Open-access Respostas de variáveis fisiológicas e tecnológicas da cana-de-açúcar a diferentes sistemas de irrigação1

Physiological and technological responses of sugarcane to different irrigation systems

Resumos

O objetivo do trabalho foi avaliar a influência de três sistemas de irrigação sobre as trocas gasosas e as qualidades tecnológicas da cana-de-açúcar, variedade RB 92579, por três ciclos consecutivos, cultivada em dois tipos de solos na região do Submédio do São Francisco. Os experimentos foram instalados utilizando delineamento experimental em blocos casualizados, com seis repetições, em áreas com solo arenoso e argiloso. Os sistemas de irrigação foram: sulco, gotejamento superficial e gotejamento subsuperficial. Avaliaram-se as características fisiológicas das plantas: fotossíntese líquida, condutância estomática, transpiração e temperatura foliar. Para análises tecnológicas foram determinados o teor de sólidos solúveis, porcentagem de fibra industrial, pureza do caldo, porcentagem de açúcar bruto, açúcares redutores e umidade. Verificou-se que a irrigação por gotejamento subsuperficial em solo arenoso interfere negativamente nas trocas gasosas da cultura. Os sistemas de irrigação não influenciaram na qualidade tecnológica dos colmos quando cultivada em solo arenoso e, no argiloso, o sulco interfere negativamente no processo de maturação dos colmos.

Fotossíntese; Transpiração; ºBrix; Sulco; Gotejamento


The aim of this study was to evaluate the influence of three irrigation systems on the gas exchange and technological qualities of the sugarcane variety RB 92579, for three consecutive cycles, grown in two types of soil in the Lower Basin region of San Francisco in Brazil. The experiments were set up in a randomised-block design, with six replications, in areas of sandy and clayey soil. The irrigation systems used were: furrow, surface drip and subsurface drip. The following physiological characteristics of the plants were evaluated: net photosynthesis, stomatal conductance, transpiration and leaf temperature. In the technological analyses, levels were determined for soluble solids, percentage of industrial fibre, juice purity, percentage of raw sugar, reducing sugars and moisture. It was found that subsurface drip irrigation in sandy soil impairs the gas exchange of the crop. The irrigation systems did not influence the technological quality of the stalks when grown in sandy soil. In clay soil, furrow irrigation impairs the maturation process of the stems.

Photosynthesis; Transpiration; ºBrix; Furrow; Drip


INTRODUÇÃO

A cana-de-açúcar desempenha papel de extrema importância para a economia do Brasil, sendo o país um dos maiores produtores mundiais, com 8,36 milhões de hectares de área cultivada e produção anual em torno de 558 milhões de toneladas de colmos (SILVA et al., 2012).

A produção dessa cultura vem apresentando aumento significativo a cada ano em decorrência da implantação de novas unidades em vários estados brasileiros (FERNANDES JUNIOR et al ., 2010), além do aumento da capacidade produtiva devido ao aperfeiçoamento dos sistemas de manejo, seleção de variedades mais produtivas e utilização da irrigação.

A cana-de-açúcar é bem adaptada aos climas tropical e subtropical e se enquadra entre as gramíneas de maior eficiência fotossintética, por apresentar metabolismo C4, o que propicia uma taxa de crescimento e eficiência do uso da água duas a três vezes maiores que as plantas de metabolismo C3 (CASAGRANDE, 1996). Porém, é uma cultura que demanda elevado volume de água no seu sistema de produção, consumindo entre 1.500 e 2.000 mm por ciclo anual para produtividade em torno de 100 a 150 Mg ha-1 (DOORENBOS; KASSAN, 1979), o que pode representar elevado consumo de água para regiões como a do Submédio do São Francisco, cuja precipitação média anual encontra-se entre 400 e 550 mm (PEREIRA et al. , 2003).

Neste contexto, sob as condições edafoclimáticas do semiárido, torna-se importante a implantação de um sistema de irrigação adequado para suprir as necessidades hídricas da cana-de-açúcar, principalmente quando se pretende obter maiores índices de produtividade e melhor qualidade do produto sem depender do fator precipitação (DALRI; CRUZ, 2002).

Tem-se observado que técnicas de irrigação por sulcos e por aspersão convencional trazem um retorno satisfatório quando comparadas com as áreas conduzidas sem irrigação (APPELT et al., 2011; FARIAS et al., 2008). Porém, no cenário atual, existe a necessidade de buscar novas tecnologias sustentáveis e eficientes, que apresentem viabilidade técnica, econômica e ambiental.

