Open-access Esforço percebido, estresse e inflamação do trato respiratório superior em atletas de elite de canoagem

Perceived exertion, stress and upper respiratory tract illness in female elite canoeing flatwater

Resumos

O presente estudo investigou o comportamento do esforço percebido, percepção de fontes e sintomas de estresse e de ocorrência e incidência de sintomas associados a inflamações do trato respiratório superior (ITRS) em atletas de elite do sexo feminino de canoagem velocidade, durante sete semanas de preparação para um campeonato internacional. Para tanto foram utilizados os instrumentos de: medida de esforço percebido da sessão (EPS); o DALDA e o WURSS-21. A ANOVA de Friedman foi utilizada a fim de verificar a hipótese de igualdade entre as sete semanas de investigação para cada uma das variáveis. O nível de significância foi estabelecido em 5%. O teste de Wilcoxon foi utilizado como "post-hoc" com o ajuste de Bonferroni, quando necessário. Os resultados para EPS revelaram diferença significante entre as sete semanas de investigação. Foram localizadas diferenças entre as semanas recuperativas e as semanas de intensificação do treinamento. Diferenças significantes foram reveladas para os sintomas de estresse (Parte B do DALDA) sinalizando para a sensibilidade do instrumento para discriminar semanas de intensificação e semanas recuperativas de carga de treinamento. O WURSS-21 revelou diferenças significantes na ocorrência e incidência de ITRS entre a semana de maior volume de treinamento (semana 1) e as demais semanas investigadas, exceto com a semana 2. Os resultados permitem concluir que os instrumentos utilizados na presente investigação podem ser úteis para monitorar as alterações no esforço percebido da sessão, fadiga, percepção de sintomas de estresse e de ocorrências de ITRS.

Canoagem; Inflamação do trato respiratório superior; Esforço percebido


The aim of the present study was to identify the behavior of session rating of perceived exertion (session RPE), perception of sources and symptoms of stress and perception of occurrence and incidence of upper respiratory tract illness symptoms (URTI) in elite canoeing flatwater female athletes, during 7 weeks of preparation for an international championship. The methods used were the session RPE, DALDA and WURSS-21. The ANOVA of Friedman was applied on the dependent variables. The level of significance was established in 5%. Wilcoxon test was used as post-hoc with the adjustment of Bonferroni when necessary. The session RPE showed significant differences between the taper weeks and the overload weeks (intensified training). Significant differences for the Part B of the DALDA (symptoms of stress) have been demonstrated. To URTI symptoms, significant differences were between the week of greater volume of training (week 1) and the remaining of investigated weeks, except with week 2. The results allow concluding that the instruments used in the present investigation may be useful for assessing changes in perceptual training load, fatigue, stress reaction symptoms and occurrence of perceived URTI symptoms.

Canoeing; Upper respiratory tract illness; Rate of perceived exertion


Esforço percebido, estresse e inflamação do trato respiratório superior em atletas de elite de canoagem

Perceived exertion, stress and upper respiratory tract illness in female elite canoeing flatwater

Alexandre MoreiraI; Thiago Oliveira BorgesII,III; Alvaro Acco KoslowskiII,III; Antonio Carlos SimõesI; Valdir José BarbantiI

IEscola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo

IICentro de Educação Física e Desportos, Universidade Estadual de Londrina

IIIConfederação Brasileira de Canoagem

Endereço Endereço Alexandre Moreira Departamento de Esporte. Escola de Educação Física e Esporte - USP Av. Prof. Mello Moraes, 65 085508-030 - São Paulo - SP - BRASIL e-mail: alemoreira@usp.br

