Open-access Histoplasmose disseminada aguda em indivíduo imunocompetente

Resumos

A histoplasmose é uma doença fúngica causada pela inalação de esporos de Histoplasma capsulatum. A maioria dos indivíduos normais não apresenta doença após pequena inalação, porém exposições mais prolongadas podem levar ao desenvolvimento de infecção pulmonar aguda, crônica ou disseminada. Nos pacientes imunocomprometidos a infecção é disseminada e grave. Relatamos o caso de um paciente de treze anos, imunocompetente, com febre, tosse seca e dispnéia progressiva havia dois meses. O radiograma e a tomografia computadorizada de tórax evidenciavam infiltrado intersticial com micronódulos difusos. O paciente relatava contato intenso com pássaros em sua residência. Foi submetido a biópsia pulmonar a céu aberto, que evidenciou Histoplasma capsulatum em tecido pulmonar. A cultura do fragmento da biópsia confirmou a presença de Histoplasma capsulatum sp. O paciente foi tratado com anfotericina-B por 28 dias, seguida de itraconazol por seis meses, com resolução do quadro.

Histoplasmose; Imunocompetente; Pássaros


Histoplasmosis is a fungal disease caused by inhalation of Histoplasma capsulatum fungus. The disease does not normally affect immunocompetent individuals after a single, transient inhalation exposure. However, longer exposure may cause chronic or disseminated acute pulmonary infection. In immunocompromised patients, the infection is disseminated and severe. We report the case of a 13-year-old immunocompetent patient, presenting with fever, cough and dyspnea for one month. The chest X-ray and computed tomography scan revealed interstitial infiltrate and diffuse micronodules. The patient reported having had close and prolonged contact with birds. He was submitted to an open lung biopsy and the tissue culture was positive for Histoplasma capsulatum sp. He was treated with amphotericin B for 28 days, followed by treatment with itraconazole for 6 months, and there was complete resolution of the disease.

Histoplasmosis; Immunocompetence; Birds


RELATO DE CASO

Histoplasmose disseminada aguda em indivíduo imunocompetente*

Simone Castelo Branco Fortaleza(TE SBPT); Silvia Karine de Albuquerque Lopes(TE SBPT); Tereza de Jesus Bandeira; Teresa Neuma Albuquerque Gomes Nogueira; Marcelo Alcântara Holanda(TE SBPT)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Simone Castelo Branco Fortaleza Rua Silva Jatahí, 1155, apto 501, Meirelles Fortaleza, CE, CEP: 60170-065 Tel: 55-85-242 0423 / 9987 5542 E-mail: s.fortaleza@uol.com.br

RESUMO

A histoplasmose é uma doença fúngica causada pela inalação de esporos de Histoplasma capsulatum. A maioria dos indivíduos normais não apresenta doença após pequena inalação, porém exposições mais prolongadas podem levar ao desenvolvimento de infecção pulmonar aguda, crônica ou disseminada. Nos pacientes imunocomprometidos a infecção é disseminada e grave. Relatamos o caso de um paciente de treze anos, imunocompetente, com febre, tosse seca e dispnéia progressiva havia dois meses. O radiograma e a tomografia computadorizada de tórax evidenciavam infiltrado intersticial com micronódulos difusos. O paciente relatava contato intenso com pássaros em sua residência. Foi submetido a biópsia pulmonar a céu aberto, que evidenciou Histoplasma capsulatum em tecido pulmonar. A cultura do fragmento da biópsia confirmou a presença de Histoplasma capsulatum sp. O paciente foi tratado com anfotericina-B por 28 dias, seguida de itraconazol por seis meses, com resolução do quadro.

Descritores: Histoplasmose. Imunocompetente. Pássaros.

Introdução

A histoplasmose disseminada aguda é uma doença granulomatosa sistêmica, que pode simular pneumonia adquirida na comunidade grave (PAC), causada pelo Histoplasma capsulatum. Trata- se de doença de apresentação incomum em indivíduos imunocompetentes e de evolução satisfatória na maioria desses pacientes. Pode ser autolimitada ou subclínica. Em alguns casos, dependendo da intensidade da exposição, imunidade do hospedeiro e retardo no diagnóstico, a evolução pode ser grave(1). Apresentamos o caso de um paciente imunocompetente que evoluiu com forma grave da doença, provavelmente devido à intensidade da exposição e ao retardo no diagnóstico.

Relato do caso

Um paciente de 13 anos, estudante, do sexo masculino, foi admitido na UTI Respiratória, com tosse seca, febre diária e dispnéia progressiva havia um mês, tratadas com antibióticos, sem melhora. Apresentava-se à admissão com estado geral comprometido, hipocorado (++/4+), taquipnéico (FR: 32 ipm), taquicárdico (FC: 130 bpm), e com PA de 120 x 80 mmHg. Relatava exposição intensa a pássaros em sua casa (criador de pássaros). Negava contato com tuberculose. À ausculta pulmonar, apresentava crepitações grosseiras nos 2/3 inferiores de ambos os campos pulmonares, e à palpação abdominal, esplenomegalia com baço palpável a cerca de 10 cm do rebordo costal esquerdo. Havia linfoadenopatia cervical e inguinal. Os exames iniciais revelaram anemia (hemoglobina: 7,8 g/dl e hematócrito: 23,3%), leucopenia (2920/mm3), plaquetopenia (135000/mm3) e hipoxemia (PaO2: 53 mmHg e SpO2: 90% - com máscara de Venturi a 50%).