Cada sistema de irrigação apresenta características específicas no que diz respeito à manutenção da disponibilidade hídrica para a cultura, a qual também dependerá das características edafoclimáticas de cada região. Para a cana-de-açúcar, apesar de poucos estudos realizados e áreas instaladas, a irrigação por gotejamento subsuperficial vem sendo apontado como o mais vantajoso, devido ao melhor aproveitamento de água e nutrientes, à redução da população de plantas daninhas, ao menor acúmulo de sais na superfície e a sua menor interferência nos tratos culturais e na colheita (GONÇALVES, 2010).

Avaliando-se a eficiência dos sistemas de irrigação para as culturas, observa-se que em condições de menor potencial de água no solo, mesmo que em curto prazo, o fechamento parcial dos estômatos pode ser induzido, diminuindo a difusão do vapor d'água para a atmosfera e a difusão do CO2 para dentro do mesófilo foliar (MEDINA; MACHADO; PINTO 1998). Em cana-de-açúcar, a redução do fluxo difusivo de CO2 para o mesófilo ocasiona, como consequência, a depressão da taxa fotossintética, que a depender dos mecanismos de compensação desenvolvidos por essa cultura, podem ou não influenciar na qualidade tecnológica dos seus colmos (RODRIGUES, 1998).

Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho foi avaliar a influência de diferentes sistemas de irrigação sobre as trocas gasosas e as qualidades tecnológicas da cana-de-açúcar, por três ciclos de cultivo de dois tipos de solo da região do Submédio do São Francisco.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi realizado em duas áreas experimentais pertencentes à Embrapa Semiárido. A primeira foi localizada no Campo Experimental de Bebedouro, em Petrolina - PE (latitude: 9º09' S, longitude: 40º22' W, altitude: 365,5 m), cujo solo é caracterizado como Neossolo Quartzarênico e a segunda no Campo Experimental de Mandacaru I (latitude: 09º24' S, longitude: 40º26' W, altitude: 375 m), localizado em Juazeiro-BA, cujo solo é caracterizado como Vertissolo Háplico de textura argilosa.

As chuvas concentram-se entre os meses de novembro e abril, com precipitação média anual em torno de 400 mm, irregularmente distribuída. A temperatura média anual é de 26,5 ºC, variando entre 21 e 32 ºC, com uma evaporação média anual em torno de 2.000 mm, umidade relativa do ar média anual em torno de 67,8%, com 3.000 horas de brilho solar e velocidade do vento de 2,3 m s-1.

Os detalhamentos dos dados de temperatura média e precipitações mensais no período de cada ciclo de cultivo encontram-se na Figura 1.

Figura 1
Precipitação e temperatura média mensais nos Campos Experimentais de Bebedouro, Petrolina-PE e de Mandacaru I, Juazeiro-BA, durante o período de cultivo de cana-de-açúcar nos ciclos de cana-planta (A), 1ª soca (B) e 2ª soca (C)

A variedade de cana-de-açúcar selecionada foi a RB 92579, sendo o plantio realizado em 2009 e avaliada durante três ciclos consecutivos (cana-planta, 1ª soca e 2ª soca). O preparo do solo consistiu em subsolagem, aração, gradagem e adubação de fundação, conforme recomendação para os diferentes solos.

O delineamento experimental foi em blocos casualizados, onde foram avaliados três sistemas de irrigação: sulco (SU), gotejamento superficial (GS) e gotejamento subsuperficial (GE), instalado a 20 cm de profundidade, todos com seis repetições. No sistema de irrigação por sulco foiutilizada a técnica de sulcos fechados e nivelados, com sistema de tubos janelados adaptados. Os espaçamentos utilizados no plantio foram de 1,50 m para os sulcos, enquanto para o sistema de gotejamento foi adotado o sistema de plantio em fileiras duplas, espaçadas de 0,60 m x 1,20 m.

As parcelas experimentais apresentavam 12 m de comprimento por 12,6 m de largura, de modo que a área útil da cada parcela fosse de 8 m de comprimento com quatro fileiras de plantas, sendo duas fileiras duplas para os sistemas de irrigação por gotejamento e quatro fileiras simples para as plantas irrigadas por sulcos.

