RESUMO
A brucelose equina é causada pela Brucella abortus e se manifesta principalmente através de fístulas na região da cernelha, que podem ser fonte de infecção para humanos. A infecção por B. abortus em equídeos ocorre principalmente pelo contato com bovinos infectados. O objetivo do presente estudo foi estimar a frequência de anticorpos contra B. abortus em equideos procedentes da região da Zona da Mata do Estado de Minas Gerais, Brasil. Um total de 477 amostras de soros provenientes de equídeos saudáveis foram examinados por meio da prova do Antígeno Acidificado Tamponado (AAT) e do 2-Mercaptoetanol (2-ME). Na prova de AAT, 8,18% dos soros (39/477) apresentaram reação positiva, enquanto que nenhum desses reagiu na prova do 2-ME. Esses resultados demonstram que o agente não está presente na população estudada.
PALAVRAS-CHAVE Brucelose equina; sorologia; Brucella spp; zoonose; Minas Gerais
ABSTRACT
Equine brucellosis is caused by Brucella abortus and most commonly manifests as fistulous withers in horses, which can be a source of exposure to humans. Infection by B. abortus in horses occurs mainly through contact with infected bovines. The aim of the present study was to estimate the frequency of antibodies against antigens of B. abortus in equidaes from the Zona da Mata region of Minas Gerais State, Brazil. A total of 477 serum samples from healthy equines were examined by the acidified antigen modification test stained with rose-bengal (card test) and the 2-mercaptoethanol test. Using the card test, 8.18% samples (39/477) showed positive reactions, while no sample was positive using the 2mercaptoethanol test. These results show that the agent is not present in the studied population.
KEY WORDS Equine brucellosis; serology; Brucella spp; zoonosis; Minas Gerais
A brucelose é uma zoonose que acomete uma grande variedade de espécies animais, entre as quais de bovinos, suínos, equinos, ovinos, caprinos e caninos. É uma doença de distribuição mundial e, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) e OIE (Organização Internacional de Epizootia), é uma das mais importantes e difundidas zoonoses do mundo.
Nos equídeos, a brucelose caracteriza-se como uma doença infecto-contagiosa crônica, causada principalmente pela Brucella abortus. Apesar da baixa importância econômica na espécie equina, a doença é preocupante em virtude da possibilidade desses animais serem potenciais hospedeiros, contribuindo para sua introdução em áreas indenes, bem como para sua manutenção onde ela ocorre de forma endêmica.
Sugere-se que a transmissão da brucelose equina ocorra principalmente pela ingestão de água e alimentos contaminados por secreções provenientes do trato reprodutivo, especialmente de bovinos e suínos.
Na década de 80 a doença foi reproduzida em sete equinos através da inoculação da B. abortus por via intraconjuntival. No Brasil, a brucelose bovina causada pela B. abortus é a mais prevalente infecção por bactérias do gênero Brucella, seguida pela Brucella suis em suínos.
Nos equinos, a doença se manifesta sob a forma de lesões articulares crônicas e principalmente por inflamações em ligamentos, apresentando, na maioria das vezes, aumento de volume na região da bolsa supraespinhosa, em forma de abscessos, que fistulam e drenam um material mucopurulento, turvo e floculento, contendo o agente infeccioso.
A infecção pela B. abortus induz no hospedeiro uma resposta imune tanto humoral quanto celular, sendo que a magnitude e a duração dessa resposta podem ser afetadas por fatores como virulência da amostra, idade, sexo, gestação, estado imune e espécie animal.
Assim como no homem, a infecção natural nos animais estimula o aparecimento simultâneo ou ligeiramente diferenciado de imunoglobulinas (Ig) das classes IgM e IgG. Durante a evolução da doença, ocorre o declínio e a tendência de desaparecimento da IgM, enquanto a IgG se estabelece e persiste por longo período.
Em relação ao diagnóstico da brucelose, o isolamento do agente etiológico é o método mais seguro, porém, em virtude das dificuldades desse procedimento e da sua limitação para uso em grandes rebanhos, o diagnóstico indireto é o mais utilizado.
Dentre as técnicas sorológicas disponíveis para detecção de anticorpos contra a infecção pela B. abotus, a prova do antígeno acidificado tamponado e a do 2-mercaptoetanol são as instituídas pelo Programa Nacional de Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose (PNCEBT), sendo a primeira indicada como teste de triagem e a segunda como prova confirmatória.
