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DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA LEPTOSPIROSE EM UM CÃO UTILIZANDO DIFERENTES TÉCNICAS

LABORATORIAL DIAGNOSIS OF LEPTOSPIROSIS IN ONE DOG USING DIFFERENT ASSAYS

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi descrever o quadro clínico de um cão com suspeita de leptospirose e os resultados dos exames específicos e complementares para leptospirose. A anamnese revelou que o animal apresentou episódios de vômito e dificuldade em apreender alimentos sólidos e líquidos. No exame clínico foi constatada desidratação de 5-7%, sensibilidade abdominal, hematoemese, melena, diarréia, necrose na língua, sialorréia e dificuldade de deglutição. Todos os exames considerados específicos, bacteriológico, direto da urina em microscópio de campo escuro, soroaglutinação microscópica e imunoperoxidase indireta do rim apresentaram resultados positivos. A estirpe de Leptospira isolada foi identificada como sorovar Canicola. Os exames complementares revelaram leucocitose com neutrofilia, hipocalcemia, hipoalbuminemia e valores séricos de uréia, creatinina e fosfatos acima dos valores normais enquanto a urinálise revelou proteinúria, leucocitúria e presença de células renais. As alterações renais encontradas no HE foram nefrite intersticial crônica e glomerulite com espessamento da membrana basal. Os sinais clínicos observados e os resultados dos exames laboratoriais indicaram um quadro predominantemente renal, compatível com a infecção pelo sorovar Canicola.

PALAVRAS-CHAVE
Leptospirose; sorovar Canicola; diagnóstico; cão; rim

ABSTRACT

The purpose of this study was to describe the clinical features of a dog with leptospirosis suspicion, and results of specific and complementary laboratorial tests for leptospirosis. Anamnesis revealed that the animal presented vomiting, difficulty to apprehend both solid and liquid food. In the clinical examination, there was verified dehydration from 5 to 7%, hematoemesis, melena, diarrhea, tong necrosis, sialorrhea and difficulty swallowing. All the specific tests, bacteriologic, direct examination of urine in dark field microscopy, microscopic agglutination test and indirect immunoperoxidase, were positive. The Leptospira strain isolated was identified as serovar Canicola. The complementary tests revealed leukocytosis with neutrophilia, hypocalcemia, hypalbuminemia and blood values of urea, creatinine and phosphates over the normal values while urinalysis showed proteinuria, leukocyturia and presence of kidney cells. Kidney lesions found in HE were chronic interstitial nephritis and glomerulitis with thickened basement membrane. The clinical signs and the results of laboratorial tests found in this study indicated to predominantly to renal feature, consistent with an infection by serovar Canicola.

