Open-access INFLUÊNCIA DE FUSARIUM GRAMINEARUM NA GERMINAÇÃO DE GENÓTIPOS DE TRIGO (TRITICUM AESTIVUM L.)*

INFLUENCE OF FUSARIUM GRAMINEARUM ON THE GERMINATION OF WHEAT (TRITICUM AESTIVUM L.) GENOTYPES

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito do fungo Fusarium graminearum na germinação de sementes de 30 genótipos de trigo. Inicialmente foi determinada a incidência do patógeno presente nas sementes empregando-se o método do papel de filtro modificado com congelamento e em seguida procedeu-se o teste de germinação. Foram feitas análises de correlação entre a germinação das sementes e a incidência de F. graminearume da porcentagem de sementes avaliadas visualmente com sintomas e percentagem de sementes mortas pelo fungo. Não foram encontradas correlações significativas entre a porcentagem de sementes avaliadas visualmente com sintomas e a incidência de F. graminearum, bem como entre a incidência de F. graminearum e a germinação das sementes. Por outro lado, houve correlações significativas: positiva entre a quantidade de sementes mortas pelo fungo (SMF) e a sua incidência nas sementes (r = 0,65) e negativa entre a germinação e a SMF (r = 0,56), mostrando que o fungo afetou a germinação das sementes.

PALAVRAS-CHAVE Patologia de sementes; fungo; giberela; semente

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the effect of Fusarium graminearum on seed germination in 30 genotypes of wheat seeds. First, the pathogen incidence was determined by deep freezing blotter test, followed by evaluation of seeds germination. Analyses were made to check for correlation between pathogen seed incidence and seed germination, seeds with symptoms of the pathogen and seeds killed by F. graminearum(SDF). The correlation was nonsignificant between seeds with symptoms of the pathogen and incidence of F. graminearum in the seeds, as was also the case for seed germination and incidence of the pathogen in the seeds. On the other hand, the correlation analysis between seeds killed by the pathogen and incidence of the pathogen, and between seed germination and SDF, were significant, with r = 0.65 and r = –0.56, respectively. These results showed that F. graminearum affectedthewheat seed germination.

KEY WORDS Fusarium head blight; seed

A giberela ou fusariose é uma doença cujo agente causal é o fungo Gibberella zeae (Schw.) Petch (Sin. Gibberella roseum f. sp. cerealisgraminearum”), forma perfeita de Fusarium graminearum Schwabe (Sin. Fusarium roseum LK emed Snyder e Hans. f. sp. cerealis (Cke.) Snyd. e Hans. cv. “graminearum”). Esta doença é tipicamente de infecção floral, mas sob condições climáticas favoráveis pode ocorrer a partir do espigamento (LIMA, 2003; REUNIÃO, 2005). Sua ocorrência é mais freqüente naquelas regiões onde ocorrem períodos prolongados de chuva (mais que 72h) e temperaturas médias no período chuvoso maiores que 20° C após o início da floração (REIS et al., 2001). Essas características são encontradas na região sul da América do Sul, e permitem que o patógeno cause severas perdas no rendimento, as quais podem ser superiores a 50%, além de afetar a qualidade dos grãos de cultivares suscetíveis (TAVELLA et al., 1979; LUZZARDI; PIEROBOM, 1989; SNIJDERS, 1990). Tais perdas ocorrem especialmente após a difusão de germoplasmas com genes de nanismo, provenientes do México, bastante suscetíveis a F. graminearum.

Os sintomas característicos de giberela são espiguetas despigmentadas, de coloração esbranquiçada ou palha que contrastam com o verde normal das espiguetas sadias. Nas espiguetas atacadas, formam-se grãos chochos, enrugados, de coloração branco-rosada a pardo-clara. Em condições climáticas favoráveis, toda espiga pode ser afetada (REIS, 1988; PARRY et al., 1995).

A ocorrência de fusariose resulta em significantes reduções de produção de grãos no campo e também na sua qualidade. Perdas não estimadas estão associadas com a produção de micotoxinas pelo fungo quando este infecta e coloniza os grãos, podendo causar micotoxicoses em animais e humanos que consomem os grãos “giberelados” (MARASAS et al., 1984).

No Brasil, segundo informações mais recentes, houve o aumento na intensidade da doença devido, provavelmente, ao aumento de inóculo no ar, conseqüência da manutenção dos restos culturais sobre a superfície do solo no sistema plantio direto (MAULER-MACHNIK; ZANH, 1994; PANISSON, 2001).