No Brasil, são escassos os estudos conduzidos na investigação da brucelose equina, o que limita delinear a situação epidemiológica da doença no País. Desta forma, devido à escassez de trabalhos sobre a ocorrência desta doença no Estado de Minas Gerais e como um primeiro passo na compreensão de suas características epidemiológicas nessa região, objetivou-se estimar a frequência de anticorpos contra B. abortus em equídeos da região da Zona da Mata do Estado de Minas Gerais.
Amostras de sangue foram colhidas de 477 equídeos no período de 2004 e 2005 oriundos de 24 municípios da Zona da Mata Mineira: Barra Longa (1), Cajurí (2), Coimbra (4), Cristais (1), Divinésia (19), Dores do Turvo (7), Ervália (2), Guaraciaba (18), Guidoval (2), Morada Nova de Minas (1), Muriaé (2), Oratórios (1), Paula Cândido (164), Ponte Nova (42), Porto Firme (1), Rodeiro (5), São Geraldo (24), São Miguel do Anta (1), Teixeiras (11), Tocantins (6), Ubá (92), Viçosa (46) e Visconde do Rio Branco (25). Esta população era composta de 451 equinos, 21 muares e 5 asininos, de diversas raças, com idades entre 3 meses a 27 anos. Os animais eram utilizados para serviço, competição e reprodução, sendo 292 fêmeas e 185 machos. No momento da colheita das amostras não foram observadas manifestações clínicas sugestivas de brucelose. Na maioria das vezes, os equídeos tinham contato com bovinos nas propriedades em que se localizavam.
As amostras de sangue obtidas por venocentese jugular foram centrifugadas e os soros acondicionados em tubos estéreis e mantidos a -20o C até a realização das provas sorológicas. Os testes foram realizados no Laboratório de Microbiologia do Departamento de Veterinária da Universidade Federal de Viçosa.
Os soros foram examinados por meio do teste do Antígeno Acidificado Tamponado (AAT) e os reagentes nesta prova foram submetidos à prova do 2-Mercaptoetanol (2-ME), que é realizada concomitantemente a prova de Soroaglutinação Lenta em Tubos (SAL), segundo as recomendações do Programa Nacional de Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose.
Para a análise estatística dos dados foi empregado o teste exato de Fisher usando o programa Prism (GraphPad, EUA). Utilizou-se do teste bidirecional com nível de significância de 5%. Especificamente, testou-se a associação entre idades e sexo e a ocorrência de soropositividade para Brucella spp.
Dos 477 animais testados, 39 foram reagentes (8, 18%) na prova do AAT (29 femeas e 10 machos). Dentre os animais reagentes nessa prova, 13 foram reagentes na diluição de 1:25 e um animal foi reagente na de 1:50 pela prova de SAL (13 femeas e 1 macho). Nenhum dos 39 animais apresentou reação positiva no teste do 2-ME (Tabela 1).
Frequência de aglutininas antiBrucella abortus nas provas de Antígeno Acidificado Tamponado (AAT), Soroaglutinação Lenta em Tubos (SAL) e 2-Mercaptoetanol (2-ME) em 477 equídeos da região da Zona da Mata, Minas Gerais.
Embora poucos equídeos apresentaram sororeatividade neste estudo, existiu uma associação positiva entre o sexo feminino e reatividade sorológica pela prova de Soroaglutinação Lenta em Tubos (SAL), mas não pela prova do AAT, de acordo com o teste exato de Fisher (p < 0, 05). O motivo pelo qual esta relação ocorreu não ficou claro.
A faixa etária dos animais soropositivos pela prova do AAT variou entre 1 e 18 anos com média de sete anos. Na prova de SAL, a idade dos soropositivos variou entre 2 e 18 anos, sendo que a idade média foi de 7 anos e 8 meses. Não houve associação significativa entre faixa etária e reatividade em nenhuma das provas sorológicas utilizadas neste trabalho, quando avaliadas pelo teste exato de Fisher.
Dados epidemiológicos sobre a prevalência de brucelose equina no País são escassos, o que dificulta o estudo sistemático do impacto da infecção. Além disso, a metodologia empregada nos poucos trabalhos realizados difere da recomendada pelo PNCEBT, o que dificulta a comparação dos resultados obtidos neste estudo.