As irrigações foram realizadas com base na evapotranspiração da cultura, em que a evapotranspiração de referência (ET0) foi obtida por meio de dados de estações meteorológicas instaladas nos locais de estudo, utilizando-se o método de Penman-Monteith modificado por Allen et al. (1998), cuja expressão 1 é descrita como:

sendo, Rn o saldo de radiação à superfície, em MJ m-2 d-1; G o fluxo de calor no solo, em MJ m-2 d-1; T é a temperatura do ar a 2 m de altura, em °C; U2 a velocidade do vento à altura de 2 m, em m s-1; es é a pressão de saturação de vapor, em kPa; ea é a pressão de vapor atual do ar, em kPa; (es - ea) o déficit de pressão de vapor, em kPa; ∆ a declividade da curva de pressão de vapor de saturação, em kPa ºC-1; e γ a constante psicrométrica, em kPa ºC-1.

Os valores dos coeficientes de cultura (Kc) relativos à cana-de-açúcar foram os sugeridos pela FAO 56, citados por Soares et al . (2003) onde os valores de Kc médio para a cana-de-açúcar foram 0,40; 0,75; 1,10; 1,25; 0,90; 0,70 referentes a 0 - 2; 2 - 3; 3 - 6; 6 -12; 12 - 13 e 13 - 14 meses para a cana planta e 0 - 1; 1 - 2; 2 - 4; 4 - 10; 10 - 11 e 11 - 12 meses para a cana soca, respectivamente. Após avaliação do balanço de água no solo com uso de tensiômetros, padronizou-se, para os dois solos, uma frequência de irrigação de 2 e 4 dias para os sistemas de gotejamento e sulco, respectivamente. Os volumes de água aplicados por unidade de área foram obtidos pela seguinte expressão matemática (2):

em que, Va é o volume de água a ser aplicado por unidade de área (l); Au é a área máxima ocupada por um metro linear de uma fileira de plantas (m2) e Ea é a eficiência de aplicação do sistema de irrigação (em decimal) determinada após a instalação dos sistemas de irrigação, onde observou-se 95% para a irrigação localizada, conforme metodologia descrita por Keller e Bliesner (1990) e 75% para a irrigação por sulcos, conforme metodologia descrita por Bernardo, Soares e Mantovani (2006).

Para análise das respostas fisiológicas das plantas em função dos sistemas de irrigação adotados, foram avaliadas a fotossíntese líquida (PN), a condutância estomática (gs), a transpiração (E) e a temperatura foliar (Tf), através do analisador portátil de gás infravermelho, IRGA(LI-COR), modelo LI-6200 (no ciclo de cana-planta) e modelo LI-6400 XT (na 1ª e 2ª soca). A intensidade luminosa foi controlada artificialmente mantendo-se em 2.500 µmol m-2 s-1 durante as avaliações. As trocas gasosas foram medidas entre as 11 e 13 horas, na terceira folha totalmente expandida e com lígula aparente (folha +3), no terço médio do limbo foliar, realizadas dois meses antes do ponto de colheita de cada ciclo e 24 horas após a irrigação.

As análises tecnológicas foram realizadas após amostragem aleatória de 10 colmos por parcela, os quais foram encaminhados ao Laboratório pertencente à Agroindústria do Vale do São Francisco S/A (Agrovale) para determinação do teor de sólidos solúveis (ºBrix), porcentagem de fibra industrial (FIBRA%), pureza do caldo (PZA%), porcentagem de açúcar bruto (PCC) açúcares redutores (AR) e umidade (UMD) utilizando metodologia similar à utilizada por Farias et al.(2009).

Os dados foram submetidos às análises de variância, sendo as médias comparadas pelo teste de Tukey a 5 % de probabilidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Avaliando as trocas gasosas nas folhas de canade-açúcar, observou-se que para os três ciclos (canaplanta, 1ª soca e 2ª soca) a condutância estomática (gs) e a fotossíntese líquida (PN) das plantas submetidas ao gotejamento subsuperficial foram significativamente inferiores as dos demais sistemas, quando cultivadas em solo arenoso (Figura 2).

Figura 2
Fotossíntese líquida (PN) e condutância estomática (gs) em plantas de cana-de-açúcar submetidas a três sistemas de irrigação por sulcos (SU), gotejamento superficial (GS) e gotejamento subsuperficial (GE), em área de solo arenoso, durante os ciclos canaplanta (A), 1ª soca (B) e 2ª soca (C). Médias seguidas de mesma letra não se diferenciam pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade (Campo Experimental de Bebedouro, Petrolina, PE

Essa baixa gs para gotejamento subsuperficial está associada à menor disponibilidade de água para planta na camada superficial do solo (LARCHER, 2004), parâmetro este observado por Rocha, Leão e Assis Júnior (2002), em trabalho com cana-de-açúcar, onde este sistema de irrigação proporcionou perdas de água por drenagem e pequena disponibilidade de água na camada mais superficial (0 a 20 cm) do solo arenoso.