RESUMO

O presente estudo investigou o comportamento do esforço percebido, percepção de fontes e sintomas de estresse e de ocorrência e incidência de sintomas associados a inflamações do trato respiratório superior (ITRS) em atletas de elite do sexo feminino de canoagem velocidade, durante sete semanas de preparação para um campeonato internacional. Para tanto foram utilizados os instrumentos de: medida de esforço percebido da sessão (EPS); o DALDA e o WURSS-21. A ANOVA de Friedman foi utilizada a fim de verificar a hipótese de igualdade entre as sete semanas de investigação para cada uma das variáveis. O nível de significância foi estabelecido em 5%. O teste de Wilcoxon foi utilizado como "post-hoc" com o ajuste de Bonferroni, quando necessário. Os resultados para EPS revelaram diferença significante entre as sete semanas de investigação. Foram localizadas diferenças entre as semanas recuperativas e as semanas de intensificação do treinamento. Diferenças significantes foram reveladas para os sintomas de estresse (Parte B do DALDA) sinalizando para a sensibilidade do instrumento para discriminar semanas de intensificação e semanas recuperativas de carga de treinamento. O WURSS-21 revelou diferenças significantes na ocorrência e incidência de ITRS entre a semana de maior volume de treinamento (semana 1) e as demais semanas investigadas, exceto com a semana 2. Os resultados permitem concluir que os instrumentos utilizados na presente investigação podem ser úteis para monitorar as alterações no esforço percebido da sessão, fadiga, percepção de sintomas de estresse e de ocorrências de ITRS.

Unitermos: Canoagem; Inflamação do trato respiratório superior; Esforço percebido.

ABSTRACT

The aim of the present study was to identify the behavior of session rating of perceived exertion (session RPE), perception of sources and symptoms of stress and perception of occurrence and incidence of upper respiratory tract illness symptoms (URTI) in elite canoeing flatwater female athletes, during 7 weeks of preparation for an international championship. The methods used were the session RPE, DALDA and WURSS-21. The ANOVA of Friedman was applied on the dependent variables. The level of significance was established in 5%. Wilcoxon test was used as post-hoc with the adjustment of Bonferroni when necessary. The session RPE showed significant differences between the taper weeks and the overload weeks (intensified training). Significant differences for the Part B of the DALDA (symptoms of stress) have been demonstrated. To URTI symptoms, significant differences were between the week of greater volume of training (week 1) and the remaining of investigated weeks, except with week 2. The results allow concluding that the instruments used in the present investigation may be useful for assessing changes in perceptual training load, fatigue, stress reaction symptoms and occurrence of perceived URTI symptoms.

Uniterms: Canoeing; Upper respiratory tract illness; Rate of perceived exertion.

Introdução

O treinamento é uma atividade sistemática que visa proporcionar alterações morfológicas, metabólicas e funcionais que possibilitem o consequente incremento do rendimento. O treinamento esportivo deve ser entendido como um processo de longo prazo, orientado para o desenvolvimento mais elevado possível de características fisiológicas e psicológicas (Barbanti, 2005). Neste processo, as ações organizadas com o objetivo de proporcionar estímulos efetivos para o incremento do rendimento, podem ser entendidas como fontes de estresse. Em termos conceituais, o estresse fisiológico imposto ao organismo pelo treinamento pode ser considerado como uma combinação de influências positivas (condicionamento) e negativas (fadiga) no rendimento (Mujica, Busso, Lacoste, Barale, Geyssant & Chatard, 1996).

O estresse no treinamento de alto rendimento também se revela como respostas psiconeurofisiológicas que designam o estado mental e sentimental / emocional dos atletas ao tomar conhecimento das barreiras competitivas que os obrigam a concentrar e canalizar energias excessivas. Doses moderadas de estresses podem produzir efeitos positivos, auxiliando nos treinamentos e nas ações dos atletas para lidar de forma mais natural com os estados de ansiedades. Por outro lado, podem levá-los ao "burnout" que é produzido por respostas psiconeurofisiológicas de esgotamento por esforços frequentes e excessivos (AliÑo, Alonso & Alcocer, 1999). Este excesso relativo às diferentes fontes de estresse, também tem sido associado a alguns fenômenos habitualmente descritos e discutidos na literatura. Por exemplo, cargas intensas com insuficiente periodização dos intervalos de restabelecimento têm sido sugeridas como causa da síndrome do "overtraining" ou do "overreaching" (Hoffman & Kaminsky, 2000; Kraemer, French, Paxton, Hakkinen, Volek, Sebastianelli, Putukian, Newton, Rubin, Gomez, Vescovi, Ratames, Fleck, Lynch & Knuttgen, 2004). A intensificação do treinamento, deliberada ou não, pode levar o atleta a experimentar sensações de fadiga aguda, alteração no padrão de sono, alimentação, problemas de concentração, alterações no estado de humor, bem como diminuição do rendimento (Nederhof, Zwerver, Brink, Meeusen & Lemmink, 2008).