VIANNA et al. (1981), em inquérito sorológico para brucelose equina, examinaram 810 soros de cavalos procedentes de diferentes regiões do Estado de Minas Gerais, tendo 0, 24% de animais reagentes quando utilizou o teste do cartão (AAT). FEITOSA et al. (1991), também investigando a presença de anticorpos contra a infecção pela B. abortus no Estado de São Paulo no período de 1977 a 1987, obtiveram 12, 62% de amostras positivas ao testar 103 soros equinos pelo mesmo teste.
No presente estudo, quatorze amostras de soro (2, 93%) foram reagentes à prova de Soroaglutinação Lenta em Tubos, entretanto, nenhuma apresentou título maior que 1:100. Analisando 734 amostras procedentes de diferentes regiões do Estado de São Paulo, LANGONI; SILVA (1997) obtiveram 6, 27% de amostras reagentes no teste de SAL, sendo que apenas 0, 82% dos animais apresentaram títulos iguais ou maiores que 1:100. NICOLLETTI et al. (1982) encontraram títulos maiores que 1:100 em 2, 8% dos 141 cavalos testados com antígenos de B. abortus pela prova de Soroaglutinação Lenta em Tubos.
Deve-se levar em consideração que a prova do AAT consiste em uma soroaglutinação em placa, utilizando o antígeno tamponado em pH baixo (3, 65), o que reduz a atividade da Imunoglobulina M (IgM), proporcionando maior aglutinação das Imunoglobulinas da subclasse IgG1, considerada esta a imunoglobulina de maior especificidade no diagnóstico da doença. Apesar da sua alta sensibilidade, o teste de AAT pode apresentar reações cruzadas, sendo, por isso, necessária a realização de outros testes para confirmar animais reagentes como infectados.
A prova do 2-ME aumenta a especificidade do sorodiagnóstico em virtude da degradação química da IgM e aumento da reatividade da IgG1 após o tratamento do soro com o reagente 2-ME. A utilização do 2-ME impede a ocorrência da maioria das reações inespecíficas, que são mediadas principalmente pelas imunoglobulinas da classe M.
A prova do 2-ME é realizada simultaneamente com a prova de SAL com o objetivo de diferenciar as classes de imunoglobulinas envolvidas. A prova de SAL apresenta boa sensibilidade analítica na detecção dos subtipos de imunoglobulinas, com exceção da IgG1.
Assim como LANGONI; SILVA (1997), no presente estudo, não foram observados animais reagentes na prova do 2-ME ao se investigar a frequência de anticorpos contra a infecção pela B. abortus.
De acordo com os resultados encontrados nas provas de SAL e 2-ME, podemos inferir que as reações positivas ocorridas na prova de SAL deveram-se às interações do antígeno com as imunoglobulinas da classe IgM e salientar a importância das provas sorológicas confirmatórias no diagnóstico indireto da infecção pela B. abortus em razão da maior especificidade da prova de 2-ME.
Com base nos critérios do PNCEBT, a interpretação dos dados do presente estudo é sugestiva de que os animais testados foram negativos para a infecção pela B. abortus na população estudada. Vale salientar que, de acordo com os critérios do PNCEBT para interpretação da prova do 2-ME para animais não vacinados, o animal que apresentou titulação de 1:50 na prova de SAL e não foi reagente na prova do 2-ME apresenta resultado inconclusivo e/ou suspeito. Em fase inicial da infecção, a produção de anticorpos da classe IgM pode acontecer até uma semana antes do aparecimento da IgG, e, neste caso, é sugerida a repetição do exame num prazo de 30 dias, para verificar se houve soroconversão para IgG.
Apesar da baixa importância econômica da brucelose em equídeos e da aparente ausência de anticorpos específicos contra a infecção pela B. abortus evidenciados no presente estudo, são necessários novos levantamentos para o real delineamento epidemiológico da infecção no Estado de Minas Gerais e no Brasil.
AGRADECIMENTOS
À professora Maria Aparecida Scatamburlo Moreira e ao médico veterinário Renato Dale pela contribuição durante a realização das provas sorológicas.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Jun 2021 -
Data do Fascículo
Oct-Nov 2009
Histórico
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Recebido
18 Mar 2008 -
Aceito
06 Out 2009