F. graminearum pode infectar, além das espigas, o sistema radicular, a coroa e porções basais da planta de trigo, causando a morte de plântulas cuja doença é conhecida como podridão comum de raízes (SUTTON, 1982). Além deste patógeno, Bipolaris sorokiniana também é considerado agente causal dessa doença (REIS et al., 1997). As sementes, quando infectadas pelo patógeno, caracterizam-se por apresentar podridão cortical úmida de cor pardo-avermelhado a pardoclara. Palha ou material vegetal em decomposição, colonizado pelo fungo, apresentam-se como uma ótima fonte de inóculo para a infecção de sementes sadias (REIS, 1985).

Para patógenos habitantes do solo, como por exemplo, Fusarium spp., o acesso à superfície dos frutos e sementes é favorecido pelo contato direto dessas estruturas com o solo ou através de respingos de chuva ou de irrigação por aspersão (GALVES, 1976). Poroutro lado, de acordo com BAKER; SMITH (1976) e NEERGAARD (1977), existem duas outras maneiras possíveis de estabelecimento do patógeno no interior das sementes: através do sistema vascular de plantas atacadas e através de órgãos fertilizadores, como grão de pólen, contaminados ou infectados (MACHADO, 1988).

Uma alta porcentagem de sementes podem ser infectadas por diferentes espécies de Fusarium. Como conseqüência, existe a possibilidade de ocorrer falhas na germinação, originando plântulas com podridão radicular ou “gibereladas”, especialmente se as sementes forem plantadas em solos quentes e secos (COOK, 1981). Particularmente para F. graminearum, BECHTEL et al. (1985) observaram que este patógeno invadia agressivamente grandes porções de sementes de trigo, porém não afetavam o embrião. Reduções que ocorriam na germinação de sementes infectadas foram atribuídas ao recomeço do crescimento fúngico e a invasão de tecidos embrionários seguidos por inibição.

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da infecção natural de F. graminearum na germinação de sementes de diferentes genótipos de trigo.

Sementes de 30 genótipos de trigo, armazenadas durante seis meses a 10° C, que diferem entre si quanto à suscetibilidade de F. graminearum, cedidas pelo Centro Nacional de Pesquisa de Trigo (CNPT – EMBRAPA Trigo/Passo Fundo - RS) foram analisadas para sanidade pelo método do papel de filtro modificado com congelamento (BRASIL, 1992; ISTA, 1966) com quatro repetições de vinte e cinco sementes.

Após a avaliação da sanidade das sementes, foi instalado um experimento de germinação no Laboratório de Patologia de Sementes do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Sanidade Vegetal/Instituto Biológico, SP, com os diferentes genótipos, utilizando o método do rolo de papel, conforme especificado nas Regras para Análise de Sementes (1992). O delineamento estatístico empregado foi o de blocos casualizados com quatro repetições de 50 sementes cada.

A avaliação da germinação foi realizada contando-se o número de plântulas normais, plântulas anormais, infeccionadas e não infeccionadas, e sementes mortas por F. graminearum. Neste último caso, considerou-se como sementes mortas por F. graminearum aquelas sementes que não produziram estrutras semanais após o teste de germinação e que apresentavam em sua superfície estruturas fúngicas pertencentes ao patógeno.

Uma avaliação visual das sementes com sintomas de giberela foi realizada na Embrapa Trigo, em subamostra composta de 1.000 sementes de cada genótipo, determinando-se o percentual de sementes “gibereladas”.

Os dados foram submetidos à análise de variância e teste de Tukey, com o auxílio do “software” STATâ. Foi realizada também a análise de correlação entre a incidência de F. graminearum e: (i) avaliação visual de sementes com sintomas do patógeno; (ii) germinação das sementes; (iii) quantidade de sementes mortas com sinais do patógeno (SMF); e (iv) germinação das sementes e SMF.

Analisando a Tabela 1, observa-se que houve diferenças entre os genótipos, em relação à incidência e a germinação das sementes. Entretanto, não foi encontrada correlação entre os diferentes níveis de incidência e a germinação das sementes. Diante deste resultado, não pode ser descartada a possibilidade de existir nessas cultivares maior resistência ao patógeno. Nem sempre as cultivares que apresentaram maiores níveis de incidência de F. graminearum como BRS 209, BRS 210, BRS 220 e BRS 193, apresentaram as menores porcentagens de sementes germinadas. Para essas cultivares, tais porcentagens são semelhantes àquelas observadas nos genótipos que ficaram em posição intermediária em relação à incidência do patógeno.

Por outro lado, as cultivares BRS Louro e Sumai 2 apresentaram baixos níveis de incidência de F. graminearum e elevadas porcentagens de germinação. O mesmo não foi verificado na cultivar GW3, a qual teve o menor nível de incidência e a maior porcentagem de sementes germinadas (Tabela 1).

Tabela 1
Avaliação visual de grãos "giberelados", incidência de Fusarium graminearum, germinação de sementes e quantidade de sementes mortas com sinais do patógeno em 30 genótipos de trigo.

