio do período atingiam pressões de até 0,001 mmHg. Pelos parâmetros atuais, o vácuo obtido por Lenard pode ser considerado de médio para alto. Ao longo do texto manteremos os termos utilizados por Lenard.
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4
J.J. Thomson, Philosophical Magazine, 44, 269 (1897).
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P. Lenard, Annalen der Physik, 313, 5 (1902).
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Evitaremos, por enquanto, o termo “elétron”, visto que em 1902 esse termo ainda não era de uso generalizado entre os físicos e químicos para se referir aos “portadores de eletricidade negativa”. Tal situação irá modificar-se somente após os trabalhos de J.J. Thomson em 1904, dois anos após os trabalhos de P. Lenard sobre o efeito fotoelétrico.
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De acordo com a teoria ondulatória-eletromagnética clássica de James C. Maxwell, um aumento na intensidade da luz (ou seja, na amplitude) pode ocorrer devido a um respectivo aumento proporcional no módulo de uma das componentes do campo eletromagnético dessa radiação. Assim, um aumento na amplitude é resultado único de um acréscimo na quantidade de energia transportada pela radiação eletromagnética. Essa quantidade de energia poderá ser parcial, ou totalmente transferida a átomos e elétrons, em processos de interação com a matéria, exatamente como ocorre no efeito fotoelétrico a partir da incidência de luz ultravioleta [13–17].
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8
H.L.F. Helmholtz, Annalen der Physik, 284, 4 (1893).
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9
P. Zeeman, Philosophical Magazine, 43, 5 (1897).
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10
P. Curie, M. Curie, CR Acad Sci Paris, 130 (1900); P. Curie, G. Sagnac, CR Acad Sci Paris, 130 (1900).
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11
E. Dorn, Archives Neerlandaises, 5 (1900).
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12
É importante ressaltar que o modelo científico de estrutura atômica mais aceito e adotado pela comunidade científica, na primeira década do século XX, é o modelo proposto por J.J. Thomson (Modelo “Pudim de Passas”), publicado dois anos após o trabalho de P. Lenard, em 1904 (ver Ref. [28]). Além disso, é válido destacar que quando empregamos o termo “pudim de passas”, os elétrons não estão distribuídos aleatoriamente no interior do átomo, mas devem estar ordenados de tal forma a manter sua estabilidade atômica.
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13
P. Lenard, Annalen der Physik, 317, 12 (1903).
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14
Com significado distinto, o termo “dinamides” foi primeiramente cunhado pelo físico austríaco Ferdinand Redtenbacher (1809–1863) em 1857, cerca de 30 anos antes dos trabalhos de Philipp Lenard sobre a absorção de raios catódicos em gases rarefeitos [21].
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15
Disponível em: https://www.leifiphysik.de/atomphysik/atomaufbau/ausblick/dynamidenmodell-von-lenard, acessado em 27 de novembro de 2023.
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16
É relevante observar que durante esse período, Lenard foi laureado com o Prêmio Nobel de Física de 1905, em virtude de suas extensas investigações científicas sobre os raios catódicos.
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17
P. Lenard, C. Ramsauer, Sitzbr. Heidelberg Akad. Wiss, Math, Naturwiss. Kl., 2a, (1911).
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18
H. A. Lorentz, Physikalische Zeitschrift, 11 (1910).
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19
O termo “Privatdozent” refere-se a um título acadêmico usado em alguns países de língua alemã, (como Alemanha, Áustria e Suíça), para designar um acadêmico que possui qualificação para lecionar, porém sem uma posição de emprego permanente na universidade. Essa posição acadêmica não existe no Brasil. A tradução como “professor privado” ou “conferencista ou docente particular” é considerada adequada, pois esses termos refletem a natureza do cargo, indicando que o professor possui uma posição acadêmica, mas não é contratado como um funcionário efetivo da universidade. Ele é remunerado pelos estudantes por meio de taxas.
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20
A. E. Haas, Physikalische Zeitschrift, 11 (1910).
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21
É importante notar que, embora a “hipótese de gatilho” de P. Lenard também estivesse igualmente baseada em algum tipo de uma ação ressonante, seu modelo de estrutura atômica subjacente era totalmente diferente, conforme discutido na seção anterior. Na verdade, como veremos ao longo do texto, todas as tentativas clássicas de interpretação do efeito fotoelétrico envolvem o fenômeno de ressonância ondulatória entre a radiação e os elétrons ligados, porém são fundamentadas em distintos modelos atômicos, o que resulta em propriedades e predições específicas para cada uma delas.
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22
Vale recordar que o movimento harmônico simples (MHS) de uma partícula pode ser descrito matematicamente como uma projeção do movimento circular uniforme sobre um diâmetro de um círculo.
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23
Deve-se notar que tanto a energia cinética quanto a energia potencial para um elétron em movimento circular uniforme no interior do átomo é função do raio (r). Ambas as energias aumentam de r = 0 (centro da esfera) até r = a (superfície da esfera). No entanto, para r > a, a energia cinética irá diminuir pelo fator 1/r, enquanto a energia potencial continuará aumentando à medida que r → ∞, visto que a força elétrica atrativa ainda estará sendo aplicada sobre o elétron, mesmo na região externa. Portanto, a interpretação de Haas apresenta um erro conceitual, ao assumir que a energia potencial do elétron é máxima quando r = a. Dessa forma, somente pode-se concordar com essa afirmação de Haas se for excluída a possibilidade r > a como condição inicial [29].
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24
J.J. Balmer, Annalen der Physik, 261, 5 (1885).
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25
J.J. Thomson, Philosophical Magazine, 20, 115 (1910).
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26
E. Ladenburg, Berichte der Deutschen Physikalichen Gesellschaft, 9 (1907).
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27
Vale a pena realçar que, em 1907, o físico russo Abram Fedorovich Joffé (1880–1960) mostrou que os resultados de Ladenburg [33] também poderiam indicar uma relação linear entre energia cinética máxima e a frequência de radiação, sugerindo uma corroboração da equação fotoelétrica de Einstein e de sua “hipótese de quantum de luz”. Em 1911, o físico britânico Frederick Alexander Lindemann (1886–1957) mostrou que também era possível inferir que a energia cinética máxima era proporcional à raiz cúbica da frequência, com base nos mesmos dados empíricos. Em seu famoso artigo de 1916, Robert A. Millikan (1868–1953) também criticou o trabalho Ladenburg [33]. Ele afirmou: “[. . .] com uma faixa tão pequena de comprimento de onda sob investigação, e erros experimentais relativamente grosseiros ao realizar os ajustes, praticamente qualquer curva teórica poderia ser ajustada pelos dados experimentais” [34, p. 358, tradução nossa].
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28
J.J. Thomson, Philosophical Magazine, 14, 80 (1907).
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29
J.J. Thomson, Philosophical Magazine, 26, 154 (1913).
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30
J.J. Thomson, Notes on Recent Researches in Electricity and Magnetism (Clarendon Press, London, 1893).
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31
Ver R.A. Millikan, Physical Review, 7, 3 (1916), p. 383–388. Ver também Millikan, R.A. The Electron: The Electron, Its Isolation and Measurement Ant the Determination of Some of Its Properties. (University of Chicago, Press, Chicago 1917), p. 217–238.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Mar 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
30 Nov 2023 -
Revisado
18 Jan 2024 -
Aceito
31 Jan 2024