Open-access Aptidão física relacionada à saúde de adolescentes participantes de programa esportivo

Health related fitness of adolescents participating in a sports program

Resumos

O presente estudo analisa a aptidão física relacionada à saúde (AFRS) dos adolescentes participantes das Vilas Olímpicas (VO) de Fortaleza, Ceará de acordo com sexo, faixa etária e tempo de participação no programa. É um estudo transversal analítico com amostra representativa e aleatória de 344 adolescentes de ambos os sexos, com idade entre 11 e 16 anos. A massa e estatura corporal foram medidas para cálculo do índice de massa corporal (IMC). Para avaliar AFRS foram medidas flexibilidade, força/resistência muscular (FRM) e aptidão cardiorrespiratória (ApC) utilizando o protocolo do Projeto Esporte Brasil (PROESP-BR). A análise estatística descritiva foi utilizada, seguida de teste t de student, ANOVA "one-way" e regressão logística binária. Dos participantes, 15,1% não atingiu os critérios mínimos para IMC; 28,2% para flexibilidade; 32,6% para FRM e 45,6% para ApC, com influência significativa do sexo e faixa etária. Meninos apresentaram maior dificuldade em atender os critérios de flexibilidade (χ2 = 5,96; p < 0,01) e FRM (χ2 = 12,33; p < 0,001); e o grupo mais velho apresentou maior dificuldade em atender os critérios para FRM (χ2 = 5,74; p < 0,05). Adolescentes que participam há mais tempo das VO tendem a apresentar, de forma não significativa, maiores chances de atingir níveis desejados para flexibilidade (RC = 1,23; IC95%: 0,65-2,33) e ApC (RC = 1,35; IC95%: 0,77-2,36) e menores chances para IMC (RC = 0,43; IC95%: 0,17-1,08) que os que participam há menos tempo. Adolescentes participantes das VO apresentam elevada prevalência de inaptidão física com algumas diferenças significativas por sexo e faixa etária, mas sem diferença significativa por tempo de participação no programa. Estes resultados indicam a necessidade de reflexão, principalmente por parte dos profissionais da educação física, a respeito das estratégias adotadas nos projetos esportivos para otimizar a promoção de melhoras efetivas na AFRS da população.

Adolescência; Atividade física; Aptidão cardiorrespiratória; Força e resistência muscular; Flexibilidade; Saúde


The present study aims to analyze AFRS of adolescent participating in the Olympic Villages (VO) in Fortaleza, Ceará according to sex, age and permanence in the program. This is an analytical cross-sectional study with random representative sample of 344 adolescents of both sexes, aged between 11 and 16 years. Body weight and height were measured to calculate BMI. To evaluate AFRS, flexibility, muscular strength/endurance (FRM) and cardiorespiratory fitness (ApC) were measured using the Esporte Brasil (PROESP-BR) protocol. For data analysis, descriptive statistics, Student's t test, one-way ANOVA and binary logistic regression were used. Of the participants, 15.1% did not meet the minimum criteria for BMI; 28.2% for flexibility, 32.6% for FRM and 45.6% for ApC, with significant influence of sex and age. Boys were more difficult to meet the criteria for flexibility (χ2 = 5.96, p < 0.01) and FRM (χ2 = 12.33, p < 0.001), and the older group showed greater difficulty in meeting the criteria for FRM (χ2 = 5.74, p < 0.05). Teens who participate longest at the VO tend to be, more likely to achieve desired levels for flexibility (not significantly) (OR = 1.23, 95%CI: 0.65-2.33) and ApC (RC = 1.35, 95%: 0.77-2.36) and fewer chances for BMI (OR = 0.43, 95%CI: 0.17-1.08) than those involved more recently. Adolescent participants in VO have a high prevalence of physical low fitness, especially ApC, with significant influence of sex and age, but unrelated to the permanence in the program. These results indicate the need for reflection, especially by physical education professionals, about the strategies adopted in the sports projects to effectively promote improvements in AFRS of the population.