Os genótipos também apresentaram diferenças significativas na porcentagem de sementes mortas por F. graminearum (SMF). As cultivares Sumai 3, GW3, Sumai 2, BRS Tarumã apresentaram menores porcentagens de SMF quando comparadas com BRS 192, BRS 208 e BRS 220.

Ao correlacionar tal variável com a incidência do patógeno e a germinação das sementes, constatou-se para ambos os casos, que existe correlações altamente significativa positiva entre a SMF e incidência (0,65) e negativa entre a SMF e a germinação das sementes (-0,56). Isto indica que, quanto maior é a incidência do fungo nas sementes, maior é a porcentagem de SMF. Por outro lado, quanto maior é a SMF, menor é a percentagem de germinação das sementes. Esses resultados mostram que F. graminearum influiu negativamente na germinação (Tabela 2).

Tabela 2
Coeficientes de correlação (r) entre: grãos “giberelados” e incidência de Fusarium graminearum; incidência e germinação de sementes; incidência e quantidade de sementes mortas com F. graminearum(SMF); e germinação e SMF.

Mesmo invadindo grandes porções das sementes, F. graminearum muitas vezes pode inicialmente não afetar os embriões (BECHTEL et al., 1985). Assim, possíveis reduções na germinação das sementes infectadas pelo patógeno provavelmente são atribuídas ao recomeço do crescimento fúngico e a posterior invasão de tecidos embrionários seguidos por inibição, culminando na morte das sementes.

Em relação à redução da germinação na maioria das cultivares com alta porcentagem de sementes mortas com sinais de F. graminearum, observou-se que a germinação nem sempre foi afetada pela presença do patógeno, visto que em muitos casos ele estava presente e não afetou a germinação. Portanto quatro situações foram observadas: (i) sementes mortas; (ii) sementes mortas com sinais do patógeno; (iii) produção de plântulas normais, sintomáticas ou não; e (iv) produção de plântulas anormais. É necessário salientar que o efeito do fungo na germinação foi representado pelas sementes mortas com sinais do patógeno. Sementes que não foram mortas pelo fungo resultaram em plântulas anormais. Neste caso, a simples presença do fungo contribuiu para a ausência ou má formação das estruturas da semente, como coleóptilo, raízes seminais e demais estruturas.

A SMF também apresentou correlação significativa e positiva (0,65) em relação à incidência do patógeno, indicando que amostras de sementes com maiores incidências de F. graminearum também apresentam maiores quantidades de SMF. A germinação das sementes apresentou correlação negativa (-0,56) em relação à quantidade de SMF, indicando que quanto menor a germinação encontrada, maior era a quantidade de SMF observada nas amostras das cultivares testadas (Tabela 2). Tal resultado permite concluir que, embora não seja possível correlacionar a incidência de F. graminearum e a germinação das sementes, é possível correlacionar a variável “quantidade de sementes mortas com presença de F. graminearum” e a germinação das sementes, demonstrando que o patógeno pode interferir no processo de germinação.

Procurar relacionar avaliações visuais para detectar a presença de um patógeno na semente com testes de sanidade de sementes pode trazer grandes benefícios quando um resultado é corroborado pelo outro.

Contudo para que haja tal correspondência é necessário que o avaliador seja bem treinado, apresentando precisão e acurácia visual para que não ocorra tanto a superestimação quanto a subestimação dos valores. A análise visual de uma determinada doença presente na semente, geralmente, não pode substituir o consagrado teste de sanidade de sementes; porém, tal avaliação pode servir como um valioso indicador do grau de infecção de um patógeno presente nas sementes.

A presença de F. graminearum em sementes de trigo, muitas vezes provocou a redução na germinação das sementes, variando de acordo com a cultivar analisada. Outros fatores intrínsecos à semente, como danos causados por geada que levam ao espiralamento da plúmula e do coleóptilo da semente durante a formação do embrião, a ausência de estruturas ou a sua má formação também podem interferir na porcentagem de sementes germinadas.

Conclui-se que houve diferenças entre os genótipos, em relação à incidência e a germinação das sementes, entretanto não houve correlação entre a incidência de F. graminearum nas sementes e: (i) a sua germinação; (ii) a percentagem de grãos “giberelados”. Contudo, houveram correlações: (i) negativa entre a quantidade de sementes mortas com presença de Fusarium graminearum (SMF) e a germinação e (ii) positiva entre a SMF e a incidência do patógeno presente nas amostras, ficando evidente a influência do fungo na germinação das sementes.

Os autores agradecem o Centro Nacional de Pesquisa de Trigo (EMBRAPA Trigo – Passo Fundo) pela colaboração prestada durante a elaboração do presente trabalho.

  • *
    Parte da tese de doutorado do primeiro autor.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2007

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2006
  • Aceito
    12 Jun 2007
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