Estas alterações estão amplamente relacionadas às modificações nos diversos sistemas do organismo por conta do incremento do estresse. O sistema imunológico, por exemplo, demonstra - se extremamente sensível ao estresse psicológico e fisiológico. Alguns estudos objetivaram investigar o efeito decorrente da intensificação do treinamento na função imune e respostas imunoendócrinas ao exercício de resistência (Robson-Ansley, Blannin & Gleeson, 2007; Verde, Thomas & Shephard, 1992). Os achados revelaram que períodos sustentados de treinamento intensivo levam a uma depressão de vários aspectos da imunidade inata e adaptativa. No mesmo sentido, períodos intensivos de treinamento militar, que envolveram atividade física extenuante, deficiência de ingestão alimentar, privação de sono e estresse psicológico, também induziram alterações da função imunológica (Carins & Booth, 2002; Tiollier, Gomez-Marino, Burnat, Jouanin, Bourrilhon, Filaire, Guezennec & Chennaoui, 2005).

Atletas de alto rendimento comumente intensificam o treinamento por alguns dias ou semanas em determinadas etapas da temporada com o objetivo de incrementar o rendimento (Halson & Jeukendrup, 2004). Libicz, Mercier, Bigou, Le Gallais e Castex (2006) demonstraram evidências que competições repetidas e seguidas de triátlon tem um efeito acumulativo negativo nos níveis basais da imunoglobulina salivar A (anticorpo predominante na superfície da mucosa), sugerindo que uma alta frequência de treinamento e competição contribuiria para a imunossupressão. Esta situação poderia levar a um estado de "overreaching" no qual o desempenho seria reduzido temporariamente. Este estado, por sua vez, aumentaria o risco do atleta em contrair infecções ou inflamações. O possível incremento da probabilidade de se contrair infecções e/ou inflamações, levou, entre outras, à formação da "teoria da janela aberta" da imunossupressão (Koch, Wherry, Petersen, Johnson, Stuart & Sexton, 2007).

O monitoramento regular das variáveis imunes e hormonais poderia prover ótimo diagnóstico para a avaliação do impacto do exercício agudo e crônico na saúde (Gleeson, 2000; Pedersen & Bruunsgaard, 1995) e identificar atletas com maior risco para desenvolverem infecções ou inflamações. A principal limitação neste sentido é o alto custo para a realização deste processo. A utilização de questionários e testes de campo tem sido sugerida como ferramentas práticas e acessíveis com o objetivo de monitorar as respostas durante o processo de treinamento (Coutts, Reaburn, Piva & Murphy, 2007; Coutts, Slattery & Wallace, 2007; Foster, 1998; Meeusen, Duclos, Gleeson, Rietjens, Steinacker & Urhausen, 2006; Nederhof et al., 2008). Alterações no estado de humor e estresse crônico têm sido associadas com a supressão imunológica. A auto-avaliação do estresse no esporte tem demonstrado ser um meio confiável de monitorar as reações dos atletas em diferentes etapas de treinamento (Robson-Ansley, Blannin & Gleeson, 2007; Rushall, 1990).

Questionários e inventários vêm sendo frequentemente utilizados em estudos que buscam estabelecer relações entre estresse de diferente natureza (psicológica ou fisiológica), respostas imunológicas, desempenho e saúde. Rushall (1990) propôs a utilização do Daily Analysis of Life Demands in Athletes (DALDA), utilizado em diversas investigações sobre o treinamento esportivo (Achten, Halson, Moseley, Rayson, Casey & Jeukendrup, 2004; Halson, Bridge, Meeusen, Busschaert, Gleeson, Jones & Jeukendrup, 2002; Robson-Ansley, Blannin & Gleeson, 2007).

O WURSS-21 (Wisconsin Upper Respiratory Symptom Survey, Barret, Brown, Mundt, Safdar & Leota, 2005), por outro lado, oferece a possibilidade de se extrair informações relacionadas a sintomas de infecções ou inflamações no trato respiratório superior, decorrentes, possivelmente, da diminuição da função imune, resultante de diferentes fontes de estresse. No que diz respeito ao monitoramento da carga de treinamento, Foster (1998) e Foster, Florhaug, Franklin, Gottschall, Hrovatin, Parker, Doleshal e Dodge (2001) demonstraram a utilidade do método da medida do esforço percebido da sessão. Este método tem sido aceito como um indicador de carga de treinamento, fornecendo uma medida do produto do tempo da sessão de treinamento pela percepção do atleta em relação à carga efetivamente realizada e também como um instrumento complementar para o monitoramento e investigação da síndrome de "overtraining" ou "overreaching" (Foster, 1998; Meeusen et al., 2006; Pyne, Gleeson, McDonald, Clancy, Perry Junior & Fricker, 2000).