Adolescence; Physical activity; Cardiorespiratory fitness; Muscular strength and endurance; Flexibility; Health


Introdução

A prevalência e incidência de sedentarismo, obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) relacionadas à estes fatores de risco tem aumentado drasticamente nas populações contemporâneas1, inclusive entre crianças e adolescentes no Brasil2. Alguns relatórios de agências internacionais apontam para o fato de que o nível de atividade física do indivíduo apresenta associação com alguns componentes da aptidão física como, por exemplo, com a composição corporal, aptidão cardiorrespiratória (ApC) e força/resistência muscular (FRM); e estes, por sua vez, com o estado geral de saúde3 - 4.

Estudos internacionais recentes mostram que a aptidão física relacionada à saúde (AFRS) de grande parte das crianças e adolescentes são insuficientes para uma boa saúde segundo o protocolo e os pontos de corte do Fitnessgram 5 - 7. Estudo que aplicou o em 4621 escolares americanos do ensino médio mostrou que 45% não atingiu a zona de aptidão para o IMC, 19,1% não atingiu para FRM e 29,6% não atingiu para ApC5. Estudo com 1206 escolares portugueses de 11 a 15 anos mostrou que 30,7% estavam acima do peso e 53,3% deles não atingiam as recomendações para ApC6. Um estudo com 5983 escolares britânicos com idades entre 10 a 16 anos mostrou que 26% estavam com o IMC acima do peso ideal e 21% não atingiam as recomendações para ApC7.

Apesar de diferentes protocolos não permitirem uma comparação direta dos resultados, diversos estudos nacionais que utilizaram os critérios do Projeto Esporte Brasil (PROESP-BR) também apontam para a baixa aptidão física de crianças e adolescentes Brasileiros. Estudo epidemiológico transversal com 7507 escolares, 54,8% do sexo masculino (M) e 45,2% do feminino (F), de sete a 10 anos de idade, encontrou elevadas prevalências de inaptidão para flexibilidade (M = 58,3% e F = 51,2%); para FRM (M = 75,3% e F = 73,8%); e para ApC (M = 80,8% e F = 77,6%)8. Estudo com 69 escolares (M = 50,7%) de sete a 11 anos de uma escola em Brasília identificou que 17,4% não foram considerados aptos no IMC; 47,8% na flexibilidade; e 34,8% na FRM9. Estudo com 3145 escolares (M = 50,6%) de São Paulo entre sete e 16 anos observou prevalência elevada, em geral superior a 50%, para a classificação "ruim" (abaixo do percentil 40) em todos os testes para ambos os sexos, principalmente para as meninas10. Estudo com 988 escolares entre sete a 15 anos em São Paulo, indicou que F = 13,2% e M = 15,3% receberam critério fraco para flexibilidade; F = 27,2% e M = 25,7% para FRM; e F = 20,8% e M = 21,6% para ApC11. Por fim, um estudo que utilizou o protocolo do Fitnessgram em 2849 escolares (M = 48,9%) de Minas Gerais com idades entre seis e 18 anos identificou que F = 63,4% e M = 72,3% não atendem aos critérios de saúde no teste de flexibilidade de "sentar e alcançar", F = 23,8% e M = 31,2% não atendem ao de FRM "abdominal modificado"12.

Considerando que a infância e adolescência representam o período mais importante para o estabelecimento de padrões comportamentais e para o desenvolvimento corporal, cognitivo e motor, intervenções que busquem aumentar a AFRS nesse período podem contribuir decisivamente para a promoção da saúde em todas as etapas da vida13 - 15. Neste sentido, várias políticas e programas que estimulam a atividade física regular, em geral sob a forma de esportes, têm sido implantados e desenvolvidos no Brasil, principalmente com foco em grupos de risco social como crianças e adolescentes de baixa renda16 - 19. Um destes programas é a Vila Olímpica (VO), que se baseia numa concepção de esporte educacional e inclusão social, e tem como objetivos melhorar a aptidão física, qualidade de vida e saúde de seus participantes17. Embora consensual quanto à importância social e epidemiológica da atividade física em saúde pública1 , 3 - 4, pouco se sabe a respeito dos efeitos de programas esportivos comunitários16 , 20, inclusive na AFRS. O presente estudo visa contribuir com esta discussão ao analisar a prevalência de atendimento aos critérios de AFRS e sua associação com o sexo, a faixa etária e com o tempo de participação no programa social esportivo da VO em adolescentes da cidade de Fortaleza, Ceará (CE).

