Open-access FOTOSSENSIBILIZAÇÃO EM ANIMAIS DE PRODUÇÃO NA REGIÃO SEMI-ÁRIDA DO RIO GRANDE DO NORTE

PHOTOSENSITIZATION IN LIVESTOCK IN THE SEMI-ARID REGION OF RIO GRANDE DO NORTE STATE, BRAZIL

RESUMO

O presente trabalho objetivou estudar a ocorrência de surtos naturais de fotossensibilização que vêm ocorrendo em diversas espécies animais na região semi-árida do Estado do Rio Grande do Norte. Foram visitadas 17 propriedades nas quais estavam ocorrendo casos naturais desta patologia. Foram realizadas entrevistas com os tratadores, exames clínicos e provas séricas bioquímicas de função hepática nos animais afetados. Também foram realizadas avaliações das pastagens para busca de plantas suspeitas de causarem a doença. Essasa mostras foram testadas para detecção preliminar de saponinas. Foi verificado que a fotossensibilização é do tipo secundária (hepatógena) e as espécies mais acometidas são a eqüina e a bovina, mas também ocorre em ovinos, caprinos e asininos. Além disto, parece não haver variação na susceptibilidade entre as diferentes faixas etárias, mas há uma sazonalidade na ocorrência da fotossensibilização, ocorrendo no período final da estação das chuvas. A possível etiologia é a planta conhecida popularmente como ervanço (Floehlichia humboldtiana), a única com alta prevalência em todos os locais afetados e contêm saponinas.

ABSTRACT

The present work aimed to study the photosensitization outbreaks that have occurred in several livestock species in the semi-arid region of Rio Grande do Norte State, Northeastern Brazil. Seventeen farms with natural cases of photosensitization were visited, interviews were performed with animal keepers, and clinical examinations and serum biochemical panel for hepatic function were done. It was also performed evaluation of the pastures searching for suspected plants which could be promoting the disease. Samples of suspected plants as responsible for photosensitization were tested for trial detection of saponins. It was verified that photosensitization is characteristic of the secondary type (hepatogenous), and the most affected species are horses and cattle, but sheep, goats, and donkeys may also be affected. Furthermore, it seems that does not exist variation on the age susceptibility, but there are seasonal differences for occurrence of photosensitization, with outbreaks incidence in the rainy season. The most probably plant responsible for the disease is Floehlichia humboldtiana ('ervanço'), the only highly prevalent species in all places and that contains saponin

KEY WORDS Photosensitization; ervanço; Floehlichia humboldtiana

A fotossensibilização é uma dermatite caracterizada por uma sensibilidade exagerada do animal aos raios solares. Basicamente, há 2 tipos de fotossensibilização: a primária e a secundária, também conhecida como hepatógena. Ambos os tipos de fotossensibilização estão relacionados à presença do agente sensibilizador na corrente sanguínea. Independentemente do agente fotossensibilizante ou do tipo de fotossensibilização, as lesões da pele são as mesmas. São afetadas, sobretudo, as partes menos pigmentadas e menos protegidas por pêlos ou lã (TOKARNIA et al., 2000; RADOSTITS et al., 2002).

Diversos surtos de fotossensibilização têm sido diagnosticados em ruminantes e eqüídeos por veterinários na região oeste do Rio Grande do Norte. Entretanto, estes surtos ainda não foram devidamente estudados, especialmente no que se refere à etio-patogenia. Assim, o presente estudo teve por objetivos avaliar a associação entre o surgimento desta patologia e a presença concomitante de plantas tóxicas potencialmente responsáveis indicando, portanto, sua possível participação na etiopatogênese da fotossensibilização, e se esta é primária ou secundária, em animais no Município de Mossoró, RN.