Como consequência, os menores valores de gs proporcionaram menores perdas de água por transpiração (E) nas plantas da 1ª e 2ª soca, interferindo simultaneamente no fluxo difusivo de CO2, o que reduziu a fotossíntese líquida (PN) das plantas submetidas a esse sistema de irrigação (Figuras 2 e 3).

Figura 3
Transpiração (E) e temperatura foliar (Tf) em plantas de cana-de-açúcar submetidas a três sistemas de irrigação por sulcos (SU), gotejamento superficial (GS) e gotejamento subsuperficial (GE), em área de solo arenoso durante os ciclos cana-planta (A), 1ª soca (B) e 2ª soca (C). Médias seguidas de mesma letra não se diferenciam pelo teste de Tukey à 5% de probabilidade (Campo Experimental de Bebedouro, Petrolina, PE)

Segundo Taiz e Zeiger (2013), a redução da fotossíntese ocorre em resposta às condições de déficit hídrico mais severo, em etapa posterior à redução do crescimento da parte aérea e ao estímulo do crescimento de raízes em profundidade, quando a disponibilidade de água não é mais suficiente para suprir o metabolismo das plantas.

Segundo Lima; Jarvis e Rhizopoulou (2003), existe correlação direta entre gs e PN, sendo que a taxa de fotossíntese reduz de forma linear ou curvilínea à medida que ocorre o fechamento dos estômatos. Por outro lado, essa correlação não ficou evidente nas plantas de canaplanta submetidas ao gotejamento subsuperficial, em que menores valores de gs não implicaram em reduções na taxa de transpiração.

Costa e Marrenco (2010) afirmam que esse fato pode ocorrer devido a um conjunto de fatores intrínsecos e ambientais que interagem de forma complexa, podendo atuar em sentidos opostos, a exemplo do que ocorre em ambientes quentes e secos, onde a baixa concentração de CO2 e a alta irradiância estimulam diretamente a abertura dos estômatos e, a baixa umidade e a transpiração causam o fechamento dos estômatos.

Para esse mesmo ciclo observa-se efeito significativo no aumento da temperatura foliar (Tf) proporcionada pelo gotejamento subsuperficial, quando comparados aos demais sistemas (Figura 3), o que corrobora a ocorrência de menor disponibilidade hídrica proporcionada por esse sistema de irrigação em solo arenoso.

Nogueira e Silva Júnior (2001) encontraram alta correlação negativa entre o potencial hídrico das folhas e a Tf demonstrando que essa variável é um bom indicador de disponibilidade hídrica para as plantas.

Apesar de não serem observadas diferenças significativas entre as taxas de transpiração para essa situação, tem-se considerado que a transpiração desempenha papel importante na regulação da temperatura foliar, impedindo que esta atinja níveis letais para as plantas (TRIBUZY, 2005).

De forma geral, não foram verificadas diferenças significativas entre as trocas gasosas das plantas submetidas aos sistemas de irrigação por sulcos e por gotejamento superficial, quando cultivadas em solo arenoso, sendo essas superiores às proporcionadas pelo gotejamento subsuperficial. Considerando-se a disponibilidade de água nas camadas superficiais como principal parâmetro que influenciou este resultado, cabe salientar que a rápida cobertura total do solo pela cultura é outro parâmetro que auxilia a redução das perdas por evaporação nesses sistemas.

Para o sistema de irrigação por sulcos, não foram verificados os efeitos negativos de seu uso em solo arenoso sobre as trocas gasosas de cana-de-açúcar devido ao fato das leituras terem sido realizadas 24 horas após a irrigação, ou seja, quando a umidade do solo ainda era suficiente para suprir as funções fisiológicas das plantas. Avaliando o cultivo da cana-de-açúcar na área com solo argiloso, foi observada redução em PN nas folhas no ciclo de canaplanta irrigadas por gotejamento superficial (Figura 4).

Figura 4
Fotossíntese líquida (PN) e condutância estomática (gs) em plantas de cana-de-açúcar submetidas a três sistemas de irrigação por sulcos (SU), gotejamento superficial (GS) e gotejamento subsuperficial (GE), em área de solo argiloso, durante os ciclos cana-planta (A), 1ª soca (B) e 2ª soca (C). Médias seguidas de mesma letra não se diferenciam pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade (Campo Experimental de Mandacaru I, Juazeiro, BA)

Para essa mesma condição, também foram verificados decréscimos nas taxas de transpiração (Figura 5), o que pode significar que houve limitações na difusão de CO2 para dentro do mesófilo devido à ocorrência do fechamento estomático, o qual também limitou as perdas de água através da transpiração.