KEY WORDS
Leptospirosis; serovar Canicola; diagnosis; dog; kidney

A leptospirose é uma zoonose mundialmente difundida, causada pela infecção por diferentes sorovares de Leptospira spp. O sorovar Canicola é um dos mais freqüentes na leptospirose canina, sendo o próprio cão o reservatório deste sorovar (WOHL, 1996WOHL, J.S. Canine leptospirosis. Comp. Cont. Ed. Pract. Vet., v.18, n.11, p.1215-1241, 1996.; SCANZIANI et al., 1991SCANZIANI, E.; LUINI, M.; FABBI, M.; PIZZOCARO, P. Comparison between specifc immunoperoxidase staining and bacteriological culture in the diagnosis of renal leptospirosis of pigs. Res. Vet. Sci., v.50, p.229-232, 1991.). A doença nos cães pode ocorrer na forma subclínica ou clínica, com evolução aguda ou crônica (FAINE et al., 1999FAINE, S.; ADLER, B.; BOLIN, C.; PEROLAT, P. Leptospira and leptospirosis. 2.ed. Melbourne: Medisci, 1999. 272p.). Na fase de leptospiremia, o fígado é um dos primeiros locais a ser atingido, acarretando necrose dos hepatócitos, colestase intrahepática com conseqüente diminuição da excreção da bilirrubina (WOHL, 1996WOHL, J.S. Canine leptospirosis. Comp. Cont. Ed. Pract. Vet., v.18, n.11, p.1215-1241, 1996.; FAINE et al., 1999FAINE, S.; ADLER, B.; BOLIN, C.; PEROLAT, P. Leptospira and leptospirosis. 2.ed. Melbourne: Medisci, 1999. 272p.). Após o surgimento dos anticorpos, as leptospiras são encontradas quase que exclusivamente nos túbulos renais (VASCONCELLOS, 1987VASCONCELLOS, S.A. O papel dos reservatórios na manutenção da leptospirose na natureza. Comum. Cient. Fac. Med. Vet. Zootec. Univ. S. Paulo., v.11, n.1, p.17-24, 1987.). A persistência de leptospiras no rim pode ocasionar desde pequenos infiltrados inflamatórios focais a extensas lesões, caracterizadas por necrose celular, atrofia tubular e hemorragia renal, seguido de cicatrização e localização de leptospiras na superfície luminal das células tubulares, sendo então eliminadas pela urina (BASKERVILE, 1986BASKERVILE, A. Histopathological aspects of diagnosis of leptospirosis. In: ELLIS, W.A .& LITTLE, T.W.A. (Eds.). The present state of leptospirosis diagnosis and control. Dordretch: Martinus Nijhoff Publishers, 1986. p.33-43.; FAINE et al., 1999FAINE, S.; ADLER, B.; BOLIN, C.; PEROLAT, P. Leptospira and leptospirosis. 2.ed. Melbourne: Medisci, 1999. 272p.).

Para o diagnóstico da leptospirose canina é necessário a realização de exames laboratoriais, sendo o exame bacteriológico considerado definitivo (SANTA ROSA, 1970SANTA ROSA, C.A. Diagnóstico laboratorial das leptospiroses. Rev. Microbiol., v.1, n.2, 1970.; FAINE et al., 1999FAINE, S.; ADLER, B.; BOLIN, C.; PEROLAT, P. Leptospira and leptospirosis. 2.ed. Melbourne: Medisci, 1999. 272p.). A visualização direta de leptospiras em microscópio de campo escuro tem sido utilizada principalmente em amostras de urina durante a fase de leptospirúria. Entre as provas sorológicas, a soroaglutinação microscópica (SAM) com antígenos vivos é a mais utilizada em todo mundo (FAINE et al., 1999FAINE, S.; ADLER, B.; BOLIN, C.; PEROLAT, P. Leptospira and leptospirosis. 2.ed. Melbourne: Medisci, 1999. 272p.). A prova de imunoperoxidase indireta, utilizando soro hiperimune com anticorpos contra sorovares de leptospiras, tem sido utilizada para o diagnóstico da leptospirose em órgãos de animais infectados (SCANZIANI et al., 1991SCANZIANI, E.; LUINI, M.; FABBI, M.; PIZZOCARO, P. Comparison between specifc immunoperoxidase staining and bacteriological culture in the diagnosis of renal leptospirosis of pigs. Res. Vet. Sci., v.50, p.229-232, 1991.). Provas laboratoriais como o hemograma, dosagem dos valores séricos de uréia e creatinina e urinálise, podem ser utilizadas como exames complementares, pois indicam as alterações funcionais nos diferentes órgãos acometidos, contribuindo assim para a avaliação clínica do animal (NAVARRO & KOCIBA, 1982NAVARRO, C.E.K. & KOCIBA, G.J. Hemostatis changes in dogs with experimental Leptospira interrogans serovar icterohaemorrhagiae infection. Am. J. Vet. Res., v.43, n.5, p.904-906, 1982.).

No Brasil, a maioria dos trabalhos publicados sobre leptospirose canina é baseada apenas em provas sorológicas. O objetivo deste trabalho foi descrever o quadro clínico de um cão com leptospirose e os resultados dos exames, bacteriológico, da urina em microscópio de campo escuro, sorológico, imunoistoquímico, histopatológico e de patologia clínica.