O estudo foi desenvolvido em 17 propriedades pertencentes à zona rural e urbana da região semi-árida no oeste do Estado do Rio Grande do Norte, na micro-região do Município de Mossoró. A escolha dos animais a serem utilizados no estudo foi realizada de acordo com a observação do rebanho como um todo e execução de um exame clínico de triagem para pré-selecionar os animais suspeitos; posteriormente, foi investigada e questionada a presença de plantas que possivelmente estivessem causando os casos de fotossensibilização por meio da aplicação de uma entrevista semi-estruturada.

A implementação da entrevista teve por objetivo obter informações básicas sobre o rebanho existente na propriedade, o grau de conhecimento dos proprietários sobre a fotossensibilização, se esta patologia já havia ocorrido na propriedade, em qual(is) espécie(s) afetada e há quanto tempo, em qual(is) época(s) do ano a patologia aparecia, se havia piora ou melhora clínica com a mudança de pasto, qual(is) planta(s) estava(m) presente(s) na pastagem naquele momento e qual(is) sintoma(s) clínico(s) estava(m) ocorrendo no(s) animal(is).

Foram coletadas amostras de sangue sem anticoagulante, para a obtenção do soro, de 29 (vinte e nove) bovinos, 13 (treze) equinos e um ovino. As amostras de soro obtidas foram identificadas e mantidas congeladas até o momento das análises, período este inferior a 15 dias. Estas amostras foram utilizadas para determinação dos níveis séricos de bilirrubina direta (BD), bilirrubina total (BT) e bilirrubina indireta (BI), e atividade sérica de alanina aminotransferase (ALT). Para as determinações de BD, BT e ALT, foram utilizados kits comerciais específicos, por meio de metodologias colorimétricas utilizando espectrofotômetro. Os níveis séricos de BI foram obtidos pela diferença entre BT e BD.

A triagem para saponinas foi feita em amostra de planta dessecada em freezer. Inicialmente, uma amostra da planta (100 g) foi triturada em água (500 mL) com o auxílio de um liquidificador, sendo então observada a possível formação de espuma. Posteriormente, foi realizado o teste de atividade hemolítica in vitro. Para este teste, eritrócitos do sangue de eqüino foram separados por centrifugação (3.000 rpm por 5 minutos), lavados e novamente centrifugados 3 vezes com solução fisiológica, e suspendidos também em solução fisiológica formando um hematócrito de 1%. Foi triturada, com o auxílio de um liquidificador, amostra da planta em solução salina a 0,7%, na concentração de 1 g/L, e posteriormente a solução final foi filtrada. Foram misturados 2 mL da solução com a planta e 1 mL da suspensão de eritrócitos, com subseqüente incubação sob homogeneização contínua por 20 min à temperatura ambiente. Concomitantemente, foram utilizados controles negativos (solução de Chenopodium ambrosioides – mastruz, proveniente do Horto de Plantas Medicinais e Tóxicas da UFERSA – e solução fisiológica no lugar da planta) e positivo (água destilada no lugar de solução da planta) para hemólise. A ocorrência de lise dos eritrócitos foi observada após centrifugação.

Os dados obtidos nas análises bioquímicas estão apresentados na forma de média seguida pelo respectivo desvio-padrão. Para comparação destes valores, foram utilizados como valores de referência os dados apresentados na Tabela 1. Com relação ao teste fitoquímico de triagem para presença de saponinas, somente foi considerado como positivo se ocorreu formação de espuma na água e lise dos eritrócitos.

Tabela 1
Atividades séricas de alanina aminotransferase (ALT), bilirrubina direta (BD), bilirrubina indireta (BI) e bilirrubina total (BT) em 29 bovinos, 13 eqüinos e um ovino acometidos naturalmente por fotossensibilização no Rio Grande do Norte. Estão apresentadas as médias seguidas pelo respectivo desvio-padrão.