O radiograma de tórax evidenciava infiltrado intersticial em bases e alargamento mediastinal evoluindo posteriormente para infiltrado alveolar difuso (Figura 1). A tomografia computadorizada de tórax de alta resolução (TCAR com janela p/ mediastino) mostrava micronódulos difusos com linfoadenopatia mediastinal (Figura 2).



Durante a investigação as culturas (sangue e urina), BAAR no escarro, FR, FAN, Ac.Anti-ENA, C3, C4 e anti_HIV foram negativos. A dosagem de imunoglobulinas foi normal. A broncoscopia com biópsia transbrônquica evidenciou macrófagos e linfócitos, sem granulomas específicos, processo inflamatório e hiperplasia de células caliciformes mucíparas do epitélio respiratório. A punção liquórica lombar mostrou celularidade normal, com pesquisa de fungos, BAAR e bacterioscopia negativos. O mielograma apresentou hiperplasia da série mielóide e eritróide (1,3:1), e hipoplasia dos megacariócitos, com medula óssea reacional a processo infeccioso.

O paciente evoluiu com progressão da dispnéia, necessitando de FIO2 a 100% (máscara reservatório), e foi então submetido a biópsia pulmonar a céu aberto, cujo exame histopatológico evidenciou fungos compatíveis com Histoplasma, o que foi confirmado em cultura de tecido: Histoplasma capsulatum sp (Figura 3).


Foi iniciado tratamento com anfotericina_B com dose total de 2 g, em regime hospitalar, continuando-se ambulatorialmente com itraconazol, a 200 mg ao dia por seis meses, com evolução satisfatória e resolução radiológica, mantendo-se o quadro assintomático.

Discussão

A histoplasmose pulmonar é uma doença fúngica causada pelo Histoplasma, que possui duas variedades reconhecidas como patógenos humanos: capsulatum e duboissi. Ela é endêmica em certas áreas da América Latina e da América do Norte, com alguns casos relatados na Europa e Ásia. As razões para essa distribuição podem ser o clima moderado, grau de umidade e características do solo(1). A variedade capsulatum é comum em solos que contêm fezes de morcegos e aves.

Em 1905 o fungo foi isolado pela primeira vez, caracterizado em sua forma dimórfica e sua patogenicidade foi demonstrada em animais experimentais (2,13). O primeiro caso diagnosticado em seres humanos vivos foi em 1932, em uma criança de seis meses de idade, a qual morreu de histoplasmose disseminada aguda (3,13). Os grupos de maior risco para acometimento são os imunodeficientes (5). Ela pode ser classificada de acordo com seu curso clínico, nas formas aguda, crônica e disseminada (6).

Na infecção pulmonar aguda os pacientes podem ser assintomáticos ou apresentar sintomas semelhantes aos da gripe, como febre, calafrios, tosse seca, dor torácica pleurítica ou subesternal, mal-estar, mialgia e artralgia, e também eritema nodoso e multiforme(7). O período de incubação e a gravidade da doença dependem da intensidade da exposição e da imunidade do hospedeiro (1). A evolução pode ser desfavorável em imunocompetentes com intensa exposição e/ou retardo no diagnóstico, o que pode ter ocorrido no presente caso. As complicações tardias podem resultar de intensa resposta imune do hospedeiro, com aumento de linfonodos mediastinais ou hilares e fibrose, levando à compressão de estruturas adjacentes e complicações secundárias. O radiograma de tórax pode ser normal ou evidenciar infiltrados difusos com linfoadenopatia hilar e mediastinal, ou opacificações miliares difusas (6).

A infecção pulmonar crônica pode assemelhar-se à tuberculose pulmonar. Este é um dos motivos que, associado à dificuldade de realização de exames micológicos, justifica os poucos casos diagnosticados no Brasil (8). A patogenia e a evolução são muito complexas, e apresentam duas lesões básicas à histopatologia: pneumonite intersticial (lesão precoce) e organização do tecido lesionado com proeminência de células gigantes e cavitação progressiva (crônica); os sintomas e achados radiográficos refletem os dois tipos ou estágios da doença. Os sintomas sistêmicos mais graves ocorrem nos estágios de pneumonite, enquanto hemoptise e dispnéia progressiva aparecem no estágio de cavitação, com possível progressão para insuficiência respiratória (6).

