RESUMO
A artrite encefalite caprina (CAE) doença vírica comum em cabras leiteiras. A introdução de animais infectados no rebanho é uma das formas de disseminação mais importantes, especialmente, pela dificuldade de diagnóstico nos estágios iniciais. Objetivou-se verificar o risco de disseminação da CAE através da comercialização de animais jovens soronegativos. Foram utilizados 46 animais da raça Saanen de aproximadamente 1 ano de idade, sendo todos filhos ou netos de animais soropositivos para CAE. Estes animais foram acompanhados clinicamente por 1 ano, sendo submetidos a 2 testes de imunodifusão em Gel de Agarose (IDGA), para a detecção de anticorpos anti-caev, feitos com intervalo de 6 meses. Ao final deste período os mesmos foram submetidos ao teste de Reação em Cadeia de Polimerase-Nested (PCR-Nested) para a detecção do DNA proviral em monócitos. Nos testes sorológicos apenas um animal apresentou resultado positivo no segundo exame, enquanto que no PCR-nested 35 mostraram-se positivos (76,08 %). Pode-se concluir que a aquisição de animais jovens, oriundos de propriedades com histórico de CAE, representa um alto risco na disseminação desta enfermidade, especialmente, quando se utiliza o teste de IDGA como único método de diagnóstico da infecção no momento da aquisição destes animais.
PALAVRAS-CHAVE Lentivírus; cabritos; PCR; IDGA
ABSTRACT
Caprine arthritis encephalitis is a rather commom viral disease affecting dairy goats. The introduction of infected animals in the herd is an important form of dissemination, especially due to difficulties in getting an infection diagnosis in its early stages. The objective this study was to evaluate the risks of CAE dissemination through sales of young animals soronegative to the infection. Forty-six animals of the Saanen breed, approximately one year old, were used in the test, all of them either sons or grandsons of the CAE soropositive animals. The animals were clinically monitored for a 1 years period, and submitted to 2 agarose gel immunodifusion (IDGA) tests for detection of antiCAEV antibodies, performed at 6-month intervals. At the end of that period, the animals were submitted to the nested polymerase chain reaction (PCR-nested) test for detection of proviral DNA in monocitys. In the serological tests, only 1 animal showed a positive result in the second exam, while in the PCR-nested 35 animals (76.08%) were positive. The present results support the suspicion that the acquisition of young animals from property with a history of CAE poses a high risk for dissemination of the disease, particularly when the AGID test is the only method used to diagnose the infection when animals are purchased.
KEY WORDS Lentivirus; kids goats; PCR; AGID
INTRODUÇÃO
A artrite encefalite caprina (CAE) doença viral causada por RNA vírus da família Retroviridae e do gênero Lentivirus (CRAWFORD et al., 1980; ADAMS et al., 1980). Os vírus deste grupo se caracterizam por produzir doenças degenerativas, crônicas e progressiva, com longo período de incubação (SIGURDSSON, 1954).
A CAE manifesta-se, clinicamente, por uma severa artrite em animais adultos e leucoencefalomielite em animais jovens (CORK et al., 1974). Mamite e pneumonia intersticial também podem ocorrer em caprinos infectados pelo vírus (ZINK et al., 1987). Entretanto, muitos animais infectados não desenvolvem sinais clínicos, mas permanecem soropositivos por toda vida (CUTLIP et al., 1992).
A principal forma de transmissão do vírus é pela via digestiva através da ingestão de colostro e leite de animais infectados (MSELLI-LAKHAL et al., 1999; ELLIS et al., 1986). Também pode ocorrer pelo contato direto prolongado e através de outras fontes de contaminação como sangue, fezes, saliva e secreções urogenitais (ROWE et al., 1992). O vírus também já foi identificado no sêmen de animais infectados, representando assim uma possibilidade de transmissão pela monta natural ou inseminação artificial (ANDRIOLI et al., 1999; TRAVASSOS et al., 1999). A comercialização de animais é também um fator agravante, uma vez que com a introdução de animais infectados no plantel a disseminação da enfermidade é praticamente inevitável.