No Brasil, desconhecemos estudos que buscaram analisar o comportamento do esforço percebido da sessão de treinamento, da percepção de fontes e sintomas de estresse bem como da ocorrência e incidência de sintomas associados a inflamações do trato respiratório superior durante um determinado período de treinamento em atletas de alto rendimento de canoagem. Assim, este estudo se propôs a investigar as possíveis alterações nas fontes e sintomas de estresse, ocorrência e incidência de sintomas de inflamação do trato respiratório superior e esforço percebido da carga de treinamento, em atletas de alto nível de canoagem velocidade, do sexo feminino, durante uma etapa de preparação para um campeonato internacional. A hipótese era que o comportamento da percepção das alterações dos sintomas de estresse e inflamação do trato respiratório superior estivesse no mesmo nível das diferentes magnitudes de esforço percebido.

Método

Amostra

Utilizou-se do método não-probabilístico casual para a seleção da amostra, composta por 11 atletas de alto nível do sexo feminino de canoagem velocidade (média e desvio padrão para idade = 21± 4,7 anos; massa corporal = 61,1 ± 5,3 kg e estatura = 163 ± 1 cm) em preparação para um campeonato internacional. Todas as atletas assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (248/2007).

Delineamento experimental

A duração da etapa de investigação do treinamento foi de sete semanas (QUADRO 1). Os registros de medida de esforço percebido da sessão foram realizados diariamente. Os questionários DALDA e WURSS-21 foram preenchidos ao final de cada uma das semanas investigadas.


Esforço percebido da sessão

O esforço percebido da sessão de treinamento foi quantificado através do cálculo do produto da duração da sessão, em minutos, e da medida da categoria de esforço percebido da sessão, utilizando-se do método proposto por Foster (1998) registrado 30 minutos após o término de cada sessão de treinamento.

Questionário de fontes e sintomas de estresse

O Questionário DALDA foi preenchido ao final de cada semana de treinamento, conforme procedimento sugerido por Robson-Ansley, Blannin e Gleeson (2007). O DALDA é dividido em duas partes, nomeadamente Parte A e Parte B, que representam as fontes de estresse e sintomas de estresse, respectivamente. Este instrumento requer que o atleta assinale cada variável, em cada parte do questionário (A e B), como sendo "pior do que o normal", "normal", ou "melhor do que o normal" em função da sua percepção das fontes e sintomas de estresse.

Questionário de sintomas de inflamações do trato respiratório superior

O WURSS-21 com 21 questões do tipo "survey" busca colher informações de dimensões relacionadas à saúde, que são negativamente afetadas por resfriados comuns e inclui um item de severidade global ("quanto debilitado você se sente hoje ?"), 10 itens baseados em sintomas, nove itens funcionais relacionados à qualidade de vida e um item de modificação geral ("comparado com ontem, sinto que meu resfriado está..."). Todos os itens são baseados em uma escala "tipo-Likert" de severidade de 0 a 7.

Tratamento estatístico

A ANOVA de Friedman foi utilizada a fim de verificar a hipótese de igualdade entre as sete semanas de investigação para cada uma das variáveis. O nível de significância foi estabelecido em 5%. Quando necessário, o teste de Wilcoxon foi utilizado como "post-hoc" com o ajuste de Bonferroni. Foram analisadas separadamente as fontes de estresse (Parte A do DALDA) e os sintomas de estresse (Parte B do DALDA). Foram considerados os valores registrados para "pior do que o normal" em ambas as partes (A e B). Para o WURSS-21, os conceitos de "moderado" a "severo" (5 a 7) foram retidos para análise.

Resultados

A TABELA 1 apresenta a média e desvio padrão para cada uma das variáveis analisadas no estudo.