Método

O presente estudo é aplicado, descritivo e analítico, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Brasília (registro nº 036/11) e autorizado pela Secretaria de Esportes do CE. O termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para participação na pesquisa foi assinado pelo adolescente e por um responsável legal.

População e amostra

Uma amostra representativa da população foi obtida através da lista de alunos matriculados nas VO no ano de 2011 com idade entre 11 a 16 anos (n = 1421). O cálculo do tamanho da amostra aleatória simples utilizou a variância da distribuição por sexo para definir o número amostral (n), considerando-se uma margem de erro aceitável de 5%. Os cálculos de representatividade resultaram em 325 adolescentes. Prevendo a mortalidade amostral, 400 adolescentes foram sorteados para participar. Dos 400 adolescentes convidados, 12 não apresentaram TCLE, 27 foram excluídos por preenchimento inadequado dos questionários, nove por estarem fora da faixa etária (abaixo de 11 anos completos ou acima de 16 anos) e oito desistiram durante as avaliações. A amostra final foi composta de 344 adolescentes (236 do sexo masculino e 108 do sexo feminino).

Procedimentos

Cada VO foi visitada para identificar a disponibilidade das turmas e dos espaços físicos e os dados foram coletados no horário de aula. Os adolescentes selecionados receberam explicações sobre os procedimentos e foram encaminhados a uma sala para confirmação dos dados pessoais, mensuração da massa e estatura corporais e das variáveis de AFRS de acordo com o protocolo PROESP-BR21. Cada um dos testes foi realizado pelo mesmo avaliador em todas as crianças. Para medir a massa utilizou-se uma balança portátil digital (marca Plenna) com capacidade de 120 kg e precisão de 0,1 kg e para a estatura utilizou-se fita métrica não extensível com precisão de 0,1 cm fixada na parede. Para flexibilidade (teste de sentar e alcançar), utilizou-se uma caixa com régua graduada; o aluno sentado de frente para a base, pernas estendidas e unidas, braços estendidos na vertical e mãos uma sobre a outra; ao sinal, inclinou o corpo para frente alcançando o mais longe com as pontas dos dedos das mãos, sem flexionar os joelhos e sem utilizar insistências; foi registrado o melhor resultado entre duas execuções21.

No teste de FRM (teste de abdominal em um minuto), o aluno posicionou-se em decúbito dorsal com joelhos flexionados a 90 graus e braços cruzados no tórax; o avaliador fixou os pés do aluno ao solo e contou o número de repetições em um minuto; a flexão do tronco deveria levar os cotovelos até as coxas e retornar a posição inicial. No teste de ApC (teste de corrida de nove minutos) o perímetro da pista foi medido previamente e anotou-se o número de voltas somados à distância percorrida entre a última volta completa e a localização do aluno ao fim do teste; piques de velocidade e caminhadas deveriam ser evitadas; aos nove minutos o apito sinalizou que os alunos deveriam parar e permanecer onde estavam até a distância ser anotada, em metros21.

Resultados

A amostra final foi composta por 344 adolescentes (68,6% meninos e 31,4% meninas). Os valores médios (DP) das variáveis estudadas separadas por sexo, faixa etária e tempo de participação nas VO são apresentados na Tabela 1.

