RESUMO
Este trabalho relata a ocorrência e os danos de Clastoptera sp. (Hemiptera: Clastopteridae) na cultura da videira em Pernambuco, Brasil. Os espécimes foram coletados em vinhedos ( Vitis vinifera L.) no Estado de Pernambuco, em maio de 2007. O material examinado está depositado na Coleção Entomológica da Embrapa Uva e Vinho (CEEUV Bento Gonçalves, RS) e no Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (MCTP Porto Alegre, RS). A Clastoptera sp., vulgarmente chamada de cigarrinha-da-baba, ataca pecíolos da videira e os engaços dos cachos de uvas. O aspecto da área atacada é muito característico: as ninfas produzem uma espuma com aspecto de cuspo onde ficam protegidas. Quando as brotações atacadas são novas, as folhas ficam secas e quando são mais velhas, ficam cloróticas. Os cachos de uvas atacados são sempre descartados, seja ou não para exportação, o que pode causar grande prejuízo econômico.
PALAVRAS-CHAVE Insecta; cigarrinha-da-baba; Vitis vinifera ; danos
ABSTRACT
This paper describes the occurrence and damages of Clastoptera sp. (Hemiptera: Clastopteridae) in grapevines in Pernambuco State, Brazil. The specimens analyzed in this research were collected in vineyards ( Vitis viniferaL.) in Pernambuco State, in May 2007. The material examined is deposited in the insect collection of Embrapa Uva e Vinho (CEEUV – Bento Gonçalves/RS) and Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (MCTP – Porto Alegre, RS). Clastoptera sp., commonly called “spittlebug,” attacks branches of the grapevine and the rachis of the grapes. The aspect of the attacked area is very characteristic, as the nymphs produce a foam-like spit wherein they are protected. When the attacked branches are young, leaves become dry and when they are older they become chlorotic. The attacked grapes are always discarded, regardless of whether they are for exportation or not, which can cause large economic losses.
KEY WORDS Insecta; spittlebug; Vitis vinifera ; damages
No Brasil, a cultura da videira tem um papel socioeconômico muito importante no Submédio do Vale do São Francisco, maior região produtora e exportadora de uvas de mesa do país, pela geração de empregos de forma direta ou indireta, além das divisas obtidas com a exportação (CORREIA; SILVA, 2001). Desta forma, informações sobre a ocorrência de insetos fitófagos associados aos vinhedos, na região Nordeste, tornam-se fundamentais para auxiliar nas medidas de manejo e controle.
Os Cercopoidea constituem-se no maior grupo de insetos sugadores de seiva do xilema no mundo, incluindo quatro famílias: Aphrophoridae, Cercopidae, Clastopteridae e Machaerotidae (CARVALHO; WEBB, 2005).
A família Clastopteridae Dohrn, 1859 foi redefinida e seus integrantes apresentam a asa truncada no ápice (HAMILTON, 2001). Os Clastopteridae podem ser encontrados alimentando-se sobre árvores e arbustos nativos ou plantas cultivadas (DOERING; 1942; CARVALHO; WEBB, 2005).
O gênero Clastoptera foi descrito por Germar em 1838, no trabalho intitulado “Zeitschrift für Entomologie”, para incluir as espécies Clastoptera xanthocephala e C. achatina (DOERING, 1928). As cigarrinhas do gênero são inconspícuas, apresentam aspecto geral globoso ou semigloboso com coloração variável e as ninfas formam pequenas massas de espuma ao redor do corpo (LIMA, 1942; HAMILTON, 2001). O grupo possui uma grande variabilidade intraespecífica, o que dificulta a identificação precisa das espécies (BALL, 1927a; SÁNCHEZ; NAKANO, 2004).
No Novo Mundo, as espécies do gênero estão amplamente distribuídas, porém grande parte dos estudos realizados está limitada à América do Norte e Central (OSBORN, 1909; METCALF; BRUNER, 1925; DOERING , 1926; BALL, 1927a; 1927b; DOERING , 1928; 1942; HAMILTON, 2001). DOERING (1942) registrou espécies de Clastoptera junto a plantas cultivadas nos Estados Unidos e México, citando C. lawsoni Doering, 1929 e C. obtusa Say, 1825 em videira (Vitis sp.). Sobre as espécies neotropicais, são poucas as informações taxonômicas referentes ao grupo, destacando-se a necessidade de uma revisão para esses táxons (Hamilton, comunicação pessoal).
No Brasil, os trabalhos sobre as espécies de Clastoptera estão restritos ao registro de ocorrência em algumas culturas (SÁNCHEZ; NAKANO, 2004). As pesquisas no país também corroboram a dificuldade na identificação específica dos táxons incluídos no gênero. A presença de Clastoptera sp. é citada por LIMA (1942) em algodoeiro (Gossypium sp.), no Estado do Ceará. MENDES (1979) registra a ocorrência de Clastoptera sp. em cacaueiros (Theobroma cacao L.), no norte no Brasil (Amazonas, Rondônia e Pará). A espécie C. ochrospila Jacobi, 1908, também é citada para a cultura do cacaueiro no Pará e Rondônia (MENDES; GARCIA, 1985; SÁNCHEZ; NAKANO, 2004). No alfeneiro (Ligustrum sp.), Clastoptera sp. consta como registrada para o Estado do Paraná (SÁNCHEZ; NAKANO, 2004). SÁNCHEZ; NAKANO (2004) registram a ocorrência de Clastoptera sp. na cultura do cafeeiro (Coffea arabica L.) em Piracicaba, São Paulo.