Os resultados do esforço percebido da sessão de treinamento revelaram diferenças significantes entre as sete semanas de investigação (X2 [qui-quadrado] = 45,90). As diferenças localizadas foram entre semana 1 e 2, 1 e 5, 2 e 3, 2 e 4, 2 e 6, 2 e 7, 3 e 5, 4 e 5, 5 e 6, 5 e7, 6 e 7 (FIGURA 1).


Não foram verificadas diferenças significantes para a parte A do questionário de DALDA, relativa às fontes de estresse, entretanto, diferenças significantes foram reveladas para a parte B, relacionadas aos sintomas de estresse (X2 = 17,43; FIGURA 2). As diferenças localizadas foram para semana 1 e 2, 1 e 3, 1 e 5, 1 e 7, 4 e 5, 5 e 6.


No que diz respeito ao WURSS-21, também se verificaram diferenças significantes entre as sete semanas (X2 = 20,66). As diferenças foram localizadas entre as semanas 1 e 3, 1 e 5, 1 e 6, 1 e 7 (FIGURA 3). Nas semanas 1 e 4 foram obtidas as maiores quantidades de sintomas com conceitos "moderado" a "severo".


Discussão

Na presente investigação, em concordância com outros estudos (Achten et al., 2004; Coutts et al., 2007; Halson et al., 2002; Robson-Ansley, Blannin & Gleeson, 2007), o questionário DALDA revelou-se sensível ao incremento e redução da carga de treinamento, no que se refere aos "sintomas de estresse" (Parte B). As fontes de estresse não se alteraram significativamente durante as sete semanas, sugerindo que a carga de treinamento contribui substancialmente para a alteração nos "sintomas de estresse". Robson-Ansley, Blannin e Gleeson (2007) relataram a mesma dinâmica após quatro semanas de intensificação deliberada da carga de treinamento, e ainda, demonstraram que o DALDA era bastante sensível para predizer as alterações imunológicas que ocorreram no estudo. Os autores demonstraram incremento significante dos "sintomas de estresse" uma semana antes das alterações nos marcadores que apontavam imunossupressão.

Também, do mesmo modo que no presente estudo, Coutts et al. (2007) reportaram a sensibilidade da Parte B do questionário DALDA no que concerne às alterações da carga de treinamento. Os autores demonstraram incremento dos conceitos "pior do que o normal" da Parte B do DALDA quando intensificaram o treinamento, e uma diminuição nos momentos de recuperação.

A sensibilidade do DALDA é evidenciada quando se analisa sua dinâmica em relação às magnitudes de carga de treinamento propostas. Nas semanas regenerativas (semanas 2 e 5) revelou-se a menor quantidade de conceitos "pior do que o normal" na parte B do questionário. Evidenciou-se também diferenças significantes entre as semanas 2 e 5, em relação a semana de maior volume de treinamento (semana 1 - último microciclo do período preparatório especial). Após a semana regenerativa (semana 2), foram realizados dois microciclos de intensificação do treinamento com evidente tendência de crescimento da quantidade de conceitos "pior do que o normal".

O indicador de carga de treinamento utilizado na presente investigação foi o método da medida do esforço percebido da sessão proposto por Foster (1998); este método indica a percepção do atleta em relação à magnitude da carga de treinamento através dos valores relacionados ao produto da categoria da medida do esforço percebido da sessão de treinamento e o tempo de duração (em minutos). Os resultados encontrados demonstram uma dinâmica típica dos conceitos clássicos da periodização do treinamento, com alternância de semanas com cargas fortes e regenerativas. Os maiores valores de esforço percebido foram encontrados na primeira, terceira e quinta semanas do período analisado. Os valores elevados na primeira semana podem se justificar pelo fato deste momento corresponder ao final do denominado período preparatório especial e, consequentemente, apresentar um volume de cargas de treinamento maior em relação às semanas seguintes. Para as semanas 3 e 6, o conteúdo de treinamento, apesar de diferenciado em relação à semana 1 (menor volume e maior intensidade), também objetivava incremento do estresse de treinamento.