TABELA 1
Média (DP) da idade, massa, estatura e aptidão física relacionada à saúde de acordo com o sexo, faixa etária e tempo de participação nas Vilas Olímpicas (VO).

As prevalências de adolescentes que atenderam aos critérios de AFRS por sexo, faixa etária e tempo de participação nas VO são apresentadas na Tabela 2.

TABELA 2
Prevalência (%) de adolescentes que atenderam os critérios do PROESP-BR para aptidão física relacionada à saúde de acordo com o sexo, faixa etária e tempo de participação nas Vilas Olímpicas (VO).

Meninos apresentaram maior dificuldade em atender os critérios de flexibilidade (χ2 = 5,96; p < 0,01; ajuste residual = 2,4) e FRM (χ2 = 12,33; p < 0,001; ajuste residual = 3,5) que meninas; o grupo de 14 a 16 anos apresentou maior dificuldade em atender os critérios para FRM (χ2 = 5,74; p < 0,05; ajuste residual = 2,4) que os mais novos; e o grupo com menos de um ano de participação nas VO apresentou maior facilidade em atender os critérios de saúde para IMC (χ2 = 5,69; p < 0,05; ajuste residual = 1,5). Sabendo que sexo e idade podem influenciar os resultados da AFRS e que os grupos criados por tempo de participação nas VO apresentam proporções diferentes por sexo e faixas etárias, os resultados da regressão logística foram ajustados para estas variáveis (Tabela 3).

TABELA 3
Razão de chance (IC 95%) para atingir os níveis desejados de aptidão física relacionada à saúde ajustada para sexo, idade e tempo de participação nas Vilas Olímpicas (VO).

Análise do dados

Os dados foram analisados em três recortes: por sexo; faixa etária (11 a 13 anos e 14 a 16 anos); e tempo de participação no programa (< 1ano; ≥ 1 e < 3 anos; e ≥ 3 anos). As faixas etárias foram definidas para minimizar diferenças latentes que ocorrem na adolescência e o tempo de participação no programa levou em conta possíveis efeitos fisiológicos adaptativos de curto, médio e longo prazo. Os critérios de saúde para AFRS consideraram os pontos de corte do PROESP-BR21.

O teste de Kolmogorov Smirnov foi utilizado para verificar a normalidade dos dados e a análise descritiva utilizou média, desvio padrão (DP) e prevalência (%). Diferenças entre sexos e faixas etárias foram determinadas pelo teste t de "Student" para amostras independentes. Diferenças por tempo de participação no programa foram avaliadas pela ANOVA "one-way", uma vez que seu pressupostos foram atendidos, com "Post Hoc" de Tukey. Para analisar as proporções de adolescentes que atenderam os critérios de AFRS foi utilizado o teste do Qui-quadrado (χ2). A razão de chances (RC) das variáveis sexo, idade e tempo de participação influírem na classificação da AFRS foi calculada por regressão logística binária, com intervalo de confiança de 95%. O nível de significância adotado foi de p < 0,05. As análises foram realizadas no "software" SPSS v.15.0.

Discussão

O programa esportivo das VO é implantado em áreas de baixo poder aquisitivo, elevado risco social e com estrutura precária de escolas e postos de saúde17. Apesar da reconhecida relevância social deste tipo de iniciativa4 , 16 - 19, pouco se sabe sobre a prevalência de aptidão física nestes grupos populacionais e, segundo o conhecimento dos autores, nada se publicou sobre os efeitos do tempo de participação em programas que promovem atividade física na AFRS. Este é o primeiro estudo a avaliar os efeitos do tempo de participação em um programa esportivo no atendimento de critérios da AFRS em adolescentes brasileiros.

A amostra selecionada foi representativa e indicou numero significativamente maior de meninos participantes, fato corroborado pela literatura22 , 23 uma vez que aspectos psicossociais estimulam que garotos pratiquem mais atividades físicas e que meninas desenvolvam atividades "comportadas" e sedentárias9 , 15. Entretanto, ao analisar a prevalência de inaptos entre os participantes separados por sexo, este e outros estudos8 , 11 , 23 indicaram maior prevalências de meninos que não atenderam aos níveis desejados de AFRS pelo PROESP-BR.