Nas 17 propriedades visitadas foram examinados 512 bovinos, 62 eqüinos e 210 ovinos, dos quais 29 (5,7%), 13 (21,0%) e um (0,5%) deles, respectivamente, apresentavam sinais clínicos de fotossensibilização. Desta forma, podemos observar que as espécies mais afetadas são a eqüina e a bovina, e menos freqüentemente a ovina. Em 88% das propriedades existiam bovinos e eqüinos e em 31% existiam pequenos ruminantes. Todos os proprietários mencionaram já terem visto casos de fotossensibilização anteriormente nas espécies citadas e, também, em caprinos e asininos. A idade dos bovinos acometidos variou de 8 meses até 20 anos; nos eqüinos esta variação ficou concentrada entre os 8 meses e 12 anos, enquanto que o ovino avaliado no estudo possuía 3 anos, o que demonstra que não há variação na susceptibilidade entre as diferentes faixas etárias. Todos os entrevistados mencionaram a ocorrência da fotossensibilização no período das chuvas (considerado como inverno na região, geralmente entre fevereiro e junho), com piora clínica na época do final deste período (maio e junho) e/ou quando era feita a troca de pastos. Assim, podemos verificar que há uma sazonalidade na ocorrência da doença.

Nos bovinos, as lesões caracterizaram-se por áreas de inflamação restritas às partes despigmentadas da pele (principalmente nas regiões dorsal, perineal, face e membros), edema, aumento de temperatura local, sensibilidade ao toque (nas áreas mais acentuadamente inflamadas), com presença de crostas, secreção, necrose e, em alguns casos, desprendimento de camadas inteiras de pele. A icterícia estava presente naqueles animais em que o quadro clínico encontrava-se visivelmente mais agravado (38%). Outros sinais clínicos incluíram apatia (88%), inapetência (94%), abanar incessante da cauda (75%), lambedura compulsiva das lesões (75%) e fotofobia caracterizada por procura de abrigo (100%). Nos eqüinos examinados, o quadro clínico assemelhava-se quase que totalmente ao apresentado pelos bovinos, com apenas uma característica em particular: as lesões apresentavam-se difundidas por todo o corpo em cavalos com pelagem do tipo tordilho (41% dos casos), e localizadas naqueles que possuíam apenas algumas áreas do corpo com pele despigmentada (59%). O quadro clínico apresentado pelo ovino utilizado no estudo era também bastante semelhante ao dos bovinos, porém o mesmo, apresentava uma lesão em particular localizada na região dorsal que segundo o proprietário sempre reaparecia na época do inverno e não havia regressão da mesma apesar dos tratamentos adotados.

Com relação à possível etiologia, em todas as propriedades visitadas, as áreas de pastagens continham ervanço (Floehlichia humboldtiana (Roem. & Schult.) Seub.) (Fig. 1) e a malva-santa (Walteria indica), enquanto a presença de erva de São-João (Hypericum sp.) era de 6%, a braquiária (Brachiaria brizantha) 6% e o anil (Indigofera suffruticosa), 13%. Destas plantas, apenas a Brachiaria foi anteriormente apontada como responsável por quadros de fotossensibilização (TOKARNIA et al., 2000; RADOSTITS et al., 2002), mas não deve ser a responsável, pelo menos na maioria dos casos, pelos surtos avaliados devido a sua baixa incidência nas pastagens. Além disto, a erva de SãoJoão (Hypericum spp.) e o anil (I. suffruticosa) também não devem ser a causa da fotossensibilização pela baixa incidência nas pastagens e não apresentavam sinais de terem sido ingeridos em quantidade significante pelos animais. Vale salientar que I. suffruticosa é conhecido por promover anemia hemolítica em bovinos (BARBOSA NETO et al. 2001).

Fig. 1
Inflorecêsncia de ervanço (Floehlichia ulbotiana).