Uma relação em forma de "J" entre o risco de se contrair infecções ou inflamações do trato respiratório superior (ITRS) e a quantidade de exercício tem sido proposta, sugerindo que um nível moderado de exercício regular pode prover proteção contra episódios de ITRS, ao passo que níveis severos de exercício crônico parecem incrementar a incidência destes episódios acima dos níveis considerados normais (Nieman, 1997). O autor afirma ainda, que com um volume moderado de treinamento, o risco dos atletas contraírem ITRS é menor do que em indivíduos sedentários, entretanto, o risco é maior quando o volume de treinamento é substancial.

Um instrumento que possa auxiliar no monitoramento da ocorrência e incidência de inflamações/infecções do trato respiratório superior (ITRS) parece ser de grande utilidade para o processo de treinamento de atletas de alto rendimento. No presente estudo, os valores mais altos de conceitos "moderado" a "severo" no WURSS-21, aparecem na semana 1 e semana 4. É plausível admitir que a semana de maior volume de todo o período de investigação (semana 1) levou a um incremento na percepção dos sintomas de ITRS. No que diz respeito à semana 4, parece que apesar de uma semana regenerativa (semana 2), o acúmulo de duas semanas de intensificação do treinamento (semanas 3 e 4) também induziu ao aumento na percepção dos sintomas.

Pyne et al. (2000) afirmam que incrementos vigorosos no treinamento, seja mediante ao aumento do volume, seja por conta da intensidade da carga de treinamento, ou ainda, de suas combinações, são fatores adicionais de pressão para o sistema imunológico. Os autores sugerem que treinadores e profissionais que atuam com atletas de alto rendimento estejam alerta aos períodos de incremento do risco de ITRS e, que seja dada particular atenção à recuperação. Neste sentido, é razoável admitir a hipótese de que em caso de um novo microciclo de intensificação na semana 5, ao invés do microciclo regenerativo efetivamente realizado, as atletas investigadas poderiam sinalizar com indicadores de excesso de treinamento, especialmente, uma elevação (ao invés da referida diminuição na semana 5) na percepção dos sintomas de ITRS, fato que poderia estar associado a imunossupressão decorrente do treinamento intenso.

Estudos longitudinais de curto prazo, que buscaram a intensificação do treinamento ou do incremento das fontes de estresses de diferentes naturezas (privação de sono, restrição alimentar, etc.) observaram o crescimento de sinais e sintomas de ITRS (Carins & Booth, 2002; Tiollier et al., 2005). Ainda que não seja diagnosticado o patógeno e portanto, existindo limitação em assumir a ocorrência como infecção do trato respiratório superior, a diminuição da função da imunidade da mucosa após períodos de intensificação do treinamento poderia explicar em parte o incremento dos episódios associados a ITRS.

Um dos objetivos dos treinadores e outros profissionais que atuam com os atletas de alto rendimento é antecipar os fatores estressantes e através de uma apropriada avaliação, planificação, e monitoramento adequado, eliminar ou minimizar o impacto destes. Simples inflamações do trato respiratório superior, apesar de serem importantes sinalizadores de alterações da função imune, requerem não mais do que alguma redução da carga de treinamento, no entanto, a continuidade de cargas intensas pode incrementar a severidade e a duração destes eventos. Fatores como exposição ao patógeno, lesões na mucosa, poluição do ar, entre outros, também podem influenciar o incremento do risco de se contrair inflamações ou infecções do trato respiratório superior; assim, é importante frisar que outras medidas devem ser tomadas no sentido de reverter a imunossupressão, pois somente a intensificação do treinamento, isoladamente, pode não explicar os aumentos dos episódios de ITRS.

Conclusão

Os achados do presente estudo permitem concluir que os instrumentos utilizados podem ser úteis para o monitoramento do processo de treinamento. O DALDA, no que diz respeito à Parte B (sintomas de estresse) se mostrou sensível às modificações da magnitude da carga de treinamento. O WURSS-21, por sua vez, sinalizou para o incremento do risco de inflamações do trato respiratório superior durante as semanas de intensificação do treinamento. A medida do esforço percebido da sessão evidenciou a mesma dinâmica do DALDA e do WURSS-21 ao longo da investigação. A hipótese que o comportamento da percepção das alterações dos sintomas de estresse e inflamação do trato respiratório superior estivesse no mesmo nível das diferentes magnitudes de esforço percebido foi corroborada.

Recebido para publicação: 07/08/2008

Aceito: 04/08/2009

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      09 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      04 Ago 2009
    • Recebido
      07 Ago 2008
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