Figura 5
Transpiração (E) e temperatura foliar (Tf) em plantas de cana-de-açúcar submetidas a três sistemas de irrigação por sulcos (SU), gotejamento superficial (GS) e gotejamento subsuperficial (GE) em área de solo argiloso, durante os ciclos cana-planta (A), 1ª soca (B) e 2ª soca (C). Médias seguidas de mesma letra não se diferenciam pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade (Campo Experimental de Mandacaru I, Juazeiro, BA)

No entanto, foram observadas reduções nos valores de E nas plantas de 1ª soca, sem haver decréscimos na taxa fotossintética (Figura 4 e 5), o que indica a ocorrência de possíveis mecanismos de compensação para resistir a condições mínimas de estresse hídrico durante o segundo ciclo. Pelo fato da cultura de cana-de-açúcar apresentar mecanismo C4, provavelmente esse fator pode ter contribuído para manter a taxa de fotossíntese elevada, mesmo com a redução temporária na disponibilidade de CO2.

No terceiro ciclo, correspondente à 2ª soca, foram observados menores valores de condutância estomática para todos os sistemas de irrigação utilizados, quando comparados ao primeiro e segundo ciclos. Essa redução está relacionada com a época de coleta dos dados, em que o final desse ciclo coincidiu com o período mais frio do ano na região (junho/ julho), o que possibilitou menores perdas por transpiração, não interferindo significativamente na taxa de fotossíntese.

O efeito das temperaturas mais baixas sobre a fotossíntese das plantas está relacionado com diversos fatores sendo que os principais são a queda da eficiência de carboxilação da ribulose 1,5 bisfosfato carboxilase oxigenase (RIBEIRO et al, 2009) e a redução da condutância estomática (LARCHER, 2004). A baixa influência observada da gs com relação à PN está associada ao fato das plantas serem C4 e, portanto, apresentarem uma maior eficiência de carboxilação pela enzima fosfoenolpiruvato carboxilase (PEPcase) e possibilitarem maiores taxas de fotossíntese, mesmo em condições de baixa disponibilidade de CO2 proporcionadas pelo fechamento dos estômatos (TAIZ; ZEIGER, 2013).

Machado et al. (2010)verificaram reduções na condutância estomática e consequentemente na taxa de fotossíntese, em laranjeira Valência, quando submetidas a baixas temperaturas noturnas (em torno de 8 ºC). Essa característica também foi observada em algumas variedades de feijoeiro (SIEBENEICHLER et al., 1998) e milho submetidas a temperaturas noturnas de 5 ºC (ARGENTA; SILVA; SANGOL, 2001), não sendo comum em variedades de café para temperaturas noturnas em torno de 8 ºC (CARVALHO et al ., 1998), o que demonstra ser uma característica dependente de cada espécie e da temperatura envolvida.

Para as condições de cultivo de cana-de-açúcar, em solos arenoso e argiloso, independente do ciclo e do sistema de irrigação utilizado, as taxas de fotossíntese se mantiveram inferiores a 18 μmol m-2 s-1. Esses valores são inferiores aos encontrados por Gonçalves (2010)em plantas de cana-deaçúcar irrigadas sem limitação hídrica, os quais permaneceram entre 19 e 24 μmol m-2 s-1.

Em relação às variáveis de qualidade tecnológica da cana-de-açúcar cultivada em solo arenoso (Tabela 1), não foi verificada a influência dos sistemas de irrigação utilizados, no entanto, houve diferenças significativas entre os ciclos avaliados, com tendência de aumento ao longo dos anos nos teores de Brix e porcentagem de fibra industrial (FIBRA%).

Tabela 1
Avaliação tecnológica da cana de açúcar: Teor de sólidos solúveis (ºBRIX), porcentagem de fibra industrial (FIBRA%), pureza do caldo (PZA%), porcentagem de açúcar bruto (PCC) açúcares redutores (AR), umidade (UMD) - Campo Experimental de Bebedouro, Petrolina, PE

Para as condições de solo arenoso, a maior umidade (UMD) e os menores valores de Brix e FIBRA% ocorreram no ciclo de cana-planta, diferindo se significativamente dos demais ciclos. Já em relação à 1ª e 2ª soca, com exceção dos teores de Brix, foram verificadas diferenças significativas em todas as variáveis tecnológicas avaliadas. Os valores de FIBRA%, PZA% e PCC foram superiores na 2ª soca, enquanto os teores de AR e UMD foram inferiores aos obtidos na 1ª soca.