O controle dessa enfermidade é complexo e laborioso, devido à ocorrência de portadores assintomáticos, lenta produção de anticorpos, indisponibilidade de vacinas e ampla disseminação, principalmente em rebanhos leiteiros (JOAG, 1996). Sendo fundamental a identificação precoce de animais portadores.
A principal forma de detecção de animais infectados é o uso de testes sorológicos como a imunodifusão em gel de agarose (IDGA), que devido sua alta especificidade e praticidade, é o teste indicado pela Organização Internacional de Epizootias para o diagnóstico da CAE (OIE, 1996). Entretanto, possui um valor limitado na identificação de animais em fase inicial da infecção (BRODIE et al., 1998), constituindo um grande problema quando na aquisição de animais. Para o diagnóstico precoce, técnicas moleculares de detecção viral vêm sendo aplicadas dentre elas a Reação em Cadeia pela Polimerase (PCR), que detecta a presença do material genético do agente causador da doença, não necessitando de nenhuma resposta do organismo, como a produção de anticorpos. A PCR tem se mostrado uma técnica de alta sensibilidade e especificidade no diagnóstico de vários agentes etiológicos, inclusive o CAEV (BARLOUGH et al., 1994).
Sendo assim, este trabalho teve como objetivo pesquisar a presença do CAEV em animais jovens, de alto padrão genético negativos pelo IDGA, pertencentes a rebanhos com programa de controle da enfermidade, verificando o possível papel da comercialização destes animais na disseminação do agente.
MATERIAL E MÉTODOS
Animais
Os animais utilizados neste trabalho provinham de 2 rebanhos comerciais situados na região metropolitana de Fortaleza, que adotavam um programa de controle da CAE, um havia iniciado o programa há 4 anos e o outro se encontrava no início da implantação. Em ambos, o controle consistia na sorologia semestral de todos animais com eliminação dos soropositivos, além da separação dos cabritos logo após o nascimento, com o fornecimento de colostro artificial aos filhos de mães infectadas.
Durante um ano, 46 animais da raça Saanen com alto padrão zootécnico de aproximadamente 1 ano de idade foram acompanhados clinicamente. Todos animais amostrados eram filhos ou netos de animais positivos, sendo criados separados dos demais.
Amostras
Além do acompanhamento clínico os animais foram submetidos a dois testes de IDGA com intervalo de seis meses. Na ocasião do segundo exame foi realizado também o teste da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR).
A coleta das amostras sanguíneas foi feita por venopunção jugular, sendo que para o IDGA a coleta de sangue foi feita em recipiente sem anticoagulante para a posterior obtenção do soro. Para a PCR foi coletado sangue total para posterior obtenção da papa leucocitária.
Sorologia
As amostras de soro foram submetidas ao idga de acordo com o descrito por CUTLIP et al., (1982), utilizando um "kit" do Institut Pourquier, França, que tem como antígeno a proteína do capsídeo p28 do CAEV. Após a disposição dos soros teste, controle e antígeno no gel de agarose estes foram incubados à temperatura ambiente em câmara úmida por 72h, quando foi realizada a leitura das placas, sendo considerados positivos aqueles soros que tinham formação de uma linha identidade específica entre ele e o antígeno.
Extração do DNA leucocitário
O DNA leucocitário foi extraído mediante o uso do DNAzol (Gibco). Os leucócitos foram lisados e centrifugados a 14.000 rpm por 10min utilizando 1 mL de TE (10 mM tris e 1 mM EDTA) para 200 mL da camada de leucócitos. Após a centrifugação o Pellet formado foi solubilizado em 300 mL de DNAzol. O sedimento de DNA obtido foi lavado com 1 mL de etanol 95% por duas vezes, sendo centrifugado a cada lavagem e ressuspenso em 8 mM NaOH e estocado a -4º C, posteriormente utilizado na PCR.