A média e o desvio-padrão para a dosagem dos níveis séricos das bilirrubinas e da atividade da ALT estão apresentados na Tabela 1. Assim, foi verificado que os níveis das bilirrubinas indireta e total estavam aumentados em todos animais avaliados, a bilirrubina direta estava aumentada em 11 eqüinos (84,6% dos avaliados), 28 bovinos (96,6%) e no ovino avaliado, mas as atividades de ALT estavam dentro dos valores de referência. Este quadro é característico de patologias envolvendo os canalículos e ductos biliares (SILVEIRA, 1988; TENNANT, 2002). Desta forma, a fotossensibilização aqui avaliada pode ser considerada como secundária. Nesta patologia, o fígado ou seu sistema de ductos sofreu uma lesão que provoca a interrupção da sua função excretória, e o agente fotossensibilizante filoeritrina, derivada da degradação microbiana da clorofila, se acumula na circulação sangüínea e, por meio desta, chega à pele (ROWE, 1989). Por outro lado, RIET-CORREA et al. (2003) citaram a ocorrência de surtos de fotossensibilização primária em eqüinos na Paraíba e no Rio Grande do Norte, e a possível responsável seria uma planta também conhecida como anil, a Cróton hirtus. No entanto, o quadro de fotossensibilização primária não foi observado neste estudo.

Muitas plantas que causam fotossensibilização secundária possuem como princípio tóxico as saponinas (WALL et al., 1952; LEE et al., 2001). Como o ervanço (F. humboldtiana) é a planta mais apontada como sendo responsável por fotossensibilização, foi realizado o teste para triagem de saponinas nesta planta. O resultado do teste foi positivo, tanto na formação de espuma em água quanto na lise de eritrócitos, sugerindo que esta planta contenha saponinas. Este fato reforça a possibilidade do ervanço ser a causa dos surtos. No entanto, a confirmação desta etiologia somente será conseguida através da reprodução experimental da patologia mediante a administração da planta a animais sensíveis.

REFERÊNCIAS

  • 1 BARBOSA NETO, J.D.; OLIVEIRA, C.M.C.; PEIXOTO, P.V.; BARBOSA, I.B.P.; ÁVILA, S.C.; TOKARNIA, C.H. Anemia hemolítica causada por Indigofera suffruticosa(Leg. Papilionoideae) em bovinos. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.21, n.1, p.18-22, 2001.
  • 2 LEE, S.T.; STEGELMEIER, B.L.; GARDNER, D.R.; VOGEL, K.P. The isolation and identification of steroidal sapogenins in switchgrass. Natural Toxins, v.10, p.273-281, 2001.
  • 3 RADOSTITS, O.M.; GAY, C.C.; BLOOD, D.C.; HINCHCLIFF, K.W. Clínica veterinária 9.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. p.526-528.
  • 4 RIET-CORREA, F.; TABOSA, I.M.; AZEVEDO, E.O.; MEDEIROS, R.M.T.; SIMÕES, S.V.D.; DANTAS, A.F.M.; A LVES, J.; NOBRE, V.M.T.; ATHAYDE, A.C.R.; GOMES, A.A.; LIMA, E.F. Doenças dos ruminantes e equinos no Semi-Árido da Paraíba. Semi-árido em Foco, v.1, n.1, p.4-111, 2003.
  • 5 ROWE, L.D. Photosensitization problems in livestock. Veterinary Clinics of North América: Food Animal Practice, v.5, p.301-323, 1989.
  • 6 SILVEIRA, J.M. Patologia Clínica Veterinária: Teoria e Interpretação Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. 196p.
  • 7 TENNANT, B.C. Hepatic function. In: KANEKO, J.J.; H ARVEY, J.M.; BRUSS, M.L. (Eds.). Clinical biochemistry of domestic animals, 5.ed. San Diego: Academic Press, 1997. p.327-352.
  • 8 TOKARNIA, C.H.; DÖBEREINER, J.; PEIXOTO, P.V. Plantas tóxicas do Brasil Rio de Janeiro: Helianthus, 2000. 311p.
  • 9 WALL, M.E.; EDDY, C.R.; MCCLENNAN, M.L.; KLUMPP, M.E. Detection and estimation of steroidal sapogenins in plant tissue. Analytical Chemistry, v.24, p.1337-1341, 1952.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2006

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2006
  • Aceito
    25 Abr 2006
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