No geral, os teores de Brix foram elevados quando comparados aos encontrados por Assis et al. (2004), cujos valores foram em torno de 15º. Ripoli e Ripoli (2004)definiram os níveis recomendados para a maioria dessas variáveis de qualidade. De acordo com esses autores, os valores de PZA% devem ser superiores a 85%, FIBRA% deve estar entre 11 e 13% e valores de AR devem ser inferiores a 0,8%. Comparando esses valores com os determinados na cana-de-açúcar cultivada em solo arenoso, verifica-se que os teores de FIBRA% encontram-se acima do recomendado desde a cana-planta, aumentando esse percentual ao longo dos ciclos de 1ª e 2ª soca, o que consequentemente poderá causar redução da eficiência de extração do caldo, reduzindo seu valor econômico.

As diferenças obtidas entre os ciclos podem estar relacionadas com variações nas condições do ambiente ao longo desses anos, onde se observa uma possível relação com a redução dos índices de precipitação com os anos, podendo contribuir para o aumento na qualidade dos colmos proporcionada pelo maior acúmulo de sacarose.

Muraro et al. (2009) afirmam que o acúmulo de sacarose é extremamente influenciado pela disponibilidade hídrica, sendo seu excesso desfavorável pois atua como fator diluente da sacarose que estava presente no colmo das plantas. Andrade (2006) afirmam que o déficit hídrico ao final do ciclo é importante durante o processo de maturação para que haja repouso fisiológico e, consequentemente, maior acúmulo de sacarose nos colmos.

Dessa forma, a ocorrência de precipitação pluviométrica nos primeiros ciclos, poucos meses antes da colheita pode ser um dos principais fatores que interferiram na qualidade tecnológica desses colmos.

Para a cana-de-açúcar cultivada em solo argiloso, foi verificado que os valores de Brix, PCC, e PZA% da cana-de-açúcar proveniente da 2ª soca foram superiores aos de cana-planta, sendo que o inverso ocorreu com os teores de AR (Figura 6).

Figura 6
Avaliação tecnológica em colmos de cana de açúcar: Teor de sólidos solúveis (ºBrix), Porcentagem de fibra industrial (FIBRA%), pureza do caldo (PZA%), porcentagem de açúcar bruto (PCC) açúcares redutores (AR), umidade (UMD), submetidos a três sistemas de irrigação por sulcos (SU), gotejamento superficial (GS) e gotejamento subsuperficial (GE),e cultivados em solo argiloso por três ciclos. Médias seguidas de mesma letra maiúscula entre os sistemas de irrigação e mesma letra minúscula entre os ciclos não se diferenciam pelo teste de Tukey à 5% de probabilidade (Campo Experimental de Mandacaru I, Juazeiro, BA)

Esses resultados demonstram aumento na qualidade industrial da cana-de-açúcar ao longo dos ciclos, uma vez que representam que houve maior acúmulo de solutos solúveis (Brix), acompanhada pelo acréscimo nos teores de sacarose (PZA%) e redução de impurezas, representadas pelos açúcares redutores (AR). Também foram observados maiores teores de FIBRA% ao longo dos ciclos, no entanto, esse fator não influenciou significativamente em sua qualidade, uma vez que os índices que representam o valor econômico da tonelada de cana-de-açúcar (PCC) também se mantiveram crescentes (Assis et al. (2004)).

Também foi observada influência da irrigação por sulcos na redução do Brix, PCC e UMD dos colmos no ciclo de cana-planta, apesar de apresentarem os menores teores de FIBRA%.

Esses resultados demonstram que o sistema de irrigação por sulcos proporcionou redução da qualidade tecnológica da cana-de-açúcar cultivada em solo argiloso. Como essa característica não foi observada nas plantas cultivadas em solo arenoso, é possível que o tempo de estresse hídrico utilizado para maturação da planta no solo argiloso, para este tipo de irrigação, tenha sido curto, o que promoveu um acúmulo de água superior à quantidade recomendada para a fase de maturação dos colmos (ANDRADE, 2006).

Segundo Scarpari e Beauclair (2004), o processo de maturação fisiológica depende da redução sazonal da temperatura do ar e/ou disponibilidade hídrica, como forma de reduzir a taxa de crescimento vegetativo, sem contudo, afetar de forma significativa o processo da fotossíntese, de modo que haja maior quantidade de produtos fotosssintetizados armazenados nos tecidos da planta.