Primers e técnica da PCR
Foram utilizados primers degenerados específicos para um fragmento conservado do gene gag, situado entre as posições 962 e 1.582 do clone CAEV-Co. (SALTARELLI et al., 1990), que codifica parte da proteína p27 do capsídeo. Os primers foram L3 situado entre a posição 962 a 978 com seqüência 5’-GG(A/ G)GGGAGAAG(C/T)TGGAA-3’e L4 localizado entre a posição 1109-1125 de seqüência 5’-T(A/ G)GC(C/T)ATGATGCCTGG-3’, ambos como primers "sense" e LRT3 situado entre a posição 1566 a 1582 de sequência 5’-ACATCCTTCCAT(C/T)TT(C/T)T-3’ como primer "antisense" (RUTKOSK et al., 2001).
Foi realizada a PCR nested (Barlough et al, 1994) com o produto amplificado correspondendo a um fragmento de 467 pb. A PCR for realizada conforme descrito anteriormente por (MARCHESIN et al., 1998), modificada por RUTKOSK et al. (2001).
Realizadas as reações de amplificação, as amostras foram analisadas por eletroforese horizontal em gel de agarose 1,5% com tampão TAE 1X, coradas com brometo de etídeo e visualizadas em luz ultravioleta.
Análise Estatística
A relação entre as proporções de positivos aos testes de PCR e IDGA foram analisadas pela aplicação do teste de Fisher com probabilidade de 1%.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Clinicamente, os animais não apresentavam indícios de doença, estando todos saudáveis e aptos para a comercialização.
Todos os animais estudados apresentaram-se negativos no primeiro exame sorológico. Com a repetição do teste, 6 meses depois, um animal soroconverteu e os demais permaneceram negativos. Entretanto, ao serem submetidos a PCR 35 (76,08%) animais foram positivos, indicando a presença do vírus.
No primeiro rebanho, 30/41 (73,17%) animais foram positivos por PCR, enquanto que apenas 1 animal (2,46%) foi detectado no segundo exame de IDGA. Já no segundo rebanho, todos obtiveram resultados negativos nos dois exames sorológicos e resultados positivos para PCR (Tabela 1).
Caprinos jovens positivos para Artrite Encefalite Caprina em 2 rebanhos comerciais da região metropolitana de Fortaleza-CE para 2 testes de IDGA, intervalados por 6 meses, e pela técnica de PCR. (2002).
A amplificação do DNA proviral revelou claramente a formação de um fragmento com 467 pb, correspondente ao resultado esperado pelos primers utilizados. O aparecimento de bandas adicionais pode ser creditado a anelamentos inespecíficos ou extensão de primers com seqüências não correlacionados no DNA proviral (Fig. 1).
Resultados de PCR dos animais do primeiro rebanho. M corresponde ao marcador de peso molecular, números 36 ao 44 animais positivos e C o controle negativo.
Os resultados positivos pelo IDGA concordaram com o PCR, entretanto o método sorológico detectou apenas 1 animal (2,17%) enquanto que o método molecular detectou 35 (76,08%) de animais positivos, como esperado.
Provavelmente, todos animais positivos por PCR infectaram-se logo nos primeiros meses de vida, entretanto possuíam dois exames consecutivos negativos pelo IDGA, com exceção de um que soroconverteu no segundo exame. Este fato pode ser explicado pela lenta produção de anticorpos, fato que pode levar a soroconversão tardia desses animais, podendo esta acontecer meses ou anos após a infecção (BRODIE et al., 1998). O baixo número de animais positivos pelo IDGA pode ser explicado ainda pelo fato de que os animais em questão certamente estão numa fase inicial da infecção. Nesta fase, a produção de anticorpos é inexistente ou baixa, não sendo detectado pela imunodifusão (ADAMS, 1982). O IDGA necessita de uma quantidade de anticorpos relativamente alta (30 ug/cm³) para ser identificado (TIZARD, 1998). WAGTER et al., (1998) afirmam que a produção de anticorpos a níveis detectáveis pelo IDGA é demorada, podendo ocorrer até 18 meses após a detecção pelo PCR ou até mesmo não acontecer.