Este trabalho teve como objetivo relatar a ocorrência e os danos de Clastoptera sp. em videira no Brasil para o Estado de Pernambuco, principal região produtora e exportadora de uvas para comercialização in natura.
Os insetos estudados foram coletados diretamente sobre as videiras (Vitis vinifera L. cultivar Itália) ou no interior de massas de espuma (formas jovens) em pomares comerciais. As coletas foram realizadas em maio de 2007 na região do Submédio do Vale do São Francisco (Latitude 8º 59´ 138´´ e Longitude 39º 59´ 372´´), no Município de Lagoa Grande, PE. Os espécimes estão depositados na Coleção Entomológica da Embrapa Uva e Vinho, Bento Gonçalves, RS (CEEUV), e Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS (MCTP).
O aspecto geral do táxon encontrado será caracterizado e ilustrado a seguir para facilitar futuros estudos que envolvam essas cigarrinhas associadas aos vinhedos ou a outras culturas de expressão econômica.
Medidas do macho/fêmea de Clastoptera sp. (em mm) (Fig. 1A-C): comprimento (3,7/4,2) e largura (2,3/2,4). Cabeça castanho-clara com manchas castanho-escuras que se estendem da margem anterior até aos ocelos; ocelos castanho avermelhados, mais próximos da linha mediana que dos olhos e junto à margem anterior da cabeça; olhos castanho-escuros, pouco proeminentes; lóbulos supra-antenais com mancha castanho-escura; antenas com pedicelo castanho-escuro e subcilíndrico, corpo basal do flagelo castanho-escuro, projetado para fora do pedicelo; posclípeo castanho-claro com uma conspícua faixa transversal castanho-escura, inflado, de perfil convexo, com faixas estreitas castanho-escuras fracamente marcadas junto às impressões musculares; anteclípeo castanho-claro; rostro castanho-claro com o terceiro artículo castanho-escuro, ultrapassando as coxas medianas. Pronoto castanho-claro com duas faixas transversais castanho-escuras, a primeira estreita, bem marcada e mediana, a segunda mais larga que a anterior, discretamente marcada e localizada posteriormente, margem anterior castanho-escura e côncava, ântero-laterais estreitas, póstero-laterais levemente sinuosas, posterior chanfrada com reentrância mediana, rugosidades transversais no tegumento. Escutelo castanho-claro com mancha castanho-escura junto à base e rugosidades transversais. Tégminas castanho-claras, levemente translúcidas, finamente pubescentes e ornadas com máculas castanho-escuras. Asas posteriores hialinas com venação castanho-clara. Pernas castanho-claras levemente esfumaçadas em castanho-escuro; mancha castanho-escura junto à junção fêmur-tíbia das pernas pro e mesotorácicas; pernas metatorácicas com mancha castanho-escura no ápice do fêmur, espinhos laterais e apicais castanho-escuros; tarsos castanho-escuros.
Danos diretos causados por Clastoptera sp. em videiras também foram constatados no presente estudo. Estes danos podem ser observados quando as cigarrinhas se posicionam entre as bagas ou nos pecíolos mais tenros da videira. O aspecto da área atacada é muito característico; as ninfas produzem uma espuma com aspecto de cuspo onde ficam protegidas (Fig. 2 A e B). Quando o ataque ocorre nas brotações novas, as folhas ficam secas e nas brotações mais velhas, as folhas se tornam cloróticas (Fig. 3 A e B). Os cachos de uvas atacados são sempre descartados, seja ou não para exportação, o que pode causar grande prejuízo econômico.
Clastoptera sp. A. Grupo de ninfas envolvidas pela massa de espuma; B. Ninfa se alimentado junto aos ramos da videira.
Caracterização dos danos e sintomas do ataque de Clastoptera sp. em pecíolos de ramos jovens (A) e velhos de videira (B), variedade “Itália”.
Ataques intensos desse inseto têm sido constatados em empresas da região do Submédio do Vale do São Francisco há, aproximadamente, sete anos (informação pessoal dos produtores). A adoção do manejo integrado de pragas dentro do conceito de Produção Integrada de Uvas Finas de Mesa (PI-Uva) tem contribuído para a diminuição do ataque desta praga nos pomares de uva. Contudo, cabe ressaltar também que outros países, como os Estados Unidos, estão enfrentando problemas causados pela doença de Pierce (“Pierce’s disease”), provocada pela bactéria Xylella fastidiosa Wells et al., 1987, onde cigarrinhas que se alimentam no xilema podem atuar como vetores (HILL ; PURCELL, 1995; LOPES, 1996; PAIVA et al., 1996). A occorrência deste fitopatógeno, embora ainda não tenha sido detectado no Brasil colonizando videira, é comum em outras culturas como citros, ameixa e café (MATIELL O; ALMEIDA, 1998; MARUCCI et al., 2002; CASTRO; MARTINS, 2003). Nesse contexto, em caso de infestação com a bactéria Xylella fastidiosa em videira, Clastoptera sp. poderá, provavelmente, atuar como um vetor em conjunto com outras cigarrinhas.
AGRADECIMENTOS
Ao pesquisador K. G. Andrew Hamilton, PhD (Agriculture and Agri-Food Canada) pela indicação de material bibliográfico que auxiliou o presente estudo. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de Pós-Doutorado Junior concedida ao primeiro autor (Proc. 151594/2005-8). À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) pelo auxílio à pesquisa (Proc. 05/1251.8).
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Jun 2021 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2009
Histórico
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Recebido
24 Jun 2007 -
Aceito
24 Fev 2009