Portanto, o uso de sistemas de irrigação pode aumentar a qualidade tecnológica da cana-de-açúcar desde que seja manejado adequadamente. Farias et al. (2009) afirmam que a disponibilidade de água na irrigação tem sido apontada como uma das grandes responsáveis pelo aumento nos teores de sacarose na cana-de-açúcar. Moura et al. (2005) observaram diferenças entre o Brix, teor de sacarose e PCC em estudos comparando a cana irrigada com a cana de sequeiro, os quais mostraram aumento de 5,00; 10,79 e 8,63%, respectivamente, quando houve irrigação.

CONCLUSÕES

1. A utilização do sistema de irrigação por gotejamento subsuperficial em solo arenoso reduz as trocas gasosas da cultura de cana-de-açúcar;

2. Os sistemas de irrigação utilizados não influenciam na qualidade tecnológica dos colmos de cana-de-açúcar quando cultivada em solo arenoso. No entanto, o manejo da irrigação por sulcos, realizado em solo argiloso, pode interferir no processo de maturação dos colmos.

  • Pesquisa financiada pelo CNPq

REFERÊNCIAS

  • ALLEN, R. G.. et al Crop evapotranspiration: guidelines for computing crop water requirements. Rome: FAO, 1998. 297 p.
  • ANDRADE, L. A. de B. Cultura da cana-de-açúcar In: CARDOSO, M. das G. (Ed.). Produção de aguardente de cana-de-açúcar. 2. ed. rev. e ampl. Lavras: UFLA, 2006. p. 25-67.
  • APPELT, M. F. et al Rendimento de massa verde e Brix de diferentes variedades de cana de açúcar sob condições de sequeiro e de irrigação complementar na região do Alto Paranaíba, MG. In: CONGRESSO DE FORRAGICULTURA E PASTAGENS, 4., Lavras, 2011. Anais... Universidade Federal de Lavras, 2011.
  • ARGENTA, G.; SILVA, P. R. F.; SANGOI, L. Arranjo de plantas em milho: análise do estado-da-arte. Ciência Rural, v. 31, n. 6, p. 1075-1084, 2001.
  • ASSIS, P. C. O. et al Respostas dos parâmetros tecnológicos em cana-de-açúcar a diferentes lâminas de irrigação e adubação. Revista de Biologia e Ciências da Terra, v. 4, n. 2, 2004.
  • BERNARDO, S.; SOARES, A. A.; MANTOVANI, E. C. Manual de Irrigação 8. ed. Viçosa: Editora UFV, 2006. 611 p
  • CARVALHO, L. M. et al Alterações morfofisiológicas em cafeeiros submetidos a baixas temperaturas. Revista Brasileira de Fisiologia Vegetal, v. 10, n. 2, p. 131-136, 1998.
  • CASAGRANDE, A. A. Crescimento da cana-de-açúcar. Stab, Açúcar, Álcool e Subprodutos, v. 14, n. 5, p. 7-8, 1996.
  • COSTA, G. F.; MARENCO, R. A. Fotossíntese, condutância estomática e potencial hídrico foliar em árvores jovens de andiroba (Carapa guianensis). Acta Amazônica, v. 37, n. 2, p. 229-234, 2007.
  • DALRI, A. B.; CRUZ, R. L. Efeito da frequência de irrigação subsuperficial por gotejamento no desenvolvimento da canade- açúcar (Saccharum spp). Irriga, v. 7, n. 1, p. 29-34, 2002.
  • DOORE NBOS, J.; KASSAM, A. H. Yield response to water Rome: FAO. 1979. 193 p
  • FARIAS, C. H. A. et al Índices de crescimento da cana-de-açúcar irrigada e de sequeiro no Estado da Paraíba. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 12, n. 4, p. 356-362, 2008.
  • FARIAS, C. H. A. et al Qualidade industrial de cana-de-açúcar sob irrigação e adubação com zinco, em Tabuleiro Costeiro Paraibano. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 13, n. 4, p. 419-428, 2009.
  • FERNANDES JUNIOR, A. R. et al Avaliação de diferentes tratamentos térmicos no controle do raquitismo-da-soqueira em cana-de-açúcar. Tropical Plant Pathology, v. 35, n. 1, p. 060-064, 2010.
  • GONÇALVES, F. M. Evapotranspiração e coeficientes de cultivo da cana-de-açúcar irrigada por gotejamento subsuperficial, 2010. 64 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Agrícola) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010.