A histoplasmose disseminada é uma forma menos comum da doença e ocorre principalmente em pacientes com imunidade defeituosa (transplantados e aidéticos) e nos extremos etários(1). A gravidade dos sintomas e a histopatologia espelham imunocompetência do indivíduo. Os sinais e sintomas predominantes são febre, calafrios, mal estar, perda de peso, hepatomegalia, esplenomegalia, linfoadenopatia periférica, possível ulceração de mucosa da orofaringe em 25% a 75% dos casos, alterações da medula óssea (anemia, leucopenia, trombocitopenia) e anormalidades eletrolíticas. Existem alguns casos relatados com alterações cardíacas (endocardite), gastrointestinais (sangramento devido a ulcerações na mucosa) ou no sistema nervoso central (meningite linfocítica crônica) (1,6). O radiograma de tórax pode evidenciar alterações de infecção primária anterior ou pneumonite intersticial com disseminação hematogênica.

O diagnóstico de doença pulmonar causada por fungo é feito através do cultivo do organismo causador em escarro, aspirado traqueal, lavado broncoalveolar ou biópsia de tecido pulmonar (9). Pode também ser feito por cultura ou exame histopatológico de outros órgãos e tecidos envolvidos (sangue, medula óssea, fígado, linfonodos, pele ou mucosas), através de colorações especiais (Grocott)(5), sorologias, fixação do complemento ou imunodifusão (6). A biópsia pulmonar a céu aberto tem grande importância como método diagnóstico quando outros exames menos invasivos não esclarecem o diagnóstico. A mortalidade nos casos graves não tratados é de 80%, podendo ser reduzida para menos de 25% com terapia antifúngica (10,11). Muitos pacientes com histoplasmose pulmonar aguda não necessitam de tratamento específico, apresentando resolução espontânea, porém o tratamento é indicado em todos os casos de histoplasmose disseminada progressiva (1,13). Verifica-se uma mortalidade de 50% entre os pacientes com doença grave, mesmo quando tratados com anfotericina-B, enquanto que 98% dos casos menos graves respondem à terapia (12).

Recomenda-se o uso de antifúngico (anfotericina-B, itraconazol ou cetoconazol), por seis a doze meses(1). Apresentamos este caso por se tratar de uma patologia de apresentação rara em indivíduos imunocompetentes, e para alertar para pesquisa desse diagnóstico em casos de PAC de difícil resolução.

Recebido para publicação, em 21/5/2003.

Aprovado, após revisão, em 13/8/2003.

Referências bibliográficas

  • 1. Wheat J, Sarosi G, McKinsey D, Hamill R, Bradsher R, Johnson P, Loyd J, Kauffman C. Practice Guidelines for Management of Pacients with Histoplasmosis. Clinical Infectious Diseases 2000; 30-688-695.
  • 2. DeMonbreum WA. The cultivation and cultural characteristics of Darling's Histoplasma capsulatum. Am J Trop Med 1934; 14:93-125.
  • 3. Dodd K, Tompkins EH. A case of histoplasmosis of Darling in a infant. Am J Trop Med 1934; 14:127-137
  • 4. Severo LC. Micoses Sistêmicas. Condutas em Pneumologia 2001:453-456.
  • 5. Dismukes WE. Histoplasmose. Cecil Tratado de Medicina Interna 1997; 20: 2004-2008.
  • 6. Ozols II, Wheat LJ. Erythema nodosum in an epidemic of histoplasmosis in Indianapolis. Arch Dermatol 1981; 117: 709-712.
  • 7. Severo LC, Rizzon CFC, Roesch EW et al. Chronic pulmonary histoplasmosis in Brasil: report of two cases with cavitation diagnosed by transthoracic needle biopsy. Rev Inst Med Trop S Paulo1997;39:293-297.
  • 8. Fishman, A. P. , The pulmonary Mycosis, Pulmonary Diseases and Disorders 1980; 2 :1164-1181
  • 9. Furcolow ML. Comparison of treated and untreated severe histoplasmosis. JAMA 1963; 183:121-127
  • 10. Dismukes WE, Brdsher RWJr, Cloud GC, et al.Itraconazole terapy for blastomycosis and histoplasmosis. NIAID Mycosis study Group. Am J Med 1992; 93: 489-497.
  • 11. Wheat L. Histoplasmosis in adquired immunodeficiency syndrome. Current Topics in Medical Mycology 1996; 7: 7-18
  • 12. Klein NC, Cunha BA. New antifungal drugs for pulmonary mycoses. Chest 1996;110:525-532.
  • 13. Severo LC, Zardo IB, Roesch, EW, Hartmann AA. Acute disseminated histoplasmosis in infancy in Brazil: report of a case and review. Rev Iberoam Micol 1988; 15: 48-50.
  • Endereço para correspondência
    Simone Castelo Branco Fortaleza
    Rua Silva Jatahí, 1155, apto 501, Meirelles
    Fortaleza, CE, CEP: 60170-065
    Tel: 55-85-242 0423 / 9987 5542
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia do Hospital de Messejana, Fortaleza, Ceará.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Aceito
      13 Ago 2003
    • Recebido
      21 Maio 2003
    location_on
    Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia SCS Quadra 1, Bl. K salas 203/204, 70398-900 - Brasília - DF - Brasil, Fone/Fax: 0800 61 6218 ramal 211, (55 61)3245-1030/6218 ramal 211 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: jbp@sbpt.org.br
    rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
    Acessibilidade / Reportar erro