Um cão macho, sem raça definida, com 3 anos de idade, nunca vacinado contra leptospirose, com suspeita de leptospirose foi atendido no Hospital Veterinário (HV) da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Na anamnese, o proprietário relatou que há 15 dias o cão havia apresentado episódios de vômito que duraram cinco dias. Três dias antes do exame clínico foi observada dificuldade em apreender alimentos sólidos e líquidos. O exame clínico constatou desidratação de 5-7%, sensibilidade abdominal, hematoemese, melena, diarréia, necrose na língua, sialorréia e dificuldade de deglutição. Amostras de urina e sangue foram obtidas durante o exame clínico, respectivamente, por cistocentese e punção venosa. Na amostra de urina foi realizado o exame direto em microscópio de campo escuro (Olimpus - Modelo Bx40) (SANTA ROSA, 1970SANTA ROSA, C.A. Diagnóstico laboratorial das leptospiroses. Rev. Microbiol., v.1, n.2, 1970.), cultura em meio EMJH modificado (ALVES, 1995ALVES, C.J. Influência de fatores ambientais sobre a proporção de caprinos soro-reatores para leptospirose em cinco centros de criação do Estado da Paraíba, Brasil. São Paulo: 1995. 104p. [Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo].), acrescido de antibióticos e urinálise (BROBST, 1989BROBST, D. Urinalysis and associated laboratory procedures. Vet. Clin. North Am., v,19, n.5, p.929-950, 1989.). A amostra de sangue foi dividida em alíquotas, utilizadas para a realização do hemograma e análises bioquímicas - dosagem sérica de uréia, creatinina, colesterol, bilirrubina, fosfato, cálcio, magnésio, albumina, proteína total, fosfatase alcalina (FA), alanina amino transferase (ALT) e gama glutamil transferase (GGT). O soro obtido de outra alíquota de sangue foi utilizado para a realização da prova de soroaglutinação microscópica (SAM) com 22 sorovares de Leptospira spp. Nove dias após o atendimento clínico o animal veio a óbito. O exame histopatológico foi realizado em fragmentos de pulmão, fígado e rim corados por hematoxilinaeosina (HE). A prova de imunoperoxidase indireta utilizando soro hiperimune contra o sorovar Canicola foi realizada em fragmentos de fígado e rim (ELLIS et al., 1983ELLIS, T.M.; ROBERTSON, G.M.; HUSTAS, L.; KIRBY, M. Detection of leptospires in tissue using an immunoperoxidase staining procedure. Aust. Vet. J., v.60, n.12, p.364-367, 1983.).