Quando comparadas com outros dois estudos desenvolvidos no Estado do CE23 - 24, as prevalências de inaptidão física obtidas no presente estudo são menores, com exceção para flexibilidade, quando comparado com o estudo realizado com 755 estudantes participantes e não participantes de programa esportivo na cidade de Fortaleza23. Neste, as prevalências de inaptidão para flexibilidade ocorreram em 21,7% dos meninos e 11,0% das meninas; FRM em 69,1% dos meninos e 63,9% das meninas; e ApC em 55,6% dos meninos e 51,5% das meninas23. O outro estudo com 233 escolares de Juazeiro do Norte mostrou as prevalencias de inaptidão para flexibilidade foram 78,9% em meninos e 77,8% em meninas; FRM em 69,0% dos meninos e 57,1% das meninas; e ApC em 57,1% dos meninos e 66,9% das meninas24. Considerando que durante a adolescência meninas em geral são menos ativas9 , 22, que os valores médios para FRM e ApC são maiores em meninos, e que não existem aspectos fisiológicos ou culturais que expliquem maiores prevalências de inaptidão física em meninos, pode-se questionar se os pontos de corte propostos pelos testes de AFRS realmente atendem aos critérios de sensibilidade e especificidade necessários para identificar riscos à saúde em adolescentes25.

As diferenças observadas entre os sexos nos valores médios dos componentes da AFRS também podem ter ocorrido devido à alterações decorrentes da puberdade, quando alterações hormonais regulam o crescimento e diferenciam as características físicas: meninos aumentam a massa magra, ficam mais altos e pesados, e meninas aumentam a massa gorda15, resultando em melhor desempenho dos meninos, em valores absolutos, nos testes de FRM9 - 11 , 23 e de ApC9 , 23. Já para flexibilidade, diferenças anatômicas favorecem as meninas10 , 15. Além disto, questões culturais podem ampliar o contraste ao reforçar os efeitos da testosterona15 na competitividade masculina11 e ao estimular ações motoras intensas para meninos e atividades de flexibilidade para meninas9.

Ao analisar os resultados por faixas etárias, observa-se que adolescentes mais velhos apresentam maiores valores médios de AFRS. Tais resultados são esperados em decorrência da maturação15 mas a flexibilidade tende a diminuir durante o estirão de crescimento devido ao maior comprimento proporcional das pernas em relação à estatura e ao crescimento ósseo longitudinal mais acentuado que músculos e tendões13 , 15. Entretanto, verificou-se que adolescentes mais velhos apresentam maior prevalência de inaptidão física, com diferença significativa para FRM quando comparados a alunos mais novos. Outros estudos que utilizaram o protocolo do PROESP-BR também identificaram maiores prevalências de inaptos entre alunos mais velhos11 , 24 , 26.

Estudo com 223 escolares do CE, com idades entre 11 e 16 anos, concluiu que há um declínio da aptidão física dos adolescentes com o passar da idade, apresentando prevalência de 71,8% de inaptos para FRM entre alunos mais velhos24. Outro estudo com 665 escolares do Rio Grande do Sul, com idade média (DP) de 11,0 (2,0) anos, identificou que o IMC, a FRM e a ApC estiveram associados com características biológicas de sexo e idade26. Estudos com escolares com idades entre sete a 15 anos11 e seis a 18 anos12 mostrou que os componentes da AFRS foram significativamente influenciadas pela idade e sexo, onde o sexo feminino mostrou-se mais propenso à inaptidão11 - 12. Um estudo com 1206 adolescentes portugueses entre 11 a 15 anos mostrou que maiores prevalências de sobrepeso e de baixa ApC estavam relacionadas com o avanço do processo de maturação6, mas outro estudo com 1110 crianças portuguesas entre seis e 10 anos concluiu que a idade não parece ser um fator significativo nos níveis de AFRS nesta faixa etária22. Cabe destacar que em adolescentes alterações morfofuncionais podem ocorrer em decorrência tanto da atividade física quanto do estirão de crescimento e da maturação sexual15. Neste sentido, após ajustes para essas variáveis de confusão, o presente estudo mostrou que a RC em atingir níveis desejados de AFRS para meninas foi maior para flexibilidade e FRM; e adolescentes mais novos apresentaram RC significativamente maior de atingir níveis desejados para FRM.

Em relação ao tempo de participação nas VO, alunos com mais de três anos apresentaram resultados médios significativamente maiores para flexibilidade e discreta tendência para maior FRM e ApC que os grupos com menos tempo de participação, mas não houve diferenças significativas nas prevalências de atendimento aos critérios de AFRS. Ademais, os adolescentes com mais de três anos nas VO tendem a apresentar chances maiores, embora não significativas, em atingir níveis desejados de flexibilidade e ApC. Por outro lado, tendem a apresentar menores chances, não significativas, em atingir níveis desejados de IMC e FRM. Não foram encontrados outros estudos que investigam a relação entre tempo de participação e AFRS em adolescentes para comparação.

Alguns estudos apontam que a participação regular em ao menos 60 minutos de atividades físicas moderada a intensa pode contribuir para a melhoria da saúde de crianças e jovens através de benefícios psicológicos, morfológicos, funcionais e metabólicos4 , 7 , 27, mas outros estudos que comparam resultados da AFRS em participantes e não participantes de programas esportivos sugerem relações fracas23, moderadas28 ou até inexistentes22. Estudo com 755 adolescentes de 10 a 14 anos não identificou diferenças significativas nas médias das variáveis de AFRS entre os que participavam e os que não participavam do projeto esportivo, mas mostrou que adolescentes participantes do projeto social esportivo apresentam chances (IC 95%) significativamente maiores em alcançar níveis desejados de flexibilidade [RC = 1,45 (0,98-2,14); p = 0,05], FRM [RC = 1,48 (1,09-2,01); p = 0,01] e ApC [RC = 1,42 (1,06-1,89); p = 0,01] que os não ativos23. Estudo experimental de intervenção com 383 escolares de 10 a 15 anos mostrou melhores resultados para FRM e ApC no grupo participante de atividades físicas por um ano comparado ao grupo não participante, mas não houve diferenças significativas no momento pós-intervenção comparado ao pré-intervenção28.

Estudo com 4621 estudantes do ensino médio dos Estados Unidos mostrou que aqueles que não cumprem as recomendações mínimas de atividade física têm maiores chances de não atingir níveis saudáveis de ApC, IMC e FRM, e que o aumento no número de dias de atividades aeróbias foi acompanhada de diminuição da RC de ser inapto5. Outro estudo com 5983 escolares entre 10 a 16 anos da Inglaterra mostrou que aumentar maiores níveis de ApC resultavam em menor pressão arterial média em adolescentes obesos de ambos os sexos7. Estudo de revisão que utilizou a metodologia de meta-análise, sobre aptidão física e atividade física como fatores de risco separados para doenças cardíacas, concluiu que ser inapto é um fator de risco distinto de ser inativo; e que a formulação de recomendações de atividade física com base em estudos de aptidão podem rebaixar a importância da aptidão física como um fator de risco, enquanto exagerar os benefícios de quantidades moderadas de atividade física para a saúde29.

Um estudo realizado apenas com adolescentes que praticam atividade física regular em clubes ou escolas esportivas há mais de um ano e participam das aulas de educação física escolar em Londrina - Paraná, mostrou que 41% deles não atenderam aos critérios do protocolo do PROESP-BR para o IMC, 19% pata FRM e 45% para ApC30. A intensidade, duração e frequência em que a atividade física é realizada são fundamentais para a obtenção de benefícios fisiológicos à saúde e à aptidão física4 , 29, e a intensidade pode exercer maior influência em alguns componentes da AFRS que a quantidade total de atividade31.

É importante destacar que o presente estudo apresenta algumas limitações, como a não mensuração do volume e intensidade da atividade física; da frequência de participação nas aulas e do nível de motivação dos alunos; aspectos relevantes na determinação do nível de atividade física e de seus efeitos na AFRS. Entretanto, os projetos sociais em geral assumem um limite máximo de faltas de 25% para que a criança possa continuar inscrita no programa; uma característica que, de certa forma, minimiza o problema da ausência de controle da frequência. Não obstante a tais limites, os resultados encontrados são corroborados por outros estudos que apontam níveis de aptidão física insuficientes para uma boa saúde em crianças e adolescentes8 - 12 , 24, inclusive entre os considerados fisicamente ativos22 - 23 , 28 , 30.

Além disto, este estudo contribui de forma inédita na discussão sobre os efeitos da permanência em programas esportivos comunitários na AFRS de crianças e adolescentes. É possível que após o período inicial de adaptações às atividades físicas, estas não promovam melhoras adicionais na AFRS por não representarem uma sobrecarga ao estado atual do indivíduo. Como o programa da VO se baseia na concepção de esporte educacional, é possível que haja um predomínio do jogo e de atividades lúdicas, que acabam por privilegiar as capacidades motoras coordenativas em detrimento as capacidades motoras condicionais, tais como FRM e resistência cardiorrespiratória32. Por outro lado, verifica-se que atividades de maior intensidade podem estar relacionadas à menor adesão em programas de exercícios físicos33, gerando a necessidade de mais estudos sobre os efeitos da adesão, motivação e quantidade/intensidade da atividade física na AFRS e no estado geral de saúde de adolescentes brasileiros.

É ainda fundamental que se institua uma cultura avaliativa nos programas sociais esportivos20, produzindo continuamente dados sobre os efeitos obtidos na AFRS e, caso necessário, que se reoriente suas intervenções para melhorar a eficácia, pois programas de atividade física e esporte tem sido amplamente divulgados e difundidos socialmente como alternativas de melhora à saúde4 , 17 - 19 , 27, mas podem não estar resultando nos níveis de aptidão física necessários para promover a saúde. Estes são alguns aspectos que merecem atenção de pesquisadores e profissionais da área de saúde, em especial os professores de educação física, envolvidos com programas e políticas públicas de saúde, educação e esporte que visam ampliar o acesso à atividade física e promover a saúde de crianças e adolescentes no Brasil.

A participação de crianças e adolescentes do sexo feminino no programa das VO é significativamente menor que a de meninos, e estas apresentam resultados médios significativamente menores para FRM e ApC, indicando a necessidade de professores e gestores repensarem as atividades desenvolvidas e estratégias de captação e manutenção da adesão a partir das diferenças entre os sexos e faixas etárias.

Destaca-se ainda que uma parcela significativa dos adolescentes de ambos os sexos não atingiram os critérios mínimos para AFRS, especialmente para ApC; e que o tempo de permanência no projeto esportivo da VO não aumentou significativamente as chances de obter níveis desejados de AFRS. Estes resultados sugerem que as atividades físicas desenvolvidas no programa das VO não sejam suficientes para promover níveis de AFRS necessários à prevenção de DCNT em seus participantes.

Tais resultados podem subsidiar gestores, coordenadores e profissionais da saúde envolvidos com atividade física e esporte, em especial os professores de educação física, a refletir sobre as finalidades e os métodos propostos de forma que a dinâmica de execução dos projetos sociais possa efetivamente atingir seus objetivos e promover a saúde da população.

Agradecimentos

Agradecemos pelo apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), na forma de bolsa de mestrado, ao autor Cleilton Holanda Pereira.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2013
  • Revisado
    24 Out 2013
  • Aceito
    16 Jan 2014
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