Outra provável explicação para o pequeno número de animais positivos pelo IDGA poderia ser a tolerância ao vírus. Neste caso o animal se infecta ainda nos primeiros meses da gestação, não sendo capaz de identificar o vírus como uma partícula estranha. Desta forma, ao nascimento o animal não produz anticorpos contra o agente. Éo que acontece em infecções causadas pelo vírus da diarréia viral bovina (BVDV), quando a infecção ocorre no primeiro trimestre da prenhez (STOTT, 2003). Na análise do primeiro rebanho, verifica-se certa semelhança com esta situação. Embora este fato nunca tenha sido relatado para o CAEV, não pode ser descartado, sendo necessário um estudo mais aprofundado para sua confirmação.
A técnica de PCR já tem sido utilizada com sucesso na identificação de lentivírus de pequenos ruminantes e possui uma alta sensibilidade, podendo detectar in vitro 1 fg de DNA de CAEV, o que corresponde aproximadamente a 188 moléculas do DNA do provírus (CLAVIJO & THORSEN, 1996). Trabalhando com cultivos celulares ZANONI et al. (1990) também demonstraram que a técnica de PCR é altamente sensível e específica. Em seus estudos, o DNA proviral do CAEV foi detectado um dia após a infecção de cultivos celulares e a técnica permitiu a detecção de apenas uma célula infectada em um cultivo que continha 106 células.
A técnica de PCR também é bastante versátil e já foi adaptada para vários tipos de amostras clínicas, como sangue, leite, sêmen e outros tecidos. (BARLOUGH et al., 1994; RIMSTAD et al., 1993; WAGTER et al., 1998; TRAVASSOS et al., 1998). Entretanto, em se tratando de animais jovens em estágios iniciais da doença, as amostras sangüíneas são mais eficientes para a detecção de DNA proviral (WAGTER et al., 1998).
Embora o IDGA possua baixa sensibilidade, não detectando animais em fase inicial da infecção, o mesmo possui uma especificidade de 100% (KNOWLES et al., 1994). Este fato, aliado ao baixo custo e a alta praticidade, esse teste tem uma grande importância principalmente em levantamentos epidemiológicos e na triagem de animais. No caso do comércio internacional de pequenos ruminantes, o IDGA é recomendado pela Organização Mundial de Saúde Animal para diagnóstico da infecção pelo CAEV (OIE, 2004). Entretanto, de acordo com os resultados obtidos, o mesmo não deve ser utilizado isoladamente na aquisição de animais.
Resultados discordantes entre PCR e IDGA já foram descritos. RIMSTAD et al. (1993) demonstraram que 25% dos animais estudados, soronegativos por ELISA, IDGA e WESRTERNBLOT, foram positivos por PCR. WAGTER et al. (1998) trabalhando com animais que faziam parte do programa de controle nacional holandês contra CAEV/MVV observaram que oito animais soronegativos foram positivos por PCR, demonstrando que o teste é mais sensível na detecção de animais em estágios iniciais da infecção.
É comum entre os caprinocultores a aquisição e troca de animais entre plantéis, principalmente jovens de alto padrão genético, fato que de acordo com os resultados obtidos, representa um grande risco para disseminação do CAEV, mesmo quando se tratam de propriedades que possuam programas de controle da enfermidade como nestes casos. Desta forma, ficou demonstrado que a utilização de técnicas de diagnóstico mais sensíveis, como a PCR, é imprescindível para a obtenção de rebanhos livres da infecção pelo CAEV.
AGRADECIMENTO
Ao Centro de Biotecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) pela concessão dos primers, equipamentos e instalações para a realização da pesquisa.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro em forma de bolsa.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Abr 2022 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2005
Histórico
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Recebido
06 Maio 2005 -
Aceito
06 Jun 2005