Resultados positivos foram encontrados em todos os exames específicos realizados para Leptospira. O exame direto da urina em microscópio de campo escuro revelou células com morfologia e movimentação compatíveis com leptospiras. A urina semeada no meio de cultura EMJH com antibióticos apresentou crescimento de células de leptospiras 20 dias após a semeadura. A estirpe isolada foi identificada como sorovar Canicola por anticorpos monoclonais (Royal Tropical Institute, Amsterdam, Holanda) e eletroforese de campo pulsado (Center of Disease Control, Estados Unidos da América). O exame direto da urina em microscópio de campo escuro e o isolamento em meio EMJH com antibióticos, quando realizados imediatamente após a colheita da urina aumentam as chances de um resultado positivo, uma vez que são dependentes da viabilidade da leptospira (SANTA ROSA, 1970SANTA ROSA, C.A. Diagnóstico laboratorial das leptospiroses. Rev. Microbiol., v.1, n.2, 1970.; THIERMANN, 1980THIERMANN, A B. Canine leptospirosis in Detroit. Am. J. Vet. Res., v.41, n.10, p.1659-1661, 1980.; FAINE et al., 1999FAINE, S.; ADLER, B.; BOLIN, C.; PEROLAT, P. Leptospira and leptospirosis. 2.ed. Melbourne: Medisci, 1999. 272p.). A SAM detectou títulos positivos de 3.200 para os sorovares Canicola e Castelonis, de 800 para Pyrogenes e de 400 para Icterohaemorragiae e Butembo. Os altos títulos encontrados para vários sorovares, principalmente, para Canicola e Castelonis, podem ser considerados reações cruzadas, características da fase aguda da doença. A prova de imunoperoxidase indireta, nos rins, detectou leptospiras coradas em castanho intenso na luz dos túbulos renais, enquanto o fígado foi negativo nesta prova. A imunoperoxidase indireta pode ser utilizada para o diagnóstico pos-mortem da leptospirose em órgãos e apresenta valor preditivo de um resultado positivo de 100% e de um negativo de 80% (SCANZIANI et al., 1991SCANZIANI, E.; LUINI, M.; FABBI, M.; PIZZOCARO, P. Comparison between specifc immunoperoxidase staining and bacteriological culture in the diagnosis of renal leptospirosis of pigs. Res. Vet. Sci., v.50, p.229-232, 1991.). Os resultados positivos obtidos, no exame direto da urina, na cultura da urina e na prova de imunoperoxidase indireta confirmaram a passagem e a permanência, com conseqüente multiplicação, do sorovar Canicola no parênquima renal. No HE as alterações renais encontradas foram nefrite intersticial crônica e glomerulite com espessamento da membrana basal. As lesões hepáticas encontradas foram congestão vascular e sinusoidal, perda da arquitetura hepática, tumefação celular e presença de células polimorfonucleares e nos pulmões foram observadas congestão de vasos, hemorragia, vasculite, pigmentação (+++) e presença de células polimorfonucleares. As lesões observadas no parênquima hepático e pulmonar provavelmente foram resultantes da multiplicação do microrganismo na fase de leptospiremia, mas com o aparecimento de anticorpos, confirmados pela SAM, as leptospiras foram eliminadas do fígado e da maioria dos órgãos acometidos, permanecendo então nos rins. Entre os exames de patologia clínica realizados, o hemograma (Tabela 1) apresentou valores fora dos parâmetros considerados normais, principalmente, a leucocitose com neutrofilia. Nas análises bioquímicas, interpretadas segundo KANEKO et al. (1997)KANEKO, J.J.; HARVEY, J.W.; BRUSS, M.L. Clinical biochemistry of domestic animals. 5.ed. San Diego: Academic Press, 1997. 932 p., foram detectadas hipocalcemia (7,23 mg/dL), hipoalbuminemia (1,92 g/dL) e valores séricos de uréia, creatinina e fosfatos de 148 mg/dL, 3,64 mg/dL e 9,8 mg/dL respectivamente, considerados acima dos valores normais. Os valores séricos da ALT (21,5 U/L), FA (88 U/L), GGT (5 U/L), colesterol (138 mg/dL) e bilirrubina (total, 0,44 mg/dL; direta, 0,39 mg/dL; indireta, 0,05 mg/ dL) estavam dentro da normalidade. Na urinálise foram detectadas proteinúria (+), leucocitúria (18 leucócitos/campo) e presença de células renais (12 células/campo). A permanência do sorovar Canicola nos rins, ocasionou alterações funcionais neste órgão, detectadas pelos exames complementares realizados nas amostras de sangue e urina. A manutenção da função hepática no cão estudado pode ser demonstrada pela normalidade dos valores séricos obtidos na análise bioquímica. Assim é provável que a hipoalbuminemia detectada seja decorrente da alteração da função renal e não da função hepática.

Tabela 1
Valores dos parâmetros hematológicos de um cão positivo para Leptospira interrogans sorovar Canicola. Londrina – Paraná, 2004.

Os sinais clínicos do animal, relatados pelo proprietário e detectados no exame clínico, são compatíveis com a infecção pelo sorovar Canicola que causa um quadro predominantemente renal (Faine et al., 1999FAINE, S.; ADLER, B.; BOLIN, C.; PEROLAT, P. Leptospira and leptospirosis. 2.ed. Melbourne: Medisci, 1999. 272p.).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2005

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2005
  • Aceito
    25 Mar 2005
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