  • KELLER, J.; BLIESNER, R. D. Sprinkle and trickle irrigation New York: Van Nostrand Reinhold, 1990. 652 p.
  • LARCHER, W. Ecofisiologia Vegetal São Carlos: RiMa, 2004. 531 p.
  • LIMA, W. P.; JARVIS, P.; RHIZOPOULOU, S. Stomatal responses of Eucalyptus species to elevated CO2 concentration and drought stress. Scientia Agricola, v. 60, n. 2, p. 231-238, 2003.
  • MACHADO, D. F. S. P. et al Efeito da baixa temperatura noturna e do porta-enxerto na variação diurna das trocas gasosas e na atividade fotoquímica de laranjeira 'Valência'. Revista Brasileira de Fruticultura, v. 32, n. 2, p. 351-359, 2010.
  • MEDINA, C. L.; MACHADO, E. C.; PINTO, J. M. Fotossíntese de laranjeira 'valência' enxertada sobre quatro porta-enxertos e submetida à deficiência hídrica. Bragantia, v. 57, n. 1, 1998.
  • MOURA, M. V. P. S. et al Doses de adubação nitrogenada e potássica em cobertura na cultura da cana-de-açúcar, primeira soca, com e sem irrigação. Ciência e Agrotecnologia, v. 29, n. 4, p. 753-760, 2005.
  • MURARO G. B. et al Efeito da idade de corte sobre a composição bromatológica e as características da silagem de cana-de-açúcar plantada em dois espaçamentos e três idades de corte. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 38, n. 8, p. 1525-1531, 2009.
  • NOGUEIRA, R. J. M. C.; SILVA JUNIOR, J. F. Resistência estomática, tensão de água no xilema e teor de clorofila em genótipos de gravioleira. Scientia Agrícola, v. 58, n. 3, p. 491-495, 2001.
  • PEREIRA, S. B. et al Distribuição espacial das variáveis hidrológicas na bacia do São Francisco. Engenharia na Agricultura, v. 11, n. 1/4, p. 32-42, 2003.
  • RIBEIRO, R. V. et al Photosynthesis and water relations of well-watered orange plants as affected by winter and summer conditions. Photosynthetica, v. 47, n. 2, p. 215-222, 2009.
  • RIPOLI, T. C. C.; RIPOLI, M. L. C. Biomassa de cana-de-açúcar: colheita, energia e ambiente. Piracicaba: Barros & Marques Ed. Eletrônica, 2004. 302 p.
  • RODRIGUES, J. D. Fisiologia da cana-de-açúcar Botucatu: Universidade Estadual Paulista – UNESP,1998.
  • ROCHA, F. C. S.; LEÃO, M. C. S.; ASSIS JÚNIOR, R. N. Avaliação técnica de um plantio comercial de cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.) microirrigado por gotejamento subsuperficial. Irriga, v. 7, n. 1, p. 18-28, 2002.
  • SCARPARI, M. S.; BEAUCLAIR, E. G. F. Sugarcane maturity estimation through edaphic-climatic parameters. Scientia Agricola, v. 61, n. 5, p. 486-491, 2004.
  • SIEBENEICHLER, S. C. et al Alterações na fotossíntese, condutância estomática e eficiência fotoquímica induzidas por baixa temperatura em feijoeiros. Revista Brasileira de Fisiologia Vegetal, v. 10, n. 1, p. 37-44, 1998.
  • SILVA, T. G. F. et al Requerimento hídrico e coeficiente de cultura da cana-de-açúcar irrigada no semiárido brasileiro. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 16, n. 1, p. 64-71, 2012.
  • SOARES, J. M. et al Agrovale: Uma experiência de 25 anos em Irrigação da Cana-de-açúcar na região do Submédio São Francisco. Revista ITEM, n. 60, p. 55-62, 2003.
  • TAIZ, L.; ZEIGER, E. Fisiologia vegetal 5. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2013. 954 p.
  • TRIBUZY, E. S. Variações da temperatura foliar e do dossel e o seu efeito na taxa assimilatória de CO2 na Amazônia Central 2005. 84 f. Tese (Doutorado em Ecologia de Agroecossistemas) - Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2013
  • Aceito
    22 Ago 2014
location_on
Universidade Federal do Ceará Av. Mister Hull, 2977 - Bloco 487, Campus do Pici, 60356-000 - Fortaleza - CE - Brasil, Tel.: (55 85) 3366-9702 / 3366-9732, Fax: (55 85) 3366-9417 - Fortaleza - CE - Brazil
E-mail: ccarev@ufc.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro